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Resenha Admiravel mundo novo

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Universidade Federal De Juiz de Fora
Faculdade de Direito
Admirável Mundo Novo
Resenha apresentada à Prof. Cláudia Toledo e ao Tutor Renato por Marcos Henrique Cenachi, Matheus Marum Barbosa, Fernando Fonseca Boaventura, alunos do segundo período do curso de Direito Noturno da Universidade Federal de Juiz de Fora, como parte dos requisitos necessários à aprovação na disciplina Introdução ao Estudo do Direito.
Juiz de Fora
03 de setembro de 2017
	O romance intitulado “Admirável Mundo Novo”, publicado em 1932 e redigido pelo escrito inglês Aldous Huxley, trata-se da exposição e problematização, por meio de uma projeção futurística distopica, de uma série de valores e características sociais quem emergiam, inegavelmente, na Europa ao fim da Primeira Guerra Mundial e após a expansão abrupta dos modelos de produção em massa, notadamente, do fordismo. Dessa forma, é imprescindível ressaltar às inúmeras possibilidades de inter-relação entre os estigmas da sociedade retratada pelo autor com os das sociedades modernas, bem como entre as formas de poder das instituições da obra com as hodiernas, especialmente, do Estado, de modo que se faz necessária a atuação do Direito, enquanto ciência, como forma de regular, limitar e prescrever, até certo ponto, tal relação.
	De saída, a obra apresenta as bases fundamentais do Admirável Mundo Novo, perpassando pelo laboratório, cuja organização se assemelha nitidamente às organizações das linhas de produção fordistas, responsável por regular toda a reprodução humana. Visando permitir a todos os indivíduos o acesso à felicidade, o fim das desigualdades, tanto quanto o das mazelas sociais relativas às diferenciações dos indivíduos, instaurou-se um modelo de sociedade que objetiva subjugar toda a individualidade dos cidadãos em detrimento da coletividade, de modo que, desde antes do nascimento, há um controle, por parte do Estado, das características físicas e intelectuais dos indivíduos, bem como uma designação de funções relativas à casta que lhes fora indicada – a saber, hierarquicamente: alfas, betas, gamas, épsilons -. Para tanto, os laboratórios sobreditos atuam deliberadamente sobre os fetos produzidos artificialmente, sujeitando-os à diferentes condições que influenciarão o desenvolvimento dos mesmos, de modo a adequar, da melhor maneira possível, as características fenotípicas que futuramente se apresentarão às designações sociais relativas a casta que pertencem.
	Vale ressaltar, ainda, as alusões feitas, nesse trecho, ao médico austríaco Sigmund Freud. No viés positivista que a distopia in locus se atêm a valorizar, as novas possibilidades de compreensão da mente, bem como dos seus reflexos nas atitudes humanas se tornam passíveis de análise segundo critérios exclusivamente científicos. A ideia freudiana da existência de um “Superego” é, notoriamente, abordada na sequência narrativa do enredo, visto que, para além das designações pré-natais, aborda-se o fato de os indivíduos, desde a infância, terem sua individualidade suplantada por uma série de ensinamentos propedêuticos durante o sono, os quais, com o passar dos anos, vão se tornando mais complexos, e têm como função principal transmitir ideias coletivistas que cerceiem as vontades e os impulsos particulares, visando permitir uma vida social harmônica. Nas concepções de Freud, esse papel, nas sociedades de seu tempo, eram designados aos pais – inexistentes no Mundo Novo, e, portanto, substituídos pelos aforismos frequentes -, cujos ensinamentos resultavam, num primeiro momento, na formação do superego, incumbido de atuar como juiz moral de toda ação realizada, confrontando, frequentemente, os impulsos advindos do “Id”.
	Nada obstante, a temática da sexualidade recorrente na literatura freudiana é amplamente abordada durante a obra, sendo possível sintetizar as relações interpessoais realizadas por um dos aforismos mais assíduo nos diálogos do romance: “cada um pertence a todos”. Mediante a implantação de uma série de exercícios malthusianos – vale enfatizar, nesse ponto, a alusão às teorias catastróficas de explosão demográficas corrente no início do século XX e defendidas por Thomas Malthus -, responsáveis por garantir que as atividades sexuais não resultassem na reprodução, há demasiado incentivo à realização de atividades sexuais, tanto quanto dissemina-se o repúdio pelo estabelecimento de qualquer vínculo afetivo, principalmente de relações monogâmicas. Entretanto, essa tensão sexual não tem relação com o erotismo, visto que o sexo é higienizado em excesso, estritamente físico e não é dotado de qualquer função pessoal, mas sim, social, correspondendo a parte do papel intrínseco que cada cidadão deve realizar na sociedade norteado pelos valores eudemônicos que o condicionam. 
	Outra frase de ensino propedêutico que merece relevância é: “Quanto mais se remenda, menos se aproveita”. Visando a perpetuação de uma economia sólida e dinâmica, o consumo de serviços e bens é estimulado de maneira plural e incessante, de tal forma que os ideais do Fordismo são tidos como religião e Ford como um Deus. Todavia, há ainda outra significação para a sentença, possivelmente, ainda mais importante, de maneira que a mesma corrobora ao ideal de cisão completa com o passado, tornando obsoletas todas as obras de caráter literário, científico ou religioso que contivessem quaisquer tipos de afirmações de caráter sentimental ou essencialmente opinativo, do mesmo modo que impossibilitava a referência à acontecimentos passados, considerados antissociais e de mau gosto. Há uma nítida limitação de toda manifestação artística, as quais são desenvolvidas por engenheiros em emoção e dotadas, exclusivamente, de sequências lógicas, livres de manifestações sentimentais, de fato.
	Doravante, emerge na narrativa a figura do personagem principal: Bernard Marx. Marx é um psicólogo alfa-mais, teoricamente o mais privilegiado na escala hierárquica do Admirável Mundo Novo, mas que, por alguma razão, apresenta uma disparidade física – reitera-se aqui o fato de os únicos fatores responsáveis pela formação de um “eu” distinto dos demais, na obra, são as características físicas e a posição na escala social -, a qual torna-o frequentemente deslocado em relação ao restante dos membros de seu grupo social. Dessa forma, gradativamente, ainda que sujeito a todas as formas de controle sobreditas, Marx passa a desenvolver sua individualidade, percebendo as limitações que lhe são impostas pelas designações do Estado. Sua crescente individualidade culmina, evidentemente, na interrupção do uso contínuo da Soma. Ainda que amplamente concatenada e bem estruturada, todas as previsões do Estado aqui focalizado não eram suficientes para impedir completamente as causalidades e eventuais tragicidades da vida, de modo que a Soma, droga sintética, atuava como forma de combate a esses momentos, assim como aos possíveis questionamentos de teor sentimental, atendendo, portanto, aos anseios hedonistas, propiciando a fuga da dor e a busca do prazer. Outrossim, passa a estabelecer certo vínculo afetivo com Lenina Crowne, desempenhando tentativas malsucedidas de vivenciar momentos que fossem além da conjunção estritamente carnal. 
	Nesse diapasão, Marx é designado para realizar um trabalho em Malpaís, levando, consigo, Lenina. A despeito de todas as rígidas diretrizes das civilizações modernas, Malpaís é uma reserva indígena que ainda funciona – ainda que frequentemente coagida por gases tóxicos lançados por helicópteros e restrita à dado local – segundo os moldes das sociedades europeias antigas, baseadas na valorização da individualidade, da monogamia, do cristianismo e das instituições familiares, e assim, por conseguinte, repleta de desigualdades sociais, pobreza e doenças. Todavia, Marx fica estupefato com as vívidas manifestações emotivas da música e performances ali representadas, bem como pela forma como os mesmos lidavam com o sofrimento, encarando-o ativamente a despeito do uso de entorpecentes.Nesse contexto, emerge a figura de um selvagem em especial: John. Ainda que tendo nascido em Malpaís, John é filho de uma beta-menos – Linda - que envergonhada pela gravidez e ainda presa aos valores eudemônicos que lhe foram passados, refugiou-se na reserva, abrindo mão do convívio em meio aos civilizados. Todavia, ainda que distante, Linda não conseguia assimilar o novo arcabouço valorativo que regia a vida na reserva, de modo que era exageradamente condenada e marginalizada entre os selvagens. John, portanto, cresceu alheio à uma figura materna presente e carinhosa, como comum entre seus conterrâneos, mas obteve acesso, por sua mãe, à inúmeras informações do mundo civilizado, em especial, o acesso à capacidade de ler e às obras de Shakespeare, de maneira que, emergiu como indivíduo ímpar, incompatível, em diversos aspectos, com as duas sociedades existentes. 
