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A proximidade dos juízes Revista ciências sociais 2011

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REVISTA
Ciências
Sociais
ISSN 1413-8999
Revista Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 17, p. 7-388, jan.>dez. 2011
FICHA CATALOGRÁFICA
(Catalogado na fonte pela Biblioteca Central da Universidade Gama Filho)
Revista Ciências Sociais I Universidade Gama Filho. - VaI. 1, n. 1
(nov. 1995) -. - Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1995-
v.: 22 cm
Semestral: de 1995-2001. Anual: de 2002-2006. Semestral de 2007-2009.
Anual a partir do VaI. 16, 2010.
Periódico sob coordenação do Programa de Pós-Graduação em Direito.
ISSN 1413-8999
1. Ciências Sociais - Periódicos. I. Universidade Gama Filho.
CDD - 300.5 (20. ed.)
DA INCONSTITUCIONALlDADE DAS ALTERAÇÕES
INTRODUZIDAS NA SÚMULA N°. 331 DO TST EM FACE
DO PRINCíPIO DA PROTEÇÃO AO TRABALHO 181
Letícia Grassi de Almeida
Lourival José de Oliveira
O DIREITO PENAL COMO CÁPSULA DE CONTENÇÃO DA
GUERRA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: UMA
ANÁLISE A PARTIR DO PRINCíPIO DA PROPORCIONALlDADE 201
Maiquel Ângelo Dezordi Wermulh
A RESPONSABILIDADE CIVIL EM FACE DO ABANDONO
AFETIVO E A PROBLEMÁTICA DO QUANTUM INDENIZATÓRIO 225
Maria Amália de Figueiredo Pereira Alvarenga
"QUID EST VERITAS" NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO? 241
Maria Cristina Cereser Pezzella
Antônio Sidekum
MEIOS ALTERNATIVOS DE ADMINISTRAÇÃO DE
CONFLITOS NO DIREITO E NOS TRIBUNAIS BRASILEIROS 267
Maria Stella de Amorim
Bárbara Gomes Lupetti Baptista
A PROXIMIDADE DOS JUíZES: UMA ANÁLISE DA
SOCIALIZAÇÃO DE JUíZES NÃO-PROFISSIONAIS 289
Pedro Heitor Barros Geraldo
A SECULARIZAÇÃO E O IDEAL ASCÉTICO NA ÉTICA
PROTESTANTE E O EspíRITO DO CAPITALISMO DE MAX WEBER 311
Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco
A OCAS/O LEG/S DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 E A
OCAS/O LEG/S DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 327
Ricardo Pereira Lira
JUSTIÇA E CONSENSO EM JOHN RAWLS 341
Thadeu Weber
O LIMITE DA JURISDiÇÃO NO PENSAMENTO POlÍTICO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO - DO IMPÉRIO Á REPÚBLICA 361
Vera Ribeiro De Almeida
REVISTA CI~NCIAS SOCIAIS
A PROXIMIDADE DOS JUíZES: UMA ANÁLISE DA
SOCIALIZAÇÃO DE JUíZES NÃO-PROFISSIONAIS
Pedro Heitor Barros Geraldo*
RESUMO: o objetivo deste trabalho é de compreender e de explicar as dificuldades
encontradas pelos juizes de proximidade durante o processo de socialização no contexto
preciso de cada fórum. Esta pesquisa se organiza a partir de um trabalho de observação
de vários meses realizada em diferentes fóruns no sudeste da França (Montpellier, Sete,
Béziers, Nimes, Avignon et Apt) e de uma série de entrevistas realizadas na primavera de
2008. Este trabalho propõe uma abordagem etnográfica para compreender a atividade
dos juizes de proximidade.
Os juizes de proximidade foram criados após polêmicos debates em torno da reforma
da Justiça em 2002. Durante a nomeação, estes juizes sofreram um processo de
estigmatização. O sentido da categoria profano foi revisitado a fim de se compreender
este fenômeno de integração de um novo membro nos fóruns. Além disto, a perspectiva
interacionista explica como o estigma aparece concretamente e como os indivíduos
buscam se livrar dele. O conceito de profano-em-ação procura dar conta da relação dos
juizes com os obstáculos estruturais e interacionais na realização do trabalho. Ele busca
identificar a ação de aprendizado das ferramentas cognitivas e das estratégias identitárias
dos juízes para se socializarem.
PALAVRAS-CHAVE: justiça de proximidade - etnografia - profissões juridicas
* Doutorem Ciência Política pela Université Montpellier 1; Mestre em Sociologia e Direito pelo Programa
de Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense; Graduação em Direito
pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Atualmente, é pesquisador bolsista de Pós-doutorado
Júnior do INCT-lnEAC (Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos)
sediado na Universidade Federal Fluminense.Email: pedroheitorbg@yahoo.com.br
Rio de Janeiro, v. 17, p. 2811-309, 2011 289
UNIVERSIDADE GAMA FILHO
CLOSENESS TO JUDGES: AN ANALYSIS OF NON-
PROFESSIONAL JUDGES SOCIALlZATION
ABSTRACT: This paper develops an analysis about the work of the ''iuges de proximité"
in the French southern Courts. The field work concentrates in the hearings observation
and interviews with the ''iuges de proximité". The observations have occurred in the Small
Courts of Montpellier, Nimes and Béziers which have different sizes and different number
of judges. I did 15 recorded interviews with "iuges de proximité" from the region of an hour
each one along the springtime 2008.
The "iuges de proximité" were created in 2003. However, the "iuges de proximité" have ali
a law graduation: ali of them are lawyers, counselors in activity, retired professors, public
notary or even retired judges. I want to describe the process which these judges become
"profanes-in-action". They deal with the professionals ali thetirne and this relation become
complicated, because they find objective obstades that trouble them to accomplish their
activities, like the material restrictions, as the lack of bureau; how they do the hearings
or write the judgments; and even the "innocent jokes" from the professionals about them
which indicate the institutional context. In this specific environment, they find concrete
constraints which trouble them to work like the professional judges.
KEYWORDS: Small Claim Courts - Ethnography - Legal professions
"O sistema nos aceitava sem realmente nos aceitar.
