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ESTÁCIO DE SÁ 
CONSTITUCIONAL II 
 
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AULA 01 - ORGANIZAÇÃO DO ESTADO: FEDERALISMO 
1. Noções Iniciais sobre Federalismo 
1.1. Origens Históricas 
1.2. Conceitos 
2. Constitucionalismo e Novo Constitucionalismo Latinoamericano 
2.1. Novo Constitucionalismo Latinoamericano 
2.2. Características 
Originalidade 
Prolixidade 
Complexidade 
Rigidez 
2.3. Análise do Constitucionalismo em Bolívia, Equador, Venezuela 
3. Plurinacionalidade 
4. Possibilidades da Criação de um Estado Federal Latinoamericano. 
 
1. Noções Iniciais sobre Federalismo 
1.1. Origens Históricas 
Estudos sobre o federalismo existem desde sociedades políticas antigas, 
contudo, a institucionalização do estado federal somente veio com a federação 
norte-americana, que exerceu enorme influência nos modelos europeus e 
latino-americanos, não sendo, contudo, copiado à risca por nenhum outro país. 
 
Alguns países adotaram modelos mais integradores e outros menos, 
adaptando a "forma americana" a ideologia política que embasa e justifica o 
poder político. A forma como se colocam em equilíbrio as forças presentes, 
com expressão política, na sociedade são consideradas não apenas na 
elaboração do modelo federativo, visto seu dinamismo, mas perduram, 
motivando o seu desenvolvimento.1 
 
O Estado Federal surgiu no direito norte-americano, com a ruptura das Treze 
Colônias Americanas com a Grã Bretanha e a instauração de uma 
Confederação em 1777, sob o estigma de um "mal necessário". Durante a 
Revolução Americana, as províncias americanas, especialmente aquelas que 
 
1
 Segundo Schwartz: “Para o purista teórico, na verdade, ate mesmo um estado com imposto de renda 
federal não é mais um estado genuinamente federal. Mas o federalismo puro é Fundamentalmente 
incompatível com astensões da evolução política do sec. XX. Procurar recriá-lo em sua imagem clássica 
do sec. XVIII é entregar-se abusca de uma quimera.” (1984, p .64) 
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não faziam parte da "Confederação da Nova Inglaterra" que nutriam poucos 
laços entre si, tiveram a necessidade de se unir em prol de um mesmo ideal, 
que era a busca pela sua independência. 
 
Declarada a independência em 1776, todas se proclamaram “Estados 
Soberanos”, elaborando cada uma, suas próprias constituições e aquilo que se 
convencionou chamar de “Federalist Papers” que em seu art. 2º dizia: “Cada 
estado conserva sua soberania, liberdade e independência" (HAMILTON; 
MADSON; JAY 1993, p.11). 
 
Os norte-americanos nutriam um especial apreço por estados pequenos, os 
quais acreditavam serem mais bem administrados, assim como tinham 
desprezo pela monarquia e despotismo. Supunha-se que os direitos 
inalienáveis da liberdade e a busca da felicidade, a que se referia a declaração 
de independência, seriam mais bem protegidas por governos estatuais 
pequenos e locais (FARIAS, 1999). 
 
O único órgão de poder central era o Congresso Continental, inexistindo 
qualquer outro nos poderes executivo ou judiciário. O Congresso Continental 
fora criado pelos federalist papers e consistia numa câmara legislativa única, 
formada por deputados de todas as províncias americanas. Apesar de criá-lo 
expressamente, os feralist papers não delegavam, praticamente, poder algum. 
Buscava evitar que o congresso criasse tributos sobre colônias distantes ou 
que regulasse a sua forma de comércio. Na verdade, o congresso não podia 
nem mesmo exigir tributos para custeio de suas funções principais.2 
 
 
2
 Este quadro político é descrito por HAMILTON: “Em consequência desse vácuo de poder no centro, os 
treze estados uniam em meio a rivalidade e confusão. Agiam, em suma, como as entidades soberanas e 
independentes que supunham ser. Sete dos treze estados imprimiam o seu próprio dinheiro. Muitos 
passavam leis tarifárias contrárias aos interesses de seus vizinhos. Nove dos trezes estados tinham sua 
própria marinha, e frequentemente apreendiam navios de outros estados, Havia contínua disputa sobre 
limites, além de reivindicações conflitantes sobre os territórios do oeste.” (1999, p.11 – 12) 
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Foi nesse contexto e fugindo de uma possível anarquia que surgiu a 
Convenção da Filadélfia, quando os antigos Estados confederados e 
soberanos abdicaram da soberania individual, mas conservaram a sua 
autonomia, criando uma nova entidade, a União, com poderes bastantes para 
exercer tarefas necessárias ao bem comum de todos os Estados reunidos. 
Criando ainda um órgão em que os Estados compunham a vontade da União, 
por meio de representantes no Senado. 
 
Sendo assim, o federalismo americano nasceu da falência do modelo 
confederativo, devido à ausência de cumprimento de suas regras. Era 
necessária a criação de um modelo dotado de maior pode coercitivo e rigidez 
do laço de união. Inclusive, talvez a indissolubilidade do pacto federativo seja o 
principal fator distintivo entre a Confederação (formada por tratado, podendo 
ser denunciado a qualquer momento) e a Federação.3 
A revolta com o modelo da Confederação unido ao trauma da dominação 
inglesa levou a adoção de um novo modelo de Estado, mais eficiente em 
traduzir a segurança jurídica, política e econômica que os americanos 
precisavam. 
 
