Buscar

Constituição de 1937

Prévia do material em texto

A Constituição de 1937
A Constituição Brasileira de 1937 (conhecida como Polaca), outorgada pelo presidente Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937, mesmo dia em que implanta a ditadura do Estado Novo, é a quarta Constituição do Brasil e a terceira da república de conteúdo pretensamente democrático. Será, no entanto, uma carta política eminentemente outorgada mantenedora das condições de poder do presidente Getúlio Vargas. A Constituição de 1937, que recebeu apelido de “Polaca” por ter sido inspirada no modelo semifascista polonês, era extremamente autoritária e concedia ao governo poderes praticamente ilimitados. Foi redigida pelo jurista Francisco Campos, ministro da Justiça do novo regime, e obteve a aprovação prévia de Vargas e do ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra.
A Constituição de 1937 foi a primeira republicana autoritária que o Brasil teve, atendendo a interesses de grupos políticos desejosos de um governo forte que beneficiasse os dominantes e mais alguns, que consolidasse o domínio daqueles que se punham ao lado de Vargas. A principal característica dessa constituição era a enorme concentração de poderes nas mãos do chefe do Executivo. Seu conteúdo era fortemente centralizador, ficando a cargo do presidente da República a nomeação das autoridades estaduais, os interventores. A esses, por sua vez, cabia nomear as autoridades municipais.
O Governo Vargas caracterizou-se desde o início pela centralização do poder. Mas ela foi ao extremo com a ditadura de 1937-1945, o Estado Novo — nome copiado da ditadura de António Salazar em Portugal. Com ela, Getúlio implantou um regime autoritário de inspiração fascista que durou até o fim da Segunda Guerra Mundial. E consolidou o seu governo, que começara, "provisoriamente", em 1930.
Após a queda de Vargas e o fim do Estado Novo em outubro de 1945, foram realizadas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, paralelamente à eleição presidencial. Eleita a Constituinte, seus membros se reuniram para elaborar uma nova constituição, que entrou em vigor a partir de setembro de 1946, substituindo a Carta Magna de 1937. A Constituição de 1937 deu origem a vários acontecimentos na História política do Brasil que têm consequências até hoje. E, principalmente, formou o grupo de oposição a Getúlio que culminou no golpe militar de 1964. Este, por sua vez, deu origem à Constituição de 1967, a outra constituição republicana autoritária.
 
