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Por uma outra Globalização: Reflexões de Milton Santos


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FACULDADE ESTÁCIO SEAMA
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL- PUBLICIDADE 
BRUNA KEROLLEN FERREIRA MARTINS
FUNDAMENTOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
MACAPÁ-AP
2018
Por uma outra globalização
Milton Santos, em sua obra “Por uma outra Globalização”, faz uma reflexão a respeito do contexto atual da sociedade , através da análise do espaço geográfico, além de discutir a função da ideologia e da política, uma vez que essa se define como a “arte de pensar as mudanças e de se criar as condições para torná-las efetivas”. Com o objetivo de estimular a busca por meios de se construir um novo conceito de mundo globalizado, o autor retrata o ser da sociedade globalizada e mostra a necessidade de se criar uma globalização mais humanizada. 
A mecanização e a técnica, características da atual globalização, são criticadas por sua desumanização e centralização do capital diante da vida pessoal e social, o que abriu espaço para revisão e reconstrução desta globalização por três vias: a globalização como fábula, na medida em que fantasia-se acerca de mitos como o fim do Estado e a aldeia global, a fim de legitimar a si mesma através da ideologia; a globalização perversa, que traz miséria, fome e doença, em grande parte, aos países mais pobres; e por fim a nova globalização, que busca novos conceitos a partir de uma integração real, humanitária e social. 
A mudança, então citada, ocorreria de baixo para cima, fazendo dos intelectuais a substância para outras revoluções dos paradigmas mundiais. Essa nova globalização amenizaria a desigualdade e iria sobrepor o âmbito pessoal e social à técnica e ao capital, de forma sustentável e inteligente. Fazendo com que a tecnologia trabalhe para o homem e não para o capital e combatendo a desigualdade. 
Segundo Milton Santos, a mudança é possível uma vez que a realidade não é um fato dado, mas uma contínua construção, atualmente, controlada pela força intensa do sistema, que se reorganiza diariamente. As variáveis construtoras do sistema, quando em crise, exigem novos arranjos e definições, ou seja, a partir da contestação de uma crise outros elementos pertencentes à ideologia do pensamento único perdem a força, visto que, põe à mostra a perversidade e a fraqueza do sistema atual. 
No contexto técnico atual, as técnicas são mais fáceis de criar, copiar e reproduzir. O computador, por exemplo, símbolo da técnica da informação, é capaz de assegurar a liberação da inventividade e de torná-la efetiva, reduzindo assim, a condição da inovação técnica conduzida a uma concentração econômica. Além do fato de, por sua própria natureza, abrir possibilidades para disseminação do corpo social, superando as defasagens socioeconômicas preexistentes. 
Nestas condições, inicia-se um processo heterogêneo de tomada de consciência, levando à descoberta individual. Em seguida, a busca é pela visão sistêmica do mundo, de forma que seja possível enxergar as situações e causas como um todo, analisando sua interdependência. 
A partir de então, a discussão individual e o debate público ganham uma nova clareza e densidade, possibilitando analisar as relações de causa e efeito como uma corrente contínua que interpreta e completa as noções de mundo e de lugar. Deste modo, é possível alcançar a idéia do homem integral e de cidadão, valorizando radicalmente o indivíduo e contribuindo para a renovação qualitativa da espécie humana, como uma base para a nova civilização. 
Esse novo modelo de globalização permitirá a implantação de um novo modelo econômico, político e social com uma trajetória que vai de baixo para cima. Não é surpresa a utilização do termo – globalização perversa -, visto que em épocas anteriores, em sociedades que já se evidenciavam o poder, o status social e o bem material como parâmetros de comparação entre o ser importante e o ser utilitário, indícios dessa perversidade sistêmica já começava a surgir. Ora, o próprio surgimento da política organizada na sociedade grega séculos a.c foi fruto da tentativa de situar a demo numa espécie de globalização territorial, de modo que, envolvesse todos os assuntos referentes ao interesse público sob as “régias” de uma única assembleia constituinte, assentada sobre o que foi tido como ideal democrático, mas, possuidor de um real interesse manipulador.
Com o aumento das produções industrializadas e a extinção gradual cada vez mais evidente da manufatura, os grandes produtores necessitavam de um mercado consumidor cada vez maior. Um mercado aliado a conceitos de poder, riqueza e conquistas vistas como indispensáveis, pois uma vez que um ideal de boa vida esteja ligado a construção de um sujeito possuidor daquilo que é tido como característica de um ser importante aos olhos da classe “privilegiada”, logo, os esforços do indivíduo (menos esclarecido?) serão canalizados para a conquista do que lhe é “imposto”. 
Assim, se constroem as bases da conquista, onde, por esta, se traz a sensação do poder, evidenciando a competitividade e a superação em prol de uma meta estritamente coisificada. Impondo uma tirania de mercado consumidor, o que há como instrumento de manipulação? O controle da informação. Este controle, evidente que não se faz vetando-o em todos os sentidos, mas modificando o que não for conivente aos interesses exploratórios. Desse modo o tipo de informação que chega a sociedade, são “fabulações, a percepções fragmentadas e ao discurso único do mundo, base dos novos totalitarismos – isto é, dos globalitarismos – a que estamos assistindo”. Discurso único de que o acúmulo de capital é uma meta em si mesma, fazendo disto uma emergência ideológica capaz de ditar o comportamento social, até mesmo sua linha de pensamento.
