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2 Livro Memoria História e PatrimônioHistórico

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MEMÓRIAMEMÓRIAMEMÓRIAMEMÓRIAMEMÓRIA, HIS, HIS, HIS, HIS, HISTÓRIA ETÓRIA ETÓRIA ETÓRIA ETÓRIA E
PATRIMÔNIO HISTÓRICOPATRIMÔNIO HISTÓRICOPATRIMÔNIO HISTÓRICOPATRIMÔNIO HISTÓRICOPATRIMÔNIO HISTÓRICO
Políticas públicas e a preservação do patrimônio histórico
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Josué Modesto dos Passos Subrinho
Reitor
Angelo Roberto Antoniolli
Vice-reitor
CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA UFS
Péricles Morais de Andrade Júnior (Coordenador)
Antônio Ponciano Bezerra
Dilton Cândido Santos Maynard
Eduardo Oliveira Freire
Lêda Pires Corrêa
Maria Batista Lima
Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves
Maria José Nascimento Soares
Ricardo Queiroz Gurgel
Rosemeri Melo e Souza
Vera Lúcia Corrêa Feitosa
Veruschka Vieira Franca
Direitos desta edição reservados à
EDITORA UFS - Universidade Federal de Sergipe – UFS
Cidade Universitária “Prof Aloísio Campos”
Rua Marechal Rondon, s/no. - Jardim Rosa Elze
49100-000 – São Cristóvão – SE
MEMÓRIAMEMÓRIAMEMÓRIAMEMÓRIAMEMÓRIA, HIS, HIS, HIS, HIS, HISTÓRIA ETÓRIA ETÓRIA ETÓRIA ETÓRIA E
PATRIMÔNIO HISTÓRICOPATRIMÔNIO HISTÓRICOPATRIMÔNIO HISTÓRICOPATRIMÔNIO HISTÓRICOPATRIMÔNIO HISTÓRICO
Políticas públicas e a preservação do patrimônio histórico
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
Aracaju, 2011
Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por
qualquer meio sem autorização escrita da Editora.
Editoração Eletrônica e capa
Adilma Menezes
Revisão
Edvar Freire Caetano
Juliene Paiva
Oliveira, Almir Félix Batista de
F866p Memória, História e Patrimônio Histórico / Almir Félix
Batista de Oliveira. São Cristóvão: Editora UFS, 2010.
206 p
ISBN: 978-85-7822-071-6
1. Ensino de História. 2. Memória - Paraíba. 3. Ensino no
Brasil. 4. Patrimônio Histórico. I. Título.
 CDU 37.046.14:94 (813.7)
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central
da Universidade Federal de Sergipe
Este trabalho é dedicado a minha esposa,
Margarida, por tudo que ela tem feito por mim.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Sr. Almir e Dona Áurea, pelo apoio e a liberdade
para ousar;
À UFPB, por ter propiciado minha formação e informação, devo
12 anos de minha vida a ela;
Ao Prof. Dr. Raimundo Barroso, pelas suas leituras, análises e co-
locações, ou seja, sua orientação;
Aos AMIGOS Alexsandro e Luciano, pelos momentos de refle-
xão e as boas risadas dadas em conjunto – lembram do Imperador,
onde tudo começou;
A Juliene Paiva e a Luciana Moreira, meus agradecimentos pelos
seus trabalhos técnicos que acrescentaram qualidade ao texto;
À Profª Drª Rosa Maria Godoy Silveira, pela aposta na minha ca-
pacidade de me tornar historiador;
Ao pessoal do IPHAEP, a Fátima, a Ana Paula, a Germana, ao
Prof. Itapuan Bôtto, pela presteza, pela compreensão e pelo amor dedi-
cado ao Patrimônio;
Aos meus sogros, por terem sempre me ajudado, mas, acima de
tudo, por terem me dado Margarida;
Por fim, eu nem queria agradecer, mas sim prestar reverência, a
minha esposa, meu porto, meu seguro. Sem ela, seria impossível eu ter
gostado da História, me apaixonado pelo Patrimônio, feito este traba-
lho, meu muito obrigado.
Por fim, gostaria de lembrar que os erros que haja no trabalho são
de minha, e somente minha, inteira responsabilidade.
9
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Memória
Amar o perdido
Deixa confundido
Este coração
Nada pode o olvido
Contra o sem sentido
Apelo do Não
As coisas tangíveis
Tornaram-se insensíveis
À palma da mão
Mas as coisas findas,
Muito mais que lindas
Essas ficarão.
Carlos Drummond de Andrade
Claro Enigma - 1951
Defender nosso patrimônio histórico e artístico é
alfabetização.
Mário de Andrade
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ........................................................................ 12
LISTA DE ANEXOS .......................................................................... 13
APRESENTAÇÃO ............................................................................ 15
INTRODUÇÃO ................................................................................ 17
CAPITULO 1
MEMÓRIA E HISTÓRIA: confrontos e complementos ............... 23
CAPITULO 2
PATRIMÔNIO HISTÓRICO: preservar é preciso... ...................... 47
CAPITULO 3
O IPHAEP: um museu de grandes novidades .................................. 75
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................... 147
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................... 155
Anexos ............................................................................................... 163
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Coreto da Praça da Independência
Figura 2 – Obelisco da Praça da Independência
Figura 3 – Fonte de Tambiá no Parque Arruda Câmara
Figura 4 – Coreto da Praça Venâncio Neiva
Figura 5 – O Parque Solon de Lucena (A Lagoa)
Figura 6 – A Balaustrada da Av. João da Mata
Figura 7 – Colégio Dom Pedro II – Av. João da Mata
Figura 8 – Escola de Aprendizes de Artífices
Figura 9 – Igreja de São Frei Pedro Gonçalves
Figura 10 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo
Figura 11 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
Figura 12 – Biblioteca Pública do Estado
Figura 13 – Academia de Comércio Epitácio Pessoa
Figura 14 – Liceu Paraibano
Figura 15 – Faculdade de Direito
Figura 16 – Teatro Santa Roza
Figura 17 – Associação Paraibana de Letras
Figura 18 – Núcleo de Arte Contemporânea
Figura 19 – Fazenda Ribamar – Boi-Só
Figura 20 – Imóvel n. º 366.
Figura 21 – Imóvel n. º 265
Figura 22 – Sobrado Conselheiro Henriques
Figura 23 – Imóvel n. º 92 – Pça. da Independência
Figura 24 – Sobrado de Santos Coelho – Casarão de Azulejos
Figura 25 – Associação Comercial do Estado da Paraíba
Figura 26 – Palácio da Redenção
Figura 27 – Sede do IPHAEP
Figura 28 – Palácio do Tribunal de Justiça
Figura 29 – Hotel Globo
Figura 30 – Anexo do Hotel Globo
Figura 31 – Correios e Telégrafos
Figura 32 – Comando Geral da Polícia Militar
LISTA DE ANEXOS
ANEXO A – Relatório apresentado na 1ª Sessão
Plenária do II Encontro de Governadores para a
Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico,
Arqueológico e Natural do Brasil, realizado em
Salvador – Bahia, de 25 a 29 de outubro de 1971. ...................... 153
ANEXO B – Decreto-Lei n. º 7819 de 24 de outubro
de 1978 – Dispõe sobre o Cadastramento e
Tombamento dos Bens Culturais, Artísticos e
Históricos no Estado da Paraíba. .................................................... 156
ANEXO C – Entrevista com Professor Linduarte Noronha. ....... 166
ANEXO D – Delimitação do Centro Histórico
da Cidade de Pombal ....................................................................... 184
ANEXO E – Delimitação do Centro Histórico da
Cidade de Alagoa Grande ................................................................ 185
ANEXO F – Delimitação do Centro Histórico da
Cidade de São João do Rio do Peixe ............................................. 186
ANEXO G – Delimitação do Centro Histórico da
Cidade de Areia ................................................................................ 187
ANEXO H – A relação de todos os bens tombados pelo IPHAEP. .... 188
APRESENTAÇÃO
A presente obra tem por objetivo, segundo o próprio autor, reali-
zar um estudo ainda pouco comum na Paraíba, e em pós-graduações em
História: a ação do Estado na preservação do patrimônio cultural. Abor-
dagens sobre políticas públicas para o patrimônio realizadas por arqui-
tetos são mais freqüentes, mas ao investigar a concepção de História do
IPHAEP - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da
Paraíba, Almir Félix Batista de Oliveira evidencia a memória como re-
sultado de jogo de realces e de ocultamentos. Desta forma, contribui
com a historiografia paraibana trazendo à luz um debate sobre o IPHAEP
enquantoarticulador de discursos sobre memória e história, e com a
difusão das questões ligadas à preservação do patrimônio cultural na
Paraíba.
É mérito do autor lançar um olhar para o patrimônio preservado
sob um ponto de vista menos usual e trazer um importante inventário
dos tombamentos realizados pelo IPHAEP, de interesse tanto dos ape-
nas iniciados como dos especialistas da área do patrimônio. O livro
aponta ainda para a utilização dos monumentos preservados em práti-
cas pedagógicas, ditas de educação da memória, numa perspectiva críti-
ca de evidenciar também os silenciamentos: “demonstrá-los como resul-
tado de atitudes excludentes e frutos de ações programadas e
desencadeadas na perspectiva de se fazerem únicas”.
Hoje temos disponível uma vasta bibliografia analisando a atuação
do IPHAN e suas escolhas na preservação do patrimônio cultural brasi-
16
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
leiro. Isto não é fato, na mesma proporção, em relação aos órgãos esta-
duais de patrimônio. Da minha experiência, por exemplo, trabalhando
com patrimônio nos estados do Ceará, São Paulo e Goiás, posso dizer
que apenas o trabalho do Condephaat, Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Pau-
lo, tem sua ação já apropriada por análises acadêmicas.