O Federalismo Brasileiro 
Segundo BARROSO (1982), o federalismo brasileiro, inicialmente, fora adotado 
de forma artificial, a partir da adoção da teoria norte-americana suprimindo a 
realidade social brasileira. Segundo o autor, “a teoria atropelou o fato social.” 
 
3
 Segundo os federalist papers: “Tendo, nos três últimos números, empreendido uma breve revisão das 
principais circunstancias e eventos que ilustram a índole e o destino de outros governos confederados, 
prosseguirei agora na enumeração daqueles defeitos mais importantes, que frustraram até hoje nossas 
esperanças no sistema estabelecido entre nós. Para formar um juízo seguro e satisfatório do remédio 
adequado, é absolutamente necessário que estejamos bem a par da extensão e da malignidade da 
doença. O próximo defeito muito palpável da atual confederação é a total falta de sanção as suas leis. 
Os Estados Unidos, tal como agora se compõem, não tem poder algum para exigir obediência ás suas 
resoluções, ou para punir sua desobediência, seja por multas pecuniárias, suspensão ou privação de 
privilégios, ou quaisquer outros meios constitucionais. Não lhes foi expressamente delegada autoridade 
para usar força contra membros transgressores (...) A falta de uma mútua garantia entre os governos 
estaduais é outra imperfeição capital no plano confederacional.” (MADISON; estaduais é outra 
imperfeição capital no plano confederacional.” (MADISON; HAMILTON; JAY, 1993, p.188) 
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Isso se deve ao fato de que a estrutura do federalismo brasileiro é 
diametralmente contrária a formação original do federalismo americano. 
Enquanto na América do Norte um movimento centrípeto uniu treze Estados, 
no Brasil, passamos de um Estado unitário imperialista, com exacerbada 
centralização de poder e subordinação hierárquica, para a dissolução em um 
sistema dual. Sendo assim, o federalismo brasileiro foi uma construção 
idealista, que tinha a função de pactuar movimentos políticos conflitantes e 
“acalmar” os ingênuos anseios populares por uma forma de Estado que melhor 
aproximasse o poder do povo. 
 
Na Constituição do Império (1824) não havia federação. Além disso, era 
expressamente proibida a criação de qualquer laço federativo. As provínciasficavam diretamente sob o jugo do poder central, consoante dispunha o artigo 
165 da Carta Imperial: "Haverá em cada Província um Presidente, nomeado 
pelo Imperador, que o poderá remover, quando entender, que assim 
convém ao bom serviço do Estado." 
 
Na Carta de 1891, houve a estruturação do modelo federativo, nos moldes do 
norte-americano, ficando assentado no art. 1º: "Art. 1º - A Nação Brasileira 
adota como forma de governo, sob regime representativo, a República 
Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se por 
união perpétua e indissolúvel de suas antigas províncias, em Estados 
Unidos do Brasil." Foi uma alteração descentralizadora abrupta no regime 
brasileiro, pois que o modelo norte-americano adotado era de um federalismo 
dualista, ou seja, concebido enquanto duas esferas estanques, "a da União de 
um lado, a do Estado-membro de outro." (FERREIRA FILHO, 1994, p. 45) 
 
Rui Barbosa foi o principal inspirador da nova Constituição. Segundo Paulino 
Jacques (1970, p. 52) "dizer-se que Rui foi o pai da Constituição de 1891, 
talvez, não seja exagerado". Mas Rui Barbosa percebeu que havia uma 
"revolução federativa", em que os federalistas conversos desbancavam os 
antigos federalistas. Em razão disso, assinalou: "Federação tornou-se moda, 
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entusiasmo, cegueira, palavra mágica, a cuja invocação tudo há de ceder, 
ainda que a invoquem mal, fora de propósito e em prejuízo da federação 
mesma". 
 
Em 1934, a nova Constituição brasileira manteve a forma federativa de Estado. 
O progresso dessa Carta ficou por conta da redefinição tributária entre os entes 
políticos, apesar de a arrecadação da União permanecer muito superior à dos 
Estados-membros. Os Municípios também passaram a ter impostos privativos, 
o que anteriormente era disciplinado pelas Constituições e Leis Estaduais. 
 
No entanto, a estrutura criada em 1934 teve curta duração, porquanto em 1937 
foi outorgada outra Carta Constitucional, que, objetivava fortalecer a União e os 
Municípios. Todavia, o texto de 1937 não entrou em vigor integralmente, 
porque não foi realizado um plebiscito de ratificação que nele estava previsto. 
Com isso, a União "passou a gerir toda a administração do país, através de 
interventores e conselheiros nomeados pelo poder central." 
 
A Constituição de 1946 restabeleceu o sistema de 1934, com algumas 
alterações. A tendência centralizadora, contudo, não encontrou obstáculo na 
Constituição de 1946. Ela também favoreceu a centralização do governo. 
As Constituições de 1967 e 1969, lamentavelmente, deram ao poder federal 
uma amplitude sem limites, do que resulta um federalismo nominal, 
doutrinariamente inaceitável e praticamente reduzido a uma caricatura. 
 
Com o advento da Constituição brasileira de 1988 cuidou de estabelecer a 
forma de Estado e a forma de Governo adotados: "... República Federativa 
do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do 
Distrito Federal [...]" 
A Constituição de 1988 procurou resgatar o espírito federalista, estruturando 
um sistema de repartição de competências entre as três esferas de governo e 
equilibrando as relações de poder entre elas, embora o mesmo autor admita 
que nos países em que a formação da federação foi centrípeta, a exemplo dos 
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Estados Unidos, haja mais descentralização do que nos países de formação 
centrífuga, em que, via de consequência, o poder é mais concentrado. Há 
autores, que dizem que a federação brasileira esteja num estágio avançado. 
Para esses, a concretização efetiva do ideal federativo está distante daquilo 
que a Carta política expressa. 
 
