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ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 1 AULA 01 - ORGANIZAÇÃO DO ESTADO: FEDERALISMO 1. Noções Iniciais sobre Federalismo 1.1. Origens Históricas 1.2. Conceitos 2. Constitucionalismo e Novo Constitucionalismo Latinoamericano 2.1. Novo Constitucionalismo Latinoamericano 2.2. Características Originalidade Prolixidade Complexidade Rigidez 2.3. Análise do Constitucionalismo em Bolívia, Equador, Venezuela 3. Plurinacionalidade 4. Possibilidades da Criação de um Estado Federal Latinoamericano. 1. Noções Iniciais sobre Federalismo 1.1. Origens Históricas Estudos sobre o federalismo existem desde sociedades políticas antigas, contudo, a institucionalização do estado federal somente veio com a federação norte-americana, que exerceu enorme influência nos modelos europeus e latino-americanos, não sendo, contudo, copiado à risca por nenhum outro país. Alguns países adotaram modelos mais integradores e outros menos, adaptando a "forma americana" a ideologia política que embasa e justifica o poder político. A forma como se colocam em equilíbrio as forças presentes, com expressão política, na sociedade são consideradas não apenas na elaboração do modelo federativo, visto seu dinamismo, mas perduram, motivando o seu desenvolvimento.1 O Estado Federal surgiu no direito norte-americano, com a ruptura das Treze Colônias Americanas com a Grã Bretanha e a instauração de uma Confederação em 1777, sob o estigma de um "mal necessário". Durante a Revolução Americana, as províncias americanas, especialmente aquelas que 1 Segundo Schwartz: “Para o purista teórico, na verdade, ate mesmo um estado com imposto de renda federal não é mais um estado genuinamente federal. Mas o federalismo puro é Fundamentalmente incompatível com astensões da evolução política do sec. XX. Procurar recriá-lo em sua imagem clássica do sec. XVIII é entregar-se abusca de uma quimera.” (1984, p .64) ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 2 não faziam parte da "Confederação da Nova Inglaterra" que nutriam poucos laços entre si, tiveram a necessidade de se unir em prol de um mesmo ideal, que era a busca pela sua independência. Declarada a independência em 1776, todas se proclamaram “Estados Soberanos”, elaborando cada uma, suas próprias constituições e aquilo que se convencionou chamar de “Federalist Papers” que em seu art. 2º dizia: “Cada estado conserva sua soberania, liberdade e independência" (HAMILTON; MADSON; JAY 1993, p.11). Os norte-americanos nutriam um especial apreço por estados pequenos, os quais acreditavam serem mais bem administrados, assim como tinham desprezo pela monarquia e despotismo. Supunha-se que os direitos inalienáveis da liberdade e a busca da felicidade, a que se referia a declaração de independência, seriam mais bem protegidas por governos estatuais pequenos e locais (FARIAS, 1999). O único órgão de poder central era o Congresso Continental, inexistindo qualquer outro nos poderes executivo ou judiciário. O Congresso Continental fora criado pelos federalist papers e consistia numa câmara legislativa única, formada por deputados de todas as províncias americanas. Apesar de criá-lo expressamente, os feralist papers não delegavam, praticamente, poder algum. Buscava evitar que o congresso criasse tributos sobre colônias distantes ou que regulasse a sua forma de comércio. Na verdade, o congresso não podia nem mesmo exigir tributos para custeio de suas funções principais.2 2 Este quadro político é descrito por HAMILTON: “Em consequência desse vácuo de poder no centro, os treze estados uniam em meio a rivalidade e confusão. Agiam, em suma, como as entidades soberanas e independentes que supunham ser. Sete dos treze estados imprimiam o seu próprio dinheiro. Muitos passavam leis tarifárias contrárias aos interesses de seus vizinhos. Nove dos trezes estados tinham sua própria marinha, e frequentemente apreendiam navios de outros estados, Havia contínua disputa sobre limites, além de reivindicações conflitantes sobre os territórios do oeste.” (1999, p.11 – 12) ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 3 Foi nesse contexto e fugindo de uma possível anarquia que surgiu a Convenção da Filadélfia, quando os antigos Estados confederados e soberanos abdicaram da soberania individual, mas conservaram a sua autonomia, criando uma nova entidade, a União, com poderes bastantes para exercer tarefas necessárias ao bem comum de todos os Estados reunidos. Criando ainda um órgão em que os Estados compunham a vontade da União, por meio de representantes no Senado. Sendo assim, o federalismo americano nasceu da falência do modelo confederativo, devido à ausência de cumprimento de suas regras. Era necessária a criação de um modelo dotado de maior pode coercitivo e rigidez do laço de união. Inclusive, talvez a indissolubilidade do pacto federativo seja o principal fator distintivo entre a Confederação (formada por tratado, podendo ser denunciado a qualquer momento) e a Federação.3 A revolta com o modelo da Confederação unido ao trauma da dominação inglesa levou a adoção de um novo modelo de Estado, mais eficiente em traduzir a segurança jurídica, política e econômica que os americanos precisavam. O Federalismo Brasileiro Segundo BARROSO (1982), o federalismo brasileiro, inicialmente, fora adotado de forma artificial, a partir da adoção da teoria norte-americana suprimindo a realidade social brasileira. Segundo o autor, “a teoria atropelou o fato social.” 