Isto quer dizer que nós éramos ainda um pouco estranhos no seio da instituição
judiciária. "
Entrevista com um juiz de proximidade.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é de compreender e de explicar as dificuldades encontradas
pelos juízes de proximidade durante o processo de socialização no contexto preciso de
cada fórum. Esta pesquisa se organiza a partir de um trabalho de observação de vários
meses realizada em diferentes fóruns no sudeste da França (Montpellier, Séte, Béziers,
Nimes, Avignon et Apt) (Figura 1)e de uma série de entrevistas realizadas na primavera de
2008. Este trabalho utiliza uma parte dos dados analisados em minha tese de doutorado.
290 Rio de Janeiro, v. 17, p. 289-309, 2011
REVISTA CIÊNCIAS SOCIAIS
As condições de acesso ao campo e os meus limites de compreensão da língua
constituíram uma dificuldade. A metodologia e as hipóteses de trabalho se construíram na
medida em que a pesquisa empírica foi sendo realizada. A etnografia me permitiu elaborar
uma exposição dos dados de baixo para cima ("bottom-up"), por esta ralação eu decidi
realizar a análise conceitual deste trabalho ao final do texto.
As entrevistas me permitiram igualmente apreender a experiência dos juízes de
proximidade em ação a fim de explicar a relação que cada um deles entretinha com os
obstáculos que eles encontraram durante a realização do trabalho nos fóruns. Os tribunais
não são tomados como instituições em si. Eu proponho uma perspectiva de análise me
conduziu a considerá-los como contextos específicos nos quais os juízes encontram
dificuldades ou facilidades para se socializar. O objeto deste artigo é demonstrar como os
problemas se concretizam e o que os juízes de proximidade mobilizam para enfrentá-Ios a
fim de realizar seu trabalho no seio dos fóruns.
1. A PROXIMIDADE DA PROXIMIDADE
1.1.A pesquisa empírica
Precisamente, meu material empírico se constitui de 19 entrevistas (com 14 juizes
de proximidade, 2 magistrados profissionais e 3 escrivães), além das observações de
audiências judiciárias em cada um dos tribunais supra citados. A observação-não se
limitou porém às audiências, na medida em que eu segui em várias ocasiões as atividades
cotidianas dos juízes de proximidade nos diferentes fóruns no momento das entrevistas ou
para acompanhá-Ios durante um dia de trabalho. Isto me permitiu observar as interações
entre os outros juízes de proximidade, os escreventes e os magistrados profissionais.
Para facilitar a distinçãoentre os juízes de proximidade e os magistrados profissionais, eu
chamarei doravante os primeiros de juízes e os outros de magistrados.
Esta pesquisa multi situada (Starr; Goodale, 2002) é um método etnográfico que
consiste a recolher os dados em diferentes contextos com o objetivo de comparar dos
diferentes efeitos de um mesmo fenômeno. O que me permite de se interrogar sobre
diferentes campos que são similares e, ao mesmo tempo, distintos. Os fóruns são de
tamanhos variados do ponto de vista de suas atividades judiciárias e de seus recursos
humanos. As consequências são perceptíveis sobre os sistemas de relações que são
estabelecidas e sobre as práticas judiciárias de cada fórum.
Rio de Janeiro, v. 17, p. 289-309, 2011 291
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UNIVERSIDADE GAMA FILHO
Cada fórum apresenta características diferentes. O fórum de Montpellier é o maior
de todos e se situa nas instalações recentes do Tribunal de Grande lnstància' (TGI).
contexto é bem diferente em Béziers, onde o Tribunal de Instância (TI) se localiza n
mesmo prédio que o TGI. Tal prédio é uma velha construção anexada à Catedral da cidad
e suas instalações não permitem uma reforma para aumentá-Io. Em Sete, o tribun I
parece se parece como uma casa-grande, pois ele se situa no primeiro andar acima d
uma escola primária. As instalações são pequenas e há apenas uma sala de audiência.
Em Nlmes, o TI se localiza no mesmo edifício do TGI e da Corte de Apelação'. O edifício
é capaz de receber todos que nele trabalham, tendo espaço para a instalação de novo
gabinetes. O TI de Avignon é o mais recente e moderno. O grande prédio comporta o TGI
e o TI. O hall do prédio onde ficam as salas de audiência é separado do prédio onde ficam
os gabinetes dos juízes e as secretarias. Enfim, Apt é o menor de todos. O TI se localiz
no mesmo prédio da prefeitura da cidade e da "Sous-préfecture", órgão que representa O
poder central francês. Há apenas uma sala para os escreventes, uma para o gabinete do
juiz e outra para a sala de audiência.
Cada um possui recursos humanos e financeiros bem diferentes. A organização do
tribunal e as relações que as pessoas estabelecem para realizar as atividades dependem
diretamente da estrutura de cada fórum. Nos grandes fóruns, como o de Montpellier,
Nirnes e Avignon, as relações com os magistrados são mais frequentes, enquanto qu
nos fóruns pequenos, elas são mais raras na medida em que há um menor número d
funcionários e que o magistrado é único e ele exerce também a função de diretor do fórum,
como em Séte e em Apt.
O Tribunal de Instância possui uma organização específica. O magistrado exerce
a direção do fórum. Uma de suas obrigações é a elaboração da agenda de audiências
para todos os juízes durante todo o ano a fim de repartir o uso das salas de audiência.
Pode-se citar ainda a presidência das audiências e o julgamento dos casos. O chefe de
secretaria é responsável pela gestão dos recursos materiais do fórum. Ele é responsável
também pela designação dos escreventes para as audiências e pela repartição de tarefas
na secretaria entre os escreventes. Os escreventes são responsáveis por participar das
audiências e. tomar notas nas audiências criminais, além disto eles se encarregam de
digitar as sentenças; de constituir e gerir os processos; e de receber o público. Há ainda
o representante do Ministério Público que é presente nas audiências criminais. Nas
audiências da jurisdição de proximidade, o representante do MP é um policial nomeado
pelo MP para exercer esta função. Existe ainda o "Huissier de Justice", equivalente
1 Os Tribunais de Grande Instância ("Tribunal de Grande Instance") são tribunais de 1° grau, assim
como os Tribunais de Instância ("Tribunal d'lnstance") e as Jurisdições de Proximidade ("Juridictions
de Proximité"). No entanto, cada um deles possui uma competência diferente.
2 A Corte de Apelação ("Cour d'Appel") é equivalente aos tribunais de justiça no Brasil e representam na
França a 2° instância para julgamento.
292 Rio de Janeiro, v. 17, p. 289-309, 2011
REVISTA CIÊNCIAS SOCIAIS
ao Oficial de Justiça no Brasil, presente apenas nas audiências criminais. Enfim, os
conciliadores voluntários presentes nas audiências cíveis.
Esta curta descrição demonstra como se opera a repartição de tarefas e se exercém
as principais funções no seio dos fóruns franceses. Estão finalmente os juízes de
proximidade. Eles tomaram função nos fóruns para trabalhar com estes outros atores.
A chegada deste novo membro significou na realidade a inserção de alguém que não
conhecia a dinâmica das relações estabelecidas no interior dos fóruns.