1.2. Conceito de federalismo 
 
O conceito de Federalismo é algo destoante na doutrina, ganhando inúmeros 
contornos teóricos, mas nunca um conceito unívoco. Segundo HESSE (1998), 
devemos entender o federalismo como um princípio político fundamental, que 
tem como objetivo unificar totalidades políticas diferenciadas em um conjunto 
de regras comuns, postas de modo a efetivar uma colaboração comum entre 
seus componentes. A elasticidade que reveste a ideia de Federal deve-se em 
parte ao contexto maior na qual se insere o problema, sendo assim, cabe a 
pesquisa, enfocar os elementos que tomará como base na formação daquilo 
que se chama de federalismo e a especificidade que ganha em cada Estado. 
 
O Federalismo é a denominação feita à relação entre as diversas unidades da 
Federação, tanto entre si, quanto com o Governo Federal. Trata-se de um 
sistema político em que municípios, estados e distrito federal, sendo 
independentes um do outro, formam um todo que valida um governo central e 
federal, que governa sobre todos os membros acima citados. É a união dos 
Estados do país para manter a autonomia de cada estado. 
 
2. Constitucionalismo e Novo Constitucionalismo 
Latinoamericano 
 
Entende-se por Constitucionalismo o movimento social, político e jurídico e 
até mesmo ideológico, a partir do qual emergem as constituições nacionais. Em 
termos genéricos e supranacionais, constitui-se parte do estabelecimento de 
normas fundamentais de um ordenamento jurídico de um Estado, localizadas 
no topo da pirâmide normativa, ou seja, sua constituição. Seu estudo implica, 
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deste modo, uma análise concomitante do que seja constituição com suas 
formas e objetivos. O constitucionalismo moderno, na magistral síntese de 
Canotilho "é uma técnica específica de limitação do poder com fins 
garantísticos" (CANOTILHO). 
 
Atualmente, o constitucionalismo é associado a, pelo menos uma das 3 ideias 
seguintes: Garantia de Direitos; Separação de Poderes e Princípios e Governo 
Limitado. 
O constitucionalismo, geralmente, se contrapõe ao absolutismo. É uma busca 
do homem político pela limitação do poder, uma busca contra o arbítrio do 
poder do Estado. 
Constitucionalismo ANTIGO: A experiência entre os Hebreus – No caso dos 
hebreus, o constitucionalismo está ligado ao Estado teocrático. O 
constitucionalismo está sempre ligado a uma das 3 ideias supracitadas. Entre 
os hebreus, o governo era limitado através de dogmas consagrados na Bíblia. 
 
A experiência na Grécia antiga: No caso da Grécia, ocorreu a mais avançada 
forma de governo de que já se teve notícia até hoje, a chamada democracia 
constitucional. As pessoas participavam diretamente das decisões políticas do 
Estado (Cidade-Estado de Antenas). 
A experiência em Roma: À Roma deve-se associar a ideia de liberdade. 
A experiência ocorrida na Inglaterra: Na Inglaterra, o governo das leis surgiu 
em substituição ao “governo dos homens”. Esta experiência constitucional 
inglesa contribuiu com duas ideias fundamentais: 1) governo limitado e 2) 
igualdade dos cidadãos ingleses perante a lei. Essas são as duas ideias 
principais do “rule of law”. Essas ideias do constitucionalismo inglês surgiram 
na Idade Média. Na Inglaterra, não existe uma Constituição escrita. 
 
Constitucionalismo CLÁSSICO ou LIBERAL – Liberté 
O constitucionalismo clássico surgiu a partir do final do século XVIII. Um fator, 
ocorrido nessa época, foi muito importante: as chamadas revoluções liberais 
(revoluções Francesa e Americana), feitas pela burguesia em busca de direitos 
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libertários. Com essas revoluções ocorreu o surgimento das primeiras 
constituições escritas. 
 
* Revolução Norte-americana: Surgiu, nesse cenário, a primeira constituição 
escrita de que se tem notícia, a “Declaração de Direitos do Bom Povo da 
Virgínia” (Virginia Bill of Rights,de 1776). Logo depois dela, em 1787, a 
Constituição Americana surgiu e até hoje está em vigor. As duas principais 
ideias com as quais os americanos contribuíram para o constitucionalismo são: 
- A ideia de supremacia da Constituição – a Constituição é a norma suprema 
porque estabelece as regras do jogo; 
- A garantia jurisdicional– é o Judiciário o principal encarregado de garantir a 
supremacia da Constituição, pois é o mais neutro politicamente. Democracia 
não é só vontade da maioria, senão vira ditadura da maioria, mas inclui 
também a garantia de direitos. O Judiciário vai proteger o direito das minorias. 
 
* Experiência Francesa – Na França, surgiu a primeira constituição escrita da 
Europa, em 1791. A experiência francesa contribuiu com duas ideias principais: 
- Garantia de direitos, e 
- Separação dos Poderes. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e 
do Cidadão é de 1789 e serviu de preâmbulo para a Constituição Francesa de 
1791. 
 
Constitucionalismo MODERNO – Egalité 
Enquanto o clássico é o liberal, o moderno é chamado de constitucionalismo 
social. O constitucionalismo moderno surgiu a partir do fim da I Grande Guerra. 
Houve um esgotamento da ideia liberal (que protegia os direitos de liberdade, 
mas não os sociais). Impossibilidade do constitucionalismo liberal de atender 
as demandas sociais que abalavam o século XIX. 
- A primeira geração dos direitos fundamentais, surgiu no constitucionalismo 
clássico (dos EUA e França), e consagrou a liberdade. 
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A segunda geração dos direitos fundamentais, o social, o econômico, o cultural, 
consagrou a igualdade material. De nada valeria a liberdade, sem a igualdade 
substancial. 
 