3 Segundo os federalist papers: “Tendo, nos três últimos números, empreendido uma breve revisão das principais circunstancias e eventos que ilustram a índole e o destino de outros governos confederados, prosseguirei agora na enumeração daqueles defeitos mais importantes, que frustraram até hoje nossas esperanças no sistema estabelecido entre nós. Para formar um juízo seguro e satisfatório do remédio adequado, é absolutamente necessário que estejamos bem a par da extensão e da malignidade da doença. O próximo defeito muito palpável da atual confederação é a total falta de sanção as suas leis. Os Estados Unidos, tal como agora se compõem, não tem poder algum para exigir obediência ás suas resoluções, ou para punir sua desobediência, seja por multas pecuniárias, suspensão ou privação de privilégios, ou quaisquer outros meios constitucionais. Não lhes foi expressamente delegada autoridade para usar força contra membros transgressores (...) A falta de uma mútua garantia entre os governos estaduais é outra imperfeição capital no plano confederacional.” (MADISON; estaduais é outra imperfeição capital no plano confederacional.” (MADISON; HAMILTON; JAY, 1993, p.188) ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 4 Isso se deve ao fato de que a estrutura do federalismo brasileiro é diametralmente contrária a formação original do federalismo americano. Enquanto na América do Norte um movimento centrípeto uniu treze Estados, no Brasil, passamos de um Estado unitário imperialista, com exacerbada centralização de poder e subordinação hierárquica, para a dissolução em um sistema dual. Sendo assim, o federalismo brasileiro foi uma construção idealista, que tinha a função de pactuar movimentos políticos conflitantes e “acalmar” os ingênuos anseios populares por uma forma de Estado que melhor aproximasse o poder do povo. Na Constituição do Império (1824) não havia federação. Além disso, era expressamente proibida a criação de qualquer laço federativo. As provínciasficavam diretamente sob o jugo do poder central, consoante dispunha o artigo 165 da Carta Imperial: "Haverá em cada Província um Presidente, nomeado pelo Imperador, que o poderá remover, quando entender, que assim convém ao bom serviço do Estado." Na Carta de 1891, houve a estruturação do modelo federativo, nos moldes do norte-americano, ficando assentado no art. 1º: "Art. 1º - A Nação Brasileira adota como forma de governo, sob regime representativo, a República Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se por união perpétua e indissolúvel de suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil." Foi uma alteração descentralizadora abrupta no regime brasileiro, pois que o modelo norte-americano adotado era de um federalismo dualista, ou seja, concebido enquanto duas esferas estanques, "a da União de um lado, a do Estado-membro de outro." (FERREIRA FILHO, 1994, p. 45) Rui Barbosa foi o principal inspirador da nova Constituição. Segundo Paulino Jacques (1970, p. 52) "dizer-se que Rui foi o pai da Constituição de 1891, talvez, não seja exagerado". Mas Rui Barbosa percebeu que havia uma "revolução federativa", em que os federalistas conversos desbancavam os antigos federalistas. Em razão disso, assinalou: "Federação tornou-se moda, ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 5 entusiasmo, cegueira, palavra mágica, a cuja invocação tudo há de ceder, ainda que a invoquem mal, fora de propósito e em prejuízo da federação mesma". Em 1934, a nova Constituição brasileira manteve a forma federativa de Estado. O progresso dessa Carta ficou por conta da redefinição tributária entre os entes políticos, apesar de a arrecadação da União permanecer muito superior à dos Estados-membros. Os Municípios também passaram a ter impostos privativos, o que anteriormente era disciplinado pelas Constituições e Leis Estaduais. No entanto, a estrutura criada em 1934 teve curta duração, porquanto em 1937 foi outorgada outra Carta Constitucional, que, objetivava fortalecer a União e os Municípios. Todavia, o texto de 1937 não entrou em vigor integralmente, porque não foi realizado um plebiscito de ratificação que nele estava previsto. Com isso, a União "passou a gerir toda a administração do país, através de interventores e conselheiros nomeados pelo poder central." A Constituição de 1946 restabeleceu o sistema de 1934, com algumas alterações. A tendência centralizadora, contudo, não encontrou obstáculo na Constituição de 1946. Ela também favoreceu a centralização do governo. As Constituições de 1967 e 1969, lamentavelmente, deram ao poder federal uma amplitude sem limites, do que resulta um federalismo nominal, doutrinariamente inaceitável e praticamente reduzido a uma caricatura. Com o advento da Constituição brasileira de 1988 cuidou de estabelecer a forma de Estado e a forma de Governo adotados: "... República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal [...]" A Constituição de 1988 procurou resgatar o espírito federalista, estruturando um sistema de repartição de competências entre as três esferas de governo e equilibrando as relações de poder entre elas, embora o mesmo autor admita que nos países em que a formação da federação foi centrípeta, a exemplo dos ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 6 Estados Unidos, haja mais descentralização do que nos países de formação centrífuga, em que, via de consequência, o poder é mais concentrado. Há autores, que dizem que a federação brasileira esteja num estágio avançado. Para esses, a concretização efetiva do ideal federativo está distante daquilo que a Carta política expressa. 