1.2. Um novo membro
Como trabalham os juízes de proximidade? Como se pode compreender a chegada
de um juiz de proximidade nos fóruns? No início, eu tinha a hipótese de que um juiz de
proximidade poderia realizar uma atividade diferente de um magistrado. Eu acreditava que
eles poderiam realizar uma outra forma de justiça, mais próxima e dejuridicizada.
Com o objetivo de verificar isto, eu realizei esta pesquisa fundada em entrevistas
etnográficas que "somente fazem sentido verdadeiramente em um 'contexto', em função do
lugar e do momento da entrevista." (Beaud, 1996, p. 236). Entretanto, isto não foi suficiente,
pois eu precisei compreender as relações que os juízes de proximidade entretinham com
os outros membros dos fóruns. Assim, eu procurei permanecer ao máximo próximo a
estes juízes enquanto eles trabalhavam. No que concerne às observações, elas ocorreram
em dois momentos distintos: durante as entrevistas que ocorreram nos fóruns; e durante
as audiências em que eu acompanhei os juízes antes ou depois das entrevistas. Esta
imersão me permitiu observar como e com quem os juízes trabalham. Além disto, eu pude
conhecer o ambiente dos fóruns e como cada um dos membros vivenciou a chegada de
um novo membro.
Compreender este fenômeno não foi fácil. Eu tinha uma dupla condição de estrangeiro:
primeiramente, ao país e, enfim, ao sistema judiciário francês. A primeira condição me
ajudou a abrir portas para a realização do trabalho de campo. A segunda foi um verdadeiro
desafio, por que o trabalho em um fórum francês é muito diferente de um no Brasil. Deste
modo, eu não posso dissociar a maneira pela qual eu vivi esta experiência e a construção
de meu objeto de pesquisa. Por esta razão, eu irei apresentá-Io como eu o apreendi.
Os juízes de proximidade foram criados em uma reforma da justiça polêmica e foram
nomeados durante um periodo no qual o corpo da magistratura francês foi colocado em
questão. O período político sensível para os magistrados surtiu efeitos no modo pelo qual
os juízes de proximidade foram recebidos nos diferentes fóruns. "A publicidade ruim",
como me confiou um juiz de proximidade, não facilitou a integração. Nestes últimos anos,
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UNIVERSIDADE GAMA FILHO
houve uma série de reformas que geraram um clima de incertezas sobre o futuro do
membros dos fóruns. É preciso assinalar que as entrevistas foram realizadas durante 8
realização da reforma do mapa judiciário francês que determinou o desaparecimento d
alguns fóruns na região estudada.
O preconceito negativo contra estes juízes foi talvez o primeiro obstáculo. A
entrevistas revelaram que há uma diferença entre aqueles que foram nomeado
primeiramente daqueles que o foram em seguida, pois estes últimos encontraram meno
resistências. A questão da competência técnica foi questionada, pois suspeitava-se qu
os juízes de proximidade não possuíssem as mesmas competências dos magistrado
profissionais formados pela Escola Nacional da Magistratura (ENM).O estágio probatório
de um mês para os juízes de proximidade, que faz parte do processo de recrutamento,
descrito pelos juízes como uma formação para iniciantes. Segundo um juiz de proximidade,
"Estas pequenas formalidades são destinadas àqueles que pela primeira vez entram no
circuito judiciário." Isto mostra que a carreira daqueles que se candidatam é importante
para determinar o espaço legítimo dos juristas de formação nesta função. O peso do
passado cumpria um papel importante criando um clima de hostilidade nos fóruns contra
os juízes de proximidade. É evidente que os juízes de proximidade, que foram magistrado
profissionais, não tiveram as mesmas dificuldades de socialização.
O primeiro problema para os juízes foi estabelecer laços com os escreventes (uma
função exercida majoritariamente por mulheres) e os magistrados, que incarnavam o
espírito de corpo se opondo "por princípio", como me confiou um juiz profissional, por que
os sindicatos da magistratura foram contra a criação durante a discussão da lei. Um juiz
me chamou a atenção para o fato de que todos os juízes de proximidade do fórum onde
ele trabalhava tinham uma formação em direito. "Aqui nós estamos bem" disse ele. Eles
me fizeram compreender que a presença de "pessoas que nunca fizeram direito" durante
a formação teórica de uma semana na ENM, antes do estágio probatório, não valorizava a
função de juiz de proximidade. O paralelo com os "policiais" foi utilizado várias vezes para
categorisar as pessoas que não conheciam o funcionamento do "mundo jurídico". Aqueles
que foram nomeados em seguida não viveram as resistências da mesma maneira. Os
primeiros sofreram os inconvenientes colaborando assim a atenuar o preconceito.
A atmosfera desfavorável não foi o único obstáculo no início. Os juízes tinham um
estatuto jurídico ambíguo, o que punha vários problemas em relação às condições de
trabalho. A dificuldade de encontrá-Ios nos fóruns para a realização das entrevistas me
chamou a atenção para o fato de que eles permanecem pouco tempo nos fóruns. Eu percebi
rapidamente que os meios para a realização do trabalho eram limitados. Como me disse
um juiz, "nós somos apenas remunerados por hora, isto é, chamados a realizar uma tarefa
determinada no tempo e no espaço, não é verdade?" A especificidade é que eles ficam
pouco tempo para trabalhar nos fóruns. Em alguns fóruns, não há sequer gabinetes para
294 Rio de Janeiro, v. 17, p. 289-309, 2011
REVISTA CIÊNCIAS SOCIAIS
acolhê-Ios nos fóruns. Estas condições de acolhimento são particularmente importantes
para entender a posição delicada em que eles ocupam no interior dos fóruns, por que elas
demonstram a inadaptação da estrutura física dos fóruns para acolher um novo membro,
mas também uma lógica de integração que não toma em conta as condições concretas
de execução de uma reforma do judiciário. Os magistrados e os escreventes vivem estas
limitações de recursos de outra maneira. Eles consideram que os juízes de proximidade
não necessitam de tais recursos para poder trabalhar, uma vez que eles permanecem
pouco tempo nos fóruns, o que justificaria a falta de gabinetes. Alguns fóruns não tem
tal problema, como Montpellier e Avignon, entretanto este último reservou uma sala em
setembro de 2008, ou seja, seis anos após a criação dos juízes de proximidade. No caso
do fórum de Séte, há um gabinete, porém ele é pouco utilizado, pois os juízes redigem a
maior parte das decisões em casa.
Os lugares onde as entrevistas foram realizadas também dão pistas sobre a posição
dos juízes. A maioria delas foi realizada antes ou depois de uma audiência em salas
não ocupadas no momento da entrevista. O local era geralmente negociado com os
escreventes para saber qual sala estaria disponível para a entrevista. Por esta razão,
a maioria das entrevistas foi interrompida pelos escreventes que vinham procurar pelos
juízes, ou por outros funcionários que vinham trabalhar na sala.