Contexto Histórico 
Na década de 30, a democracia liberal estava cada vez mais desacreditada e o mundo se voltava para ideologias totalitárias como o nazismo alemão ou o fascismo italiano. Igualmente, o socialismo pregado por Stalin se revelava cada vez mais autoritário e centralista.
No Brasil, essas correntes políticas eram representadas pelo Partido Comunista Brasileiro, alinhado com a União Soviética e a Ação Integralista Brasileira, de inspiração fascista.
O presidente Getúlio Vargas também já havia dado mostras que preferia um regime político mais centralizado. Demorou a convocar eleições para a Constituinte de 1934, e desagradava a vários adversários por concentrar o poder cada vez mais em suas mãos.
A Constituição de 34 era liberal e descentralizadora, e parecia que a democracia havia voltado ao Brasil. Ao tomar posse como presidente, Vargas jurou sobre este texto constitucional, mas no dia seguinte, pronunciaria sua famosa frase “Eu serei o revisor desta Constituição”.
No ano seguinte, Getúlio Vargas sofre uma tentativa de golpe armado pelos comunistas liderados por Luís Carlos Prestes. O episódio, conhecido por Intentona Comunista, teve como consequência dois anos de repressão e prisões arbitrárias, e serviria de pretexto para a consolidação de Vargas no poder.
Em 1937, foi descoberta outra tentativa de golpe que seria supostamente tramada pelos comunistas, o Plano Cohen. Diante desta ameaça, Getúlio Vargas declara a criação do Estado Novo. De uma só vez, dissolve a Câmara dos Deputados e o Senado e outorga uma nova Constituição ao país. Esta deveria passar por um referendo, mas tal nunca aconteceu.
O modelo: A Constituição Polonesa de 1935
Tantas vezes se disse que a Constituição brasileira de 10 de novembro de 1937 teve como parâmetro a Constituição polonesa, promulgada em 23 de abril de 1935, que à nossa Carta se juntou sempre o apodo de “Polaca”. Defensores da Constituição polonesa afirmam que ela teve por tendência consolidar, antes de tudo, o Estado social, não havendo investido o Presidente da República na tarefa de fazer uma política pessoal, mas dado a ele a função de regular as atividades autônomas, visto que “o sistema de autonomia era geral e de autonomia econômica em particular foi considerado como uma das principais instituições do Estado”. O ponto mais delicado da reforma seria o fortalecimento do Governo pelo reforçamento do Executivo, sem estabelecer o poder pessoal e absoluto.
Mas muito se cuidou, em defesa da Constituição de 1937, em dar ênfase aos pontos que a distanciariam da Carta polonesa de 1935. Esta prescrevia, por exemplo, que o Presidente não seria responsável “pelos seus atos oficiais”. A nossa indicava, em seu artigo 85ª, que seriam crimes de responsabilidade os atos do Presidente, definidos em lei, que atentassem contra a existência da União, a Constituição, o livre exercício dos poderes políticos, a probidade administrativa, a guarda e emprego dos dinheiros públicos e a execução das decisões judiciárias. Divergências foram, também, apontadas no capítulo da organização do governo, na demissibilidade dos ministros, nos direitos de elegibilidade, nas imunidades parlamentares, na elaboração legislativa, no controle da constitucionalidade das leis. Mas as proximidades são evidentes. A começar pelo modo por que, sem dissimulação, é ressaltada a proeminência do Poder Executivo: 
“A autoridade única e individual do Estado é concentrada na pessoa do Presidente da República”,
 reza o artigo 2ª da Constituição polonesa. 
“O Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirige a política interna e externa, promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional e superintende a administração do país”, 
diz o artigo 73ª de nossa Constituição. 
Organização política-administrativa na Constituição de 1937
O texto da Constituição de 1937 manteve a forma de governo republicana, em que o povo é o titular do poder e o exerce por meio de representantes eleitos, e a forma federativa de estado, formado pela união indissolúvel dos entes federativos.
No entanto, o regime federativo foi significativamente enfraquecido pela ditadura de Vargas. Os estados eram governados por interventores por ele nomeados e cumprindo as determinações do regime, resultando na prática em um Estado centralizado.
O município do Rio de Janeiro continuou sendo o Distrito Federal, sede do governo federal e a capital do país. Ele era administrado pela União por meio de um prefeito também nomeado pelo Presidente da República.
Organização dos poderes na Constituição de 1937
Embora mantida a tripartição de poderes, o legislativo e o judiciário foram praticamente esvaziados pelo regime ditatorial.
A Constituição de 1937 dissolveu todos os órgãos do poder legislativo, no âmbito federal, estadual e municipal, e estabeleceu a eleição de um Parlamento Nacional composto por uma Câmara dos Deputados e por um Conselho Federal, que substituiria o Senado Federal.
O Conselho Federal teria, dentre seus membros, 10 nomeados pelo Presidente da República. Os seus mandatos teriam duração de 6 anos. O mandato dos deputados federais foi mantido em 4 anos.