1.2. Conceito de federalismo O conceito de Federalismo é algo destoante na doutrina, ganhando inúmeros contornos teóricos, mas nunca um conceito unívoco. Segundo HESSE (1998), devemos entender o federalismo como um princípio político fundamental, que tem como objetivo unificar totalidades políticas diferenciadas em um conjunto de regras comuns, postas de modo a efetivar uma colaboração comum entre seus componentes. A elasticidade que reveste a ideia de Federal deve-se em parte ao contexto maior na qual se insere o problema, sendo assim, cabe a pesquisa, enfocar os elementos que tomará como base na formação daquilo que se chama de federalismo e a especificidade que ganha em cada Estado. O Federalismo é a denominação feita à relação entre as diversas unidades da Federação, tanto entre si, quanto com o Governo Federal. Trata-se de um sistema político em que municípios, estados e distrito federal, sendo independentes um do outro, formam um todo que valida um governo central e federal, que governa sobre todos os membros acima citados. É a união dos Estados do país para manter a autonomia de cada estado. 2. Constitucionalismo e Novo Constitucionalismo Latinoamericano Entende-se por Constitucionalismo o movimento social, político e jurídico e até mesmo ideológico, a partir do qual emergem as constituições nacionais. Em termos genéricos e supranacionais, constitui-se parte do estabelecimento de normas fundamentais de um ordenamento jurídico de um Estado, localizadas no topo da pirâmide normativa, ou seja, sua constituição. Seu estudo implica, ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 7 deste modo, uma análise concomitante do que seja constituição com suas formas e objetivos. O constitucionalismo moderno, na magistral síntese de Canotilho "é uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos" (CANOTILHO). Atualmente, o constitucionalismo é associado a, pelo menos uma das 3 ideias seguintes: Garantia de Direitos; Separação de Poderes e Princípios e Governo Limitado. O constitucionalismo, geralmente, se contrapõe ao absolutismo. É uma busca do homem político pela limitação do poder, uma busca contra o arbítrio do poder do Estado. Constitucionalismo ANTIGO: A experiência entre os Hebreus – No caso dos hebreus, o constitucionalismo está ligado ao Estado teocrático. O constitucionalismo está sempre ligado a uma das 3 ideias supracitadas. Entre os hebreus, o governo era limitado através de dogmas consagrados na Bíblia. A experiência na Grécia antiga: No caso da Grécia, ocorreu a mais avançada forma de governo de que já se teve notícia até hoje, a chamada democracia constitucional. As pessoas participavam diretamente das decisões políticas do Estado (Cidade-Estado de Antenas). A experiência em Roma: À Roma deve-se associar a ideia de liberdade. A experiência ocorrida na Inglaterra: Na Inglaterra, o governo das leis surgiu em substituição ao “governo dos homens”. Esta experiência constitucional inglesa contribuiu com duas ideias fundamentais: 1) governo limitado e 2) igualdade dos cidadãos ingleses perante a lei. Essas são as duas ideias principais do “rule of law”. Essas ideias do constitucionalismo inglês surgiram na Idade Média. Na Inglaterra, não existe uma Constituição escrita. Constitucionalismo CLÁSSICO ou LIBERAL – Liberté O constitucionalismo clássico surgiu a partir do final do século XVIII. Um fator, ocorrido nessa época, foi muito importante: as chamadas revoluções liberais (revoluções Francesa e Americana), feitas pela burguesia em busca de direitos ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 8 libertários. Com essas revoluções ocorreu o surgimento das primeiras constituições escritas. * Revolução Norte-americana: Surgiu, nesse cenário, a primeira constituição escrita de que se tem notícia, a “Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia” (Virginia Bill of Rights,de 1776). Logo depois dela, em 1787, a Constituição Americana surgiu e até hoje está em vigor. As duas principais ideias com as quais os americanos contribuíram para o constitucionalismo são: - A ideia de supremacia da Constituição – a Constituição é a norma suprema porque estabelece as regras do jogo; - A garantia jurisdicional– é o Judiciário o principal encarregado de garantir a supremacia da Constituição, pois é o mais neutro politicamente. Democracia não é só vontade da maioria, senão vira ditadura da maioria, mas inclui também a garantia de direitos. O Judiciário vai proteger o direito das minorias. * Experiência Francesa – Na França, surgiu a primeira constituição escrita da Europa, em 1791. A experiência francesa contribuiu com duas ideias principais: - Garantia de direitos, e - Separação dos Poderes. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão é de 1789 e serviu de preâmbulo para a Constituição Francesa de 1791. Constitucionalismo MODERNO – Egalité Enquanto o clássico é o liberal, o moderno é chamado de constitucionalismo social. O constitucionalismo moderno surgiu a partir do fim da I Grande Guerra. Houve um esgotamento da ideia liberal (que protegia os direitos de liberdade, mas não os sociais). Impossibilidade do constitucionalismo liberal de atender as demandas sociais que abalavam o século XIX. - A primeira geração dos direitos fundamentais, surgiu no constitucionalismo clássico (dos EUA e França), e consagrou a liberdade. ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 9 A segunda geração dos direitos fundamentais, o social, o econômico, o cultural, consagrou a igualdade material. De nada valeria a liberdade, sem a igualdade substancial. Constitucionalismo CONTEMPORÂNEO – Fraternité O constitucionalismo contemporâneo vem sendo chamado por alguns autores de Neoconstitucionalismo. Vai surgir no fim da II Grande Guerra. Período marcado por atrocidades. O direito não é apenas forma, não é apenas norma jurídica, ele tem que ter um conteúdo moral para ser válido. A essa nova ideia de constitucionalismo no direito Paulo Bonavides dá o nome de pós-positivismo. Com o fim da II Grande Guerra, as constituições começaram a consagrar, expressamente, a dignidade da pessoa humana. Passou a ser considerada um valor constitucional supremo. A dignidade é um atributo que todo ser humano tem. O Estado existe para o cidadão e não o contrário. O cidadão é um fim em si mesmo, não pode ser entendido como um meio para atingir o Estado. A partir da dignidade da pessoa humana, como núcleo da constituição, aconteceu a chamada rematerialização constitucional. Aqui nasce a terceira causa do surgimento desse novo constitucionalismo, que é o reconhecimento da força normativa da Constituição. Há, pois, três causas: 1ª – Consagração da dignidade da pessoa humana como valor supremo 2ª – Rematerialização das constituições, com rol extenso de direitos fundamentais. 3ª – Força normativa da Constituição. Constitucionalismo FUTURO ou Neoconstitucionalismo Houve um congresso onde vários constitucionalistas do mundo inteiro se reuniram para discutir o futuro das constituições. Um deles, um autor argentino, José Roberto Dromi, disse o seguinte: “no futuro haverá um equilíbrio entre os valores marcantes do constitucionalismo moderno e os excessos praticados ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 10 pelo constitucionalismo contemporâneo.” É a famosa Teoria Mista. Nem o excesso de Constituição e nem a falta de Constituição, nem a fraqueza do Judiciário e nem o excesso de Judiciário. Nem a ausência de normatividade dos princípios e nem a aplicação só dos princípios. Valores fundamentais que as constituições do futuro devem consagrar: verdade, solidariedade, consenso, continuidade, participação, integração e universalização. Assim, podemos a partir do texto acima conceituar o Neoconstitucionalismo como sendo um movimento teórico de revalorização do direito constitucional, de uma nova abordagem do papel da constituição no sistema jurídico, movimento este que surgiu a partir da segunda metade do século XX. O Neoconstitucionalismo visa refundar o direito constitucional com base em novas premissas como a difusão e o desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais e a força normativa da constituição, objetivando a transformação de um estado legal em estado constitucional. 2.1. Novo Constitucionalismo Latinoamericano O Parágrafo único do artigo 4º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 menciona que “a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”. O novo modelo constitucional é fruto de reivindicações sociais históricas. Esse movimento neoconstitucional culminou na promulgação das constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009) – tem sido chamado por alguns estudiosos de “novo constitucionalismo latino-americano”. Destaca-se a dificuldade de explicar as razões pelas quais esse movimento tenha ocorrido na América Latina, principalmente pelo fato de que as experiências constituintes realizadas por esse movimento são poucas, ainda que significativas. Contudo, tal fato não impede a análise das principais características do novo constitucionalismo. No novo constitucionalismo, o poder constituinte originário volta a ser exercido como nos primórdios, com a efetiva ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 11 manifestação da vontade popular, compreendido em toda a sua pluralidade de composição – e não como exercido nas últimas transições políticas na América Latina, em que a participação popular era relegada a uma fraca e imprecisa representação. Para Dalmau, “o novo constitucionalismo latino-americano é uma evolução do “antigo” constitucionalismo latino-americano e que surgiu para atender à necessidade de alteração jurídico-política vivida pela América Latina atualmente”4. O novo constitucionalismo latino-americano promove uma ressignificação de conceitos como legitimidade e participação popular – direitos fundamentais da população –, de modo a incorporar as reivindicações das parcelas historicamente excluídas do processo decisório, notadamente a população indígena. A título exemplificativo veja-se o artigo 8º da Constituição Boliviana de 2009, em que se consagra como princípio ético-moral o “Sumak kamaña” ou o “Sumak kawsay” – “viver bem” em quéchua, língua nativa dos índios. Art. 8º El Estado asume y promueve como principios ético- morales de la sociedad plural: ama qhilla, ama llulla, ama suwa (no seas flojo, no seas mentiroso ni seas ladrón), suma kamaña (vivir bien), ñandereko (vida armoniosa), teko kavi (vida buena), ivimaraei (tierra sin mal) y qhapaj ñan (camino o vida noble)”. (BOLÍVIA, 2009) O novo constitucionalismo levou à implantação do Estado plurinacional5 na Bolívia e Equador. O conceito de plurinacionalidade obriga a refundação do Estado moderno, pois o Estado plurinacional deve congregar diferentes conceitos de nação dentro do mesmo Estado. O Estado plurinacional condensa as principais propostas do novo constitucionalismo, sendo uma resposta à ideia uniformizadora instituída pelo Estado nacional, em que o Estado e a 4 DALMAU, Rúben Martínez. El nuevo constitucionalismo latinoamericano y el proyecto de constituición del ecuador. Alter Justicia, n. 1. Guayaquil, oct. 2008, p. 17-27. Disponível em: <http://sites.google.com/site/martinezdalmau2/AlterJustitia1.doc Acesso em: 03 de março de2017. 