Constitucionalismo CONTEMPORÂNEO – Fraternité 
O constitucionalismo contemporâneo vem sendo chamado por alguns autores 
de Neoconstitucionalismo. Vai surgir no fim da II Grande Guerra. Período 
marcado por atrocidades. 
 
O direito não é apenas forma, não é apenas norma jurídica, ele tem que ter um 
conteúdo moral para ser válido. A essa nova ideia de constitucionalismo no 
direito Paulo Bonavides dá o nome de pós-positivismo. 
 
Com o fim da II Grande Guerra, as constituições começaram a consagrar, 
expressamente, a dignidade da pessoa humana. Passou a ser considerada um 
valor constitucional supremo. A dignidade é um atributo que todo ser humano 
tem. O Estado existe para o cidadão e não o contrário. O cidadão é um fim em 
si mesmo, não pode ser entendido como um meio para atingir o Estado. A 
partir da dignidade da pessoa humana, como núcleo da constituição, aconteceu 
a chamada rematerialização constitucional. Aqui nasce a terceira causa do 
surgimento desse novo constitucionalismo, que é o reconhecimento da força 
normativa da Constituição. Há, pois, três causas: 
1ª – Consagração da dignidade da pessoa humana como valor supremo 
2ª – Rematerialização das constituições, com rol extenso de direitos 
fundamentais. 
3ª – Força normativa da Constituição. 
 
Constitucionalismo FUTURO ou Neoconstitucionalismo 
Houve um congresso onde vários constitucionalistas do mundo inteiro se 
reuniram para discutir o futuro das constituições. Um deles, um autor argentino, 
José Roberto Dromi, disse o seguinte: “no futuro haverá um equilíbrio entre os 
valores marcantes do constitucionalismo moderno e os excessos praticados 
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pelo constitucionalismo contemporâneo.” É a famosa Teoria Mista. Nem o 
excesso de Constituição e nem a falta de Constituição, nem a fraqueza do 
Judiciário e nem o excesso de Judiciário. Nem a ausência de normatividade 
dos princípios e nem a aplicação só dos princípios. Valores fundamentais que 
as constituições do futuro devem consagrar: verdade, solidariedade, consenso, 
continuidade, participação, integração e universalização. 
Assim, podemos a partir do texto acima conceituar o Neoconstitucionalismo 
como sendo um movimento teórico de revalorização do direito constitucional, 
de uma nova abordagem do papel da constituição no sistema jurídico, 
movimento este que surgiu a partir da segunda metade do século XX. O 
Neoconstitucionalismo visa refundar o direito constitucional com base em 
novas premissas como a difusão e o desenvolvimento da teoria dos direitos 
fundamentais e a força normativa da constituição, objetivando a transformação 
de um estado legal em estado constitucional. 
 
2.1. Novo Constitucionalismo Latinoamericano 
O Parágrafo único do artigo 4º da Constituição da República Federativa do 
Brasil de 1988 menciona que “a República Federativa do Brasil buscará a 
integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, 
visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”. 
O novo modelo constitucional é fruto de reivindicações sociais históricas. 
 
Esse movimento neoconstitucional culminou na promulgação das constituições 
do Equador (2008) e da Bolívia (2009) – tem sido chamado por alguns 
estudiosos de “novo constitucionalismo latino-americano”. 
 
Destaca-se a dificuldade de explicar as razões pelas quais esse movimento 
tenha ocorrido na América Latina, principalmente pelo fato de que as 
experiências constituintes realizadas por esse movimento são poucas, ainda 
que significativas. Contudo, tal fato não impede a análise das principais 
características do novo constitucionalismo. No novo constitucionalismo, o poder 
constituinte originário volta a ser exercido como nos primórdios, com a efetiva 
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manifestação da vontade popular, compreendido em toda a sua pluralidade de 
composição – e não como exercido nas últimas transições políticas na América 
Latina, em que a participação popular era relegada a uma fraca e imprecisa 
representação. Para Dalmau, “o novo constitucionalismo latino-americano é 
uma evolução do “antigo” constitucionalismo latino-americano e que surgiu 
para atender à necessidade de alteração jurídico-política vivida pela América 
Latina atualmente”4. 
O novo constitucionalismo latino-americano promove uma ressignificação de 
conceitos como legitimidade e participação popular – direitos fundamentais da 
população –, de modo a incorporar as reivindicações das parcelas 
historicamente excluídas do processo decisório, notadamente a população 
indígena. A título exemplificativo veja-se o artigo 8º da Constituição Boliviana 
de 2009, em que se consagra como princípio ético-moral o “Sumak kamaña” ou 
o “Sumak kawsay” – “viver bem” em quéchua, língua nativa dos índios. 
 