Os outros órgãos estaduais, quais sejam, a COPAHC, Coordena-
doria de Patrimônio Histórico e Cultural da Secretaria da Cultura do
Ceará, e a Diretoria de Patrimônio Histórico da Agência Goiana de
Cultura Pedro Ludovico Teixeira, ainda não possuem estudos sobre
suas atuações ou sobre as legislações estaduais que os fundamentam,
o que torna ainda mais relevante e original o trabalho ora apresenta-
do, em especial a entrevista com o professor Linduarte Noronha. A
importância deste registro vai na contramão de uma constatação sem-
pre presente e incômoda de que as instituições ligadas à memória no
Brasil raramente documentam sua própria trajetória, o que dificulta
análises sistemáticas de sua atuação e a escrita de sua História.
O presente trabalho traça uma interessante análise do IPHAEP e
abre uma vereda que outras pesquisas deverão seguir. Além disso, suge-
re um alargamento do perfil de bens selecionados, apontando para
edificações portadoras de significados anteriormente não contempla-
dos nos tombamentos e para bens intangíveis, pretendendo uma ampli-
ação de suas concepções de memória e de História.
Tive a honra de ler em primeira mão este livro e desejo que ele
tenha ampla divulgação e estabeleça de fato uma profícua discussão
sobre políticas públicas para a preservação do patrimônio.
Manuelina Maria Duarte Cândido
Profa. de Museologia da FCS/UFG
m agosto de 2001, uma série de reportagens veiculadas nos jornais
paraibanos mencionava a preservação do patrimônio histórico no Estado.
Eram quase 15 matérias, um número bastante considerável se levarmos em
conta o assunto. Aniversário da cidade de João Pessoa – 05/08/1585,
data de fundação pelos portugueses, pareceu-nos, que, por isso, agosto
havia sido escolhido para ser o Mês do Patrimônio.
As matérias eram as mais diversas e iam desde a fundação do
Memorial da Arquidiocese da Paraíba – com uma exposição de arte
sacra com imagens dos séculos XVIII e XIX –, passando por propostas
de restauração de imóveis, como a casa do escritor Carlos Dias, em
Mamanguape, com o objetivo de ser transformada em um museu –
local onde se hospedou Dom Pedro II em 1859 – e a Fazenda Acauã,
em Aparecida (Alto Sertão Paraibano), que seria transformada em um
parque turístico, histórico e cultural, até a discussão central sobre o
Processo de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa.
Além desses assuntos, um outro chamava-nos a atenção e na leitu-
ra do próprio artigo tentávamos entender o que havia sido feito, porém
não conseguíamos acreditar. Era um artigo do Jornal Correio da Paraíba,
com o seguinte título: GUARABIRA RESTAURA PRAÇA HISTÓ-
RICA. Guarabira, cidade localizada no Brejo Paraibano, através de sua
Prefeitura, “restaurava” a Praça João Pessoa no Centro da Cidade. A
matéria iniciava da seguinte forma:
INTRODUÇÃO
E
18
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
Com um público estimado, pela Polícia Militar, em mais de 10 mil pesso-
as, a Prefeitura de Guarabira inaugurou na Quarta-feira, dia 1º as obras
de reconstrução da Praça João Pessoa, o mais central e historicamente
rico logradouro público da Capital do Brejo.[...]
O antigo logradouro foi totalmente demolido, surgindo, em seu lugar,
um projeto arquitetônico moderno, com muitas cores e muito espaço.
A área da praça foi ampliada, já que a prefeitura transformou uma das
vias laterais em calçadão. A fachada dos prédios contíguos foi restaura-
da para adequar-se ao conceito paisagístico dominante na concepção da
obra pública.1 (Grifos Nossos).
Em relação ao Centro Histórico de João Pessoa, como afirmado
anteriormente, assunto central ou o mais abordado pelos artigos, as
matérias versavam que os objetivos buscados no processo de revitalização
não haviam sido atingidos. As obras tiveram início em 1987 e atingi-
ram o ápice com a inauguração, em 1998, da Praça Antenor Navarro.
Esse projeto foi possibilitado a partir do convênio firmado entre o
Governo da Espanha2 e o Governo do Brasil, através do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, do Governo do
Estado da Paraíba e da Prefeitura Municipal de João Pessoa. Na capital,
segundo dados oficiais, já foram investidos valores na ordem de R$
5.000.000,00 (cinco milhões) de reais, sendo R$ 2.500.000,00 (dois
milhões e meio) de reais por parte do Governo Espanhol e os outros
1 Jornal Correio da Paraíba. João Pessoa, 4 ago. 2001.
2 A participação deste governo, que se dá pelo fato de a cidade ter sido fundada no
período da União Ibérica, quando a Coroa Portuguesa e a Espanhola estavam sob
regência do Rei Espanhol Felipe II, inclusive recebendo o nome, por uma de suas
designações, de Filipéia de Nossa Senhora das Neves e, atualmente, fazer parte da
política cultural da Espanha de investir na Revitalização de algumas cidades funda-
das nesse período.
19
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
R$ 2.500.000,00 (dois milhões e meio) de reais pelo IPHAN, pelo
Governo Estadual e pela Prefeitura.
Quanto ao problema da praça em Guarabira, ficamos nos pergun-
tando: qual seria a concepção de memória/história/patrimônio histó-
rico presente nas políticas de preservação desenvolvidas pelos gestores
da Prefeitura daquela cidade? Com atitudes desse tipo, por mais que
pareçam insignificantes e que esses gestores tenham por preocupação
maior colocar a cidade no mundo moderno, acreditamos ser a concep-
ção adotada pela maioria dos dirigentes de entidades públicas que to-
mam para si o direito de escrever a história, de tecer a memória e de,
portanto, estabelecer o que fica (mesmo que isso não tenha o tomba-
mento como amparo legal) como referencial de determinados períodos
e determinados acontecimentos para representação das sociedades.
Quanto ao Centro Histórico de João Pessoa, ao nosso ver e como
reclamam principalmente os comerciantes e os agentes de turismo – e
apesar da orientação dada por especialistas, os engenheiros e arquitetos
responsáveis pelo projeto –, faltou algo muito importante no processo
de revitalização que foi a participação da sociedade, a participação, in-
clusive, dos próprios interessados no assunto, os moradores, os comer-
ciantes, entre outros.
Deve-se registrar que foi, na época, realizada uma Sessão Especial
na Assembléia Legislativa, para a qual foram convidadas as entidades
que discutem a problemática da preservação/conservação do patrimô-
nio histórico, tais como: a Associação Nacional de História – ANPUH-
PB, o IPHAN, o próprio Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
do Estado da Paraíba – IPHAEP, a Comissão de Desenvolvimento e
Revitalização do Centro Histórico de JoãoPessoa, a Prefeitura Munici-
pal, o Governo Estadual, a ACHERVO (Associação Centro Histórico
Vivo), o Serviço Brasileiro de Apoio a Pequena e Micro-Empresa –
SEBRAE, entre outras entidades. O objetivo era promover a discussão
a respeito do processo de revitalização do Centro Histórico, em um
documento formulado e onde constava uma pauta de reivindicações de
um grupo de entidades preocupadas com o funcionamento do Centro
Histórico.
A memória utilizada como pano de fundo foi a que sempre pre-
valeceu nos processos de preservação, conservação do nosso patrimô-
nio histórico, uma memória unitária, centralizadora cujo objetivo foi
privilegiar, amparada pelo “mecenato” espanhol, um grande aconteci-
mento, a fundação e construção da cidade por uma elite branca, cató-
lica, culta.
Esta obra objetiva analisar uma área ainda pouco estudada no
âmbito da Paraíba, e de mínima produção acadêmica nos programas de
pós-graduação em História (apesar de serem encontrados muitos estu-
dos produzidos na Arquitetura): a intervenção estatal na produção/
preservação/conservação do patrimônio histórico.
Procuramos, assim, produzir uma análise interdisciplinar, inter-
ligando áreas de conhecimento tradicionalmente desarticuladas, utili-
zando os fundamentos da administração pública no diálogo com o
conhecimento histórico para contribuir com um conhecimento novo,
que sugerirá respostas sobre os caminhos percorridos e os novos a
seguir pelas políticas públicas em relação à produção de memória e
produção/preservação do patrimônio histórico e cultural no Estado
da Paraíba.
O papel desempenhado pelo IPHAEP, no que tange à produção,
preservação e conservação de um Patrimônio Histórico e Artístico, no
Estado da Paraíba, é algo carente de análise.
Aqui, tentamos entender o papel que o órgão desenvolveu, e con-
tinua desenvolvendo, como veiculador de uma concepção de memó-
ria pretensamente uniforme, homogênea, natural e espontânea.
Seguindo por essa linha de raciocíno, tentamos identificar a con-
cepção de memória predominante no IPHAEP, determinadora da pro-
dução de um patrimônio; observar a possibilidade de alterações nas
concepções de memória, na forma de condução e gestão do Instituto,
principalmente quando levamos em consideração o papel desenvolvi-
21
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
do, ao longo do tempo, pela sociedade civil, na tentativa de também
determinar o que deve ser considerado patrimônio.
Entender a concepção de história do Instituto, criadora de uma
identidade e de uma significação, é de fundamental importância para se
conhecer a produção/preservação/conservação do patrimônio históri-
co criado e construído por este órgão.
