Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL GRUPO DE PESQUISA FUNDAMENTOS DO PROCESSO CIVIL CONTEMPORÂNEO O CASO MENDOZA VITÓRIA 2018 Resumo: Analisar o remédio estrutural ditado pela Corte Suprema de Justiça da Nação (CSJN) na causa “Mendoza” e apresentar algumas dificuldades processuais surgidas nos primeiros três anos do processo de sua implementação, bem como o modo que a CSJN as resolveu. I. Contexto O caso “Mendoza” representa a judicialização de um problema ambiental e social com raízes em começo do século XIX. Citando o autor Carlos Spirito, Verbic aponta que desde tal época a contaminação do rio era evidente (p.4). Apresenta então (p.5) diversos dados acerca do “Mendoza” e a população que vive às suas margens. Cita também a tentativa do governo de solucionar o problema, notadamente com a criação do “Comité Ejecutor del Plan de Gestión Ambiental y de Manejo de la Cuenca Hidrica Matanza Riachuelo”, em 1995, cuja representação era formada pelos três Estados que posteriormente foram demandados no caso Mendoza. Tal comitê é considerado como o antecedente direto da Autoridad de Cuenca Matanza-RIachuelo (ACUMAR) criada pela Lei nº 26.128, 5 meses após a primeira sentença do caso Mendoza. I.1 - Antecedentes da decisão de 20.06.06 (p.6, tópico II.2) A demanda em questão foi iniciada por um grupo de pessoas que viviam na zona contaminada, com competência originária da CSJN, movida contra o Estado Nacional, a Província de Buenos Aires, a Cidade Autônoma de Buenos Aires e quarenta e quatro empresas atuantes na região. Dentro os pedidos, destacam-se: 1) Reparação dos danos e prejuízos ambientais de tipo coletivo oriundos da contaminação; 2) Criação de um fundo público para reparar os danos individuais homogêneos; O primeiro julgamento formulou uma distinção de dois tipos de pretensões incorporadas à demanda, considerando inadmissível que se acumulassem. A CSJN considerou como competência originária sua somente a reparação dos danos coletivos, por força da Ley General del Ambiente Nº 25.675. Os direitos individuais das pessoas afetadas deviam ser pleiteados na jurisdição local e em conformidade com as normas do direito processual individual (p.6). I.2 - A decisão de 20.06.06 (sentencia de fondo): Considerando não possuir informações suficientes, a Corte, “assumindo um papel ativo poucas vezes visto antes (se é que visto alguma vez)”(p.7), não julgou improcedente a demanda, mas sim resolveu tomar uma série de medidas instrutórias e ordenatórias. Das decisões instrutórias, destacam-se: 1) Ordem para que as empresas demandadas produzissem relatórios sobre os aspectos relacionados ao caso; 2) Requerimento aos três Estados demandados e ao COFEMA (Consejo Federal de Medio Ambiente) para apresentar um plano para resolver o conflito; 3) Agendamento de uma Audiência Pública; 4) Concessão à parte autora para melhorar sua demanda com base nas novas informações que viriam. I.3 - A decisão de 30.08.06: Dois meses depois da primeira sentença, a CSJN emitiu nova decisão para resolver os pedidos de “intervenção de terceiros” (explicado posteriormente) e criou um regramento especial para a 1 Audiência Pública que estava por vir, nos seguintes termos: 1) Que pretende obter, das empresas, informações de caráter público relativas às medidas concretas de prevenção e reparação dos danos coletivos; 2) Que seriam obrigadas as partes demandadas à apresentar, antes da audiẽncia, as informações de forma escrita; 3) Dentre outros termos (p.8). Sobre a “intervenção de terceiros” (p.9): após vários pedidos de intervenção de terceiros - rechaçados porque “infringiriam no alcance preciso subjetivo dos autores” - a Corte reconheceu quatro novas associações para participação como terceiros interventores. Em 20.03.07, a Corte recebeu mais pedidos de intervenções (p.10). Nesta ocasião, uma nova associação civil e mais 77 pessoas afetadas buscavam participar do processo. Apesar de incorporadas ao processo, a decisão da Corte, por maioria, foi de que nenhuma outra intervenção seria aceita. O voto vencido, na verdade, pugnava pela improcedência completa das novas participações. Por fim, também foram incorporados mais 14 municípios no polo passivo, uma vez permitido a “emenda” por parte do polo ativo, nos termos do art. 331 do “Código Procesal Civil y Comercial de la Nación”. A demanda restou assim configurada: 1) 91 indivíduos 2) Defensor del Pueblo de la Nación 3) 5 associações civis 1) 44 empresas 2) Estado Nacional 3) Província de Argentina 4) Cidade Autônoma de Buenos Aires 1 A tradução “intervenção de terceiros” não parece corresponder ao mesmo instituto no Brasil. Trata-se de uma ingressão no polo ativo. Talvez seja o caso de assistente litisconsorcial. 5) 14 outros municípios I.4 - Criação da ACUMAR: A ACUMAR é um organismo “interjurisdicional” de direito público criado pouco menos de 5 meses depois da sentença de funda (20.06.06). É composto por 8 membros: dois da Província de Buenos AIres; dois da Cidade Autônoma de Buenos Aires, três do Estado Nacional e o presidente da “Secretaría de Ambiente y Desarrollo Sustentable”. Ela deveria regular, controlar e fomentar atividades industriais, a prestação de serviços públicos e qualquer outra atividade com incidência ambiental na bacia. Contava também com apoio do “Consejo Municipal” (um integrante de cada município demandado) e da Comisión de Participación Social (representantes do terceiro setor - iniciativa privada). Conforme será tratado adiante, a ACUMAR foi, enfim, também condenada pela CSJN. II. A “sentencia de fondo” e o remédio estrutural (p.11) A decisão resolveu o mérito somente de uma das pretensões promovidas pela parte autora, qual seja, a reparação dos danos coletivos ambientais e a prevenção de novos danos. II.1 - Principais características da sentença de condenação. Por meio da decisão, condenou-se a ACUMAR, o Estado Nacional, a Cidade e a Província de Buenos Aires para que fossem tomadas medidas com a finalidade de recompor o meio ambiente e evitar que se produzissem novos danos. A sentença e tais medidas são consideradas, segundo a própria Corte (p.12), como parte de um “mandado de cumprimento obrigatório para os demandados”, cujo conteúdo específico foi delineado pelo próprio tribunal. O Autor destaca que a Corte invocou a Constituição Nacional e a Lei Geral do Meio AMbiente, porém não citou e nem especificou os princípios e as diretrizes oriundas desses diplomas. Tampouco citou jurisprudências ou alguma referência. Porém, o Autor destaca que a decisão em muito se assemelha às “structural injunctions do sistema estadunidense (Verbic, 2008)” (p.12). O conteúdo desse mandado foi estritamente delimitado pela Corte. Que sublinhou que a decisão se orienta para o futuro e fixa critérios gerais para cumprir com a pretensão. Neste ponto, destaca o Autor,pode-se notar uma manifesta auto restrição da CSJN que buscou evitar um avanço indevido sobre a esfera de atuação dos outros poderes (p.13). Por isso, o mandado deixou nas mãos dos demandados a “eleição das ações concretas que foram necessárias para cumprir os objetivos ali traçados” (p.13). O mandado foi considerado como um “programa”. Entre o conteúdo desse “programa”, destacam-se: 1) Três objetivos simultâneos a cumprir, consistentes em melhorar a qualidade de vida dos habitantes da bacia, a recomposição da bacia e a prevenção de danos futuros; 2) A obrigação de organizar um sistema de informação pública digital para o público geral, de modo claro e acessível na internet; 3) A obrigação de inspecionar as empresas; 4) Dentre outras medidas (p.13, 14 e 15). II.1 - A delegação da execução à Justiça Federal de Quilmes III. IV. V. Fichamento Título do artigo EJECUCION DE SENTENCIAS EN LITIGIOS DE REFORMA ESTRUCTURAL EN LA REPÚBLICA ARGENTINA: Dificultades políticas y procedimentales que nciden sobre la eficacia de estas decisiones Autor Francisco Verbic 1) O autor inicia o texto apresentando as duas questões que condicionam a efetividade das decisões em "litígios de reforma estrutural", aqueles relativos a processos judiciais que "versam sobre questões estreitamente relacionadas a diferentes tipos de políticas públicas e resultam na imposição de ordens complexas, tanto em termos de definição de seus contornos como em termos de sua execução". A primeira condicionante é a "dificuldade política", referente a suposta interferência que o cumprimento dessas decisões "supõe em relação aos poderes discricionários dos outros ramos do governo". Já a segunda condicionante, a "dificuldade processual", diz respeito à "ausência de regulamentações adequadas para se trabalhar em juízo com disputas coletivas que exigem esse tipo de remédio para sua resolução adequada". Ao longo do texto, dois casos que servem como exemplos desse tipo de processo, da decisão que dele resulta e dessas duas dificuldades que condicionam sua efetividade, são tomados como ponto de referência, tanto para a análise do alcance dessas questões como para a apresentação de alternativas que visam contorná-las. Por meio dessa análise, o autor analisa e postula: (1) que o Poder Judiciário possui legitimidade democrática para proferir decisões de reforma estrutural e (2) que há a urgente necessidade de criação de regras adequadas sobre esse tema, para que tais decisões sejam eficazes e possam produzir resultados concretos para aqueles que se beneficiam delas. 2) "A denominação 'estrutural' das sentenças proferidas nesses processos vem dada pelo fato de que, através deles, os tribunais de justiça estão envolvidos na gestão de estruturas burocráticas e assumem certo nível de supervisão sobre políticas e práticas institucionais de vários tipos. (...) neste tipo de decisão, os juízes não fixam analiticamente e com antecedência todas e cada uma das atividades que devem ser realizadas pelo requerido para satisfazer a pretensão do demandante reconhecida na decisão. Em vez disso, o que eles geralmente fazem é indicar os resultados que a execução deve produzir e, em qualquer caso, estabelecer os critérios gerais que devem ser respeitados 'al efecto'(?)." Neste tópico, Verbic classifica o processo estrutural como espécie do gênero dos processos coletivos, diferenciando-o dos processos coletivos "comuns" pela característica da ordem contida em sua decisão. O que o diferencia dos demais, então, "não é apenas o fato de que seu objeto envolve a necessidade de discussão de certas políticas públicas, mas especialmente (...) o tipo de comando que resulta desse tipo de litígio. Isto é, o tipo de remédio que o Poder Judiciário deve estabelecer e implementar para resolver o caso" . 3) Em relação a "dificuldade política", escreve: " o limite dos poderes de atuação do Poder Judiciário frente à administração pública configura (...) uma das dificuldades que afetam diretamente a execução de sentenças coletivas de tipo estrutural. Trata-se de uma dificuldade que chamo de "política" e que entendo que deve ser analisada a partir de duas premissas. A primeira é o lugar ocupado pelos processos coletivos no contexto da dinâmica do poder estatal. A segunda, estreitamente relacionada com a anterior, é a legitimidade democrática que o Poder Judiciário tem para atuar nesse campo (ainda que seus membros não sejam eleitos pelo voto popular)." Os próprios litígios coletivos já carregam em si características peculiares, por envolverem muitas pessoas e possuírem natureza "policêntrica", impactando, por isso, muitos setores da sociedade. Além disso, as decisões envolvendo litígios coletivos tomadas em sede judicial também possuem características bem peculiares em relação às decisões coletivas tomadas no âmbito dos outros poderes estatais, já que: (i) "(...) são o resultado de uma discussão desenvolvida com base em regras formais de debate que colocam as partes numa situação de igualdade; (ii) (...) devem necessariamente ser fundadas em direito e não podem ser justificadas por opções políticas; e (iii) (...) são imutáveis em virtude do status de coisa julgada dos efeitos das sentenças". Desse modo, é fácil compreender as discussões sobre legitimidade política e os limites de atuação do poder judiciário que os processos estruturais geram, uma vez que, além de carregarem todas essas peculiaridades e características inerentes aos processos coletivos, "envolvem reivindicações que buscam controlar o escopo ou a implementação de certas políticas públicas que violam os direitos de cidadãos", sendo que esse controle pode impor "o cumprimento de comandos complexos e contínuos ao longo do tempo". O autor ainda levanta outra questão importante neste tópico, comentando o descompasso que há entre o direito constitucional, que reconheceu importantes garantias para a tutela de direitos coletivos, e a produção legislativa na Argentina, que não acompanhou a mesma evolução: "Se a falta de regulamentação adequada sobre o assunto