5 o conceito de plurinacionalidade, do qual derivam a interculturalidade e pós-colonialidade, está presente em vários países, como Canadá, Suíça e Bélgica”. Destaca-se, pois, a existência de dois conceitos de nação: o primeiro, liberal, em que há identificação entre nação e Estado, unificando-se os conceitos – uma nação, um Estado; o segundo conceito, desenvolvido pelos índios, está ligado à autodeterminação. ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 12 Constituição são a representação de uma única nação, um único direito, sem diversidade de interesses, cultura e sem levar em conta a pluralidade existente na composição do povo”. De todo o acima exposto, concluímos que o surgimento do novo constitucionalismo latino-americano é um movimento social, jurídico-político voltado à ressignificação do exercício do poder constituinte, da legitimidade, da participação popular e do próprio conceito de Estado. O Estado do novo constitucionalismo latino-americano é o Estado plurinacional, que reconhece a pluralidade social e jurídica, respeitando e assegurando os direitos de todas as camadas sociais. Não se afirma aqui, que o Neoconstitucionalismo acabou ou foi superado. O que aqui se desenvolve é que em alguns países latino-americanos, onde se originou o novo constitucionalismo, é a criação/reconhecimento pela ordem jurídica de direitos existentes no seio social, de formas mais efetivas de participação popular e da construção de um Estado que reconheça a pluralidade e peculiaridade de seu povo. O novo constitucionalismo latino-americano propõe uma nova independência e a criação de um Estado participativo e efetivamente democrático, como mecanismo de se ver garantido o Parágrafo único do artigo 4º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 2.2.CARACTERÍSTICAS: ORIGINALIDADE, PROLIXIDADE, COMPLEXIDADE E RIGIDEZ Com o advento do estado plurinacional por meio das constituições equatoriana de 2006 e boliviana de 2009. A linha do tempo que vai de 1991 a 2009 representa estágios evolutivos diferentes do novo constitucionalismo que rumam até o surgimento do estado plurinacional. Pesquisadores do novo constitucionalismo latino-americano identificam ao menos quatro elementos em comum a todos os processos constituintes citados acima: ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 13 Originalidade: No tocante às inovações institucionais trazidas; o fato de ser um constitucionalismo pensado por latinos e para latinos. Prolixos: São textos longos com média de ao menos 300 artigos. A extensão das constituições tem dois motivos: a) São extensos porque buscam ser capazes de dar respostas às necessidades que o povo solicita; b) São extensos porque buscam frear a atuação do Congresso e das Cortes Supremas em dar interpretação em sentido contrário aos anseios populares. Foi o meio encontrado para manter a vontade constituinte e evitar que a elite usurpe o movimento popular legítimo por meio de interpretações diversas. Complexidade: O texto de uma constituição mexe com temas complexos principalmente quando trabalha com questões econômicas, fiscais, macroeconômicas, tributárias e monetárias. Contudo, dificuldade técnica não pode ser sinônimo de linguagem ou construção textual difícil. A complexidade técnica deve vir acompanhada de uma linguagem simplista para permitir que a população entenda o documento que estrutura seu país; foi a forma encontrada para romper com a dominação do direito promovida pela elite, pois facilitar a linguagem significa que qualquer um do povo pode ler e compreender a mensagem sem precisar de intermediários ou tradutores. A linguagem acessível retira a opacidade do direito. Rigidez: na ativação do poder constituinte derivado. Tentativa de impedir que os poderes constituídos disponham da capacidade de reformar a constituição por eles mesmos. A rigidez não busca a fossilização da constituição, mas somente admitir a modificação mediante consulta popular prévia. É preciso que o povo admite a reformar constitucional. Sob a ótica dos países que mais avançaram no novo constitucionalismo é válido indagar acerca da profundidade real desta mudança e até que ponto aquilo que foi pleiteado se efetivou. ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 14 No caso boliviano a Assembleia Constituinte deixou de ter sua representação oriunda dos movimentos sociais e dos povos indígenas como se queria inicialmente para ter uma representação com origem em representantes eleitos. Ainda sobre a Bolívia, a questão da plurinacionalidade tem duas facetas: territorial e estrutura do Estado. A primeira implica em reconhecer e assegurar direitos aos povos indígenas (terra e recursos naturais) enquanto que a segunda está atrelada à participação efetiva nos poderes (co-governo). Contudo, de forma habilidosa, as oligarquias conseguiram destorcer o campo jurídico da transformação que se desenrolava por meio de um terrorismo separatista ao afirmar que dar plena autonomia às regiões ricas em recursos naturais poderia incentivar a secessão. Isso culminou em um regime de descentralização e autonomias nas formas tradicionais de Departamentos e Municípios nos territórios indígenas em detrimento de uma descentralização mais profunda e eficaz. No caso equatoriano o hiperpresidencialismo afetou a constituinte. Por mais que referendo de 2007tenha sido aprovado para a convocação da Assembleia Constituinte, a