Aqui também questionamos a finalidade desta produção/preser-
vação/conservação como fomentadora de uma cidadania. Observamos
a articulação entre a concepção de memória como algo provido de um
sentido social, portanto coletivo, não excludente, norteador de ações
que visam ao desenvolvimento igualitário e de uma tomada de consci-
ência crítica sobre o passado, e a construção de um patrimônio decor-
rente dessa concepção.
Por fim, tentamos compreender a tardia preocupação, na Paraíba, em
relação à produção/preservação/conservação do Patrimônio Histórico.
O texto final ganhou a seguinte configuração: no Capitulo I, a
partir dos trabalhos de autores como Pierre Nora, Jacques Le Goff,
Marc Ferro, Michel Pollack, Eric Hobsbawm, entre outros, apresenta-
mos as concepções de memória, sua relação com a História, o papel
desempenhado por determinados tipos de história, a necessidade de
construção de lugares de memória, a possibilidade da pluralidade na
produção da memória, da História e da produção desses lugares.
No Capítulo II, discutimos o como, o porquê preservar, para quem
preservar, o direito à memória, ao passado e, portanto, ao patrimônio
como fomentador da cidadania, definições de cidadania no momento
de criação do IPHAN em 1936 e na Expedição do Decreto-Lei 25 de 30
de novembro de 1937, finalizando com a possibilidade de atuação, por
parte dos Estados da Federação, na política de preservação dos seus
patrimônios.
O Capitulo III é dedicado ao estudo do IPHAEP – Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba, criado pelo
Decreto 5.255 de 31 de março de 1971, com a finalidade de
22
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
[...] preservar os bens culturais do Estado que não se encontram sob
proteção e guarda do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, com-
preendidos os seguintes: histórico, artístico, folclórico, florístico e arque-
ológico.3
As Atas do Conselho Consultivo, hoje, Conselho de Proteção
dos Bens Históricos Culturais – CONPEC, de documentação concer-
nente ao funcionamento administrativo do IPHAEP (Decreto n.º
14.569), a Legislação regulamentadora da ação (o próprio Decreto 5.255,
Decreto 7.651, Decreto 7.819, Decreto 9.483, a Lei 5.357, entre ou-
tros), os processos de tombamento, os registros da Divisão de
Cadastramento e Tombamento, os Livros de Tombo do Instituto,
matérias em Jornais – principalmente em A União –, entre outros do-
cumentos, foram por nós arregimentados para análise e conhecimento
do órgão na tentativa de explicitação de suas políticas e de sua concep-
ção de memória/história e patrimônio histórico.4
Nosso desejo, enfim, é o de contribuir com a historiografia
paraibana, no que diz respeito ao papel do IPHAEP como lugar de
memória, produtor de memória e de história.
3Decreto-Lei n.º 5.255, de 31 de março de 1971, publicado no Diário Oficial do
Estado em 01 de abril de 1971.
4Entre o período de junho de 1998 a julho 1999, foram lançados no Caderno de
Cultura, todos os domingos, em decorrência de um convênio firmado entre o
Jornal e o IPHAEP, descrições de bens tombados.
Memória é uma seleção de imagens, algumas fugazes... outras bem
gravadas na mente. Cada imagem é como um fio e juntos os fios,
formam uma tapeçaria de textura complexa.
E a tapeçaria contou a história. E a história é o nosso passado.1
Nas últimas décadas do século XX, foi grande a preocupação com
uma questão bastante importante, não só para os historiadores, como
para vários outros cientistas em diversas áreas, a questão da memória.
A memória foi discutida em seu aspecto biológico – sua relação
com o cérebro ou com áreas deste, inclusive, podendo ser, também, aí
verificados avanços importantíssimos no estudo a respeito do seu funci-
onamento. No entanto, as áreas de psicologia, sociologia, informática
colocaram outras perspectivas para a questão da memória, sobretudo
pelo seu envolvimento com setores por demais importantes, que vão
desde a simples guarda de informação por parte de computadores a
pesquisas em alta tecnologia, com ordem numérica de financiamento
na casa dos bilhões de dólares.
1 Amores Divididos – (Evel´s Bayou) – EUA – 1997. Direção: Kasi Lemmons; Elenco:
Samuel L. Jackson, Jurnee Smallett, Lynn Whitfield – Duração: 106 mim. – PlayArte
– Gênero: Drama.
CAPITULO 1
MEMÓRIA E HISTÓRIA: CONFRONTOS E COMPLEMENTOS
24
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
Temas de diversas revistas, especializadas ou não, apresentam aborda-
gens que poderíamos afirmar sérias – e quero aí expressar o termo sério
como científico – comparadas a outras, diríamos, mais mercantilistas, que
vão desde a preparação com técnicas próprias para se ter uma boa memó-
ria à sua aplicação nas mais variadas formas de ganhar ou obter lucros.
Podemos verificar e afirmar que a aplicabilidade da memória pode
ser a mais variada. Porém, qual abordagem nos importa e que queremos
alcançar neste trabalho? O que queremos obter neste estudo, nesta pes-
quisa? São duas as questões relevantes nesta produção. De início, o que
queremos é discutir a memória em sua relação e seus entrelaçamentos
com a história. Posteriormente, pretendemos discutir o papel desempe-
nhado pela memória e pela história na construção/produçãode um
determinado Patrimônio Cultural.
Devemos, também, deixar claro que, na condição de pesquisa-
dores que têm como objetivo principal o de enveredar pelo campo da
história, não somos os únicos capazes de fazer essa análise. Primeiro,
porque não foram os historiadores que iniciaram as discussões a res-
peito do tema. Outro fator que podemos verificar nas últimas déca-
das – precisamente e de forma mais contundente, a partir da segunda
metade do século XX –, é uma busca pela realização de trabalhos e
desenvolvimento de pesquisas de forma interdisciplinar, o que acabou
por favorecer a possibilidade de discussão entre os campos da antropo-
logia, sociologia, psicologia, ciência política e a própria história, em
todos os ramos de conhecimento, ampliando, assim, as análises reali-
zadas por essas disciplinas acerca do tema em questão.
A própria legitimidade da produção do conhecimento histórico,
a partir da forma de escrever preconizada pelos historiadores metódicos
na França, como o único capaz de ser ou se fazer verdadeiro, foi questio-
nada. Trabalhamos com o que foi definido como possibilidades de re-
presentação do real. Passamos a entender que, acima de tudo, os fatos
não falam por si só e, quando a eles nos referimos, fazemos a partir de
pontos de vista diversos. O modelo denominado “positivista” (de for-
25
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
ma errônea)2, que objetivava garantir a peculiaridade de verdade absolu-
ta à história foi posto de lado, e passamos a encarar o conhecimento
histórico sem a pretensão e o purismo de uma descrição verdadeira do
passado. Fomos obrigados a admitir que, quando fazemos história, quan-
do escrevemos história, colocamos aí os nossos juízos de valor, os nos-
sos interesses particulares ou de classe, fazemos escolhas e construímos
nossos textos.3 Falamos de um lugar social ao qual pertencemos e de
que não nos afastamos. Não somos tão inocentes ou ingênuos como
alguns gostariam ou afirmavam. A neutralidade não existe e talvez nun-
ca tenha sido possível existir.
Além de tudo, verificamos, a partir de um suposto fim das ideolo-
gias, mais precisamente da ideologia do progresso e da razão instrumen-
tal como forma explicativa para o desenvolvimento das sociedades, a
possibilidade de questionamentos a respeito de uma visão unilinear da
história. Visão, porém, agora reforçada com o modelo econômico da
globalização que, mesmo abarcando a diversidade cultural e a inclusão
dessa diversidade, prega um sentido e um discurso único para o devir
histórico.
O abandono da visão unilinear também foi impulsionado pelo pro-
cesso de descolonização do mundo após o fim do segundo conflito mun-
dial, que se desenrolou nas décadas de 50, 60 e 70 do século passado.
Aqueles que só faziam parte da história por serem colonizados e quando
colonizados, tendo aí que se conformar com um tipo de história
2 Essa denominação seria correta se esses historiadores fossem seguidores das ideias
de Augusto Comte e Emile Durkheim (sociólogos e que criticavam com grande
veemência a forma utilizada para se escrever história). Porém como seguidores dos
métodos de Leopold von Ranke (historiador alemão) e sua ênfase nas fontes dos
arquivos a melhor denominação será a de metódicos.
3 Para maior esclarecimento a respeito dessa discussão, ver SCHAFF, Adam. Histó-
ria e Verdade. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1986. Ver também CERTEAU,
Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
26
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
eurocêntrica e preconceituosa, passaram a reivindicar a sua história. Essas
mudanças, por sua vez, impulsionam e tornam-se consequências da alte-
ração dos paradigmas4 tradicionais da escrita da história, descritos a se-
guir: a) a história deveria ser essencialmente política; b) a história deveria
ser a narrativa dos acontecimentos; c) a história deveria sempre proporci-
onar uma visão de cima; d) a história deveria ser baseada nos documen-
tos, principalmente, os oficiais, emanados do governo; e) a preocupação
da história deveria ser com o acontecimento e com o individual e f) a
história deveria ser objetiva e mostrar os fatos como eles verdadeiramente
aconteceram.
Outra questão importante a levarmos em consideração é a acelera-
ção do tempo histórico.5 Processo que, até o momento, parece inevitá-
vel. A aceleração vivenciada atualmente confirma a noção de tempo
imposta pelo sistema capitalista. O tempo do trabalho, o tempo da
fábrica. Tempo sem fronteiras, marcado pela mundialização e
imediatização constante, em que o capital opera e onde tudo consome
e mercantiliza. Uma volatização total, em que somos obrigados a com-
portamentos efêmeros e superficiais, sendo nossas relações com o passa-
do desestabilizadas e desmontadas.