Art. 8º El Estado asume y promueve como principios ético-
morales de la sociedad plural: ama qhilla, ama llulla, ama suwa 
(no seas flojo, no seas mentiroso ni seas ladrón), suma 
kamaña (vivir bien), ñandereko (vida armoniosa), teko kavi 
(vida buena), ivimaraei (tierra sin mal) y qhapaj ñan (camino o 
vida noble)”. (BOLÍVIA, 2009) 
 
O novo constitucionalismo levou à implantação do Estado plurinacional5 na 
Bolívia e Equador. O conceito de plurinacionalidade obriga a refundação do 
Estado moderno, pois o Estado plurinacional deve congregar diferentes 
conceitos de nação dentro do mesmo Estado. O Estado plurinacional condensa 
as principais propostas do novo constitucionalismo, sendo uma resposta à ideia 
uniformizadora instituída pelo Estado nacional, em que o Estado e a 
 
4
 DALMAU, Rúben Martínez. El nuevo constitucionalismo latinoamericano y el proyecto de constituición 
del ecuador. Alter Justicia, n. 1. Guayaquil, oct. 2008, p. 17-27. Disponível em: 
<http://sites.google.com/site/martinezdalmau2/AlterJustitia1.doc Acesso em: 03 de março de2017. 
5
 o conceito de plurinacionalidade, do qual derivam a interculturalidade e pós-colonialidade, está 
presente em vários países, como Canadá, Suíça e Bélgica”. Destaca-se, pois, a existência de dois 
conceitos de nação: o primeiro, liberal, em que há identificação entre nação e Estado, unificando-se os 
conceitos – uma nação, um Estado; o segundo conceito, desenvolvido pelos índios, está ligado à 
autodeterminação. 
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Constituição são a representação de uma única nação, um único direito, sem 
diversidade de interesses, cultura e sem levar em conta a pluralidade existente 
na composição do povo”. 
De todo o acima exposto, concluímos que o surgimento do novo 
constitucionalismo latino-americano é um movimento social, jurídico-político 
voltado à ressignificação do exercício do poder constituinte, da legitimidade, da 
participação popular e do próprio conceito de Estado. O Estado do novo 
constitucionalismo latino-americano é o Estado plurinacional, que reconhece a 
pluralidade social e jurídica, respeitando e assegurando os direitos de todas as 
camadas sociais. 
 
Não se afirma aqui, que o Neoconstitucionalismo acabou ou foi superado. O 
que aqui se desenvolve é que em alguns países latino-americanos, onde se 
originou o novo constitucionalismo, é a criação/reconhecimento pela ordem 
jurídica de direitos existentes no seio social, de formas mais efetivas de 
participação popular e da construção de um Estado que reconheça a 
pluralidade e peculiaridade de seu povo. 
 
O novo constitucionalismo latino-americano propõe uma nova independência e 
a criação de um Estado participativo e efetivamente democrático, como 
mecanismo de se ver garantido o Parágrafo único do artigo 4º da Constituição 
da República Federativa do Brasil de 1988. 
 
2.2.CARACTERÍSTICAS: ORIGINALIDADE, PROLIXIDADE, 
COMPLEXIDADE E RIGIDEZ 
 
Com o advento do estado plurinacional por meio das constituições equatoriana 
de 2006 e boliviana de 2009. A linha do tempo que vai de 1991 a 2009 
representa estágios evolutivos diferentes do novo constitucionalismo que 
rumam até o surgimento do estado plurinacional. Pesquisadores do novo 
constitucionalismo latino-americano identificam ao menos quatro elementos em 
comum a todos os processos constituintes citados acima: 
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Originalidade: No tocante às inovações institucionais trazidas; o fato de ser 
um constitucionalismo pensado por latinos e para latinos. 
 
Prolixos: São textos longos com média de ao menos 300 artigos. A extensão 
das constituições tem dois motivos: a) São extensos porque buscam ser 
capazes de dar respostas às necessidades que o povo solicita; b) São 
extensos porque buscam frear a atuação do Congresso e das Cortes 
Supremas em dar interpretação em sentido contrário aos anseios populares. 
Foi o meio encontrado para manter a vontade constituinte e evitar que a elite 
usurpe o movimento popular legítimo por meio de interpretações diversas. 
 
Complexidade: O texto de uma constituição mexe com temas complexos 
principalmente quando trabalha com questões econômicas, fiscais, 
macroeconômicas, tributárias e monetárias. Contudo, dificuldade técnica não 
pode ser sinônimo de linguagem ou construção textual difícil. A complexidade 
técnica deve vir acompanhada de uma linguagem simplista para permitir que a 
população entenda o documento que estrutura seu país; foi a forma encontrada 
para romper com a dominação do direito promovida pela elite, pois facilitar a 
linguagem significa que qualquer um do povo pode ler e compreender a 
mensagem sem precisar de intermediários ou tradutores. A linguagem 
acessível retira a opacidade do direito. 
 
Rigidez: na ativação do poder constituinte derivado. Tentativa de impedir que 
os poderes constituídos disponham da capacidade de reformar a constituição 
por eles mesmos. A rigidez não busca a fossilização da constituição, mas 
somente admitir a modificação mediante consulta popular prévia. É preciso que 
o povo admite a reformar constitucional. 
Sob a ótica dos países que mais avançaram no novo constitucionalismo é 
válido indagar acerca da profundidade real desta mudança e até que ponto 
aquilo que foi pleiteado se efetivou. 
 
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 No caso boliviano a Assembleia Constituinte deixou de ter sua 
representação oriunda dos movimentos sociais e dos povos indígenas 
como se queria inicialmente para ter uma representação com origem em 
representantes eleitos. Ainda sobre a Bolívia, a questão da 
plurinacionalidade tem duas facetas: territorial e estrutura do Estado. A 
primeira implica em reconhecer e assegurar direitos aos povos 
indígenas (terra e recursos naturais) enquanto que a segunda está 
atrelada à participação efetiva nos poderes (co-governo). 
Contudo, de forma habilidosa, as oligarquias conseguiram destorcer o campo 
jurídico da transformação que se desenrolava por meio de um terrorismo 
separatista ao afirmar que dar plena autonomia às regiões ricas em recursos 
naturais poderia incentivar a secessão. Isso culminou em um regime de 
descentralização e autonomias nas formas tradicionais de Departamentos e 
Municípios nos territórios indígenas em detrimento de uma descentralização 
mais profunda e eficaz. 
 No caso equatoriano o hiperpresidencialismo afetou a constituinte. Por 
mais que referendo de 2007tenha sido aprovado para a convocação da 
Assembleia Constituinte, a despeito do apoio popular, quem promoveu a 
iniciativa foi o próprio presidente Rafael Côrrea. Houve atuação intensa 
por parte do Presidente ao ponto de opor resistência a temas como 
autonomia indígena, proteção da natureza e direitos sexuais. A 
intervenção chegou a níveis tão alarmantes que o presidente da 
Assembleia Constituinte renunciou antes de terminar os trabalhos. No 
entanto, apesar das intervenções a Constituição equatoriana conseguiu 
manter o perfil nacional e redistributivo. A inovação extremamente 
relevante no constitucionalismo equatoriano está no amplo e inovador rol 
de direitos. 
À luz do bem-viver se tratam dos direitos econômicos, sociais e culturais. Há 
uma forte tutela do meio ambiente ao ponto de se reconhecer que este é titular 
de direitos: La naturaleza será sujeto de aquellos derechos que le reconozca la 
Constitución. A inovação é um resgate cultural (giro descolonial em oposição 
ao eurocentrismo) em razão do novo valor dado a natureza que em nada se 
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confunde com ideais eurocêntricos, pois assegura-se o direito de restauração 
do meio ambiente em um giro biocêntrico sem precedentes em uma 
constituição. 
 
Independente das críticas existentes, o novo constitucionalismo é um 
movimento que trouxe mudanças na região andina. A valorização do indígena, 
a busca pelo diálogo com os povos originários, a reconexão com a natureza e a 
busca pela participação popular são realidades constitucionais que produziram 
efeitos sociais e trouxeram melhorias. É um movimento constitucional, como já 
dito anteriormente, que está em efetivação, possuindo, portanto, arestas a 
serem aparadas até mesmo por ser um movimento popular e não 
eminentemente acadêmico. 
 
3. PLURINACIONALIDADE 
 
A plurinacional é fruto da evolução do novo constitucionalismo latino-
americano. De acordo com Raquel Yrigoyen Fajardo, a plurinacionalidade é 
resultado de um processo ao qual a América Latina está inserida e que se 
desenvolveu em três etapas sucessivas onde a grande maioria dos países está 
envolvida em algum estágio. Portanto, enquanto uns estão no primeiro, outros 
foram ao segundo e apenasdois (Bolívia e Equador) atingiram o terceiro 
patamar. 
 
El pluralismo jurídico, como forma de coexistência de vários sistemas 
normativos dentro de um mismo espacio geopolítico, aun en su forma colonial 
subodinada, no era admisible para la ideología del Estadonación. El Estado-
nación monocultural, el monismo jurídico y un modelo de ciudadanía censitaria 
(para hombres blancos, propietarios e ilustrados) fueron la coluna vertebral del 
horizonte del constitucionalismo liberal del siglo XIX en Latinoamérica. Um 
constitucionalismo importado por las elites criollas para configurar estados a su 
imagen y semejanza, con exclusión de los pueblos originarios, los 
afrodescendientes, las mujeres y las mayorías subordinadas, y con el objetivo 
de mantener la sujeción indígena (9 FAJARDO, Raquel Yrigoyen. El horizonte 
ESTÁCIO DE SÁ 
CONSTITUCIONAL II 
 
16 
 
del constitucionalismo pluralista: del multiculturalismo a la descolonización In El 
Dereho en América Latina: Um mapa para el pensamiento jurídico del siglo 
XXI. Coordenador: César Rodríguez Garavito. Ed: Siglo veintiuno. 1ª ed. 2011). 
 
O plurinacionalismo busca romper de vez com a herança colonial e aprofundar 
o espírito descolonizador existente no movimento latino ao propor uma 
refundação do Estado a partir do reconhecimento de seu passado pré-
hispânico com o objetivo de reconhecer e resgatar as heranças indígenas 
renegadas e sufocadas desde o período colonial e republicano. Portanto, os 
povos indígenas não são mais vistos como culturalmente diversos, mas como 
nações originárias que compõe o Estado. 
 
4. POSSIBILIDADES DA CRIAÇÃO DE UM ESTADO FEDERAL 
LATINOAMERICANO 
 
Federalismo Na Constituição Brasileira 
 
A formação de um estado é fruto de aspectos históricos e culturais cuja 
centralização vem a ser arrefecida, em alguns casos, com a adoção do 
federalismo para atender aos interesses da própria diversidade. Portanto, falar 
de forma federativa à luz do Novo Constitucionalismo Latino Americano é 
extremamente pertinente. 
 
Fatores como maior participação popular, aproximação do poder político do 
povo, reconhecimento da diversidade étnica e cultural, superação do monismo 
por um direito pluralista e advento de um estado plurinacional direcionam para 
a autonomia política. Ao falar em plurinacionalidade é natural pensar em 
pluralidade de centros decisórios. O contexto de admissão e valorização das 
diferenças, característica típica de um Estado Federal, clama por autonomia 
política para possibilitar que cada entidade subnacional possa compatibilizar e 
adotar as melhores medidas de acordo com sua realidade regional. Diante de 
uma proposta de giro descolonial, o federalismo propiciaria o reconhecimento e 
a valorização da pluralidade étnica. 
 
ESTÁCIO DE SÁ 
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17 
 
As diferenças culturais entre os diversos grupos étnicos são imensas, e é por 
isso que a pluralidade política (federalismo) poderia propiciar e fortalecer a 
identidade de cada grupo existente (Quechua, Tacana, Mosetén, Mataco, 
Guarani, Aymara e etc). O novo constitucionalismo não se pode ater somente à 
autonomia administrativa, mas deve aprofundar ao ponto de se atingir a 
autonomia política. 
Choudry e Hume, teóricos do federalismo de pós -conflito, sustentam que os 
países que adotam a forma federal no século XXI estão buscando apaziguar 
tensões existentes entre regiões dotadas de divergências econômicas e 
culturais (assimetrias) com fim de manter a integridade territorial. Diante desta 
lógica, um federalismo de pós conflito poderia ser utilizado nos países andinos, 
pois atuaria em duas frentes distintas: 
 
Por não serem países com tradição federalista, a adoção desta forma de 
estado seria lenta e gradual (em razão da experimentação de maior 
descentralização e autonomias existentes), ou seja, são países unitários que 
possivelmente adotariam a forma federal no futuro; 
 
As assimetrias culturais e econômicas que antes eram sufocadas passam a ser 
incentivadas o que gera disputa com o centro para que cada ente subnacional 
possa ser diferente naquilo que lhe compete. Logo, a forma federal apaziguaria 
tensões que seriam desenvolvidas como consequência do processo 
implementado. 
 
O novo constitucionalismo pensa uma nova forma de Estado, pois há uma 
refundação. Contudo, antes de se aprofundar nas mudanças ou entrar na 
engineroom 20 para abalar os pilares que sustentam o Estado, é preciso ter 
certeza de que as inovações atendem aos anseios e permitem que o Estado 
funcione de forma adequada. Em uma lógica experimental, manter o mínimo 
(divisão dos poderes, texto escrito e todo o escopo racional -normativo) 
funciona como um no-break institucional, pois mantem o Estado em 
funcionamento caso a inovação não seja interessante ou não funcione como se 
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18 
 
imaginou. O Novo Constitucionalismo Latino –Americano é um movimento de 
transição para algo ainda mais profundo no futuro, Por isso, é preciso 
acompanhar o movimento para saber como se dará a sedimentação do novo 
constitucionalismo e qual será seu futuro. 
 
Como sustentando anteriormente, é possível que haja adoção da forma 
federativa o que garantiria não apenas pluralismo jurídico, mas também 
político. Os preceitos teóricos para um pluralismo político já existem, faltam 
apenas serem efetivados. 
 
3. FEDERALISMO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA 
 
Com relação ao Direito Constitucional brasileiro José Alfredo de Oliveira 
BARACHO (1982:54), em obra denominada Teoria Geral do Federalismo assim 
afirma: Tecnicamente, o federalismo é uma divisão constitucional de poderes 
entre dois ou mais componentes dessa figura complexa que decorre da 
existência de um Estado que possa apresentar formas de distribuição das 
tarefas políticas e administrativas. Em outras palavras, a descentralização do 
Estado federal gera a necessidade de repartição de competências a serem 
exercidas pelo Estado federal e pelos estados federados. Esta repartição de 
competências se constitui na grande tarefa do legislador constituinte de forma a 
harmonizar o exercício do poder por parte de todos os estados que integram a 
federação e o Estado Federal.6 
 
Segundo Raul Machado HORTA (2002:306): se a tendência ocorrida no 
federalismo é a de fortalecimento do poder central da União Federal, tem-se o 
chamado federalismo contrípeto ou centrípeto, conforme queiram. Por outro 
lado, se a tendência é de fortalecimento dos estados integrantes da federação, 
diz-se que o federalismo é centrífugo. Havendo equilíbrio entre estas duas 
forças, qual seja, entre o Estado Federal e os estados federados, diz-se que o 
federalismo é de cooperação. 
 
6
 Esta divisão na ordem constitucional vigente no Brasil encontra-se insculpida entre os arts. 21 a 25; 30 
e 32 da CRFB/88. 
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19 
 
 
Por outro lado, o federalismo centrífugo é aquele que fará um caminho oposto. 
O federalismo centrífugo se dirige para a periferia do Estado Federal. Nele não 
haverá necessariamente maior descentralização, mas, sobretudo, uma 
tendência à descentralização ao longo do tempo. Exemplo notável é o 
federalismo brasileiro, que surgiu originariamente de um Estado Unitário 
extremamente centralizador e se direciona ao longo da história republicana 
brasileira a dar maior leque de competências aos estados, seguindo no sentido 
da descentralização. 
 
É ainda Raul Machado HORTA (2002: 307) quem aponta como principais 
características do federalismo e que se constituem como seus princípios, 
técnicas e instrumentosoperacionais os seguintes elementos: 
a) a decisão constituinte criadora do Estado Federal e de suas partes 
indissociáveis, a federação ou União, e os estados-membros;7 
b) a repartição de competências entre a federação e os estados-membros;8 
c) o poder de auto-organização constitucional dos estados -membros, 
atribuindo-lhes autonomia constitucional;9 
 
 
7
 Esta primeira característica faz menção à decisão criadora da federação que já mencionamos 
anteriormente e que é também denominada pacto federativo. O pacto federativo representa a 
expressão da vontade dos representantes dos estados que integram a federação de participar da criação 
do Estado Federal. Esta vontade é expressa na Constituição. Aqui é também apresentada a característica 
de que os estados federados se constituem em partes indissociáveis, não podendo nenhum deles optar 
por não fazer mais parte da federação, posto que ao nela adentrarem abriram mão de significativa 
parcela de soberania de que eram dotados, restando-lhes a autonomia". (HORTA, 2002:307). 
8
 A repartição de competências aqui mencionada há de ser expressa no texto constitucional e há de 
delimitar as competências legislativas e administrativas do ente federal e dos entes federados. Ao 
repartir a competência a Constituição não há de hierarquizar ou subordinar os entes federados ao 
federal, mas irá definir o âmbito de atuação de cada um deles. Esta repartição de competências se 
constitui no cerne da disciplina constitucional acerca do federalismo. É certo que a competência afeta os 
órgãos do Poder Judiciário Federal e do Poder Judiciário dos estados, muito embora não seja 
apresentada como repartição de competências relacionadas ao federalismo, é de todo correto afirmar 
que sua definição é corolário do federalismo." (HORTA, 2002:307). 
9
 Esta capacidade de auto-organização dos estados-membros possui limitações e condicionamentos que 
são expressos pelo texto da Constituição Federal. Aqui há um estado dentro do Estado e esta 
capacidade de se organizar autonomamente é manifestação do poder constituinte decorrente e as 
Constituições Estaduais devem ser elaboradas em conformidade com os princípios e preceitos da 
Constituição Federal. Cumpre evidenciar que a soberania é atributo exclusivo do poder federal." 
(HORTA,2002:307). 
ESTÁCIO DE SÁ 
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20 
 
d) a intervenção federal, instrumento para restabelecer o equilíbrio federativo, 
em casos constitucionalmente definidos;10 
e) a Câmara dos Estados, como órgão do Poder Legislativo Federal, para 
permitir a participação do estado-membro na formação da legislação federal;11 
f) a titularidade dos estados-membros, através de suas Assembleias 
Legislativas, em número qualificado, para propor emenda à Constituição 
Federal;12 
g) a criação de novo estado ou modificação territorial de estado existente 
dependendo da aquiescência da população do estado afetado;13 
 
 
 
 
 
 
 
10
 Regra geral que vigora no federalismo é a de que o ente político mais abrangente irá respeitar a 
autonomia do ente político menos abrangente; excepcionalmente e em casos definidos taxativamente 
na Constituição Federal, a União Federal intervirá nos estados ou diretamente nos municípios quando 
estes infringirem os chamados princípios constitucionais federais sensíveis. A intervenção é um 
mecanismo de defesa da própria federação, seja contra interferências externas ao Estado Federal, e 
principalmente em razão das intempéries ocorridas nos estados federados. Várias são as maneiras de se 
desencadear o processo interventivo, e quando este é desencadeado muitos são os mecanismos e 
instrumentos constitucionais para mantê-lo como uma medida estrita, temporária e da mais absoluta 
excepcionalidade." (HORTA, 2002:307). 
11
 O federalismo pressupõe um Poder Legislativo bicameral, onde uma das Casas Legislativas é 
constituída de representantes do povo e a outra Casa Legislativa será constituída pelos representantes 
dos estados federados. Como expressão da absoluta igualdade entre os estados integrantes da 
federação, cumpre destacar que o número de representantes por estado é o mesmo para cada um dos 
estados. Esta Casa Legislativa autoriza o estado federado a participar das principais decisões legislativas 
tomadas no âmbito federal. Muito embora a federação nos apresente dois estados de competências 
diferenciadas, é forçoso considerar que o estado federado apresenta estruturas que estão amalgamadas 
no Estado Federal e uma delas e de considerável relevo é a Casa Legislativa dos estados que compõem o 
Poder Legislativo Federal. (HORTA, 2002:307). 
12
 "Qualquer necessária alteração do texto da Constituição Federal deve ser acessível aos estados 
federados e normalmente esta possibilidade de propor emendas a Constituição Federal se dá através 
dos órgãos legislativos estaduais." (HORTA, 2002:307). 
13
 Esta característica é certamente consequência direta da autonomia dos estados federados. Qualquer 
mudança substancial na estrutura da federação ou dos estados federados vai depender da aquiescência 
direta da população diretamente interessada. Estas formas de consulta popular se constituem resquícios 
de democracia direta e normalmente se dão através do plebiscito ou do referendo, conforme o 
momento em que sejam realizados." (HORTA, 2002:307). 
ESTÁCIO DE SÁ 
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21 
 
h) a existência do Poder Judiciário Federal de um Supremo Tribunal Federal ou 
Corte Suprema, para interpretar e proteger a Constituição Federal, e dirimir 
litígios ou conflitos entre a União, os Estados e outra pessoas jurídicas de 
direito interno.14 
 
Finalmente, ainda cabe destacar que as entidades federativas independente 
mente do tamanho de sua população, de sua participação no produto interno 
bruto do Estado Federal, ou de sua extensão territorial, têm entre si plena 
condição de igualdade formal, igualdade esta que é estabelecida pelas normas 
constitucionais. 
 
Após termos apresentado, com fins comparativos, as noções gerais do 
federalismo como um fato característico da história política e constitucional 
norte-americana, importante se torna compreender como esta forma de 
organização do poder político se aclimata no processo histórico-político 
brasileiro. 
Em outras palavras, para que possamos entender as representações e 
significações existentes acerca da intervenção federal, devemos contextualizar 
o que vem a ser federação a brasileira. 
 
 
 
 
14
 Um órgão de cúpula no Poder Judiciário que exerça a jurisdição das questões afetas à Constituição 
Federal. Que esta mesma estrutura de poder jurisdicional venha a dirimir conflitos entre a União e 
qualquer que seja a parte, entre os estados federados e pessoas de direito público interno. Fica 
evidenciada também a preocupação de preservação da Constituição Federal através do controle de 
constitucionalidade concentrado em um órgão jurisdicional. Há também a peculiar característica de que 
a União ou o Estado Federal não fique sujeito à jurisdição de justiças estaduais." (HORTA, 2002:307).

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