	É imprescindível retomar, aqui, a crítica que o próprio autor tece em relação a sua obra no prefácio: há demasiado reducionismo na concepção dicotômica que é estabelecida entre as duas sociedades, cuja ocorrência, na prática, se daria, inegavelmente, de maneira mais complexa e plural. Contudo, a análise das sociedades no limite, brilhantemente desenvolvida pelo romancista, é, ainda assim, válida, servindo de alerta para a insustentabilidade de concepções reducionistas, bem como de excessos de poder por parte do Estado – Admirável Mundo Novo – ou da escassez de poder por parte dele – Malpaís.
	Nessa vereda, deve-se considerar o Direito como indispensável, de forma que, nas sociedades hodiernas, deve assumir papel dual, atuando simultaneamente de maneira ativa e passiva. Admite-se, para tanto, a existência não só do conjunto de normas positivadas por processos jurídicos, mas, principalmente, a existência de um complexo mundo da vida (Ethos), no qual as consciências morais e jurídicas (destaca-se aqui a indispensabilidade da “Vontade de Constituição” destacada por Hessen), construídas a partir de incessantes processos relacionais ao longo da história de determinada sociedade, produzem juízos acerca das diversas ações e formas de organização. Nessa toada, uma vez que as normas jurídicas visam cumprir com seu princípio de eficácia, é fundamental que não se desenvolvam de maneira retórica, tão pouco que se estabeleçam com intransigência mediante os nuances axiológicos, devendo, portanto, lograr de processos dialéticos, permitindo assim uma correspondência entre o arcabouço valorativo da sociedade em questão com àqueles salvaguardados pelas previsões jurídicas. Todavia, para além de tal correspondência deve-se atentar para o caráter prescritivo do Direito, tratando, doravante, não apenas do Ser (coisas como são), mas, também, do dever-ser, atuando, dessa forma, ativamente. 
 	Nesse diapasão revela-se, nitidamente, um aparente paradoxo: Como garantir a previsibilidade do Estado, prezar pela força normativa da Constituição e ainda assim evitar ao máximo as incongruências com as alterações no Ethos, cuja ocorrência se dá incessantemente?
	A solução é, notavelmente, o estabelecimento de uma série de pressupostos essenciais, entre os quais se destaca a interpretação. De forma sintética, cumpre ressaltar que o conjunto desses pressupostos se dá pela concatenação, em um sistema racional, de leis generalistas e minimalistas, que norteiem axiologicamente as possíveis significações dadas às normas positivadas, tratando exclusivamente do âmbito teórico, às quais, sujeitas às frequentes formulações de juízos pelos indivíduos integrantes da sociedade - dotados da Vontade de Constituição -, são diariamente reinterpretadas pelos hermeneutas, e aplicadas na prática, garantindo, dessa forma, a manutenção da força normativa, mas alterando, recorrentemente, a produção de sentidos que se dá por meio deles à medida que faz-se necessário. Concilia-se, portanto, estática e dinâmica.
	Na obra em questão, percebe-se que não houve, de forma alguma, aplicação do Direito segundo o papel dual supra-expendido, já que no Admirável Mundo Novo a atuação do Estado é estritamente prescritiva, atuando de maneira incisiva e deliberada acerca de todas as possíveis relações interpessoais e, dessa forma, reprimindo as liberdades individuais. Por outro lado, em Malpaís não há prescrição alguma por parte do Estado, de forma que o Mundo da Vida se rege de maneira autônoma, levando ao desrespeito dos Direitos essenciais daqueles que são marginalizados, da recorrência de injustiças e à péssima qualidade de vida.

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