A falta de recursos materiais se alia ao problema da remuneração dos juízes. Eles são
remunerados por hora trabalhada (o valor unitário é fixado em 71,91€ pelo Ministério da
Justiça). Ela é padronizada segundo o tipo de serviço realizado: 3 horas pelas audiências
cíveis e criminais, exceto as audiências no Tribunal CorrecionaP que corresponde à 5;
e uma hora trabalhada para os julgamentos dos procedimentos sumaríssimos não
contraditórios que não são realizados em audiência'. Os juízes ainda que possuem uma
outra profissão devem trabalhar em uma jurisdição diferente daquela onde ele mantém a
sua atividade. Isto obriga os juízes a trabalhar longe de suas residências e os encargos do
deslocamento não são reembolsados pelo Ministério da Justiça, por isso os juízes procuram
limitar ao máximo os deslocamentos e otimizar sua presença nos fóruns realizando várias
atividades em um só dia de trabalho. Assim, ir ao fórum significa entregar as sentenças
realizadas em casa, presidir as audiências, assinar as sentenças feitas pelos escrevente
e assinar os procedimentos sumaríssimos. Exceto para os juízes que são aposentados de
3 O Tribunal Correcional ("Tribunal Correctionnel') equivale à l' instância para o julgamento de delitos
na seara criminal, bem como o Tribunal de Polícia ("Tribunal de Police") que tem a competência para
julgar as contravenções. Entretanto, o TC julga sempre em colegiado, ou seja, ele se compõe de três
magistrados: o presidente e dois assessores, dos quais um pode ser um juiz de proximidade. O TP,
porém, é um juiz monocrático.
4 Como por exemplo, estes procedimentos sumaríssimos não possuem contraditório: o julgamento das
'ordonnances pénales' são equivalentes às multas administrativas no Brasil e as 'injonclions de payer'
são procedimentos cíveis para obtenção de um título executivo judicial sem contraditório que não
possuem procedimentos homólogos no Brasil.
Rio de Janeiro, v. 17, p. 289-309, 2011 295
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UNIVERSIDADE GAMA FILHO
sua atividade principal. Quando eles vivem na mesma cidade onde se encontra o fórum
em que eles trabalham, eles podem frequentar mais o fórum o que facilita a socialização,
A reforma no estatuto dos juízes de proximidade alargou a competência permitind
assim que eles possam participar das formações colegiadas nos Tribunais Correcionai ,
Isto contribuiu muito à socialização dos juízes de proximidade com os outros magistrado ,
Além disto, esta possibilidade foi considerada como importante e valorizante pelo
juíses de proximidade. No entanto, os juízes tiveram dificuldades para serem aceitos na
formações colegiadas no início. Segundo os próprios juízes, na medida em que eles foram
mostrando suas qualidades, as resistências foram diminuindo.
Um episódio me foi contado por um juiz de proximidade é particularmente revelador,
Durante a entrevista, ele me disse que eu não o tinha perguntado sobre a possibilidad
de participar das audiências do Tribunal Correcional, pois ele mesmo considerava qu
esta era uma ótima oportunidade para se fazer conhecer. Ele me explicou então que: "
presidente do TGI sempre diz: como eu aprecio meus juízes de proximidade!" a fim d
chamar a atenção para o fato de que ele sempre está disponível para participar desta
audiências.
Se por um lado eles contam com entusiasmo tal experiência, por outro é preciso not r
que os magistrados não consideram esta atividade como interessante. Entre as atividad
realizadas pelos magistrados, assinar os procedimentos sumaríssimos são "desprovido
de todo interesse", segundo um juiz de proximidade. Também estigmatizada é a posição
dos juízes assessores no TC, eles sãochamados de "ornamentos" que ficam ao lado
do presidente. Na realidade, os assessores participam dos debates que precedem à
decisões, porém cabe ao presidente redigir as sentenças. A função de assessor tom
um grande tempo de trabalho dos magistrados, sobretudo porque estas audiência
podem durar até oito horas. A possibilidade de se substituir um magistrado por um juiz d
proximidade penmite liberar os magistrados para realizar outras atividades. Do ponto d
vista da gestão dos recursos humanos, o presidente do TGI tem à sua disposição um jul
a mais para participar destas audiências. Finalmente, o que é realmente interessante par
os juízes de proximidade é a possibilidade de presidir audiências e de julgar, ainda que s
tratem de casos mais simples do ponto de vista jurídico.
As funções reservadas aos juízes são assim as menos valorizadas pelos magistrados.
Os juízes buscam enfim enfatizar suas competências através das nuances identitárias
para serem reconhecidos pelos membros do fóruns como capazes de exercer a função.
Assim, uma questão que eu não me coloquei no início da pesquisa e aparece como
central é sobre a identidade profissional. Os juizes de proximidade são submetidos ao
mesmo estatuto jurídico dos magistrados profissionais, apesar do estatuto ambíguo em
5 Em francês, utiliza-se o termo 'potiche' que são vasos ornamentais sem nenhuma função substancial.
296 Rio de Janeiro, v. 17, p. 28!)'309, 2011
REVISTA CIÊNCIAS SOCIAIS
relação às garantias de independência e imparcialidade dos magistrados. Por isto, eu
esperava que eles utilizassem estas ambiguidades para se afirmar como magistrados.
Porém, este não foi o caso.
Quando se trata de posicionar os membros no contexto, as identidades profissionais
contribuem a medir a relação cognitiva que eles entretêem com a atividade exercida e
a relação com os outros profissionais. Assumir uma identidade perante outros acarreta
em consequências na maneira de organizar a experiência a fim de reproduzi-Ia. Isto
apareceu espontaneamente, pois no início eu tinha a impressão de aprender mais sobre
os magistrados do que sobre os juízes de proximidade. Eu percebi que havia um obstáculo
para que eles fossem reconhecidos como um membro da "grande família", segundo um
juiz de proximidade.
Há elementos cognitivos comuns entre os magistrados que os juízes de proximidade
não possuem. Além disto, eles não portam um símbolo importante para os magistrados
franceses que é a toga. Como estas dificuldades foram enfrentadas a fim de os legitimar
entre os membros da instituição judiciária? A capacidade de exercer a profissão de
magistrado foi considerada como um problema mais complicado. Os juízes de proximidade
precisaram aprender a se familiarizar com as competências e habilidades dos magistrados,
como, por exemplo, presidir uma audiência; de decioir"; e, enfim, de "julgar de acordo
com o direiío", Estas virtudes são aprendidas e compartilhadas entre os membros dos
fóruns, o desafio foi assim de dominá-Ios para que eles fossem vistos como verdadeiros
magistrados. Este processo nunca é acabado, pois o aprendizado se realiza através das
interações quotidianas e munidas das dificuldades de relacionamento.