As eleições desse Parlamento Nacional seriam marcadas pelo Presidente de República, o que nunca ocorreu durante a ditadura de Vargas. Dessa forma, conforme disposição constitucional, as competências legislativas da União ficaram a cargo do próprio Presidente, que a exerceu por meio de decretos-leis.
No executivo, a Constituição determinava que o Presidente da Repúblicaera a autoridade suprema do Estado. As eleições para ele eram indiretas, com mandato de 6 anos.
A Justiça Eleitoral foi extinta, e o judiciário passou a ser composto pelo Supremo Tribunal Federal, seus órgãos de cúpula, pelo juízes e Tribunais dos Estados, Territórios e do Distrito federal, e pelos juízes e Tribunais militares.
Diversos dispositivos constitucionais acabaram por enfraquecer o judiciário, inviabilizando muito de sua atuação. A Constituição de 1937 estabeleceu, por exemplo, que decisão de Tribunal que declarasse a inconstitucionalidade de lei poderia ficar sem efeito caso o Presidente da República considerasse a lei necessária ao interesse nacional. Para isso, bastava o voto de 2/3 dos membros do Parlamento quando o Presidente submetesse a decisão a reexame. Como o Parlamento Nacional nunca foi eleito, a deliberação acabou sendo exclusiva do Presidente.
Além disso, a Constituição estabeleceu que os atos praticados durante os períodos de estado de exceção (estado de emergência ou de guerra) não poderiam ser apreciados pelo judiciário.
Direitos e garantias na Constituição de 1937
A Constituição de 1937, em nome da garantia da ordem e da segurança pública, cerceou uma série de direitos outrora garantidos constitucionalmente. Dentre eles, o direito de livre manifestação do pensamento, que foi restringido pelo estabelecimento de uma censura prévia dos meios de comunicação.
A greve e o lock-out foram proibidos sob o argumento de nocividade às relações de trabalho e à produção nacional. Além dos períodos de guerra, a pena de morte passou a ser admitida também em casos de crimes políticos e por homicídios cometidos por motivo fútil ou com perversidade excessiva.
A Constituição de 1937 omitiu de seu texto a previsão do mandado de segurança e da ação popular, e não tratou de princípios como o da reserva legal e o da irretroatividade das leis. A tortura foi utilizada durante todo o regime como forma de repressão aos opositores políticos.
A despeito dessa restrição exacerbada de direitos, houve avanços na área trabalhista e uma expansão capitalista fomentada diretamente pelo governo. A Constituição de 1937 promoveu, por exemplo, a nacionalização da economia com a assunção do controle de diversas áreas estratégicas nos setores de produção, aço, mineração e petróleo. Estatais como a Companhia Vale do Rio Doce, hoje privatizada, foram criadas neste período.
 Principais Características 
De suas principais medidas, pode-se destacar que a Constituição de 1937:
- Caberia ao presidente nomear os interventores (governadores estaduais) e estes deveriam nomear as autoridades municipais;
- O poder Legislativo, em todos os níveis, foi extinto. Assim não existiam mais as Câmaras de Vereadores ou de Deputados Estaduais;
- Previsão de pena de morte para crimes políticos;
- Suspenso o direito de Mandato de Segurança ou Ação Popular;
- Retirou do trabalhador o direito de greve;
- Previu a criação da Justiça do Trabalho;
- Nacionalizou as riquezas do subsolo e quedas d'água no país;
- Estabeleceu eleições indiretas para presidente, com mandato de seis anos;
- Os meios de comunicação estavam obrigados a publicar e/ou transmitir os comunicados do governo.
Práticas plebiscitárias
Um aspecto que diferencia a Carta de 1937 é que, sendo a segunda Constituição outorgada do Brasil, foi, no entanto, a que mais largo espaço abriu às práticas plebiscitárias. Empregada a expressão, no texto, nove vezes – nos artigos 5º, parágrafo único; 63 e seu parágrafo único; 174, § 4º; 175; 178 e 187 –, o plebiscito foi previsto para os casos:
 a) de subdivisão ou desmembramento de Estados para anexação a outros ou a formação de novos Estados (art. 5º); 
b) de serem conferidos ao Conselho Nacional de Economia poderes de legislação sobre algumas ou todas as matérias de sua competência (art. 63 ); 
c) de emenda, modificação ou reforma da Constituição, na hipótese de ser rejeitado projeto de iniciativa do Presidente da República, a propósito, ou na hipótese em que o Parlamento aprovasse, apesar da oposição daquele, o projeto de iniciativa da Câmara dos Deputados (art. 174, § 4º); 
d) finalmente, de deliberação sobre a própria Constituição, na forma como se regularia em Decreto do Presidente da República (art. 178). 
Consequências
Com a Constituição de 1937, o poder do presidente atingiu seu ápice centralizador. Em cerimônia simbólica, no Rio de Janeiro, foram queimadas as bandeiras estaduais, proibidos os hinos regionais e os partidos políticos locais.
Getúlio Vargas sofreria uma nova tentativa de golpe pelos integralistas em 1938, mas esses foram desbaratados rapidamente. Assim, pôde governar de maneira ditatorial até 1945 quando sofreria um golpe de Estado articulado pelo Exército e parte das forças conservadoras brasileiras.

Continue navegando