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1 Direito - UFOP IED II 2a Unidade: Positivismo Jurídico Prof. Júlio Aguiar de Oliveira II. Direito e Moral 1. As Normas morais como normas sociais - “Ao definir o Direito como norma, na medida em que ele constitui o objeto de uma específica ciência jurídica, delimitâmo-lo em face da natureza e, ao mesmo tempo, delimitamos a ciência jurídica em face da ciência natural. Ao lado das normas jurídicas, porém, há outras normas que regulam a conduta dos homens entre si, isto é, normas sociais, e a ciência jurídica não é, portanto, a única disciplina dirigida ao conhecimento e à descrição de normas sociais. Essas outras normas sociais podem ser abrangidas sob a designação de Moral e a disciplina dirigia ao seu conhecimento pode ser designada como Ética”. (p. 67) - “A tentativa do positivismo lógico de representar a Ética como ciência empírica de fatos provém claramente do legítimo empenho de a subtrair ao domínio da especulação metafísica. Mas tal empenho já é bastante respeitado quando as normas que formam o objeto da Ética são conhecidas como conteúdos de sentido de fatos empíricos postos pelos homens no mundo da realidade, e não como comandos de entidades transcendentes. Se as normas da Moral, assim como as normas do Direito positivo, são o sentido de fatos empíricos, tanto a Ética como a ciência jurídica podem ser designadas como ciências empíricas – em contraposição à especulação metafísica -, mesmo que não tenham por objeto fatos mas sim normas. (Nota de rodapé, p. 405) - “Na medida em que a Justiça é uma exigência da Moral, na relação entre a Moral e o Direito está contida a relação entre a Justiça e o Direito. A tal propósito deve notar-se que, no uso corrente da linguagem, assim como o Direito é confundido com a ciência jurídica, a Moral é muito frequentemente confundida com a Ética e afirma-se desta o que só quanto àquela está certo: que regula a conduta humana, que estatui deveres e direitos, isto é, que estabelece autoritariamente normas, quando ela apenas pode conhecer e descrever a norma moral posta por uma autoridade moral ou consuetudinariamente produzida. A pureza do método da ciência jurídica é então posta em perigo, não só pelo fato de se não tomarem em conta os limites que separam esta ciência da ciência natural, mas – muito mais ainda – pelo fato de ela não ser, ou de não ser com suficiente clareza, separada da Ética: de não se distinguir claramente entre Direito e Moral. (p. 67) - Concluindo este tópico, Kelsen afirma que as normas morais são normas sociais (“Também os chamados deveres do homem para consigo próprio são deveres sociais. Para um indivíduo que vivesse isolado não teriam sentido”.) 2. A Moral como regulamentação da conduta interior - A distinção entre o Direito e a Moral. - “A distinção entre a Moral e o Direito não pode referir-se à conduta a que obriga os homens as normas de cada uma destas ordens sociais”. (p. 68) 2 - Neste tópico, Kelsen se opõe à tese kantiana de que a moralidade se refere exclusivamente aos motivos da conduta. A proposta de distinção entre Moral e Direito com base na alegação de que as normas da Moral regulam a “conduta interior” ao passo que as normas do Direito regulam a “conduta exterior” não é, para Kelsen, válida. - “Uma conduta apenas pode ter valor moral quando não só o seu motivo determinante como também a própria conduta correspondam a uma norma moral. Na apreciação moral o motivo não pode ser separado da conduta motivada. Por esta razão ainda, o conceito de moral não pode ser limitado à norma que disponha: reprime as tuas inclinações, deixa de realizar os teus interesses egoísticos. Mas a verdade é que somente se o conceito de Moral for assim delimitado é que Moral e Direito se podem distinguir pela forma indicada: referir-se aquela à conduta interna ao passo que este também dispõe sobre a conduta externa”. (p. 70) 3. A Moral como ordem positiva sem caráter coercitivo - “O Direito e a Moral também se não podem distinguir essencialmente com referencia à produção ou à aplicação das suas normas. Tal como as normas do Direito, também as normas da Moral são criadas pelo costume ou por meio de uma elaboração consciente (...). Neste sentido a Moral é, como o Direito, positiva, e só uma Moral positiva tem interesse para uma Ética científica, tal como apenas o Direito positivo interessa a uma teoria científica do Direito”. (p. 70) - “Uma distinção entre o Direito e a Moral não pode encontrar-se naquilo que as duas ordens sócias prescrevem ou proíbem, mas no como elas prescrevem ou proíbem uma determinada conduta humana. O Direito só pode ser distinguido essencialmente da Moral quando – como já mostramos – se concebe como uma ordem de coação, isto é, como uma ordem normativa que procura obter uma determinada conduta humana ligando à conduta oposta um ato de coerção socialmente organizado, enquanto a Moral é uma ordem social que não estatui quaisquer sanções desse tipo, viste que as suas sanções apenas consistem na aprovação da conduta conforme às normas e na desaprovação da conduta contrária às normas, nela não entrando sequer em linha de conta, portanto, o emprego da força física”. (p. 71) 4. O Direito como parte da Moral/5. Relatividade do valor moral - “Estabelecido que o Direito e a Moral constituem diferentes espécies de sistemas de normas, surge o problema das relações entre o Direito e a Moral. Esta questão tem duplo sentido. Pode com ela pretender-se indagar qual a relação que de fato existe entre o Direito e a Moral, mas também se pode pretender descobrir a relação que deve existir entre os dois sistemas de normas. Estas duas questões são confundidas uma com a outra, o que conduz a equívocos. À primeira questão responde-se por vezes que o