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1 Fluidos Viscosos Aqui estudamos algumas propiedades dos uidos viscosos newtonianos. 1.1 Tensão de cisalhamento e viscosidade A tensão de cisalhamento é de nida pela razão entre a componente tangencial de uma força aplicada e a área da superfície: � = Ft A Observe que a unidade de � é a mesma de pressão (N=m2). Por não ter forma própria, um uido em repouso oferece menor resistência que os sólidos à ação das tensões de cisalhamento. A viscosidade é a propriedade que determina o grau de resistência de um uido à força de cisalhamento, ou seja, de resistir à deformação. Consideremos duas placas largas e paralelas de área A separadas por um uido com espessura y. A placa superior, devido à ação de uma força tangente F , desloca-se com velocidade constante v, enquanto a inferior se mantém em repouso. Próximo à placa superior o uido desloca-se com velocidade v, devido a aderência das partículas do uido à superfície, e a velocidade é zero próximo à placa inferior. Entre as partículas de cima e as de baixo existirá atrito, que por ser uma força tangencial formará tensões de cisalhamento, com sentido contrário ao do movimento. As tensões de cisalhamento agirão em todas as camadas uidas e evidentemente naquela junto à placa superior dando origem a uma força oposta ao movimento da placa superior. Quando Ft = F , a placa passa a realizar um movimento uniforme de velocidade v. A força F é proporcional ao produto entre a área da placa e a velocidade da placa, e inversamente proporcional a distância entre as plas: F = �A v y onde � é o coe ciente de viscosidade ou simplesmente viscosidade dinâmica ou absoluta. No istema SI a unidade de viscosidade é o Pa:s. Em geral a vis- cosidade de um líquido aumenta quando a temperatura diminui (ver gura). 1 É por isso que nos climas frios usa-se um óleo mais no no inverno do que no verão. Os gases em geral apresentam um comportamento oposto, com a viscosidade aumentando quando a temperatura aumenta. A partir da expressão acima chegamos à lei de Newton: � = � dv dy Fluidos que obedecem a equação acima são denominados de uidos new- tonianos. Da mesma forma que a lei de Hooke, ou a lei de Ohm, a lei da viscosidade de Newton não é uma lei fundamental da natureza, mas uma aprox- imação válida para alguns tipos de materiais, mas que falha em outros. Os gases, a água e vários tipos de líquidos podem ser considerados como newtonianos em certos contextos e condições. A viscosidade cinemática (�) é a razão entre a viscosidade dinâmica � e a densidade do uido �: � = � � cuja unidade no SI é m2s�1. 2 gás (T = 270 C) � (�Pa:s) ar 18; 6 hidrogênio 9; 0 hélio 20; 0 argônio 22; 9 xenônio 23; 2 dióxido de carbono 15; 0 metano 11; 2 líquido (T = 250 C) � (Pa:s) acetona 3; 06� 10�4 benzeno 6; 04� 10�4 óleo de ricino 0:985 etanol 1; 074� 10�3 mercúrio 1; 526� 10�3 metanol 5; 44� 10�4 óleo de motor SAE 10 (200 C) 0; 065 óleo de motor SAE 40 (200 C) 0; 319 água 8; 94� 10�4 ácido sulfúrico 2; 42� 10�2 piche 2; 3� 108 1.2 Lei de Poisseuille O elemento cilíndrico do uido mostrado na gura se desloca por efeito de uma diferença de pressão entre as duas bases opostas �p = p2 � p1 de modo que a força que o impulsiona no sentido do seu movimento tem módulo (área vêzes variação da pressão): 3 F = �y2�p Esta força deve estar em equilíbrio com a força de viscosidade, que atua em sentido contrário, na superfície cilíndrica do elemento de uido considerado. Sendo a área dessa superfície igual a A = 2�yL, podemos escrever: �y2�p = �� (2�yL) dv dy ou � (4L) dv = �2ydy�p Como d(y2) = 2ydy, obtemos dv = � � �p 4�L � d � y2 � Integrando ambos os lados, vem v(y2)� v(y1) = � �p 4�L � y22 � y21 � Considerando-se a expressão acima para uma camada cilíndrica qualquer de raio y1 = y que se desloca com velocidade v(y), e a camada limite que se encontra em contato com a parede do tubo, de raio y2 = R, que se encontra em repouso (v(R) = 0), obtemos: v(y) = �p 4�L � R2 � y2� Podemos ver pela expressão anterior que a velocidade do escoamento é máx- ima para a camada cilíndrica central, ao longo do eixo, e é zero na camada limite junto às paredes internas do tubo. Entre essas camadas a velocidade apresenta um comportamento parabólico. 