Um elemento importante de distinção entre os juízes e os magistrados é o uso da
medalha pelos primeiros e da toga pelos últimos. A toga não é somente uma vestimenta.
Na prática, ela serve para indicar que os juízes não pertencem à instituição. Os juizes de
proximidade deploram o fato de utilizar uma medalha ao invés da toga. Para eles, a medalha
serve para desvalorizar a função. O que é considerado um símbolo da justiça (Garapon,
1997) é, de fato, mobilizado para delimitar o espaço dos membros legítimos. Durante as
audiências, eu nunca observei um jurisdicionado se dirigindo ao escrevente - que utiliza
a toga também - ao invés de se dirigir ao juiz. Entre os que lamentam o fato de utilizar
a medalha afirmam que isto é visto como um problema para se afirmar perante os outros
profissionais e jurisdicionados, pois a toga funciona como um "escudo", como me disse
um juiz, que despersonaliza o indivíduo lhe conferindo socialmente o reconhecimento da
competência para exercer a função. No caso dos advogados que são juízes, um deles me
disse: "eu a utilizo como advogado, é um pouco estranho de não poder utilizá-Ia enquanto
6 O que no jargão dos tribunais franceses é chamado de "trancher'.
7 Em francês, diz-se 'juger en droit' o que os próprios juizes opunham à 'juger en équité', isto é, julgar
de acordo com a equidade e os principios de Justiça.
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juiz de proximidade." Apesar disto, alguns juízes de proximidade não consideram que a
medalha desvalorize a função. Estes afirmam que em outras jurisdições, como na Justiça
do Trabalho francesa, os magistrados a utilizam também, por outro lado outros preferem
valorizar suas próprias competências jurídicas para afirmar que este fato não muda a
qualidade do serviço público que eles prestam.
Os conhecimentos jurídicos são sempre testados quando eles presidem as audiências
e redigem as sentenças. A atividade de "decidir" demonstra como funcjona o modo de
raciocínio utilizado pelos juízes. Esta competência é vivida segundo a experiência
profissional de cada juiz. A jurisdição de proximidade é acessível tanto à advogados quanto
aos jurisdicionados leigos que podem pleitear em juízo, como nos juizados especiais
brasileiros. Os juízes de proximidade associam estas possibilidades à qualidades
distintas. Alguns preferem processos instruídos por advogados, pois "as coisas são
bem explicadas, com as petições (...)". Contrariamente, outros juízes preferem instruir o
processo com jurisdicionados leigos, por que os juízes podem "orientar melhor de acordo
com o problema jurídico". Além disto, há a possibilidade de realizar acordos durante as
audiências, a maioria dos juízes não percebe esta atividade como central em sua função,
na medida em que o juiz deve "julgar de acordo com o direito" e não "de acordo com a
equidade". A valorização da competência de "decidir" revela um modo de legitimação da
função a partir dos conhecimentos técnico-jurídicos dos juízes de proximidade.
Entretanto, esta capacidade de fazer concilíações durante as audiências não é negada
pelos juízes, mas também não é valorizada como um meio de resolver os problemas
em audiência. Os juízes fazem um esforço para desenvolver a capacidade de "decidir"
segundo as regras do direito. Assim, a valorização de "julgar de acordo com o direito" é
feita com o intuito de aderir a uma identidade profissional dos magistrados.
Um juiz me explicou que ele tinha "a impressão de ser vigiado a todo momento" pelos
outros membros do fórum. O paradoxo do esforço empreendido pelos juízes foi de se
socializar tendo poucos meios para o fazer. As qualidades pessoais são utilizadas para
desfazer o estigma que é imputado a eles. A proximidade ao trabalho dos escreventes foi
visivelmente uma maneira de aprender as habilidades valorizadas pelos magistrados. Os
escreventes representavam um meio importante para os juízes de estabelecer um elo com
os magistrados.
O trabalho de pôr o processo em prática foi ensinado pelos escreventes, ou seja,
quando, como e onde se realizam os trabalhos no tribunal. Ter boas relações com os
escreventes foi determinante para que eles possam avaliar e transmitir as concepções
de uma "boa audiência", ou mesmo de um "bom julgamento de acordo com o direito".
Os juízes contam esta experiência sem nenhuma reserva para indicar o papel decisivo
dos escreventes.No final das audiências, eu observei as trocas de opiniões sobre os
casos que foram julgados nas audiências. Ainda que os comentários não fossem sobre as
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decisões em si, elas abordavam os aspectos jurídicos dos casos; a pertinêncía dos pleitos
apresentados; ou ainda sobre a audiência de uma forma geral. Este ponto é importante
na medida em que os juízes compreendem rapidamente o que é uma audiência "difícil"
de se presidir e o que é uma "interessante" de se fazer. As estratégias de aprendizagem
passam assim obrigatoriamente pelos escreventes, de um lado por que eles são os únicos
interlocutores dos juízes e, por outro lado, por que os juízes sabem que eles são um elo
com os magistrados. Deste modo, os juizes fizeram um esforço para serem bem vistos
pelos escreventes.
Concernente às relações com os magistrados, eu testemunhei dois episódios que
são representativos do modo como os juízes são vistos nos fóruns pelos magistrados. O
primeiro caso eu saia de um fórum acompanhado de um magistrado após uma entrevista,
quando nós cruzamos um outro magistrado que chegava ao fórum. Após as saudações de
estilo, o magistrado me apresentou ao seu colega explicando que eu fazia uma pesquisa
sobre os juízes de proximidade. Seu colega então me perguntou com um grande sorriso:
"Os verdadeiros ou os falsos juízes de proximidade?" Neste caso os verdadeiros se referiam
aos juízes profissionais de 1° grau e os falsos aos juízes de proximidade. Nós entendemos
a ironia e nos despedimos em seguida. O segundo caso eu acompanhava um juiz de
proximidade, uma escrevente e um outro juiz em estágio probatório para uma audiência.
Nós quatro esperávamos o elevador quando o juiz ouviu os magistrados conversando
numa sala ao lado com a porta entreaberta. Eles foram rapidamente cumprimentar os
magistrados. Logo em seguida, eu fuí chamado a me apresentar. Eu expliquei meu tema
de pesquisa e um dos magistrados disse: "Então é preciso que você acabe a sua tese
rapidamente, pois os juízes de proximidade vão desaparecer em pouco tempo." Nós todos
rimos ao compreender a ironia do magistrado que se referia as discussões sobre uma
outra reforma da competência dos juízes de proximidade.
Estes dois episódios são reveladores de um mal-estar nos fóruns e de uma disputa
sobre a identidade profissional dos magistrados. Além disto, isto demonstra um processo
de estigmatização dos juízes de proximidade por parte dos magistrados que não aceitam
este novo membro ..
2. OS PROFANOS EM AÇÃO
2.1. O problema do profano
Os juízes de proximidade foram criados após polêmicos debates em torno da reforma
da Justiça em 2002. Ela foi proposta em 2001 pelo Ministro da Justiça, Dominique
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Perben. Após um processo de votação especial de três meses, a lei de orientação e de
programação para a Justiça foi promulgada. Esta lei previa quatro objetivos: a criação
dos juizes de proximidade; a reforma do código penal para menores; uma atenção maior
ao direito das vitimas; e um reforço dos recursos humanos e financeiros para a Justiça.
A proposta foi abertamente rejeitada pelos sindicatos da rnaqistratura e pelos partidos de
oposição ao governo Chirac à época. Entretanto, esta resistência não foi suficiente para
impedir a promulgação da lei.
Os debates parlamentares sublinharam três pontos. Primeiramente, as criticas
centraram-se sobre a formação dos juizes de proximidade que seriam recrutados. As
divergências entre os partidos apontavam para a antiga figura do juiz de paz - extinto
em 1958 - argumentando o risco de se recrutar notáveis, isto é, pessoas com influência
política e social, mas sem conhecimentos jurídicos para se exercer a profissão. Assim,
a clivagem profissional contra profano surgiu rapidamente nos debates. Ainda que em
França a relação entre os políticos e os magistrados seja complicada (Roussel, 2002),
a tentativa de abertura do corpo da magistratura foi um objetivo inacabado durante os
anos 1990 (Wyvekens, 1997). Além disto, a independência dos magistrados foi objeto
de discussões na medida em que se manteve a possibilidade de exercer a magistratura
acumulando as funções exercidas em outros dominios como a advocacia, o magistério e
outras atividades relacionadas com o direito.
Os juizes de proximidade começaram a ser nomeados em 2004.' A lei estabelece
cinco critérios para se candidatar e em todos eles a experiência na área juridica. Eles
são submetidos ao código da magistratura, no entanto eles podem acumular uma outra
função. Eles possuem um mandato de 7 anos não renovável e são remunerados por hora
trabalhada. O recrutamento é organizado pelo Ministério da Justiça assistido das Cortes
de Apelação e do Conselho Superior da Magistratura. Enfim, eles são proibidos de usar a
toga que é o sim bolo do poder de julgar em França. No seu lugar, eles devem utilizar uma
pesada medalha dourada suspendida por uma fita azul.
Após dois anos em exercicio, a jurisdição de proximidade foi modificada. As
competências civeis foram estendidas aos casos de até 4000,00€, ao invés de 1500,00€
como previsto anteriormente; em matéria criminal, eles mantiveram a possibilidade de
julgar as contravenções de 4" classe, e não mais de 5" classe, além da possibilidade de
participar às audiências no Tribunal Correcional como assessor ao lado de dois outros
magistrados profissionais. O alargamento das competências produziu um aumento do
trabalho realizado pelos juizes de proximidade e, por conseguinte, o número de audiências.
A figura dos profanos apareceu durante os debates parlamentares para contestar a
independência e a competência técnica dos novos juizes. No entanto, estas criticas tiveram
usos diferentes, pois o Ministro da Justiça as utilizou para reformar "uma magistratura que
se estima muito fechada e distante" (Pélicand, 2007b, p.63). As objeções pretendent opor
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os juizes profanos a uma magistratura profissional. A ideia desta magistratura profissional
é evidente, por que os magistrados são reconhecidos por pertencer a um corpo que detém
o savoir-faire da atividade de julgar. Não se trata de se questionar esta competência, mas
de compreender como ela é utilizada para delimitar a linha que separa os profissionais dos
profanos. O que é que agrega os magistrados em um grupo profissional? Para responder
a esta questão, é preciso analisar o sentido de profano em sociologia.
Esta categoria foi utilizada pelos "pais fundadores" - Weber e Durkheim - para
explicar o papel dos ritos nos fenômenos religiosos. Para tanto, o objetivo era compreender
como as coisas adquirem um valor particular. Ter acesso a estas coisas é um privilégio de
alguns autorizados a fazê-Io. Assim, Durkheim afirma que:
"As coisas sagradas são aquelas que as proibições protegem e
isolam; as coisas profanas, estas às quais as proibições se apli-
cam e que devem permanecer à distância das primeiras. As cren-
ças religiosas são representações que exprimem a natureza das
coisas sagradas e as relações que elas mantêem seja uma com
as outras, seja com as coisas profanas. Enfim, os ritos são regras
de conduta que prescrevem como o homem deve se comportar
com as coisas sagradas." (1968, p. 45) (tradução do autor)
Além disto, a categoria foi empregada por Weber para explicar a diferença de viver
"para" a política e viver "da" política a fim de compreender os engajamentos daqueles que
fazem a política uma causa daqueles que a fazem sua profissão (Weber, 1963, p. 35-36).
Atualmente, esta categoria é muito utilizada em sociologia e em antropologia do
direito para explicar a oposiçãoou a dicotomia entre juristas e leigos. Seu uso porém
não é homogêneo. Esta categoria define a diferença entre o não expert em relação ao
expert, mas também o iniciado em uma profissão do não-iniciado. O que não é a mesma
coisa quando se trata de profissionais do direito. As distinções revelam a insuficiência
dos conceitos de profissional e de profano, pois eles são tomados "como dois coletivos
homogêneos e um face ao outro" (Michel; Willemez, 2007, p.7).
Alguns trabalhos sobre a magistratura chamam a atenção para a formação e o
processo de integração para descrever a constituição de um corpo homogêneo política e
socialmente. A criação da Escola Nacional da Magistratura ocorreu com o objetivo de se
constituir um corpo profissional legitimados por sua competência técnica (Boigeol, 2010).
Esta competência decorre da constituição de um modo de transmissão do conhecimento
mais racional e não somente baseada sobre o aprendizado pela prática.
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A oposição entre "os utilizadores de um código de especialistas" e "os simples
profanos" (Bourdieu, 1986, p. 6) foi evocada para demonstrar a constituição do monopólio
instituciona[ dos juristas. É assim que o campo jurídico se constitui. Os simples profanos
são considerados como leigos, por que eles não dominam o código dos especialistas, nem
compartilham o mesmo princípio de constituição da realidade. Isto quer dizer que eles não
tem a mesma visão do mundo:
"Na realidade, a instituição de um 'espaço judiciário' implica a
imposição de uma fronteira entre aqueles que estão preparados
para entrar no jogo e aqueles que, quando se encontram nesta
situação, permanecem de fato excluídos, em razão de não poder
operar a conversão de todo o espaço mental - e em particular
de toda a postura linguística - que supõe a entrada neste espaço
social." (Bourdieu, 1986, p. 9)
No trabalho etnográfico de Latour no Conselho de Estado, ele se posiciona como um
profano (Latour, 2004, p. 196). Ele opôs igualmente os profanos daqueles que utilizam a
linguagem de especialistas do direito. Ele afirma que é com a sua "ignorância metódica"
que ele descreveu "o direito tal como ele se faz"(Latour, 2004, p. 196). O papel do profano
é ao mesmo tempo um imperativo para o seu método e o reconhecimento de uma posição
de ignorância em relação ao direito.
Recentemente, as pesquisas enfatizam a participação do não-profissional na justiça.
Elas se interrogam sobre os limites da oposição entre o juiz-profano e o juiz-profissional.
Tais questionamentos conduzem à reflexão sobre a função de julgar:
"Por estruturantes que eles sejam, estes as oposições que se
arflqulam em tomo da distinção do profano e do profissional ga-
nham a ser analisadas menos como o reflexo da realidade do
corpo judiciário e de sua divisão em dois grupos dotados de
identidades irreductivelmente distintas que como um dos campos
mesmos de enfrentamento para a definição da função de julgar
que concerne igualmente juíze-profanos e juízes-profissionais."
(Vauchez, 2007, p.32)
Esta categoria foi utilizada para mostrar, nos debates parlamentares, os usos que
os políticos fazem com a finalidade de conduzir a reforma da justiça. De todo modo, a
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categoria profano é tomada como uma ferramenta teórica de pesquisa para compreender
o sentido ou a coerência dos debates parlamentares durante a criação da jurisdição de
proximidade. Ela foi utilizada como um argumento central em torno do qual os consensos
ou as contradições foram expostos.
O uso desta categoria consiste em mostrar a precariedade das alianças que
produziram diferentes reformas do poder judiciário francês. As definições de profanos da
justiça se opuseram a uma competência profissional da atividade de julgar que valoriza
os indicadores estatísticos na gestão dos processos e da relação ao direito. Os debates
que conduziram à duas reformas distintas a criação da jurisdição de proximidade e aquela
proposta no relatório final da comissão parlamentar que investigou o maior erro da história
da justiça francesa, o caso de Outreau (Garapon; Salas, 2006), mostraram que elas se
focalizaram sobre dois tipos diferentes de modelos de justiça: o primeiro representa o
sucesso do lobby dos magistrados para conservar a imagem de um juiz profissional
formado na ENM; enquanto que o resultado do outro modelo "a função de julgar funda
menos sua legitimidade sobre o respeito de indicadores jurídicos e/ou administrativos do
'processo equitativo' que sobre um conjunto de atributos que se aproximam das definições
de profanas do 'justo' e do 'juiz'" (Vauchez; Willemez, 2007, p. 254).
Com o objetivo de explicar a ação normalisadora da magistratura durante a criação da
jurisdição de proximidade, o profano foi ainda mobilizado para se opor a um corpo muito
fechado. Apesar disto, os magistrados permitiram criar um juiz de proximidade submetido
ao seu próprio estatuto. Além disto, "é preciso verificar o quanto atualmente, sob a pressão
da magistratura, os juízes de proximidade tendem a perder suas últimas características de
profanos." (Pé[icand, 2007a, p. 292-293).
À exceção da etnografia realizada por Latour, a maior parte dos trabalhos
contemporâneos utilizam uma metodologia comum. Eles se valem de uma abordagem
sócio-histórica se apoiando sobre arquivos para demonstrar suas hipóteses. As análises
empregam sempre a ideia de campo jurídico, tal como ele é desenvolvido por Bourdieu.
No entanto, as diferenças existentes no interior do campo são mal compreendidas, por que
a abordagem não permite perceber as interações entre aqueles que estão dentro dele.
As explicações produzidas partem da ideia que a categoria profano possui um sentido
consensual. Entretanto, elas não apontam qual é a sua definição. No que concerne esta
contribuição, é importante empregar a categoria de profano para compreender a atividade
dos juízes de proximidade.
Vários trabalhos sociológicos tratam da questão do processo de profissionslização e
da valorização do saber legítimo e competente dos grupos políticos (Offerlé, 1999); dos
grupos profissionais como os dirigentes de empresas (Boltanski, 1982); seja como uma
oposição ao amadorismo (Lamy; Weber, 1999). Estes trabalhos se interessam mais no
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processo de institucionalização do saber ou do percurso comum daqueles que pertencem
a um grupo que sobre as controvérsias em relação aos profanos. Porém, eles mostram
que esta categoria pode ter vários sentidos, por que ela faz parte do senso comum teórico
dos sociólogos. Seu uso é sempre utilizado em relação ao objeto da pesquisa. O que
parece evidente a princípio se complica num segundo momento, notadamente se se
relaciona com um grupo com um estatuto tão ambiguo como o dos juizes de proximidade.
Deste modo, há ao menos três questões que se pode colocar a respeite do sentido de
profano. Teria ele o mesmo sentido de não-iniciado aos ritos específicos ou a um saber
reservado? Ou ele seria sinônimo de leigo? Ou ainda seria um amador"? Assim os três
antônimos possíveis seriam o não-iniciado, o leigo e o amador, contudo eles designam
relações bem diferentes do profissional, mas que podem ser assim mesmo chamados de
profanos.
É difícil de classificar os juizes de proximidade em uma destas categorias. Voltemos
ao seu estatuto. Eles são de fato profissionais do direito (advogados, magistrados
aposentados, tabeliães, professores de direito e oficiais de justiça) que exercem ou
exerceram suas profissões por muitos anos. Eles são selecionados pelo Ministério da
Justiça com a autorização do Conselho Superior da Magistratura. Eles possuem um
mandato de 7 anos não renovável e são pagos por hora trabalhada.Enfim, eles são
submetidos ao estatuto da magistratura.
Estes juizes não podem ser tomados como amadores, nem como leigos, pois, mesmo
que a magistratura seja sua atividade secundária, a competência juridica é a mesma
utilizada para exercer suas profissões. Resta o não-iniciado. Não se pode considerá-I os
como pessoas com pouco experiência prática com o direito, exceto se considerarmos que
a ENM é a única instituição legitima para recrutar e formar os juizes (Guarnieri; Pederzoli,
1996). A ENM desempenha um papel importante na integração dos novos membros.Ela
representa o lugar onde os novos magistrados aprendem a se identificar compartilhando
os mesmos pontos de vista. É lá que eles "vão aprender a desenvolver um instrumento
de conhecimento e uma competência socialmente organizada" (Zappulli, 2008, p. 41~) da
profissão de juiz. Os fóruns são outrossim um lugar privilegiado, pois é lá que os recém-
juizes fazem longos estáqios". Todavia, há um ritual criado para os juizes de proximidade
que, embora não, seja tão longo quanto o dos magistrados, se consubstancia numa
formação teórica de uma semana na ENM e um estágio probatório de 30 dias. Qualquer
que seja o tempo passado na ENM, eles também tem um ritual de iniciação ao métier.
8 No sentido que 'o amador faria mediocremente o que o profissional faz de modo excelente' (LAMY;
WEBER, 1999, p. 9).
9 O estágio em jurisdição é de 14 meses de um total de 30 meses que compõem a formação dos
magistrados franceses na ENM (SÉNAT;BONAN, 1998).
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2.2. Um outro olhar sobre o profano
O fórum é o lugar onde se encontram diversos profissionais, como os magistrados,
promotores de justiça, os escreventes, os oficiais de justiça, os advogados, conciliadores
e policiais. Somando-se a isto os jurisdicionados, que se apresentam todos os dias. As
atividades são sempre coordenadas, A especialização de cada atividade subentende
relações e interações entre diferentes pessoas. Isto quer dizer que as relações não é
a mesma em todos os fóruns, pois as 'práticas são sempre locais. O peso institucional
que tem o fórum oculta as diferenças entre eles. As abordagens neo-institucionalistas'°
são insuficientes para dar conta deste fenômeno, pois eles tem uma visão muito distante
das práticas locais. Eles se interessam mais pelas regularidades normativas. As análises
da sociologia das organizações permitem abordar as particularidades de cada fórum
na medida em que ela reconhece o lugar da inovação nas práticas e os problemas de
transmissão do saber (Ackermann; Bastard, 1993).
Assim, cada fórum se transforma num ambiente onde aqueles que se integram
devem entreter relações para serem bem aceitos, A história dos juizes de proximidade os
transformou em persona non grata nos fóruns. No entanto, a capacidade deles de se livrar
deste preconceito faz deles profanos em razão do contexto institucional (Zappulli, 2001).
Em outras palavras, eles são considerados pessoas externas aos fóruns. Esta posição
de estrangeiro em relação às atividades quotidianas dos fóruns faz com que eles sejam
considerados como profanos. Esta ideia só faz sentido se se considerar que eles estejam
todos interagindo. O fato de se entrar em um ambiente de trabalho do qual eles não fazem
parte justifica a posição de profanos em relação às práticas e às relações locais.
A partir das observações e das entrevistas, eu proponho uma abordagem etnográfica
das relações mantidas pelos juizes de proximidade. Esta análise considera a observação
em diferentes fóruns. Eu proponho que a integração dos novos juizes de proximidade em
termos de profanos-em-ação a fim de valorizar a dinâmica dos obstáculos encontrados
por estes juizes nos fóruns. Esta categoria não se refere à atividade dos juizes em si,
ao contrário ela explica a ação de realizar um trabalho com obstáculos que os outros
membros não tem. Ela compreende também a ação e as restrições mais do que as
competências profissionais destes juizes.
O estigma destes juizes não facilita a realização do trabalho, pois eles o realizam
com a preocupação de se fazer respeitar pelos membros dos fóruns. Segundo a fórmula
de Goffman, estes juizes são descreditados na medida em que eles serão sempre juizes
de proximidade. As informações sociais, que eles trazem consigo, são utilizadas para
10 O neo-institucionalismo considera que: 'Toda instituição define deste modo um corpo coerente de
normas e de princípios de comportamento, formas complexas de política 'simbólica', de estruturas
discursívas e de rituais.' (STONE, 1992, p. 162).
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enfrentar as resistências encontradas nos contextos institucionais. Com efeito, quando se
diz profanos-em-ação, isto indica que os esforços que são empreendidos quotidianamente
nos fóruns para interagir com os membros. As estratégias de adesão a uma identidade
dos magistrados servem na realidade para demonstrar que eles são capazes de realizar o
trabalho graças às suas competências profissionais.
Para os membros dos fóruns, eles nunca serão considerados como magistrados,
todavia, eles podem ser capazes de exercer o métíer. Quando um magistrado profissional
afirma: "Funciona!" para indicar que a justiça de proximidade realiza sua função, ele
reconhece que os juízes de proximidade conseguem superar as dificuldades nas relações.
O fato se serem aceitos na maior parte dos casos mostra que as expectativas
normativas em relação aos juízes de proximidade se modificaram com o tempo. Dito de
outro modo, "não é qualquer um", eles são pessoas com as qualidades para exercer tal
função. Ser aceito designa a relação complexa entre os juizes e os membros dos fóruns de
maneira a mudar a opinião destes sobre os juízes de proximidade. Enquanto que os juizes
de proximidade esperam realizar o trabalho com menos obstáculos e constrições pois eles
demonstram quotidianamente que eles são capazes de exercer tais funções.
CONCLUSÃO
Este trabalho propõe uma abordagem etnográfica para compreender a atividade dos
juizes de proximidade nos fóruns franceses. O modo de exposição de baixo para cima
me permitiu demonstrar como o estigma que portam os juízes de proximidade dificulta a
socialização nos fóruns.
O sentido da categoria profano foi revisitado a fim de se compreender este fenômeno
de integração de um novo membro nos fóruns. Ela não possui uma definição homogênea
na literatura sociológica. Seu sentido tradicional é assim insuficiente para compreender
a relação dos juizes com os problemas que eles encontram. Além disto, a perspectiva
interacionista explica como o estigma aparece concretamente e como os indivíduos
buscam se livrar dele. O conceito de profano-em-ação procura dar conta da relação dos
juizes com os obstáculos estruturais e interacionais na realização do trabalho. Ele busca
identificar a ação de aprendizado das ferramentas cognitivas e das estratégias identitárias
dos juízes para se socializarem.
Finalmente, a perspectiva sobre os fóruns deve considerar esta realidade local a
fim de compreender como as interações determinam o contexto institucional no qual o
trabalho é desenvolvido.
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REVISTACI NCIA IAI
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308 Rio de Janeiro, v. 17, p. 28it-309, 2011
REVISTA CIÊNCIAS SOCIAIS
ANEXO
Mapa judiciário das Cortes de Apelação
de Montpellier e de Nimes
" "',{
Mapa de todos os ~
departamentos
franceses
Rio de Janeiro, v. 17, p. 28it-309, 2011 309

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