despeito do apoio popular, quem promoveu a iniciativa foi o próprio presidente Rafael Côrrea. Houve atuação intensa por parte do Presidente ao ponto de opor resistência a temas como autonomia indígena, proteção da natureza e direitos sexuais. A intervenção chegou a níveis tão alarmantes que o presidente da Assembleia Constituinte renunciou antes de terminar os trabalhos. No entanto, apesar das intervenções a Constituição equatoriana conseguiu manter o perfil nacional e redistributivo. A inovação extremamente relevante no constitucionalismo equatoriano está no amplo e inovador rol de direitos. À luz do bem-viver se tratam dos direitos econômicos, sociais e culturais. Há uma forte tutela do meio ambiente ao ponto de se reconhecer que este é titular de direitos: La naturaleza será sujeto de aquellos derechos que le reconozca la Constitución. A inovação é um resgate cultural (giro descolonial em oposição ao eurocentrismo) em razão do novo valor dado a natureza que em nada se ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 15 confunde com ideais eurocêntricos, pois assegura-se o direito de restauração do meio ambiente em um giro biocêntrico sem precedentes em uma constituição. Independente das críticas existentes, o novo constitucionalismo é um movimento que trouxe mudanças na região andina. A valorização do indígena, a busca pelo diálogo com os povos originários, a reconexão com a natureza e a busca pela participação popular são realidades constitucionais que produziram efeitos sociais e trouxeram melhorias. É um movimento constitucional, como já dito anteriormente, que está em efetivação, possuindo, portanto, arestas a serem aparadas até mesmo por ser um movimento popular e não eminentemente acadêmico. 3. PLURINACIONALIDADE A plurinacional é fruto da evolução do novo constitucionalismo latino- americano. De acordo com Raquel Yrigoyen Fajardo, a plurinacionalidade é resultado de um processo ao qual a América Latina está inserida e que se desenvolveu em três etapas sucessivas onde a grande maioria dos países está envolvida em algum estágio. Portanto, enquanto uns estão no primeiro, outros foram ao segundo e apenasdois (Bolívia e Equador) atingiram o terceiro patamar. El pluralismo jurídico, como forma de coexistência de vários sistemas normativos dentro de um mismo espacio geopolítico, aun en su forma colonial subodinada, no era admisible para la ideología del Estadonación. El Estado- nación monocultural, el monismo jurídico y un modelo de ciudadanía censitaria (para hombres blancos, propietarios e ilustrados) fueron la coluna vertebral del horizonte del constitucionalismo liberal del siglo XIX en Latinoamérica. Um constitucionalismo importado por las elites criollas para configurar estados a su imagen y semejanza, con exclusión de los pueblos originarios, los afrodescendientes, las mujeres y las mayorías subordinadas, y con el objetivo de mantener la sujeción indígena (9 FAJARDO, Raquel Yrigoyen. El horizonte ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 16 del constitucionalismo pluralista: del multiculturalismo a la descolonización In El Dereho en América Latina: Um mapa para el pensamiento jurídico del siglo XXI. Coordenador: César Rodríguez Garavito. Ed: Siglo veintiuno. 1ª ed. 2011). O plurinacionalismo busca romper de vez com a herança colonial e aprofundar o espírito descolonizador existente no movimento latino ao propor uma refundação do Estado a partir do reconhecimento de seu passado pré- hispânico com o objetivo de reconhecer e resgatar as heranças indígenas renegadas e sufocadas desde o período colonial e republicano. Portanto, os povos indígenas não são mais vistos como culturalmente diversos, mas como nações originárias que compõe o Estado. 4. POSSIBILIDADES DA CRIAÇÃO DE UM ESTADO FEDERAL LATINOAMERICANO Federalismo Na Constituição Brasileira A formação de um estado é fruto de aspectos históricos e culturais cuja centralização vem a ser arrefecida, em alguns casos, com a adoção do federalismo para atender aos interesses da própria diversidade. Portanto, falar de forma federativa à luz do Novo Constitucionalismo Latino Americano é extremamente pertinente. Fatores como maior participação popular, aproximação do poder político do povo, reconhecimento da diversidade étnica e cultural, superação do monismo por um direito pluralista e advento de um estado plurinacional direcionam para a autonomia política. Ao falar em plurinacionalidade é natural pensar em pluralidade de centros decisórios. O contexto de admissão e valorização das diferenças, característica típica de um Estado Federal, clama por autonomia política para possibilitar que cada entidade subnacional possa compatibilizar e adotar as melhores medidas de acordo com sua realidade regional. Diante de uma proposta de giro descolonial, o federalismo propiciaria o reconhecimento e a valorização da pluralidade étnica. ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 17 As diferenças culturais entre os diversos grupos étnicos são imensas, e é por isso que a pluralidade política (federalismo) poderia propiciar e fortalecer a identidade de cada grupo existente (Quechua, Tacana, Mosetén, Mataco, Guarani, Aymara e etc). O novo constitucionalismo não se pode ater somente à autonomia administrativa, mas deve aprofundar ao ponto de se atingir a autonomia política. Choudry e Hume, teóricos do federalismo de pós -conflito, sustentam que os países que adotam a forma federal no século XXI estão buscando apaziguar tensões existentes entre regiões dotadas de divergências econômicas e culturais (assimetrias) com fim de manter a integridade territorial. Diante desta lógica, um federalismo de pós conflito poderia ser utilizado nos países andinos, pois atuaria em duas frentes distintas: Por não serem países com tradição federalista, a adoção desta forma de estado seria lenta e gradual (em razão da experimentação de maior descentralização e autonomias existentes), ou seja, são países unitários que possivelmente adotariam a forma federal no futuro; As assimetrias culturais e econômicas que antes eram sufocadas passam a ser incentivadas o que gera disputa com o centro para que cada ente subnacional possa ser diferente naquilo que lhe compete. Logo, a forma federal apaziguaria tensões que seriam desenvolvidas como consequência do processo implementado. O novo constitucionalismo pensa uma nova forma de Estado, pois há uma refundação. Contudo, antes de se aprofundar nas mudanças ou entrar na engineroom 20 para abalar os pilares que sustentam o Estado, é preciso ter certeza de que as inovações atendem aos anseios e permitem que o Estado funcione de forma adequada. Em uma lógica experimental, manter o mínimo (divisão dos poderes, texto escrito e todo o escopo racional -normativo) funciona como um no-break institucional, pois mantem o Estado em funcionamento caso a inovação não seja interessante ou não funcione como se ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 18 imaginou. O Novo Constitucionalismo Latino –Americano é um movimento de transição para algo ainda mais profundo no futuro, Por isso, é preciso acompanhar o movimento para saber como se dará a sedimentação do novo constitucionalismo e qual será seu futuro. Como sustentando anteriormente, é possível que haja adoção da forma federativa o que garantiria não apenas pluralismo jurídico, mas também político. Os preceitos teóricos para um pluralismo político já existem, faltam apenas serem efetivados. 3. FEDERALISMO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA Com relação ao Direito Constitucional brasileiro José Alfredo de Oliveira BARACHO (1982:54), em obra denominada Teoria Geral do Federalismo assim afirma: Tecnicamente, o federalismo é uma divisão constitucional de poderes entre dois ou mais componentes dessa figura complexa que decorre da existência de um Estado que possa apresentar formas de distribuição das tarefas políticas e administrativas. Em outras palavras, a descentralização do Estado federal gera a necessidade de repartição de competências a serem exercidas pelo Estado federal e pelos estados federados. Esta repartição de competências se constitui na grande tarefa do legislador constituinte de forma a harmonizar o exercício do poder por parte de todos os estados que integram a federação e o Estado Federal.6 Segundo Raul Machado HORTA (2002:306): se a tendência ocorrida no federalismo é a de fortalecimento do poder central da União Federal, tem-se o chamado federalismo contrípeto ou centrípeto, conforme queiram. Por outro lado, se a tendência é de fortalecimento dos estados integrantes da federação, diz-se que o federalismo é centrífugo. Havendo equilíbrio entre estas duas forças, qual seja, entre o Estado Federal e os estados federados, diz-se que o federalismo é de cooperação. 6 Esta divisão na ordem constitucional vigente no Brasil encontra-se insculpida entre os arts. 21 a 25; 30 e 32 da CRFB/88. ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 19 Por outro lado, o federalismo centrífugo é aquele que fará um caminho oposto. O federalismo centrífugo se dirige para a periferia do Estado Federal. Nele não haverá necessariamente maior descentralização, mas, sobretudo, uma tendência à descentralização ao longo do tempo. Exemplo notável é o federalismo brasileiro, que surgiu originariamente de um Estado Unitário extremamente centralizador e se direciona ao longo da história republicana brasileira a dar maior leque de competências aos estados, seguindo no sentido da descentralização. É ainda Raul Machado HORTA (2002: 307) quem aponta como principais características do federalismo e que se constituem como seus princípios, técnicas e instrumentosoperacionais os seguintes elementos: a) a decisão constituinte criadora do Estado Federal e de suas partes indissociáveis, a federação ou União, e os estados-membros;7 b) a repartição de competências entre a federação e os estados-membros;8 c) o poder de auto-organização constitucional dos estados -membros, atribuindo-lhes autonomia constitucional;9 7 Esta primeira característica faz menção à decisão criadora da federação que já mencionamos anteriormente e que é também denominada pacto federativo. O pacto federativo representa a expressão da vontade dos representantes dos estados que integram a federação de participar da criação do Estado Federal. Esta vontade é expressa na Constituição. Aqui é também apresentada a característica de que os estados federados se constituem em partes indissociáveis, não podendo nenhum deles optar por não fazer mais parte da federação, posto que ao nela adentrarem abriram mão de significativa parcela de soberania de que eram dotados, restando-lhes a autonomia". (HORTA, 2002:307). 8 A repartição de competências aqui mencionada há de ser expressa no texto constitucional e há de delimitar as competências legislativas e administrativas do ente federal e dos entes federados. Ao repartir a competência a Constituição não há de hierarquizar ou subordinar os entes federados ao federal, mas irá definir o âmbito de atuação de cada um deles. Esta repartição de competências se constitui no cerne da disciplina constitucional acerca do federalismo. É certo que a competência afeta os órgãos do Poder Judiciário Federal e do Poder Judiciário dos estados, muito embora não seja apresentada como repartição de competências relacionadas ao federalismo, é de todo correto afirmar que sua definição é corolário do federalismo." (HORTA, 2002:307). 