é um problema sério no âmbito de processos coletivos "comuns" (...), ela configura problema muito mais crítico quando a alegação promovida pelo legitimado coletivo leva ínsita a necessidade de que o Poder Judiciário se envolva na atuação e na gestão da administração pública através de ordens de reforma estrutural." Verbic afirma que é justamente a inadequação do processo civil tradicional para a resolução de litígios coletivos a responsável pela produção de decisões consideradas sem legitimidade democrática. Esse problema, porém, não deve afastar a legitimidade constitucional que o Poder Judiciário tem para atuar no campo dos conflitos coletivos. Por fim, a respeito da "dificuldade política", conclui que: "O principal desafio que temos pela frente para minimizar a dificuldade política na implementação das decisões de reforma estrutural, na minha opinião, estáem melhorar o sistema através da geração de mecanismos que otimizem o diálogo entre as diferentes funções do governo e permitam a implementação de decisões com maior grau de discussão prévia, publicidade, participação, transparência e consenso. Isso é necessário em qualquer tipo de processo coletivo, mas principalmente em litígios de reforma estrutural, levando-se em conta a complexidade das decisões tomadas e o impacto destas sobre relevantes políticas públicas (já por si mesmas complexas para definir e implementar)." 4) Neste ponto, aborda o problema da ausência de regulamentação adequada que os juízes devem superar para produzirem uma sentença coletiva e estrutural efetiva. Cita como exemplo a atuação da CSJN (Corte Suprema de Justicia de la Nación Argentina) na resolução dos casos "Mendoza" e "Verbitsky". A fim de avançar na implementação da sentença, a Corte "decidiu usar certos mecanismos e ferramentas de condenação que poucos antecedentes encontram no âmbito tradicional dos processos individuais, e mesmo em relação a outros tipos de processos coletivos" . A inovação "neste campo não só responde à ausência de regras positivas, mas também a duas características das sentenças de reforma estrutural já mencionadas: (i) a complexidade que assumem as ordens contidas nelas; e (ii) a continuidade no tempo que sua execução supõe". "Entre os mecanismos concebidos pela CSJN em "Mendoza" e "Verbitsky" para alcançar uma sentença efetiva destacam-se a delegação de execução em um tribunal de primeira instância, o estabelecimento de comitês de controle e supervisão com participação do terceiro setor e dos cidadãos, a intervenção de organismos públicos específicos para controlar aspectos técnico-orçamentários da execução e a criação de grupos de trabalho para avançar em soluções consensuais." 5) Por fim, Verbic conclui, então, que: (i) "A resolução de conflitos coletivos que resultam numa sentença de reforma estrutural, bem como o estabelecimento de mecanismos adequados e idôneos para atingir sua efetividade, constituem uma verdadeira e própria obrigação do Poder Judiciário sempre que o assunto é apresentado perante seus tribunais na forma de 'causa ou controvérsia (coletiva)'." (ii) "a atuação do Poder Judiciário na resolução de conflitos coletivos de reforma estrutural não resulta, de modo algum, em um avanço impróprio na atuação dos outros órgãos estatais. (...) o Judiciário é um poder do Estado tão democrático quanto o Executivo ou o Legislativo, apesar de sua legitimidade não se derivar do voto popular. Não haverá invasão enquanto os juízes exercerem com responsabilidade sua tarefa e se limitarem a atuar dentro do âmbito dos poderes que lhe foram constitucionalmente atribuídos (self restraint). Por outro lado, o abuso ocorrerá se exceder esse limite e se tentarem ditar leis gerais e abstratas ou arrogarem competências em assuntos administrativos que não lhe dizem respeito." (iii) "(...) a CSJN conseguiu ultrapassar (...) as dificuldades políticas e processuais que lhe foram apresentadas na implementação das sentenças de reforma estrutural proferidas em 'Mendoza' e 'Verbitsky' . Para esse fim, redefiniu certos mecanismos processuais e criou outros extremamente novos. Sua ação neste campo, sem dúvida, pode servir de guia para diferentes magistrados de instâncias inferiores que devem avançar no processo de implementação de ordens estruturais."
Compartilhar