Direito é por sua própria essência moral, o que significa que a conduta que as normas jurídicas prescrevem ou proíbem também é prescrita ou proibida pelas normas da Moral. E acrescenta-se que, se uma ordem social prescreve uma conduta que a Moral proíbe, ou proíbe uma conduta que a moral prescreve, essa ordem não é Direito porque não é justa. A questão, porém, é também respondida no sentido de que o Direito pode ser moral – no sentido acabado de referir, isto é, justo -, mas não tem necessariamente de o ser; que uma ordem social que não é moral, ou seja, justa, pode, no entanto, ser Direito, se bem que se admita a exigência de que o Direito deve ser moral, isto é, deve ser justo. Quando se entende a questão das relações entre o Direito e a Moral como uma questão acerca do conteúdo do Direito e não como uma questão acerca da sua forma, quando se afirma que o 3 Direito por sua própria essência tem um conteúdo moral ou constitui um valor moral, com isso afirma-se que o Direito vale no domínio da Moral, que o Direito é uma parte constitutiva da ordem moral, que o Direito é Moral e, portanto, é por essência justo. (p. 72) - Por que Kelsen não aceita essa tese: - “Na medida em que uma tal tese vise uma justificação do Direito – e é este o seu sentido próprio -, tem de pressupor que apenas uma Moral que é a única válida, ou seja, uma Moral absoluta, fornece um valor moral absoluto e que só as normas que correspondam a esta Moral absoluta e, portanto, constituam o valor moral absoluto, podem ser consideradas ‘Direito’. Quer dizer: parte-se de uma definição do Direito que o determina como parte da Moral, que identifica Direito e Justiça”. (p. 72) 5. Relatividade do valor moral - (...) a afirmação de que o Direito é, por sua essência, moral, não significa que ele tenha um determinado conteúdo, mas que ele é norma e uma norma social que estabelece, com o caráter de devida (como devendo-ser), uma determinada conduta humana. Então, nesse sentido relativo, todo o Direito tem caráter moral, todo o Direito constitui um valormoral (relativo). Isto, porém, que dizer: a questão das relações entre o Direito e a Moral não é uma questão sobre o conteúdo do Direito, mas uma questão sobre a sua forma. Não se poderá então dizer, como por vezes se diz, que o Direito não é apenas norma (ou comando), mas também constitui ou corporiza um valor. Uma tal afirmação só tem sentido pressupondo-se um valor divino absoluto. Com efeito, o Direito constitui um valor precisamente pelo fato de ser norma: constitui o valor jurídico que, ao mesmo tempo, é um valor moral (relativo). Ora com isto mais se não diz senão que o Direito é norma”. (p. 74) - “Por tal forma, pois, não se aceita de modo algum a teoria de que o Direito, por essência, representa um mínimo moral, que uma ordem coercitiva, por poder ser considerada como Direito, tem de satisfazer uma exigência moral mínima. Com esta exigência, na verdade, pressupõe-se uma Moral absoluta, determinada quanto ao conteúdo, ou, então, um conteúdo comum a todos os sistemas de Moral positiva. Do exposto resulta que o que aqui se designa como valor jurídico na é um mínimo moral neste sentido, e especialmente que o valor de paz não representa um elemento essencial ao conceito de Direito”. (p. 74) 6. Separação do Direito e da Moral - “É de per si evidente que uma Moral simplesmente relativa não pode desempenhar a função, que consciente ou inconscientemente lhe é exigida, de fornecer uma medida ou padrão absoluto para a valoração de uma ordem jurídica positiva. Uma tal medida também não pode ser encontrada pela via do conhecimento científico. Isto não significa, porém, que não haja qualquer medida. Todo e qualquer sistema moral pode servir de medida ou critério para tal efeito. Devemos ter presente, porém, quando apreciamos ‘moralmente’ uma ordem jurídica positiva, quando a valoramos como boa ou má, justa ou injusta, que o critério é um critério relativo, que não fica excluída uma diferente valoração com base num outro sistema moral, que, quando uma ordem jurídica é considerada injusta se apreciada com base no critério fornecido por um sistema moral, ela pode ser havida como justa se julgada pela medida ou critério fornecido por outro sistema moral”. (p. 76) 7. Justificação do Direito pela Moral 4 - “A tese de que o Direito é, segundo a sua própria essência, moral, isto é, de que somente uma ordem social moral é Direito, é rejeitada pela Teoria Pura do Direito, não apenas porque pressupõe uma Moral absoluta, mas ainda porque ela, na sua efetiva aplicação pela jurisprudência dominante numa determinada comunidade jurídica, conduz a uma legitimação acrítica da ordem coercitiva estadual que constitui tal comunidade”. (p. 78) - O problema de uma legitimação acrítica do Direito: - “Com efeito, pressupõe-se como evidente que a ordem coercitiva estatual própria é Direito. O problemático critério de medida da Moral absoluta apenas é utilizado para apreciar as ordens coercitivas da outros Estados. Somente estas são desqualificadas como imorais e, portanto, como não-Direito, quando não satisfaçam a determinadas exigências a que a nossa própria ordem dá satisfação, (...). Como, porém, a nossa própria ordem coercitiva é Direito, ela tem de ser, de acordo com a dita tese, também moral. Uma tal legitimação do Direito positivo pode, apesar da sua insuficiência lógica, prestar politicamente bons serviços. Do ponto de vista da ciência jurídica ela é insustentável. Com efeito, a ciência jurídica não tem de legitimar o Direito, não tem por forma alguma de justificar – quer através de uma Moral absoluta, que através de uma Moral relativa – a ordem normativa que lhe compete – tão- somente – conhecer e descrever”. (p. 78)
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