9 Esta capacidade de auto-organização dos estados-membros possui limitações e condicionamentos que são expressos pelo texto da Constituição Federal. Aqui há um estado dentro do Estado e esta capacidade de se organizar autonomamente é manifestação do poder constituinte decorrente e as Constituições Estaduais devem ser elaboradas em conformidade com os princípios e preceitos da Constituição Federal. Cumpre evidenciar que a soberania é atributo exclusivo do poder federal." (HORTA,2002:307). ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 20 d) a intervenção federal, instrumento para restabelecer o equilíbrio federativo, em casos constitucionalmente definidos;10 e) a Câmara dos Estados, como órgão do Poder Legislativo Federal, para permitir a participação do estado-membro na formação da legislação federal;11 f) a titularidade dos estados-membros, através de suas Assembleias Legislativas, em número qualificado, para propor emenda à Constituição Federal;12 g) a criação de novo estado ou modificação territorial de estado existente dependendo da aquiescência da população do estado afetado;13 10 Regra geral que vigora no federalismo é a de que o ente político mais abrangente irá respeitar a autonomia do ente político menos abrangente; excepcionalmente e em casos definidos taxativamente na Constituição Federal, a União Federal intervirá nos estados ou diretamente nos municípios quando estes infringirem os chamados princípios constitucionais federais sensíveis. A intervenção é um mecanismo de defesa da própria federação, seja contra interferências externas ao Estado Federal, e principalmente em razão das intempéries ocorridas nos estados federados. Várias são as maneiras de se desencadear o processo interventivo, e quando este é desencadeado muitos são os mecanismos e instrumentos constitucionais para mantê-lo como uma medida estrita, temporária e da mais absoluta excepcionalidade." (HORTA, 2002:307). 11 O federalismo pressupõe um Poder Legislativo bicameral, onde uma das Casas Legislativas é constituída de representantes do povo e a outra Casa Legislativa será constituída pelos representantes dos estados federados. Como expressão da absoluta igualdade entre os estados integrantes da federação, cumpre destacar que o número de representantes por estado é o mesmo para cada um dos estados. Esta Casa Legislativa autoriza o estado federado a participar das principais decisões legislativas tomadas no âmbito federal. Muito embora a federação nos apresente dois estados de competências diferenciadas, é forçoso considerar que o estado federado apresenta estruturas que estão amalgamadas no Estado Federal e uma delas e de considerável relevo é a Casa Legislativa dos estados que compõem o Poder Legislativo Federal. (HORTA, 2002:307). 12 "Qualquer necessária alteração do texto da Constituição Federal deve ser acessível aos estados federados e normalmente esta possibilidade de propor emendas a Constituição Federal se dá através dos órgãos legislativos estaduais." (HORTA, 2002:307). 13 Esta característica é certamente consequência direta da autonomia dos estados federados. Qualquer mudança substancial na estrutura da federação ou dos estados federados vai depender da aquiescência direta da população diretamente interessada. Estas formas de consulta popular se constituem resquícios de democracia direta e normalmente se dão através do plebiscito ou do referendo, conforme o momento em que sejam realizados." (HORTA, 2002:307). ESTÁCIO DE SÁ CONSTITUCIONAL II 21 h) a existência do Poder Judiciário Federal de um Supremo Tribunal Federal ou Corte Suprema, para interpretar e proteger a Constituição Federal, e dirimir litígios ou conflitos entre a União, os Estados e outra pessoas jurídicas de direito interno.14 Finalmente, ainda cabe destacar que as entidades federativas independente mente do tamanho de sua população, de sua participação no produto interno bruto do Estado Federal, ou de sua extensão territorial, têm entre si plena condição de igualdade formal, igualdade esta que é estabelecida pelas normas constitucionais. Após termos apresentado, com fins comparativos, as noções gerais do federalismo como um fato característico da história política e constitucional norte-americana, importante se torna compreender como esta forma de organização do poder político se aclimata no processo histórico-político brasileiro. Em outras palavras, para que possamos entender as representações e significações existentes acerca da intervenção federal, devemos contextualizar o que vem a ser federação a brasileira. 14 Um órgão de cúpula no Poder Judiciário que exerça a jurisdição das questões afetas à Constituição Federal. Que esta mesma estrutura de poder jurisdicional venha a dirimir conflitos entre a União e qualquer que seja a parte, entre os estados federados e pessoas de direito público interno. Fica evidenciada também a preocupação de preservação da Constituição Federal através do controle de constitucionalidade concentrado em um órgão jurisdicional. Há também a peculiar característica de que a União ou o Estado Federal não fique sujeito à jurisdição de justiças estaduais." (HORTA, 2002:307).
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