[...] uma oscilação cada vez mais rápida de um passado definitivamente
morto, a percepção global de qualquer coisa como desaparecida – uma
ruptura de equilíbrio.6
4 Ver: BURKE, Peter (org.). A Escrita da História. Novas Perspectivas. 2 ed. São
Paulo: Unesp, 1992.
5 Ver: HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX – 1914-1991. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 12-26.
6 NORA, Pierre. Entre Memória e História – a problemática dos lugares. In: Projeto
História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História. São Paulo,
n. 10, p. 7, 1993.
27
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Esse conjunto de alterações nos sugere a obrigatoriedade de enten-
der a história, para compreender suas construções. Saber memórias,
conhecer memórias, ter memórias. Afinal, segundo Nora, “fala-se tanto
de memória porque ela não existe mais.”7
Em decorrência desta aceleração e como seu produto, trata-se,
portanto, de um movimento dialético, na possibilidade de se pensar
novas abordagens, novos objetos e novas perspectivas – podemos, mais
uma vez, observar e constatar uma verdadeira mutação na história (como
campo de saber com um objeto de estudo e um método científico), sendo
reservado, neste início de século, um papel importante e de relevância ao
estudo da memória e à preocupação com respeito à conservação de um
patrimônio histórico ou do(s) patrimônio(s) histórico(s) decorrente(s)
das várias concepções de memória e de história.
A memória e suas relações com a história
Discutir esta memória, sua relação com uma história construída
e a própria construção de um patrimônio é algo bastante necessário e
por si só já justificaria análises e discussões por parte da sociedade. Se
levarmos em consideração as mudanças no próprio sistema capitalis-
ta, em que a cultura passou a ter um valor de mercadoria8, assumindo
um valor de troca, é necessário ainda mais tempo para tentar entender
o estado das discussões sobre estes temas. Temos um movimento
oscilatório que nos indica a quebra do sentido de continuidade, ou
7 NORA, Pierre. Op. cit. p 7.
8 Para maiores esclarecimentos ver: ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max.
Dialética do Esclarecimento. Fragmentos Filosóficos. São Paulo: Zahar, 1990. Ver
também: BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade
técnica. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras Escolhidas, v.1).
28
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
de pelo menos o discurso construído a partir desta, desfazendo os
elos de passado, presente e futuro, que não possibilita o reconheci-
mento de identidades na tentativa de melhor controlar e sobrepujar,
como nos indicam Jacques Le Goff e Marc Ferro:
Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes
preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e
dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da
história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória
coletiva.9
[...] hoje mais do que nunca, a história é uma disputa. Certamente,
controlaro passado sempre ajudou a dominar o presente; em nossos
dias, contudo, essa disputa assumiu uma considerável amplitude.10
Nesse processo, o controle do passado é, por excelência, o controle
do presente. Podemos ter aí a construção ou a necessidade de invenção na
busca da legitimação. Esse papel foi desempenhado com maestria, no
momento de institucionalização da disciplina histórica (o cultuar, o vene-
rar da nação) em Estados com formação e unificação nacional há muito
iniciado, ou em casos mais recentes, como nos demonstra Hobsbawm:
[...] a história é a matéria-prima para ideologias nacionalistas ou étnicas
ou fundamentalistas, [...] o passado é um elemento essencial [...] se não há
um passado satisfatório, sempre é possível inventá-lo, [...] o passado legi-
tima.11
9 LE GOFF, Jacques. História e Memória. 4 ed. Campinas: Editora da Unicamp,
1996, p. 426.
10 FERRO, Marc. A História Vigiada. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p.1.
11 HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 17.
29
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Na formação de estados mais recentes (Paquistão, o próprio Irã na
sua versão islamizada, países mais centrais como a Itália e a Alemanha) e
na possibilidade de construção de um passado para legitimar uma ou
outra ideologia dominante, percebemos que a visão herdada do século
XIX, a qual vincula a história à construção das nações, propicia somen-
te a sacralização do passado. Processo de sacralização que é construído
através de mitos fundadores, através da busca de símbolos comuns para a
construção da identidade dessa nação. Somos, assim, obrigados a reco-
nhecer que o papel do historiador é o de um grande construtor e
manipulador de memória. Com tudo isso, fica-nos evidente o papel do
historiador em relação à vida social e, sobretudo, à intervenção em ques-
tões que pertencem ao campo político.
Sendo assim, precisamos tentar entender a relação entre memória
e história para podermos esclarecer e conhecer o papel desempenhado
não só pelo historiador, como também por instituições, e até mesmo
pela própria história, como produtora e como resultado dessa produ-
ção, como saber científico. Porém, esse mesmo construtor do saber
histórico não pode e nunca deve seduzir-se pelo culto mórbido do pas-
sado, ou seja, a tarefa é não simplesmente admirar o passado de forma
nostálgica e idealizada, e sim estudá-lo criticamente. Não deve caber ao
historiador o culto às tradições, muito menos, o ato de alimentá-las,
mesmo que isso tenha, em vários momentos (pretéritos ou presentes),
se tornado tarefa corriqueira no ofício de determinados historiadores
ou de escolas históricas a estes vinculados.
Tomemos conhecimento, inicialmente, de algumas considerações
a respeito do que pensam alguns autores e do qual partimos, a respeito
do termo memória.
Para Pierre Nora, memória
[...] é a vida, sempre carregada por grupos vivos, e nesse sentido, ela está
em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esqueci-
mento, inconsciente de suas deformações, vulnerável a todos os usos e
30
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações.
[...] A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem,
no objeto, [...] é um absoluto.12
Algo vivo, pertencente a grupos vivos, possível de ser esquecida,
porém, podendo sempre ser lembrada, desde que se tenha necessidade
disso. Múltiplas são as memórias. Para cada grupo existente, existirá
uma memória, um coletivo de pensamentos e lembranças do passado,
dando, a esses grupos e aos que os integram, um sentido comum de
existência, o sentido de serem membros de uma mesma comunidade.
Passam a possuir marcas identitárias, uma marca no/do passado, que
afirme as origens e a experiência vivida.
Memória passível de manipulações, desde que isso seja convenien-
te, desde que isso se faça necessário. Memória que pode ser alterada
para conformar, para transformar-se em única, abarcando a memória
dos vencedores e a dos vencidos na busca da uniformização, ficando a
dos primeiros sempre como a “real e verdadeira” em detrimento das
outras. Isso ocorre nos momentos de disputas, também múltiplas (são
várias as memórias em/no jogo). Nos momentos de construções ou de
afirmação, torna-se algo homogêneo, longe dessas multiplicidades (ao
fim do jogo, sempre existe um vencedor). Memória produtora de es-
quecimentos e de silêncios. Esquecimentos e silêncios, de certa forma
aceitos e incorporados pelos vencidos, como se só restasse a esses aceita-
rem o fato da derrota. Uma passividade conformadora, uma aceitação
calma e tranquila, uma integração à história dos vencedores, que só se
fará outra em um momento de ruptura drástica.
12 NORA, Pierre. Op. cit. p.9.
31
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Os estudos de Le Goff: a memória através do tempo
Nos seus trabalhos13 sobre a memória e o papel desempenhado
por esta nas sociedades, Jacques Le Goff afirma:
[...] o estudo da memória social é um dos meios fundamentais de abor-
dar os problemas do tempo e da história, relativamente aos quais a
memória está ora em retraimento, ora em transbordamento.14
O historiador francês historia os uos do termo ao longo de cinco
períodos, a saber:
1) A memória étnica nas sociedades sem escritas
As principais características desse período são as seguintes: a neces-
sidade e o apego aos mitos de origem, os mitos de fundação, que
enaltecem e legitimam o agir de determinado clã ou grupo social; a
existência dos chamados especialistas da memória, os homens-memó-
ria, responsáveis pela transmissão de conhecimento e pela coesão do
grupo; e terceiro, a importância dada ao conhecimento prático, técni-
co, ao saber profissional.
2) O desenvolvimento da memória, da oralidade à escrita, da Pré-
história à Antiguidade
O aparecimento da escrita abre a possibilidade da fixação da me-
mória. Temos, também, o surgimento de duas formas de memória: a
13 LE GOFF, Jacques. Op. cit. p. 423-477. O autor faz um amplo estudo cronoló-
gico sobre a utilização da memória, baseado nos estudos de Leroi-Gourhan.
14 LE GOFF, Jacques. Op. cit. p.426.
32
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
primeira é a comemoração, a possibilidade de celebração por meio de
monumentos comemorativos, relativos a fatos e atos dignos de
rememoração. Os principais eram os obeliscos e as estelas, criados para
contarem feitos louváveis como vitórias, peregrinações, atos ou códigos
jurídicos, sacerdotais etc, sendo a Grécia e Roma consideradas as “civi-
lizações da epigrafia”.15 A segunda é o próprio documento escrito. As
funções da escrita no documento escrito são de duas ordens: a de arma-
zenar informações e possibilitar o reexame e a reordenação dessas infor-
mações. Outra questão importante está na relação entre o aparecimen-
to e a difusão da escrita e o desenvolvimento urbano. “A inovação diz
respeito ao vértice do sistema e engloba seletivamente os atos financei-
ros e religiosos, as dedicatórias, as genealogias, o calendário, tudo o que
nas novas estruturas das cidades não é fixável na memória de modo
completo, nem em cadeias de gestos, nem em produtos” (Leroi-Gourhan
– 1964-65, pp. 67-8).16
Veremos aí, também, o papel desempenhado pelos reis na ativida-
de de memorização. A partir deles e sempre em referência a eles, criam-
se as instituições-memória: arquivos, bibliotecas e museus:
Memória real, pois os reis fazem compor e, por vezes, gravar na pedra
anais (ou pelo menos extratos deles) onde estão sobretudo narrados
os seus feitos – e que nos levam à fronteira onde a memória se torna
‘história’.17
15 Como podemos ver em LE GOFF, Jacques. Op. cit. p.432: “A pedra e o
mármore serviam na maioria das vezes de suporte a sobrecarga de memória. Os
‘arquivos de pedra‘ acrescentavam à função de arquivos propriamente ditos
um caráter de publicidadeinsistente, apostando na ostentação e na durabilida-
de dessa memória lapidar e marmórea”.