4 Consideremos agora uma seção circular in nitesimal de área dA = 2�ydy. O uxo através da seção é dQ = vdA = 2�vydy ou dQ = � �p 2�L � R2y � y3� dy Integrando a equação anterior Q = � �p 2�L Z R 0 � R2y � y3� dy obtemos Q = �R4 8�L �p Essa equação expressa a lei de Poisseuille, que descreve o escoamento in- compressível de um uido newtoniano de viscosidade �, através de um tubo cilíndrico de comprimento L e raio interno R. Existe uma analogia entre a lei de Poisseuille e a lei de Ohm. A queda da tensão elétrica V através de um resistor R percorrido por uma corrente I é dada pela lei de Ohm V = RI De acordo com a lei de Poisseuille, a queda de pressão entre dois pontos no escoamento do uido é dada por �p = 8�L �R4 Q Considerando o uxo Q o análogo da corrente elétrica, vemos que a resistên- cia efetiva do tubo é dada por R = 8�L �R4 1.3 Equação de Euler Consideremos uma porção do uido de volume �V e massa constante �m. A aceleração do elemento de uido é dada por ~a = d~v dt Como o campo de velocidade ~v depende de x; y; z e t, isto é ~v = ~v(x; y; z; t), a diferencial total de ~v deve ser escrita como (coordenadas cartesianas): 5 d~v = dx @vx @x {^+ dy @vy @y |^+ dz @vz @z k^ + @~v @t dt e, portanto, d~v dt = dx dt @vx @x {^+ dy dt @vy @y |^+ dz dt @vz @z k^ + @~v @t = @~v @t + vx @vx @x {^+ vy @vy @y |^+ vz @vz @z k^ Usando notação mais compacta, podemos escrever d~v dt = @~v @t + (~v:r)~v A expressão anterior de ne a derivada total em relação ao tempo: d dt = @ @t + ~v:r Em mecânica dos uidos esse tipo de derivada que acompanha a variação da grandeza ao longo de um trajeto num instante xo é chamada de derivada material ou lagrangiana. A força líquida que age sobre o elemento devida apenas à pressão do uido é dada por ~f = � I �S pd~S onde �S é a a superfície que delimita o elemento do uido. Pelo teorema de Gauss podemos escrever I �S p n^dS = Z �V rpdV onde n^ é o vetor unitário normal à superfície, e rp é o gradiente da pressão. Fisicamente, o gradiente da pressão é equivalente à força de pressão exercida sobre o uido por unidade de volume. Em coordenadas cartesianas: rp = @p @x {^+ @p @y |^+ @p @z k^ Por outro lado, pela segunda lei de Newton ~f = Z dm~a = Z �V ~a�dV Segue-se então que 6 Z �V �~adV = � Z �V rpdV e, portanto, Z �V � � d~v dt +rp � dV = 0 de onde obtemos � d~v dt = �rp que é conhecida como equação de Euler. A equação de Euler representa a segunda lei de Newton aplicada à descrição do movimento de um uido perfeito (não viscoso) sujeito à ação de forças. O lado esquerdo da equação representa o produto da aceleração da partícula do uido pela massa por unidade de volume, e o lado direito representa a força de pressão por unidade de volume. Usando a expressão da derivada material deduzida anteriormente, a equação de Euler pode ser escrita na forma @~v @t + (~v:r)~v = �1 � rp Se o uido estiver sob a ação de um campo gravitacional de aceleração ~g, a equação de Euler torna-se @~v @t + (~v:r)~v = �1 � rp+ ~g 1.4 Número de Reynolds A dinâmica de um uido viscoso newtoniano é descrita pela equação de Navier- Stokes, que para um escoamento incompressível pode ser escrita como � d~v dt = �rp+ �r2~v + �~f em que ~f representaoutras forças como a força gravitacional, etc. O segundo termo do lado direito representa a força viscosa atuando no uido (viscosidade � constante). Observe ainda que a equação de Navier-Stokes reduz-se à equação de Euler quando � = 0 (uido perfeito). Os dois lados da equação anterior têm dimensão de força por unidade de volume (N=m3). Vamos tentar escrever a mesma equação numa forma adimen- sional. Para isso, basta dividir toda a equação por um fator que tenha o inverso 7 das suas dimensões. Seja l (m) o comprimento característico do uido, u a ve- locidade característica (m=s), e � (kg=m3) a densidade do uido. Fazendo as substituições: ~v0 = ~v u ; p0 = p �u2 ; ~f 0 = l u2 ~f; @ @t0 = l u @ @t ; r0 = lr obtemos �u2 l d~v0 dt0 = ��u 2 l r0p0 + �u l2 r02~v0 + �u 2 l ~f 0 que leva à equação de Navier-Stokes na forma adimensional: d~v0 dt0 = �r0p0 + � �lu r02~v0 + ~f 0 O número de Reynolds Re (adimensional) é de nido por Re = �lu � de maneira que a equação anterior pode ser escrita d~v0 dt0 = �r0p0 + 1 Re r02~v0 + ~f 0 Assim, matematicamente todos os uidos newtonianos e incompressiveis com o mesmo número de Reynolds apresentam comportamentos comparáveis. Vemos também que para Re� 1 o termo de viscosidade torna-se desprezível. