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Da independência à constituição de 1824 Na história constitucional do Brasil, estudaremos sobre cada uma das oito Constituições que já tivemos, sempre lembrando que essa história se confunde com os aspectos políticos da história do Brasil como um todo. De início, é válido deixar claro que nossas Constituições foram marcadas por características positivas e textos modernos, mas que, frequentemente, não tinham força normativa necessária para conformar a realidade política e social. Veremos como isso aconteceu em cada uma das Constituições! Importante, também, saber as datas que marcaram essas Constituições: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988. Quanto à Constituição de 1969, ela recebe também o nome de Carta de 1969, sendo outorgada pela Junta Militar por meio da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Apesar de ter sido introduzida na forma de Emenda, esse documento, como veremos, é considerado por muitos autores como uma verdadeira Constituição, por isso ela se enquadra aqui no nosso estudo. Nessa época, o Brasil ainda era colônia de Portugal e vivia um contexto em que, em 1808, devido à invasão napoleônica em diversos países da Europa, a família real portuguesa veio, em fuga, ao Brasil, unindo ambos os reinos. Esse momento propiciou um grande desenvolvimento econômico para o país, fazendo surgir uma elite propriamente brasileira. Em 1821, D. João VI retorna a Portugal, deixando seu filho, D. Pedro I, como Príncipe Regente do governo brasileiro. Esse retorno, contudo, foi marcado por uma grande tensão entre a elite ascendente brasileira e o poder emanado pela Coroa Portuguesa. Nessa situação, D. João requereu o retorno de D. Pedro I a Portugal, que o negou, permanecendo no Brasil e marcando o que ficou conhecido como o “Dia do Fico”. Todo esse contexto criou uma movimentação para a independência brasileira, que foi concretizada em 07 de setembro de 1822. Após a independência, D. Pedro I dá continuidade à dinastia dos Bragança, em um modelo de governo de Monarquia Absolutista. Por meio do Decreto de 3 de junho de 1822, ele convoca uma Assembleia Constituinte para elaborar a primeira Constituição brasileira, mas a dissolve cerca de sete meses depois, pois discordava do projeto elaborado por ela. Isso se deu, basicamente, porque os membros dessa Assembleia possuíam fortes ideais liberais, sobretudo em razão da Revolução Francesa e de todo o contexto revolucionário que marcava o Ocidente na época. Assim, evitando uma Constituição que restringisse seus poderes, D. Pedro I determinou a prisão de vários constituintes, também enviando para o exílio outros vários. Posteriormente, o monarca instituiu um Conselho de Estado para elaborar uma nova Constituição que cumprisse seus anseios (“digna de mim e do Brasil”). Esta Constituição foi outorgada em 25 de março de 1824. Tratava-se da Constituição Política do Império, a mais duradoura da história constitucional brasileira. Constituição de 1824 Essa Constituição foi marcada por um liberalismo conservador e um semiabsolutismo. Ou seja, ela imprimia aspectos liberais quanto aos direitos individuais e aspectos absolutistas, conservadores, quanto aos direitos políticos, seguindo o modelo do constitucionalismo europeu da época. Uma das marcas conservadoras se deu na figura do Poder Moderador. Falava-se, inclusive, em uma “Dinastia Imperante do Senhor D. Pedro I, Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil”. Quanto à organização do Estado, a Constituição previa o unitarismo, e não a forma federativa como temos hoje. Havia, portanto, um governo centralizado, e as antigas capitanias hereditárias foram convertidas em Províncias, e não em estados. Essas Províncias possuíam interventores nomeados pelo Imperador, motivo pelo qual elas não tinham qualquer autonomia. Ela também previa uma religião oficial, qual seja, a Religião Católica Apostólica Romana. As demais religiões eram permitidas com seu culto doméstico, sendo proibida a expressão destas de forma exteriorizada, nos termos do art. 5º da CPIB. https://trilhante.com.br/trilha/direito-constitucional/curso/historia-constitucional-do-brasil https://trilhante.com.br/trilha/direito-constitucional/curso/historia-constitucional-do-brasil A capital era o Rio de Janeiro, à época a cidade mais importante do Brasil. A grande marca dessa constituição é que existiam quatro poderes (divisão quadripartite): o Poder Executivo, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e o Poder Moderador. A definição do Poder Moderador pode ser encontrada no art. 98 da CPIB: Esse poder foi delegado privativamente ao próprio Imperador, sendo, na verdade, um verdadeiro poder absolutista, pois a ele era permitido mandar e desmandar em todas as outras esferas de poderes. O Imperador era incumbido de velar pela manutenção da independência e harmonia dos poderes, sendo sua pessoa inviolável e sagrada, não estando sujeita a responsabilidades políticas, administrativas, civis ou penais, nos termos do art. 98 e 99 da CPIB. Isso quer dizer, em outras palavras, que o Poder Moderador dava a D. Pedro a chance para ele fazer tudo o que quisesse. O voto era censitário (ou seja, só podia votar quem tinha dinheiro e outras posses), era indireto e restrito aos homens. O voto feminino, infelizmente, foi apenas permitido a partir de 1932. Essa Constituição também previa liberdades públicas sem, contudo, proibir a escravidão, demonstrando uma grande incongruência com a realidade brasileira. Apesar de proibir prisões arbitrárias, a Constituição também não previa o instrumento do Habeas Corpus. Tratava-se, ainda, de Constituição semirrígida. Enquanto uma Constituição rígida tem como característica um árduo e dificultoso processo para ser alterada, bem mais complexo do que o necessário para alterar leis ordinárias, a Constituição semirrígida, como o próprio nome denota, possui partes que demandam esse processo mais complexo e partes que o dispensam, bastando o mesmo procedimento observado para leis ordinárias. Assim, a Constituição de 1824 demandava formalidades mais complexas para alterar normas materialmente constitucionais (referentes aos limites e atribuições dos Poderes Políticos e aos direitos políticos e individuais), aceitando que, para alteração das demais normas, era possível se valer do procedimento legislativo ordinário (art. 174 a 178 da Constituição Política do Império do Brasil) (NOVELINO, 2020, p. 112). Nessa Constituição, também não havia cláusulas pétreas e não se falava em controle de constitucionalidade, embora essa ideia já existisse em outros países a esse tempo. Ocorreu o “parlamentarismo às avessas”, que era uma prática adotada para a composição do Conselho de Ministros, na qual o Presidente do Conselho, nomeado pelo Imperador, escolhia os demais membros, tendo em conta as forças políticas representadas na Câmara dos Deputados. Isso era contrário ao que a Constituição previa como correto. O Poder Legislativo era exercido pela Assembleia Geral, composta pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Os parlamentares eram invioláveis por suas opiniões proferidas no exercício da função (imunidade material) e não podiam ser presos, salvo em algumas situações (como por ordem da respectiva Casa ou em flagrante delito de crime com pena capital. Art. 5. A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo. Art. 10. Os Poderes Políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial. Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao Imperador, comoChefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos. Havia previsão de um extenso rol de direitos fundamentais individuais, como o direito à liberdade, privacidade e propriedade. As garantias individuais da época foram consagradas nos princípios da legalidade, não retroatividade, presunção de inocência, juiz natural e individualização da pena. Do império à proclamação da república e a constituição de 1891 O Primeiro Reinado, que ocorreu sob o governo de D. Pedro I, foi bem curto. Ele acabou em 1831, com sua abdicação, em razão de questões políticas pendentes em Portugal. Seu filho, D. Pedro II, permaneceu no Brasil e tinha apenas 5 anos à época, o que demandou que houvesse, até sua maioridade, o que chamamos de período de regência. Na verdade, o que houve foi uma Regência Trina, que governou o país até 1840. Contudo, o período de regência foi marcado por muitas tensões e insatisfações por parte das elites e do povo como um todo. Assim, visando à permanência do regime monarquista, o Partido Liberal colaborou para que houvesse o que ficou conhecido como Golpe da Maioridade, em 1841. Nesse golpe, D. Pedro II, com apenas 14 anos de idade, assumiu o Império e deu início ao II Reinado. Entretanto, a tranquilidade de D. Pedro II não durou muito tempo, porque o Segundo Reinado também foi marcado por várias tensões e insatisfações políticas. Houve muitas revoltas populares durante esse período do Império, bem como questões com as forças armadas, que, após a Guerra do Paraguai (1868), ficaram muito insatisfeitas com o tratamento dispensado pelo governo central aos militares. Um dos militares, inclusive, manifestou-se favorável à abolição da escravidão e foi punido por isso, gerando uma grande crise entre os militares e o poder do Império. A Igreja Católica também teve problemas com a Monarquia, pois passou a punir membros da maçonaria, organização fraterna que tinha membros presentes no governo. Assim, fala-se em um grande desgaste das bases do regime monárquico, valendo lembrar, também, que contribuíram para sua derrocada o envelhecimento de D. Pedro II, seu afastamento do novo cenário político que surgia, e o fortalecimento da aspiração federalista, além das já citadas crises com o clero e com as forças armadas. O estopim dessa tensão se deu com a abolição da escravatura, em 1888, que ocorreu tardiamente no Brasil, o último país do Ocidente a fazê-lo. Isso gerou um grande descontentamento da elite que se beneficiava do regime escravocrata. Logo após, em 15 de novembro 1889, chegou a derrocada definitiva da monarquia, promovida pelos militares sob o comando do Marechal Deodoro da Fonseca. Nesse golpe militar, que revocou a Carta Imperial pelo Decreto nº 1, proclamou-se a República Federativa dos Estados Unidos do Brasil. Constituição de 1891 Em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. O fato de ter sido promulgada, e não outorgada, denota que houve um processo democrático para sua produção. E isso realmente ocorreu! O Governo Provisório nomeou uma comissão de 5 membros (“Comissão dos Cinco”) para elaborar o Anteprojeto da Constituição, que foi, posteriormente, encaminhado a Rui Barbosa e repensado por ele, sob fortes influências do constitucionalismo estadunidense. Posteriormente, foi eleita a Assembleia Constituinte, responsável pela posterior promulgação da Constituição de 1891. Sua principal marca foi a introdução do federalismo no Brasil, por influência dos Estados Unidos (como o próprio nome da Constituição denuncia). Esse federalismo recebeu o nome de federalismo dualista, porque estabeleceu a separação equilibrada e estanque de competências enumeradas para a União e residuais para os Estados. As antigas Províncias foram transformadas em Estados com autonomia financeira, administrativa, legislativa e organizacional, ficando a intervenção federal restrita a pouquíssimas hipóteses. Os Municípios podiam tratar de assuntos que interessavam à localidade, apenas, mas não eram reconhecidos como entes federativos. Outra marca relevante foi a introdução do Presidencialismo como forma de governo para o Brasil, deixando para trás uma estrutura de governo monarquista. A capital continuou sendo no Rio de Janeiro, apesar de já haver, nesta Constituição, a previsão de construção de uma capital na região do Planalto Central, por influência norte-americana de capital diretamente à União, sem ser vinculada a nenhum Estado (como o Distrito Federal é hoje). Nessa Constituição, o Brasil deixou de adotar uma religião oficial, tornando-se um país laico, como é até hoje. Falava-se em um laicismo puro, ou seja, proibiu-se o ensino religioso nas escolas públicas, o casamento religioso não tinha mais efeitos civis, sendo vedadas subvenções oficiais e relações de dependência ou aliança com a igreja. A Constituição de 1891 também extinguiu o Poder Moderador, inspirando-se na teoria clássica de Montesquieu acerca da divisão de poderes entre o Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário, de forma harmônica e atuando de forma independente. O Poder Executivo era exercido pelo Presidente da República, escolhido diretamente pela maioria dos votos, possuindo mandato de quatro anos, sendo vedada a reeleição. O Poder Legislativo era exercido pelo Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal (bicameralismo federativo – “duas câmaras”). O Supremo Tribunal Federal foi criado como órgão de cúpula do Poder Judiciário. Tratava-se de uma Constituição rígida. Ou seja, para alterar qualquer de suas normas era necessário um procedimento mais complexo do que aquele previsto para alterar leis ordinárias. Sua reforma dependia de iniciativa de, pelo menos, um quarto dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional ou de dois terços das Assembleias Legislativas dos Estados. Para a emenda ser aprovada, era necessário o voto de dois terços dos membros das duas Casas do Congresso, mediante três discussões, e também não podiam ser admitidas como objeto de deliberação propostas de emenda tendentes a abolir a forma federativa, a República ou a igualdade de representação dos Estados no Senado. Nascia, portanto, o que conhecemos hoje como cláusulas pétreas. A Constituição de 1891 também previa uma carta de direitos e liberdades civis e políticas, concretizando direitos de primeira geração, ou seja, aqueles relacionados às liberdades individuais. Assim, foram abolidos os privilégios de nascimento, os foros de nobreza, os títulos nobiliárquicos e as ordens honoríficas, nos termos do art. 72, §2º da CREUB). Nessa linha, o habeas corpus foi previsto pela primeira vez, gerando o que ficou conhecido como a doutrina brasileira do habeas corpus, ou seja, servia para coibir qualquer ilegalidade ou abuso de poder, exercendo um papel muito mais amplo em relação ao habeas corpus como conhecemos hoje. Quanto aos direitos políticos, foi extinto o sufrágio censitário (por renda, lembra?), sendo que o direito de votar foi assegurado aos cidadãos maiores de 21 anos, com exceção dos mendigos, analfabetos, praças e religiosos sujeitos a voto de obediência, regra ou estatuto que importasse a renúncia da liberdade individual (art. 70 da CREUB). Em que pese não haver nenhuma restrição, a discriminação de gênero na época ainda estava latente e não se cogitava a possibilidade de voto feminino. República velha, revolução de 1930 e a constituição de 1934 De 1889 a 1930, instituiu-se um período conhecido como Primeira República ou República Velha, que foi marcado pela permanência das oligarquias rurais e de latifundiários no Poder. Nesse período, também ocorreu a Política do Café com Leite, que foi uma prática de revezamento de poder combinada entreos Estados de São Paulo e Minas Gerais. Ou seja, a cada mandato, o poder seria alternado entre um representante de cada Estado: São Paulo (café, sua principal mercadoria da época) e Minas Gerais (leite). Assim, por óbvio, houve várias fraudes eleitorais para que esse sistema se mantivesse. Esse sistema se perpetuou por algumas décadas, até que a Crise de 1929, também conhecida como a Quebra da Bolsa de Nova York, gerou reflexos negativos no Brasil, causando um forte descontentamento da burguesia e da classe operária. As questões sociais, então, começavam a ganhar cada vez mais força em razão das péssimas condições de trabalho que a Revolução Industrial impunha aos países do Ocidente. Todo esse contexto gerou um desacerto na Política do Café com Leite, culminando com a tentativa do presidente Washington Luís (paulista) colocar um outro paulista no poder (Júlio Prestes) no mandato seguinte, quebrando com o sistema do Café com Leite. Insatisfeito com a situação, o Estado de Minas Gerais, em coligação com o Rio Grande do Sul, indicou o gaúcho Getúlio Vargas para ocupar a presidência da República no mandato seguinte. Embora vencidos, causaram reboliço suficiente para que, posteriormente, uma junta militar tomasse o poder e o transferisse forçadamente a Getúlio Vargas, em processo que ficou conhecido como a Revolução de 1930 ou Revolução Vitoriosa. A partir de então, nasce um Governo Provisório, desprovido de Constituição. Em 1932, ocorre a chamada Revolução Constitucionalista, liderada por paulistas que buscavam uma nova Constituição para o país. Esse movimento foi militarmente derrotado, mas suas ideias permaneceram em discussão. Vale ressaltar que, em 1932, também nasceu a Justiça Eleitoral, foi permitido o voto feminino, secreto e direto, cujas bases foram alicerçadas na futura Constituição de 1934. Constituição de 1934 Esta Constituição teve uma duração curtíssima – apenas 3 anos – e foi influenciada pela Constituição de Weimar (1919), vigente na Alemanha, que introduziu em seu conteúdo os direitos sociais. Como vimos, em um primeiro momento, o constitucionalismo estava preocupado em consagrar um extensivo rol de direitos individuais de primeira geração, ou seja, relacionados à liberdade do indivíduo. Até então, as constituições garantiam a liberdade de locomoção, de pensamento, de associação, o direito à privacidade, ao sigilo das correspondências, e o direito à proteção da propriedade. Até então, exigia-se do Estado um posicionamento abstencionista, ou seja, o Estado deveria se abster de intervir na esfera privada, dando aos indivíduos as liberdades que desejavam. Contudo, a sociedade, a economia e o trabalho ganharam novas feições ao longo do tempo, sobretudo com a Revolução Industrial e com a Primeira Guerra Mundial, que deixaram milhares de pessoas desempregadas, sem acesso à educação, à saúde, à alimentação, dentre outros direitos sociais básicos. Assim, foram exigidas do Estado algumas atitudes prestacionais, positivas, e não mais abstencionistas. O Estado foi chamado a agir para evitar que essas desigualdades se perpetuassem. Portanto, essas novas constituições, a exemplo de Weimar (1919), começaram a integrar, no rol de direitos fundamentais, os direitos sociais que precisavam da tutela estatal, conhecidos também como os direitos de segunda dimensão. Um exemplo nítido dessa nova perspectiva é a consagração do direito à propriedade, sendo que este não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo. Nesse sentido, são reconhecidos os sindicatos e associações profissionais na forma da lei e um rol de direitos trabalhistas a serem observados. Também é determinada a gratuidade do ensino primário, com frequência obrigatória, e a tendência a gratuidade de ensino educativo ulteriores ao primário, com vistas a torná-lo mais acessível. Nas palavras de Marcelo Novelino: A Constituição de 1934 manteve a estrutura presidencialista, federalista e republicana. A divisão entre os poderes permaneceu tripartida, com ênfase para o fato de que nascia um bicameralismo desigual (considerado, por alguns autores, um verdadeiro unicameralismo), vez que o Senado exercia apenas um papel ilustrativo na tomada de decisões, permanecendo o poder, sobretudo, com a Câmara dos Deputados. O Poder Executivo era exercido pelo Presidente da República, auxiliado por seus Ministros de Estado. Quanto ao Poder Judiciário, seus integrantes possuíam vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, a fim de que pudesse bem desempenhar seu papel de julgar, isentos de tentações e parcialidades. A Constituição de 1934 consagrou a Justiça Eleitoral, criada dois anos antes pelo Governo Provisório, bem como delineou a atuação da Justiça do Trabalho, destinada a dirimir os conflitos entre empregados e empregadores. Também nasce a cláusula de reserva de plenário, que previa a necessidade de maioria absoluta de votos dos membros dos tribunais para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público. Esse tema é de suma relevância para o estudo do controle de constitucionalidade! A capital permaneceu no Rio de Janeiro e o Estado permaneceu laico, mas essa laicidade foi, de certa forma, mitigada, permitindo efeitos civis ao casamento religioso e o ensino religioso em escolas públicas, o que, até então, era vedado. Além disso, o termo “Deus” foi incluído no preâmbulo da Constituição, lá permanecendo até os dias de hoje, gerando polêmicas doutrinárias sobre a verdadeira laicidade do Estado. A Constituição de 1934 também era rígida, com procedimentos complexos para sua alteração. Ademais, No tocante à ideologia, rompeu com a tradição liberal até então existente ao instituir uma democracia social, inspirada na Constituição de Weimar, com a incorporação de normas relacionadas à ordem econômica e social. Contemplou um texto de caráter compromissório, conciliando normas liberais e intervencionistas. a forma republicana federativa foi elevada à categoria de cláusula pétrea. Quanto à declaração de direitos fundamentais, destaca- se a consagração do voto feminino, pela primeira vez, e do voto secreto, que, até então, era aberto e sujeito às pressões políticas dos latifundiários (o conhecido voto de cabresto). Tornando a Constituição mais analítica, diversas matérias de conteúdo não constitucional foram nela inseridas, como temas relacionados à ordem econômica e social, à família, educação, cultura e segurança nacional. Também nasce a previsão do mandado de segurança, servindo para a defesa de direitos “certos e incontestáveis” em casos de ameaça ou violação por ato inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade, e da ação popular, visando à declaração de nulidade ou anulação de atos lesivos ao patrimônio público (art. 113 e 114 da CREUB). Você sabe definir o que é uma constituição prolixa? A constituição prolixa, analítica ou regulamentar, é aquela que “consagra matérias estranhas ao direito constitucional ou contempla normas com regulamentações minuciosas, típicas da legislação ordinária” e são normalmente escritas. É possível perceber, portanto, que a Constituição de 1934 e as anteriores pertencem a essa classificação. No caso da Constituição de 1934, era composta por 187 artigos na parte permanente e 26 artigos na parte das Disposições Transitórias. O Estado Novo e a Constituição de 1937 O Presidente da República eleito após o Governo Provisório (1930-1932) foi Getúlio Vargas, cujo governo sofreu diversas influências do fascismo que se consolidava em países como Alemanha, Itália e Portugal. Getúlio, nesse contexto, aplicou no Brasil um modelo de governo com traços fascistas, principalmente quanto ao viés autoritário. Dois grandes partidos surgiram nesse momento: A Ação Integralista Brasileira e a Aliança Nacional Libertadora (ANL). O primeiro representava ideais fascistas e,o segundo, comunistas. Esses partidos se chocavam em vários momentos, inclusive em disputas de rua, demonstrando que a população cada vez mais se politizava e se organizava para defender seus ideais. Diante disso, Getúlio Vargas fechou a ANL, gerando uma grande revolta por parte dos comunistas, que culminou na conhecida Intentona Comunista (1935) ou Revolta Vermelha, um movimento liderado por Luís Carlos Prestes. Esse movimento foi derrubado pelo governo, mas gerou tensões e preocupações que levaram os governantes a pensar estratégias para cessar os anseios comunistas que surgiam, por meio de uma estrutura de governo mais autoritária ainda. Nasce, então, o Plano Cohen, que nada mais era do que uma farsa criada por um dos generais do próprio Getúlio Vargas, visando difundir a falsa ideia de que haveria um plano comunista para derrubar o governo e assumir o poder. Aproveitando-se do boato, Getúlio Vargas aplica um golpe de Estado, fecha o Congresso Nacional e se mantém no poder em 10 de novembro de 1937. Com isso, cessa a força da Constituição de 1934. Nas palavras de Marcelo Novelino: Após o Golpe, Getúlio Vargas outorgou a Constituição de 1937. Como visto, estava-se diante de um contexto político inflado por ideais fascistas e autoritários que acabaram por refletir no texto da Constituição, que recebeu o nome de “Constituição polaca”, em alusão à Constituição Polonesa de 1935. Foi escrita por Francisco Campos, um jurista da época que defendia preceitos ditatoriais. Assim, foi instaurada a ditadura do Estado Novo. Nessa Constituição, a estrutura federalista foi mantida, mas foi também enfraquecida, pois o governo central passou a enviar interventores para cada um dos Estados, que nomeavam os prefeitos dos Municípios. Também houve um enfraquecimento dos direitos fundamentais, com uso de instrumentos de censura, prisões políticas, penas de morte e restrições da liberdade de expressão. Os partidos políticos foram dissolvidos. Os direitos sociais foram mantidos, consagrando-se um novo e importante: o direito ao salário mínimo. Contudo, a greve foi proibida. O governo também podia Ante a proximidade da eleição presidencial, marcada para 1938, a crise institucional, a infiltração comunista e a suposta iminência de uma guerra civil foram usadas como justificativa para o Golpe comandado por Getúlio Vargas e a subsequente outorga da nova Carta. aposentar forçadamente seus funcionários (não havendo mais que se falar em estabilidade da função pública). O país se manteve laico, apesar da invocação da proteção de Deus em seu preâmbulo. O Poder Executivo era amplo e o Presidente era tido como autoridade suprema da nação, governando pela elaboração de Decretos-Leis. Com o Congresso Nacional fechado, a legislação brasileira se reduzia aos decretos elaborados pelo Presidente. Nessa época, inclusive, nasceram o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Consolidação das Leis Trabalhistas, que estão vigentes até hoje. Havia, então, um latente enfraquecimento do Poder Legislativo. O Poder Judiciário também sofreu baques com a ditadura, sobretudo pela possibilidade de o Presidente reverter declarações de inconstitucionalidade emanadas do Supremo Tribunal Federal, substituindo o trabalho do Congresso Nacional. Foram extintos os instrumentos do mandado de segurança e da ação popular, prevendo-se censura prévia, pena de morte para crimes políticos e para homicídio por motivo fútil ou com perversidade. Por fim, o art. 186 da Constituição de 1937 declarava o “estado de emergência”, que durou de 1937 a 1945. O reconhecimento desse Estado dava espaço para que o presidente agisse com extremo autoritarismo em qualquer âmbito da administração pública. Marcelo Novelino (2020, p. 124) assevera que: O governo do Estado Novo e a Constituição de 1946 Como foi possível notar, o Estado Novo se utilizou de um governo extremamente autoritário, valendo-se, inclusive, da tortura como forma de repressão de condutas indesejadas. Um grande marco desse viés autoritário foi a entrega de Olga Benário (judia, grávida, esposa de Luís Carlos Prestes) aos nazistas. Outra característica desse governo foi a nacionalização formal da economia, visando à construção de indústrias no país. Na época, foi criada a Vale do Rio Doce (hoje, privatizada). Dessa época remontam o Código Penal, o Código de Processo Penal e a CLT, pois a legislação da época era composta quase que exclusivamente por decretos-leis, vez que essa função estava concentrada nas mãos do Chefe de Estado Getúlio Vargas. No correr do Estado Novo, eclode a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e o Brasil vai à Itália para lutar contra os italianos que viviam sob o regime fascista de Benito Mussolini. Esse fato provoca, por óbvio, certa curiosidade, vez que essa atitude não reflete os ideais com que o Brasil era governado. Ao final da Segunda Guerra, com a queda dos governos autoritários na Europa, o Estado Novo perde legitimidade e entra em crise. Getúlio, percebendo movimentações contrárias a seu governo, convoca eleições para o ano de 1945. Nesse contexto, surge um movimento chamado Queremismo, que desejava que Getúlio Vargas permanecesse no poder. Contudo, esse movimento queremista acabou antecipando sua queda, ante o descontentamento dos militares, que o depuseram. Houve, então, as eleições, sendo eleito o General Eurico Gaspar Dutra como presidente da República. Posteriormente, com a Assembleia Constituinte, promulga-se democraticamente a nova Constituição em 18 de setembro de 1946. Essa Constituição retomou elementos liberais e sociais das constituições de 1891 e 1934, respectivamente, tornando-se uma Carta até hoje muito elogiada. Retoma-se também a República, o modelo federalista e o presidencialismo. O Brasil permanece um país laico, mantendo-se a menção a Deus no preâmbulo da Constituição, e a estrutura tripartite de poder recupera sua força, sendo vedado o exercício cumulativo e a delegação de funções. O Poder Legislativo se restaura em um bicameralismo igualitário, com poderes semelhantes para Câmara dos Deputados e Senado. O Poder Executivo era ocupado pelo Presidente da República, por meio de eleições diretas. Vale ressaltar que era possível votar separadamente para o cargo de presidente e para o cargo de vice-presidente, o que Até 1945, o país esteve sob estado de emergência, no qual suspensas diversas garantias constitucionais. Durante o período, os atos praticados pelo governo eram imunes ao controle jurisdicional. poderia gerar um governo de matizes ideológicas muito diferentes. O Poder Judiciário retoma sua situação de normalidade democrática, afirmando-se sua inafastabilidade para proteger direitos individuais (também conhecido como princípio do acesso à justiça). A este poder também é integrada a Justiça Trabalhista. Foram restabelecidos os partidos políticos, desde que seu programa ou ação não contrariassem o regime democrático. Restabelecem-se a ação popular, o mandado de segurança e a proteção à coisa julgada, ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido. Foi consagrado o direito de greve, reconhecido juntamente com a liberdade de associação sindical ou profissional. No âmbito dos direitos políticos, esta carta consagrou o sufrágio universal, o voto secreto, direto e obrigatório. Da democracia ao golpe militar de 1964 Após o governo de Gaspar Dutra, Getúlio Vargas retorna ao poder, eleito, em 1950. Tentando reimplantar algumas ideias nacionalistas, Getúlio sofreu diversas crises em seu governo, com ênfase para o atentado contra Carlos Lacerda, posteriormente sabido ter ocorrido a mando de um auxiliar do presidente. Isso aumentou seu descrédito frente a população e aos demais políticos, gerando uma pressão tão grande que culminou em seu suicídio, em 1954. Em 1955, foi eleito Juscelino Kubistchek (JK), empreendendoseu “Plano de Metas”, qual seja, alavancar o crescimento do Brasil que seria realizado em 50 anos para os próximos 5 anos (50 anos em 5). Seu governo também foi marcado pela construção de Brasília, inaugurada em 1960. Posteriormente, foi eleito o presidente Jânio Quadros, cujo governo durou apenas sete meses, findando-se com sua renúncia. Após, assume o governo João Goulart, figura que marca o início de um tenso clima político no Brasil. Como visto na aula anterior, era permitido que um presidente e um vice presidente integrassem partidos políticos diferentes, com visões ideológicas também diversas. Não demorou a que isso causasse problemas. No caso, Jânio Quadros pertencia a um partido de direita, e João Goulart pertencia a um partido de esquerda. Quando Jânio Quadros renuncia e um político de esquerda assume o poder, vários setores da sociedade assumem uma posição crítica e contrária ao seu governo. Após uma disputa política causada por esse entrave, houve um acordo pela adoção do modelo de governo parlamentar. O Chefe de Governo seria, na verdade, um conjunto de ministros. Assim, o parlamentarismo foi instituído com a Emenda Constitucional nº 4 de 1961, durante apenas 14 meses, e tendo como objetivo limitar os poderes e a atuação de João Goulart. Realizado um plebiscito para decidir sobre a manutenção do parlamentarismo ou o retorno ao presidencialismo, este último se consagrou vencedor e João Goulart começou a governar com mais poderes. Nesse contexto, implantou políticas favoráveis às pautas de esquerda, com o aprimoramento de direitos sociais, democratização social e reforma agrária, causando insatisfação por parte de vários setores: empresários, militares e a mídia. Isso culminou, em 1º de abril de 1964, no Golpe Militar que perdurou até 1985. Com o golpe, nascia o “Supremo Comando da Revolução” no poder. A Constituição de 1946 foi totalmente ignorada e o Brasil passou a ser governado por Atos Institucionais (AI). O AI nº 1, redigido por Francisco Campos – o mesmo jurista que redigiu a Constituição Polaca – decretou a ditadura no país e restringiu uma série de direitos. O AI nº 2 e 3, por sua vez, determinou que as eleições fossem indiretas para presidente e para governadores. O Congresso Nacional foi fechado em 1966, reaberto em 1967 apenas para “aprovar” (leia-se: pressionar a aprovação), com aparência de legitimidade, a Constituição de 1967. O Congresso Nacional não tinha qualquer autonomia nesse momento. Leia-se, nas palavras de Marcelo Novelino: A promulgação formal da Constituição do Brasil, que entrou em vigor no dia 15 de março de 1967, na realidade, apenas serviu para tentar encobrir um autêntico ato de outorga, uma vez que o Congresso Nacional, além de não poder substituir o projeto encaminhado pelo Executivo, teve sua legitimidade política afetada pelo afastamento dos parlamentares da oposição e por ter conduzido trabalhos sob a pressão dos militares. Constituição de 1967, A.I. 5 e "Constituição" de 1969 Como vimos, a Constituição de 1967, na verdade, foi outorgada, tendo apenas um aparência formal de promulgação. O texto “aprovado” refletia os valores de um grupo militar ideologicamente moderado de redemocratização do país, embora permeado por normas de características autoritárias. A Carta de 1967 previa a República e o Federalismo, mas com ampla concentração de poder na esfera federal, tornando o Brasil um Estado quase unitário e sendo esta sua característica mais marcante. A capital do país permanecia em Brasília, desde 1960, e o país mantinha-se laico, com a menção de “Deus” no preâmbulo. Havia uma tripartição de poderes, mas, na prática, o Executivo concentrava a maior parte das funções, o que reforçou o caráter autoritário dessa constituição. O Presidente era eleito indiretamente, pelo sufrágio do Colégio Militar, e governava por Decretos-leis, que eram aprovados e passavam a ter vigência com o mero decurso do prazo de 60 dias, a demonstrar o enfraquecimento dos Poderes Legislativo e Judiciário. A partir de 1968, iniciaram-se os Anos de Chumbo. Enquanto o primeiro período vivia uma “ditadura envergonhada”, “quieta”, o segundo período viveu uma ditadura escancarada, materializada por meio do AI nº 5, de 1968. Esse ato recrudesceu o regime, eliminou diversos direitos, inclusive o habeas corpus. Nesse ponto, o autoritarismo chegou ao seu nível máximo. No mesmo dia de sua outorga, o Congresso Nacional foi fechado. Havia a possibilidade de intervenção direta do governo nos Estados da federação. Houve cassação de mandatos, com perseguição política e suspensão de direitos políticos. Foram suspensas as garantias de vitaliciedade e inamovibilidade dos magistrados, e da estabilidade dos servidores públicos. O habeas copus ficou suspenso para crimes políticos e contra a segurança nacional. De acordo com o art. 11, previa-se a impossibilidade de apreciação judicial de todos os atos praticados em conformidade com o AI nº 5, o que, em outras palavras, significava dizer que ninguém poderia ser responsabilizado judicialmente por cumpri-lo. O Ato Institucional valia bem mais do que o Poder Judiciário. Nesse contexto, surgiu a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, cujo teor alterou substancialmente a ordem jurídica, desrespeitando as normas da Constituição de 1967. Esse contexto fez com que a doutrina compreendesse, não sem discussão, que esta emenda perfaz, na verdade, uma nova Constituição. A EC nº 1 foi baixada pela Junta Militar (composta por Ministros da Marinha, da Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar) em razão do afastamento, por problemas de saúde, do Presidente Costa e Silva. Sua principal atuação foi no sentido de manter em vigor o AI nº 5 e os demais atos baixados, elevando-os ao patamar “constitucional”. Nesse sentido, a EC nº 1 foi considerada uma manifestação de um novo poder constituinte originário. Da ditadura à democracia Após o início dos Anos de Chumbo, findo o governo de Costa e Silva, surge a figura de Médici, que governou o país de 1969 a 1974. Uma das primeiras medidas introduzidas por Médici foi o Ato Institucional n°5 (AI-5). Tal época ficou conhecida como um período ufanista, no qual o governo buscava alçar o Brasil a uma condição elogiável de evolução socioeconômica, fazendo-o por meio de propagandas audaciosas. Escondiam-se, contudo, as tragédias perpetradas pelas forças militares, as perseguições, os assassinatos, as censuras, dentre outras marcas tenebrosas da ditadura. Com a vitória brasileira na Copa do Mundo de 1970, Médici se valeu desse mérito para novamente enaltecer o próprio governo, inclusive levantando a famosa frase: “Brasil: ame-o ou deixo-o”. Vale ressaltar que o “deixe-o”, na verdade, não significava a simples opção por ir embora, mas o exílio, a perseguição. Tratava-se de uma verdadeira ameaça: andar na linha e abaixar a cabeça para o autoritarismo ou ser perseguido pelo governo. Após o Médici, vem o governo Geisel, de 1974 a 1979, em um momento em que a ditadura brasileira começa a perder força. O início de seu governo é marcado por uma crise econômica e pela alta taxa de inflação. Também se ressalta a Lei Falcão, editada para reduzir o tempo de propaganda política e, consequentemente, enfraquecer o partido de oposição (à época, o MDB). Esse período foi marcado também pelo Pacote de Abril, de 1977, o qual consistiu em medidas mais autoritárias inseridas na Constituição para enfraquecer a oposição. Essas medidas, porém, não surtiram efeitos, pois a crise política e econômica estava em seu nível máximo, e logo foram revogadas pelo Pacote de Junho de 1978. Esse pacote também extinguiu o AI nº 5 e cessou os Anos de Chumbo. Era o início do processo de redemocratização do Brasil. De 1979 a 1985, houve o Governo Figueiredo. Logo em 1979, editou-se a Lei da Anistia, que “perdoava” todos os crimes políticoscometidos de 1961 a 1979, sendo estes crimes tanto aqueles cometidos pela oposição quanto aqueles perpetrados pelo poder ditatorial. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal julgou esta lei recepcionada pela Constituição Federal de 1988, em decisão polêmica que levou o país a ser responsabilizado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, sob argumento de que esta lei serviu, na verdade, para proteger os ditadores de qualquer responsabilização pelas atrocidades que cometeram. Em 1979, também ocorre a reforma partidária para permitir o pluripartidarismo. A ARENA, que era o partido do governo, transformou-se em PDS, e o MDB transformou-se no PMDB, PP, PT e PTB. Em 1982, houve eleições diretas para Governador, o que representou um grande avanço. Em 1984, houve o famoso movimento das “Diretas Já”, exigindo eleições diretas para a presidência da República. As “Diretas Já” requeriam que fosse aprovada a emenda Dante de Oliveira, que instauraria as eleições diretas no país. Esta emenda, contudo, foi rejeitada. Apesar disso, em 15 de janeiro de 1985, por meio de eleições indiretas, foi eleito, finalmente, um civil – Tancredo Neves. Ainda que não tenha sido uma eleição direta, tratou-se de uma grande conquista, um momento de alívio. Tancredo Neves, entretanto, acabou falecendo antes mesmo de tomar posse, e quem assumiu seu posto foi José Sarney. Este, por sua vez, apesar de ser alinhado com os governos ditatoriais, tratava-se de um civil. Em 1985, a Emenda Constitucional de 26/85 convocou uma Assembleia Constituinte para elaboração de uma nova Constituição. Com ampla participação popular, de forma extremamente democrática, em 05/10/1988, foi promulgada a Constituição Federal de 1988, chamada por Ulysses Guimarães de “Constituição Cidadã”. A redemocratização do Brasil tinha ocorrido, enfim. Constituição Federal de 1988 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88 ou CF/88) foi promulgada após uma Assembleia Constituinte formada de maneira heterogênea, ou seja, composta por diversos matizes ideológicos, de diversos grupos, que conseguiram se conciliar e colocar em prática várias ideias. Isso gerou uma Constituição analítica e compromissória, ou seja, extensa, prolixa, e com as pautas mais diversas (eclética, portanto). O preâmbulo da Constituição prevê uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Trata-se, portanto, de uma constituição que abraça seu povo, recrimina preconceitos e vê na diversidade aspectos positivos. Seus princípios fundamentais foram mantidos: a República, o Federalismo e o Presidencialismo. Houve, inclusive, um plebiscito, realizado em 1993 (de acordo com o art. 2º do ADCT), cuja função era verificar o desejo da população sobre a manutenção da república e do presidencialismo ou a adoção de uma monarquia parlamentarista, vencendo os primeiros. Estados e Municípios tiveram sua autonomia ampliada, consagrando uma federação legítima. A capital se manteve em Brasília. O país se manteve laico, permanecendo a previsão da “proteção de Deus” no preâmbulo da Constituição. Mantém-se a repartição clássica de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário, atuando sob a égide da ideologia de freios e contrapesos, de forma independente e harmônica. O Poder Legislativo permanece bicameral, com poderes igualitários, divididos entre Câmara dos Deputados e Senado Federal. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, eleito juntamente com seu Vice- Presidente, e auxiliado pelos Ministros de Estado. Vale ressaltar que a Emenda Constitucional de 1997 permitiu a reeleição. Houve também a previsão da Medida Provisória como instrumento legislativo a ser utilizado pelo Presidente da República, em casos de urgência e relevância, necessitando de posterior aprovação pelo Congresso Nacional. Quanto ao Poder Judiciário, é criado o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Assim, o STF passou a cuidar de questões constitucionais e o STJ de questões infraconstitucionais. O Poder Judiciário passou, então, a ser composto pelo STF, pelo STJ, Tribunais e Conselho Nacional de Justiça – CNJ (criado apenas em 2004, pela EC 45). A CF/88 também ampliou o rol de legitimados ativos para a proposição de Ação Direta de Inconstitucionalidade, nos termos do art. 103, para além da figura do Procurador Geral da República. Houve também uma ampla declaração de direitos, logo nos seus primeiros artigos, a demonstrar sua importância. E não apenas direitos foram consagrados, mas também instrumentos para efetuá-los, como: o princípio do acesso à justiça (inafastabilidade da jurisdição), o mandado de segurança coletivo, o habeas data¸ os direitos e deveres relativos ao meio ambiente, a ação civil pública e a Defensoria Pública como órgão autônomo e permanente para exercer a tutela dos direitos dos hipossuficientes. A CF/88 pode ser classificada como rígida, exigindo procedimento mais complexo para alteração de suas normas. Propostas de emendas constitucionais devem ser discutidas e votadas em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros, nos termos do art. 60, §2º da CF/88. Também foram previstas cláusulas pétreas, vez que a CF/88 não permite que sejam objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais (art. 60, §4º, CF/88). Esta Constituição já possui várias emendas (mais de cem) em pouco mais de 30 anos de vigência. Isso porque a Constituição de 1988 é prolixa, prevendo vários detalhes que podem (e devem) ser ajustados. Isso facilita que a Constituição torne-se mais adaptável e harmônica conforme o passar do tempo, e receba influências do país que rege, de forma que consiga, cada vez mais, conformar sua realidade.
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