16 Apud LE GOFF, Jacques. Op. cit. p.433.
33
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Nesse processo de mudança da oralidade para a escrita, ocorre uma
modificação tanto na memória coletiva, como, principalmente, na me-
mória artificial. Surgem as listas lexicais – técnica de memorização e
aprendizado, baseadas em ordem de disposição das coisas a lembrar. A
produção e a expansão destas listas, sua utilização, estariam não só rela-
cionadas com a necessidade da memorização de valores numéricos e de
desenvolvimento do comércio (como nos indica Le Goff), mas também
com a instalação do poder monárquico: “um aspecto da organização de
um poder novo”.18
Com os gregos, passamos a ter uma divinização e uma posterior
laicização da memória. Para estes, a memória era uma deusa Mnemosine
– mãe das nove Musas, deusas da arte, astronomia e história (Clio),
procriadas no desenrolar das nove noites passadas com Zeus, cujo
papel era lembrar aos homens a recordação dos heróis e dos seus altos
feitos.
Com a invenção, também pelos gregos, da mnemotécnica, temos
o processo de laicização. A invenção é atribuída ao poeta Simônides de
Céos, responsável pela aceleração da dessacralização da memória e acen-
tuação do seu caráter técnico e profissional. Outra questão importante
é, devida a Simônides, a distinção entre os lugares da memória e as
imagens. Derivada disso, temos, ainda, outra grande divisão entre a me-
mória para as coisas e a memória para as palavras.
3) A memória medieval no Ocidente
Neste período, em que observamos um predomínio quase total
da Igreja, tanto na vida cotidiana, como na produção intelectual, va-
mos ter como características marcantes a cristianização da memória – o
17 LE GOFF, Jacques. Op. cit. p.434.
18 LE GOFF, Jacques. Op. cit. p.436.
34
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
cristianismo e, principalmente, a sua matriz religiosa, o judaísmo, reli-
giões de recordação por excelência. Tanto no Antigo quanto no Novo
Testamento19, são várias as citações que nos fazem lembrar a ira de Deus
ou as coisas realizadas em memória do Cristo. Ocorre, também, o
surgimento de uma memória litúrgica, verificada não só na comemora-
ção/rememoração de Jesus, como a vista na celebração eucarística, em
sua forma mais “popular”, um culto exacerbado aos mortos, com ênfase
nos santos – e aí temos sua vida, sofrimentos e martírios como exemplos
a servir de alicerce para a memória. Temos a cristalização da memória em
torno das recordações dos mortos – são criados os libri memoriales,
para a inscrição daqueles os quais se deveriam lembrar sempre.
A criação de um dia oficial de comemoração aos mortos, o 02 de
novembro, e um terceiro lugar no Além, o Purgatório20, com função
intermediaria entre o Céu e o Inferno, donde os mortos podiam sair
mais rapidamente quanto maior fossem as orações, as esmolas, benfei-
torias realizadas pelos vivos em memória dos mortos, dão testemunho
desse culto.
A veneração dos velhos como homens-memória, portadores de
uma veracidade, por vezes, inquestionável, e a constituição dos arqui-
vos urbanos, devido à expansão das cidades, são outros fatores impor-
tantes. Existe um equilíbrio, ainda, muito forte, entre o oral e o escri-
to. Em matéria de educação, o jovem cristão deve, acima de tudo, co-
nhecer de memória as escrituras sagradas. Nas universidades, é grande o
recurso à memória.21
Com Santo Agostinho, temos um aprofundamento e um maior
dimensionamento do termo memória. A memória penetra profunda-
19 Para tanto ver: BLOCH, Marc. Introdução à História. 4 ed. s/n: Publicações Euro-
pa-América,S/D. p. 11-12.
20 LE GOFF, Jacques. O Nascimento do Purgatório. Lisboa: Editorial Estampa, 1994.
Ver também: LE GOFF, Jacques. O Imaginário Medieval. Lisboa: Editorial Estampa,
1994.
35
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
mente no interior do homem. Com Tomás de Aquino – aluno de
Alberto, o Magno, um grande incentivador da utilização de técnicas
mnemônicas na aprendizagem através da memória –, teremos não só
um prático contundente, como um teórico exemplar, formulador de
regras mnemônicas22, que vão influenciando, por vários séculos, os teó-
ricos, os teólogos, pedagogos e artistas e servindo como o ponto de
partida para discussão sobre a memória, pelos menos até o século XVII.
4) Os progressos da memória escrita e figurada da Renascença aos
nossos dias
A imprensa inicia o seu processo de mudanças na memória.
Até o aparecimento da imprensa... dificilmente se distingue entre trans-
missão oral e a transmissão escrita. [...] Com o impresso... não só o leitor
é colocado em presença de uma memória coletiva enorme, cuja matéria
não é mais capaz de fixar integralmente, mas é freqüentemente colocado
em situação de explorar textos novos.23
Nesse período do surgimento da imprensa até o inicio do século
XVIII, a memória e o seu conceito passam por transformações e mu-
danças, tanto de ordem teórica, com novas definições e abordagens,
quanto na ordem prática, ou de aplicações, com alterações nas técnicas
de memorização, ocorrendo propostas de substituição das antigas por
novas técnicas mnemônicas. Temos desde as teorias ocultistas da me-
21 Ver: LE GOFF, Jacques. Os Intelectuais na Idade Média. 2 ed. Lisboa: Gradiva, s/d.
22 Segundo Alfredo - o Magno, para se ter uma memória eficaz seria necessário: 1)
encontrar simulacros e imagens do que se quer recordar; 2) dispor em ordem
calculada o que se deseja recordar; e 3) é preciso meditar sempre o que se deseja
recordar. Apud, Le Goff, p.455.
23 Leroi-Gourhan Apud, Le Goff, p. 457.
36
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
mória, propostas, principalmente, por Giordano Bruno, à busca de
métodos científicos, racionalistas, portanto, fundados na razão, basea-
dos na possibilidade de equalização matemática, propostas por Francis
Bacon, Descartes e Leibniz.
Outra alteração, ou melhor, ampliação verificada é no que se refe-
re ao vocabulário e utilização de termos derivativos do termo memória.
Com o advento do século XVIII, são postas duas questões importantes
e cruciais para a problemática da memória:
a) os dicionários e as enciclopédias são um alargamento monu-
mental da memória coletiva, afinal, o “dicionário é uma forma
muito evoluída da memória exterior”24 e “a enciclopédia é uma
memória alfabética parcelar na qual cada engrenagem isolada
contém uma parte animada da memória total”.25
b) na Revolução Francesa, seguem-se práticas de cunho comemo-
rativo para fazer lembrar ao povo francês o sentido da Revolu-
ção. Inicialmente, um retorno ao culto dos mortos, com a reto-
mada da construção de cemitérios monumentais – prática essa
minimizada, ou até abandonada no fim do século XVIII. Em
seguida, com estabelecimento de festas revolucionárias a serviço
da memória, criam-se calendários e datas para manter vivo o
espírito da revolução. E isso não é um privilégio só da França,
outros estados e nações seguem o mesmo caminho, afinal, “uma
nação livre tem necessidade de festas nacionais.”26
São criados, também em vários paises, os locais necessários à cons-
trução e à guarda da memória coletiva. São fundados os arquivos naci-
onais e, além de tudo, são publicizados seus documentos. Os museus,
com a instalação das grandes coleções, passam a ter um número maior
24 Cf. LE GOFF, Jacques. Op. cit. p.461.
25 Cf. LE GOFF, Jacques. Op. cit. p.461.
37
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
de visitas e incursões. As bibliotecas têm uma abertura e um desenvolvi-
mento semelhantes.
Por fim, ainda teremos dois importantes instrumentos, bem mais
modernos, com certeza, a fazerem parte das manifestações importantes
da memória coletiva: o surgimento do monumento aos mortos – ocor-
rido principalmente após a 1ª Guerra Mundial – e o aparecimento da
fotografia – fato que revoluciona amemória, principalmente por
democratizá-la, concedendo-lhe uma precisão e uma verdade visual.
5) Os desenvolvimentos contemporâneos da memória
No século XX, o desenvolvimento da memória foi imenso, ten-
do-se, na invenção dos computadores e, a partir destes, uma nova
forma de memória, a eletrônica. Parte fundamental dessas novas má-
quinas, a função desse tipo de memória pode ser ilimitada. Diferente-
mente da memória humana, considerada instável e maleável, a memó-
ria eletrônica tem como vantagem a estabilidade e uma enorme facili-
dade de evocação, apesar de sua volatilidade. Contudo, é sempre bom
lembrar que esta forma de memória, como as várias outras formas
surgidas ao longo dos séculos, não passa de um auxiliar à memória
humana, que, acima de tudo, só funciona segundo e seguindo uma
programação do homem.