É certo que há uma evidente globalização em alguns aspectos de forma positiva. Se há algumas décadas atrás levávamos dias para nos comunicar com alguém do outro lado do mundo, hoje precisamos apenas de alguns segundos. A comunicação disponível as mãos do consumidor é uma ferramenta de benefício indiscutível proveniente da globalização. Se um país A não comportasse/importasse a tecnologia X de um país B, a população do país C poderia não se comunicar com facilidade com a população do país A. Esse tipo de vertente globalizante deixa claro que, uma coisa são os interesses que dominam e motivam o processo de globalização, outra coisa, é o que a globalização de planejamento humanitário e voltado ao bem-estar da vida humana pode nos trazer como benefício, aqui então se justifica a proposta do autor – Por Uma Outra Globalização.
No entanto, sabemos que a ênfase dada ao processo de globalização está mais voltada para as estratégias dos grandes produtores imperialistas, do que para a concretização de seus ideais humanitários:
“É a partir dessa generalização e dessa coisificação da ideologia que, de uma lado, se multiplicam as percepções fragmentadas e, de outro, pode estabelecer-se um discurso único do “mundo”, com implicações na produção econômica e nas visões da história contemporânea, na cultura de massa e no mercado global... é uma forma de totalitarismo muito forte e insidiosa, porque se baseia em noções que parecem centrais à própria idéia da democracia – liberdade de opinião, de imprensa, tolerância - , utilizadas exatamente para suprimir a possibilidade de conhecimento do que é o mundo, e do que são os países e os lugares”. 
Em meio a estes fatos, surge a influência negativa no que é chamado pela Psicologia Social de inconsciente coletivo. As massas populacionais tendem a serem arrastadas pelas correntes insidiosas dos veículos de massa, ou seja, os meios e instrumentos de manipulação utilizados pelas grandes empresas; isto é, a mídia, a ciência e até mesmo a política, que passam a atender não as necessidades reais da população humana que podem ir de encontro aos interesses da exploração sistêmica, mas sim aos benefícios concedidos, oportunizados de tais empresas para com estes meios. Dessa forma se cria uma esfera de interesses que vai sendo incutida a mente do social, de maneira que suas açõese pensamentos se moldem ao modelo de vida que for ideal não a vida humana, mas sim ao capitalismo exploratório. 
O sujeito já prepara sua vida pensando nas exigências de um mercado explorador, para que da mesma forma que ele for explorado, um dia possa explorar. Da mesma forma que for controlado, um dia possa controlar. Esta mecanização da vida humana camuflada por termos publicitários que só servem para vender o ideal de crescimento, ambição e poder, se infere no inconsciente social de modo maciço através da mídia e de uma política atada ao poderio das grandes empresas.
Despertados para um lema de competitividade radical, os indivíduos fazem de suas metas regras de condutas competitivas, onde o espaço a generosidade e compaixão dão lugar a busca tenaz e muitas vezes, corrupta, pelo poder almejado.
“Agora, a competitividade toma o lugar da competição”. A concorrência atual não é mais a velha concorrência, sobre tudo porque chega eliminando toda forma de compaixão. A competitividade tem a guerra como norma. Há, a todo custo, que vencer o outro, esmagando-o, para tomar seu lugar. “Essa guerra como norma justifica toda forma de apelo à força, a que assistimos em diversos países, um apelo não dissimulado, utilizado para dirimir os conflitos e consequência dessa ética da competitividade que caracteriza nosso tempo”. 
É como consequência dessa implementação e influência sobre o inconsciente social que até mesmo as áreas de estudos humanos perdem sua força, pois os valores humanos não são postos em foco, mas sim os interesses de um mercado globalizado. É uma exaltação a um sistema autômato que por si mesmo é excludente de princípios que o deveria reger e impor limites a sua violação de utilidade e importância social;
“para tudo isso, também contribuiu a perda de influência da filosofia na formulação das ciências sociais, cuja interdisciplinaridade acaba por buscas inspiração na economia. Daí o empobrecimento das ciências humanas e a consequente dificuldade para interpretar o que vai pelo mundo, já que a ciência econômica se torna, cada vez mais, uma disciplina da administração das coisas ao serviço de um sistema ideológico. É assim que se implantam novas concepções sobre o valor a atribuir a cada objeto, a cada indivíduo, a cada relação, a cada lugar, legitimando novas modalidades e novas regras da produção e do consumo”. 
O tipo de unificação a que se busca se fundamenta sobre o eixo do dinheiro e do consumo. Suas bases são muito mais sólidas do que se pensa, pois estão arraigadas a aprendizagem social de que o que vale é o ter e poder. O conhecimento de que a importância do ser e do caráter humanizado constitui o verdadeiro objetivo a ser buscado não passa de um mito, que só funciona nas oportunidades de manifestação em atos públicos e em campanhas onde certamente, (sejam empresariais ou políticas, na verdade tudo é política!) alguém sairá publicitariamente beneficiado. A ética como norma de conduta para um bem, de que fala o professor da USP Gabriel Sharita, perde quando em jogo está o montante de dinheiro do faturamento anual obtido sobre a mão de obra compensatória (pra não dizer assalariada!). Neste caso, é a compreensão de uma ética como norma de conduta... e ponto! Assim, tudo quanto convir, desde que seja para o bem do consumo e produção, pode ser chamado ético.
Sem dúvidas. É necessário uma reformulação de valores éticos humanos para que só assim possamos pensar na possibilidade de um outro tipo de globalização. Uma globalização de valores livres da violência estrutural imposta as populações, livre da busca pelo dinheiro puro, do competitivismo radical excludente do ser em primeiro lugar, em substituição pelo produto de uma ordem sistêmica perversa.
Certamente Milton Santos tem em seu trabalho não apenas uma visão reformuladora de novos ideais, mas também reflexo de apenas um dos poucos que discernem os problemas que estamos, e vamos enfrentar durante as próximas gerações.