26 Em quase todos os países, encontraremos festas e datas nacionais relacionadas a
coisas necessárias de serem recordadas sempre, guardadas na memória. Citaremos
três exemplos: 1) no Brasil, a parada militar de 7 de setembro, lembrado-nos a
nossa Independência; 2) as antigas paradas militares do 1º de maio na antiga URSS,
lembrando a vitória da Revolução Bolchevique; e 3) as festas do 14 de julho, come-
morando a França republicana e a vitória da Revolução de 1789. Ver OLIVEIRA,
Lúcia Lippi. As Festas que a República manda guardar. Estudos Históricos. Rio de
Janeiro, v. 2, n. 4, p. 171-189, 1989. CANDEIA, Luciano. Comemoração, memória
e história no IV Centenário da Paraíba. Recife, 2002. Dissertação (Mestrado em Histó-
ria) - PPGH/UFPE.
38
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
Uma questão importante desse avanço, ou revolução, na/da me-
mória, através da eletrônica, é a possibilidade de utilização e a produ-
ção de avanços em outros campos do conhecimento, em outras ciênci-
as. O caso mais notório é o da biologia, da memória da hereditarieda-
de, responsável pela transmissão dos caracteres genéticos, capacitadora
do sentido de organização, da conformação dos organismos etc. A gené-
tica e seus avanços vão proporcionar essas mudanças e descobertas.
Outro aspecto importante a ser ressaltado é a própria utilização da
memória eletrônica no campo das ciências sociais. Inclusive, alteran-
do/ampliando o conceito de arquivo e guarda de dados.
Os estudos de Pollack: os elementos constitutivos, as
características e o enquadramento da memória
Estudioso da memória, Michael Pollack proporciona-nos a discus-
são a respeito de outros aspectos importantes27 a serem observados em
relação ao tema. A partir de pesquisas de história oral, utilizando-se
principalmente de entrevistas de história de vida, o autor discorre sobre
os elementos constitutivos, sobre as características e sobre o trabalho
de enquadramento da memória.
Para Pollack, a memória tem os seguintes elementos constitutivos:
1) Acontecimentos:
a) são vividos pessoalmente, pela pessoa entrevistada, fazem parte
realmente da vida destas e, de fato aconteceram com elas, não
sendo necessária nenhuma referência externa;
b) os que são vividos por tabela, ou seja, por fazerem parte de um
grupo e se sentirem pertencentes a este, tomam para si aconteci-
27 Pollack, Michel. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.
5, n. 10, p. 200-212, 1992.
39
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
mentos vividos anteriormente como seus. Pode-se, a partir do
fenômeno da socialização política ou histórica, falar de uma
memória herdada. Tais acontecimentos podem não estar situa-
dos dentro do espaço-tempo de uma pessoa ou grupo, mas são
importantes na definição e construção da identidade do grupo,
tomados como referência, e passados de geração a geração, para
que fiquem gravados e não sejam facilmente esquecidos.
2) Pessoas/Personagens:
a) pessoas/personagens encontradas no decorrer da vida e que divi-
dem informações, participam de atividades cotidianas, fazem
parte do viver corriqueiro do entrevistado;
b) na mesma perspectiva dos acontecimentos, podemos aqui tam-
bém falar das pessoas/personagens encontradas/freqüentadas por
tabela, pessoas conhecidas por algum membro do grupo e que
marcam esse grupo de uma forma particular. Ou, ainda, das pes-
soas/personagens não pertencentes ao espaço-tempo de uma pes-
soa, mas de uma importância fundamental para o indivíduo ou o
grupo, que passam a ser herdadas, como os acontecimentos.
3) Lugares:
a) trazem à tona as lembranças pessoais, porque quem lembra este-
ve nesse local ou pode sempre a ele dirigir-se. Podemos ainda
nos referir aos lugares que não têm apoio do tempo, porém,
fazem parte de uma forma marcante na memória/lembrança da
pessoa;
b) os lugares de comemoração, que são revestidos de uma aura
simbólica que os tornam algo com demasiada importância na
memória das pessoas ou do grupo, no caso público, os chamados
lugares de apoio à memória. Locais, muitas vezes, situados fora
do espaço-tempo da vida de uma pessoa, mas que podem ser
importantes para a memória desse grupo ou dessa pessoa.
40
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
Em relação às características da memória, Pollack vai especificar
quatro como as mais importantes:
1) memória é seletiva, nem tudo fica gravado, nem tudo fica regis-
trado. São necessários motivos muito fortes para fazer com que
a memória grave determinado acontecimento, ou, em contra-
partida, verifique-se um esquecimento. Uma alegria muito gran-
de, uma emoção muito forte e, no seu oposto, também uma
tristeza grande ou uma forte desilusão. A afetividade, positiva
ou negativamente, com o que se quer ou pode-se lembrar, é algo
real e necessário de ser observado;
2) memória é um fenômeno construído. Se observarmos as entre-
vistas – nas pesquisas de História Oral – realizadas com pessoas
idosas, podemos verificar aí construções realizadas a partir do
ponto de vista do entrevistado, que ocupa um espaço dentro
do grupo e da sociedade. A percepção que se tem de um deter-
minado acontecimento pode ser trabalhada, principalmente,
quando compartilhamos informações com outros indivíduos
pertencentes ao grupo ou até mesmo nos embates com outros
indivíduos ou grupos. Essa propriedade torna possível o enca-
deamento, a arrumação e a rearrumação das informações acu-
muladas com o passar do tempo.
3) é um elemento constituinte do sentido de identidade. Ora fala-
mos de lembranças, falamos de coisas herdadas, falamos de gru-
pos ao qual pertencemos, portanto, falamos de coisas às quais
nos associamos e em torno das quais nos alocamos. Isso define
uma imagem e uma ação, a imagem que tem para si, quem tem
de si e para os outros, isso define, de maneira superficial, porém
eficaz, um sentido de identidade, um sentido de continuidade e
unidade. Algo que nos faz sentir parte integrante de um deter-
minado grupo social.
4) memória e identidade são valores disputados em conflitos soci-
ais e intergrupais e, particularmente, em conflitos que opõem
41
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
grupos políticos diversos. Não só valores disputados, mas tam-
bém negociados. Isso, em decorrência da possibilidade de cons-
trução da memória. Por não serem conceitos estanques, por
sempre estarem se redefinindo e por fazerem parte da constru-
ção cotidiana, memória e identidade podem ser, caracterizados
dessa forma.
Pollack ainda introduz um conceito bastante interessante, princi-
palmente quando se trata das disputas entre grupos e organizações, tra-
ta-se do conceito de trabalho de enquadramento da memória, que pode
ser realizado de duas formas:
1) feito pelos historiadores, sobretudo da história oficial ou naci-
onal. Essa prática pode ser observada, tanto nos procedimentos
realizados no séc. XIX, quanto em seus herdeiros, aqueles histo-
riadores de locais com afirmação nacional tardia, quando a ci-
ência histórica tinha, acima de tudo, um sentido de unificação
e de manutenção desta unidade.2) trabalho da própria memória em si. Uma memória constituída
opera um trabalho de manutenção, de coerência, de unidade, de
continuidade, de organização. É como se ela passasse a agir por
ela mesma, como a tradição, a memória organizada do grupo
passa a servir de modelo para gerações futuras, passa a ditar os
destinos da organização como algo “natural” e resolvido. Isso não
é um processo de todo ou sempre estanque, mas pode se configu-
rar, em determinado instante, bastante dinâmico, principalmen-
te quando se trata da necessidade/obrigatoriedade de reorganiza-
ção da memória do grupo, de reescrita da história desse grupo.
Amarradas às memórias e a sua relação com as identidades, organi-
zadas e constituídas as histórias, os questionamentos vindos de fora do
grupo, na maioria das vezes, nem chegam a se tornar um grande motivo
para a organização ou reorganização deste.
42
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
Na sua relação com a História, o que temos é uma situação de
tensão. Uma tentando ser suplantadora da outra. Como nos sugere
Nora:
Memória, história: longe de serem sinônimos, tomamos consciência que
tudo opõe uma à outra.[...] A história é a reconstrução sempre proble-
mática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno
sempre atual, um elo vivido no eterno presente: a história, uma represen-
tação do passado.28
Ou ainda:
No coração da história trabalha um criticismo destrutor de memória
espontânea. A memória é sempre suspeita para a história, cuja verdadei-
ra missão é destruí-la e a repelir. 29
Em um movimento de posse, ou manipulação, a História se apropria
da memória, dessacralizando-a, transformando-a o quanto for necessário.
No processo de desritualização, articulam-se memória e história, para criar
identidades, na criação da Nação, na identificação de um passado comum,
homogêneo, simples, sem pluralidades, fixo, imutável, inquestionável.
Abandona-se a emoção e passa-se à razão. Formando-se, forçando-se novas
memórias, ou a memória, baseando histórias ou a história:
A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identida-
de, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais
dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia.30
28 NORA, Pierre. Op. cit. p.9.
29 NORA, Pierre. Op. cit. p.9.
30 LE GOFF, Jacques. Op. cit. p.476.
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MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Ou ainda:
Mas a memória coletiva é não somente uma conquista, é também um
instrumento e um objeto de poder. São as sociedades cuja memória
social é sobretudo oral ou que estão em vias de constituir uma memória
coletiva escrita que melhor permitem compreender esta luta pela domi-
nação da recordação e da tradição, esta manifestação da memória.31
Temos, portanto, uma disputa de poder, ditar a memória que se
fez/faz comum é essencial para se dominar uma sociedade. Ser a memó-
ria/história vencedora é de fundamental importância. Mas o desenrolar
desta disputa pode ser escamoteado. Os conflitos e os confrontos não
precisam ser claros, eles se dão e ocorrem até mesmo de maneira indire-
ta, como nos indica Marc Ferro:
Não nos enganemos: a imagem que fazemos de outros povos, e de nós
mesmos, está associada à História que nos ensinaram quando éramos
crianças. Ela marca para o resto de nossas vidas. Sobre essa representa-
ção, que é para cada um de nós uma descoberta do mundo e do passado
das sociedades, enxertam-se depois opiniões, idéias fugazes ou duradou-
ras, como um amor... mas permanecem indeléveis as marcas das nossas
primeiras curiosidades, das nossas primeiras emoções.32
História contada para se fazer única. Criam-se visões comuns, ar-
raigadas no imaginário coletivo. Nesse movimento, passamos a nos con-
siderar como iguais, donos de um passado comum, somos e devemos
31 Cf. LE GOFF, Jacques. Op. cit. p. 476.
32 FERRO, Marc. A Manipulação da História no ensino e nos meios de comunicação. A
História dos dominados em todo o mundo. Tradução: Wladimir Araújo. São
Paulo: IBRASA, 1983. p. 11.
44
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
continuar sendo um só grupo (mesmo que não passemos da soma dos
grupos em disputa). Temos, agora, uma única memória e uma história
legitimadora desse processo, como se o nosso passado fosse simples-
mente igual, em que os principais momentos e eventos apareçam dirigi-
dos por poucos, porém com o consentimento do todo. Como se toda
a nossa história fosse a história de uma elite branca/católica/letrada e as
demais classes fossem apenas atores coadjuvantes.
Esse processo relaciona-se, também, com a formação dos lugares,
lugar como construção, como um documento e que, como os fatos,
também não falam por si só. Necessitam de mediações, de explicações,
de elos entre o passado e aquilo que, no presente, deve ser ressaltado
como importante. Lugares que passam a representar, para todos, luga-
res de lembranças, lugares de identidade, lugares de memória.33
Para Myrian Santos, esses, assim denominados, lugares de memó-
ria têm sempre a capacidade de representar:
Alguns objetos que nos são familiares, artefatos e mesmo monumentos,
parecem nos remeter a mundos que não existem mais. Até mesmo certas
paisagens, ruas ou edifícios afiguram-se como chaves que abrem as por-
tas do passado para nós.34
Fazem-nos lembrar, trazem-nos recordações de um passado nun-
ca mais alcançado. São lugares que existem e sobrevivem para resguar-
dar a memória espontânea. São cristalizados para serem, de fato, a
representação dessa memória espontânea. É algo radicado no presen-
te, o qual relacionamos com um passado. São restos, vestígios, por-
33 NORA, Pierre. Op. cit. p.12.
34 SANTOS, Myrian S.. Objetos, Memória e História. Observação e Análise de um
Museu Histórico Brasileiro. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 35, n. 2. p.
217, 1992.
45
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
que é impossível a reconstituição/reconstrução total e completa des-
te passado.
São lugares de unanimidade sem, de fato, representarem a unidade,
porque, quando se transformam em lugares de memória, significa dizer
que são fruto de uma disputa, são os lugares de uma história vencedora,
portanto, ocultam-se outras memórias que, muitas vezes, reclamam tam-
bém por sua história. Afinal, tudo tem história e memória.
São disputas de poder, porque agora, não somente o Estado deve
determinar o que é monumento, o que é patrimônio. Outros órgãos,
outros poderes, por vezes, também institucionalizados, reclamam por
sua memória.
São lugares, como afirma Nora, com efeito, nos três sentidos da
palavra: material, simbólico e funcional.
Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito
de arquivos, só é lugar de memória se a imaginação o investe de uma aura
simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de
aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes, só entra
na categoria se for objeto de um ritual. Mesmo um minuto de silêncio,
que parece o exemplo extremo de uma significação simbólica, é ao mes-
mo tempo o recorte material de uma unidade temporal e serve, periodi-
camente, para uma chamada concentrada da lembrança.35
Estes processos de construção são práticas usuais nas sociedades e
até tidos por muitos como necessários para a formação de nações, pela
determinação de uma representação comum entre seus habitantes. Isto
também é uma construção, fruto de algum poder vencedor.
35 NORA, Pierre. Op. cit. p.21.
Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver,
mas refazer, reconstruir, repensar com imagens
de hoje as experiências do passado.
A memória não é sonho, é trabalho.
Ecléa Bosi.1
A febre avassaladora do preservar/conservar tomou conta de nós e
assumiu um papel relevante em fins do século passado. Além dos diver-
sos órgãos, nos diversos níveis administrativos, especializados na área de
preservação/conservação,articularam-se – inclusive em termos de vis-
lumbrarem aí novas possibilidades – mídia, empresas turísticas, Esta-
dos com carência e necessidade de geração de empregos (entre vários
outros setores das mais diversas economias) para empunharem essa ban-
deira, na tentativa/obrigatoriedade de serem ouvidos e porem em práti-
ca suas propostas.
Políticas públicas foram gestadas, instituições passaram a ser con-
sultadas, as cidades passaram a ser vistas de outra forma e com outra
finalidade. Sacramentou-se o planejamento urbano. Realizaram-se Con-
1 BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia
das Letras, 1994.
CAPITULO 2
PATRIMÔNIO HISTÓRICO: PRESERVAR É PRECISO...
48
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
gressos internacionais, nacionais e locais2 para se discutir o assunto e
para poderem pensar/construir essas novas propostas, essas novas polí-
ticas. O termo Patrimônio Histórico assumiu um lugar de referência
jamais visto.
Entretanto, como poderíamos definir patrimônio histórico? Quais
seriam as bases e a lógica utilizada para a construção desse conceito?
Tomemos como referência os seguintes pontos:
A expressão designa um bem destinado ao usufruto de uma comuni-
dade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumu-
lação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por
seu passado comum: obras e obras-primas das belas-artes e das artes-
aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e savoir-faire dos
seres humanos.3
2 São vários os exemplos referentes a encontros, seminários, congressos internacio-
nais e nacionais para a discussão a respeito do patrimônio histórico. A atividade
inicial é a Carta de Atenas – Sociedades das Nações – outubro de 1931. Nas últimas
décadas do século XX, principalmente nas décadas de 60/70/80, teremos: Carta de
Veneza – maio de 1964; Recomendação de Paris – propriedade ilícita de bens
culturais – novembro de 1964; Normas de Quito – novembro/dezembro de 1967;
Convenção de Paris – Patrimônio Mundial – novembro de 1972; Declaração de
Amsterdã – Conselho da Europa – outubro de 1975; Recomendação de Nairobi
– UNESCO – novembro de 1976; Carta de Machu Picchu – Encontro Internaci-
onal de Arquitetos – dezembro de 1977; Carta de Florença – ICOMOS (International
Council of Monuments and sites) – maio de 1981; Declaração do México – ICOMOS
– Políticas Culturais – 1985; Carta de Petrópolis – Centros Históricos – 1987;
Compromisso de Brasília – abril de 1970 e o Compromisso de Salvador – II
Encontro de Governadores – outubro de 1971. Além desses referenciados, ocorre-
ram vários outros eventos com temáticas relacionadas a Patrimônio Histórico e
Turismo, Preservação de Cidades e Patrimônio Histórico, Cultura e Patrimônio
Histórico etc.
3 CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. Tradução: Luciano Vieira Machado.
São Paulo: Estação Liberdade, Editora UNESP, 2001. p. 11.
49
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Ou ainda:
O conjunto dos produtos artísticos, artesanais e técnicos, das expressões
literárias, lingüísticas e musicais, dos usos e costumes de todos os povos e
grupos étnicos, do passado e do presente.4
Ora, alguns bens alçados à categoria de monumento, como bem
nos indica Aloïs Riegl5, podem ser criados com a finalidade explícita de
cumprir essa obrigação – os monumentos intencionais – no intuito de
comemorarem grandes feitos, grandes personagens, ou alçados a essa
condição – é aí que podemos enquadrar os históricos –, bens escolhi-
dos no intuito de serem considerados referências do passado, com um
valor de testemunho, onde importa mais a autenticidade do que a
imponência. Esses bens passam a pertencer a uma catalogação em que
os componentes assumem funções, não mais parecidas ou iguais às ori-
ginais para que foram criados, mas que, revestidos de novas característi-
cas, têm-nos dado a obrigação de lembrar. Como nos afirma Le Goff:
[...] o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado,
mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvi-
mento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedi-
quem à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores.6
Bens escolhidos que se prestam, ou que têm por finalidade nos
lembrar, guardar na nossa memória atos, fatos, acontecimentos passa-
4 COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural. 2 ed. . São Paulo:
ILUMINURAS: FAPESP, 1999.
5 BOMENY, Helena (org.). Constelação Capanema: intelectuais e políticas. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2001. p. 88.
6 LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução: Bernardo Leitão (et. al.). 4 ed.
Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996, p. 535.
50
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
dos e “dignos” de não serem esquecidos são como suportes, construídos
e preservados no intuito de manutenção/perpetuação dessa memória.
Por isso, destruir esses suportes constitui-se em forma eficaz de domina-
ção, por vezes coercitiva, mas, muitas vezes, também negociada, exercida
pelos setores vencedores das relações de disputa, nas relações de poder.
Relações de poder entre quem sacraliza7 e quem apenas aceita a sa-
cralização de determinado suporte, sem que isso possa parecer uma sim-
ples ideia de dominação sem resistência, porém, podem ser enquadrados
numa espécie de aceitação pacífica. Tais relações de poder têm como
ponto de partida um vencedor, a sobrepujar e definir o que deve servir de
referência a todos, e que, na maioria das vezes, tratam as diversas memórias
como menores, na possibilidade de hierarquização da produção cultural. É
como se a cultura produzida ou a memória produzida/lembrada pelos
dignitários da sacralização em certos aspectos fosse superior, melhor ou
mais importante que a cultura produzida ou a memória produzida/lem-
brada pelos abastados culturalmente, ou inferiorizados politicamente. Longe
disso. Esperamos que essa crítica não signifique uma simples troca entre
uma cultura/memória ou até mesmo uma forma de escrita da história por
outra, em um processo de substituição mecânico e maniqueísta. Não é o
que queremos, muito menos o que defendemos. Afinal, como nos bem
coloca Hobsbawm:
[...] uma história que seja destinada apenas para judeus (ou afro-ameri-
canos, ou gregos, ou mulheres, ou proletários, ou homossexuais) não
7 Sacralizar, segundo o dicionário, significa tornar santo, tornar sacro. Elevar deter-
minados objetos a um status diferenciado, de referência. O ato de sacralização
desses objetos se dá através da ritualização ocorrida no processo de tombamento,
por exemplo, onde a um determinado monumento, que anteriormente tinha um
valor de uso, é agregado um valor de referência e esse assume uma aura de autenti-
cidade e confiabilidade, passando a constar de uma relação que tem por finalidade
contar a história de uma determinada época ou evocar a sua memória.
51
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
pode ser boa história, embora possa ser uma história confortadora
para aqueles que a praticam.
Infelizmente, como demonstra a situação em áreas enormes do mundo
no final de nosso milênio, a história ruim não é história inofensiva. Ela
é perigosa. As frases digitadas em teclados aparentemente inócuos po-
dem ser sentenças de morte.8
Não podemos aceitar que uma história/memória oficial seja sim-
plesmente trocada por uma história/memória que tenha o objetivo de
vangloriar ou exaltar uma classe ou segmento de classe esquecido ou
vencido em uma disputa anterior, ou seja, simplesmente um conforto
para quem a pratica. Acreditamos nas pluralidades e na possibilidade
de convivência dessas histórias/memórias no sentido de esclarecimentos
e, por vezes, complementações. Somos levados a acreditar que os infindáveis
segmentos componentes de uma determinada sociedade podem ser capa-
zes de produzirem sua memória, e isto consiste em ter suas próprias refe-
rências, produzir suas própriassacralizações, afinal, são várias as memóri-
as em jogo.
Um processo de construção a respeito de memórias, de histórias
e, portanto, de construção de um determinado patrimônio histórico
que não leve em consideração ou não seja uma base sólida para se obter
a cidadania plena, a pluralidade cultural, que somente se proponha à
sacralização de fatos e grandes heróis, não deve ser um processo bom,
não deve ser democrático, portanto, não pode ser legitimado. O direi-
to ao passado, o direito à memória, o direito ao confronto de histórias
na busca pela liberdade, devem ser determinantes na busca da constru-
ção de um projeto de cidadania. O direito à construção e definição do
patrimônio deve ser suporte e algo fundamental na busca da cidadania
8 HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.
292.
52
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
plena. Não que agora tenhamos que preservar tudo, ou que tudo seja
digno de preservação, em um processo de esmigalhamento próprio do
momento histórico. Esse é um fator importante e deve sempre ser leva-
do em consideração.
Nessa perspectiva, que se diferencia e muito das perspectivas ofi-
ciais de preservação, se fazem necessários alguns comentários sobre o
termo cidadania, que é genérico e vago, sujeito a múltiplos entendi-
mentos e condicionamentos históricos. Poderíamos basear-nos no con-
ceito de cidadania formal e cidadania substantiva9, porém devemos ir
mais longe, principalmente se adicionarmos as questões de classe (por-
que cidadania se define pelo horizonte de expectativas, histórica e
socialmente criado), os interesses políticos (porque cidadania não é
algo idêntico na perspectiva de um governo conservador ou de um
governo democrático), as relações entre maiorias e minorias excluídas
(como o movimento negro, feminista, entre vários outros). Devemos
colocar o direito ao passado e a memória no mesmo nível dos direitos
civis, políticos e sociais, ou, ao menos, como uma consequência dire-
ta destes.
Temos hoje uma gama de lugares construídos a partir de concep-
ções de memória, de história e de patrimônio, que encerram ou enco-
brem disputas e falam a respeito de um passado que quer se fazer homo-
gêneo, mas que não pertence a todos, que não traduzem um sentimen-
to de pertencimento a todos, portanto, não respaldam um projeto de
cidadania. Patrimônio que, a princípio, talvez não nos diga nada ou nos
diga pouca coisa. Então, qual a finalidade de preservação desses locais?
Qual olhar devemos/podemos direcionar a esses locais?
9 O Dicionário do Pensamento Social do Século XX, em seu verbete Cidadania, fala-
nos do conceito de cidadania formal como sendo a condição de membro de um
estado-nação. A cidadania substantiva é definida como a posse de um corpo de
direitos civis, políticos e especialmente sociais.
53
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Buscamos, baseados na utilização desse patrimônio que possa, às
vezes, nos parecer vago, a possibilidade de desnudamento, de lermos ao
avesso a sua finalidade, para que, através da utilização do olhar crítico e
nas suas relações cotidianas, o cidadão seja capaz de analisar e avaliar a
contribuição de determinados locais e lugares para extrair valores que
poderão, talvez, ser tomados como seus. Devemos pensar, também, na
produção de novos locais como marcos fundadores de sua cultura e de
sua história. As produções de novas histórias e, incluímos aí, a história
dos operários, das mulheres, dos negros – os chamados excluídos da
história – entre outras, são válidas e necessárias para, inclusive, a dispu-
ta plural com as antigas, que não correspondem ao todo social.
Duas questões devem ser prontamente arraigadas em nossa consci-
ência crítica após essas reflexões. Uma é que o exercer da cidadania deve
ser algo constante na nossa vida cotidiana. A outra é que a memória e a
preservação do patrimônio histórico e, numa concepção mais abrangen-
te, a preservação do patrimônio cultural de um povo, são fundamentais
para que possamos pensar em termos de sermos ou não cidadãos.
Uma memória não una, uma história não única, um patrimônio
não representativo de um só segmento, mas conceitos que expressem
pluralidades, que expressem as múltiplas facetas do social, e que não
sirvam simplesmente para encobrir as disputas e fazerem a memória
homogênea. Aí, sim, pode e deve estar o papel desempenhado e revita-
lizado pelos diversos agentes sociais nessas disputas da história.
Um outro ponto a se considerar em relação à questão da constru-
ção/utilização do patrimônio histórico e que, com certeza, perpassa o
conceito de cidadania e o direito à memória e ao passado, está na
conotação e no valor pedagógico que o patrimônio pode exercer.
O patrimônio histórico, por ser uma produção cultural, encerra
em si características que favorecem, facilitam a relação de ensino/apren-
dizagem por parte de quem o utiliza, por parte daqueles que o usam
como fonte documental para a obtenção de conhecimentos a respeito
de uma determinada época, de determinadas condições socioeconômi-
54
ALMIR FÉLIX BATISTA DE OLIVEIRA
cas de produção de determinado bem, das relações de poder que de-
monstram que tal móvel ou imóvel, por pertencer a uma determinada
parcela mais abastada da sociedade, então, foi construído com material
de melhor qualidade, pode explicitar continuidades e mudanças ocor-
ridas em determinados locais, entre várias outras potencialidades que
estes documentos apresentam. A utilização, mesmo daqueles exempla-
res que, a princípio, nos pareçam representar só uma parcela do passa-
do, pode e deve ser feita, inclusive na busca de demonstrar essa relação
de poder e escolha, efetuada na tentativa de representação desse passa-
do. Nesses locais, podemos encontrar os esquecimentos, os lapsos de
memória, que não circunstanciais, mas obrigatórios, abrigam determi-
nadas posições e, mais uma vez, encobrem variadas disputas.
Os órgãos criadores/construtores/sacralizadores desses lugares de-
vem/podem pautar e organizar suas seleções a partir desses preceitos e
observações. A busca pela cidadania deve ser orientada por essas ques-
tões, principalmente no tocante às cobranças/disputas oriundas da so-
ciedade.
O processo de construção desses lugares, prontos a unificarem, a
construírem memória e história de exaltação, no Brasil, inicia-se – para
ficarmos em três exemplos importantes – com a criação do IHGB, da
Academia Nacional de Belas Artes e do Colégio Pedro II – podendo-se
também incluir a criação do Arquivo Nacional.
Criado para escrever a história oficial da nação, o IHGB seria o
local onde se construiria eficazmente uma história baseada no poder
centralizador do Estado monárquico e na aristocracia rural e guardar
informações que legitimassem essa proposta. O Imperador era o presi-
dente de honra do Instituto e, consequentemente, seu maior colabora-
dor financeiro, e a monarquia, o regime a ser defendido e a orientação
a ser seguida. A construção de comemorações, de emblemas e lugares
era por demais necessário e uma forma de enaltecer a nação.
Fazer história da pátria era antes de tudo um exercício de exalta-
ção. Essa lógica comemorativa do instituto se efetivou não só mediante
55
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
os textos produzidos e publicados na revista, como por uma prática
efetiva de produção de monumentos, medalhas, hinos, lemas, símbo-
los e uniformes próprios ao estabelecimento. Lembrar para comemo-
rar, documentar para bem festejar.10
A criação da Academia Nacional de Belas Artes faria através de
seus trabalhos – pinturas e esculturas –, a exaltação da nação, de perso-
nagens históricos e de heróis nacionais, de momentos em que a nação
pareceria una, sem conflitos, e a busca de um único caminho.
O Colégio Pedro II teria a função de, pedagogicamente, passar aos
seus alunos as ideias embutidas no processo histórico, construído pelo

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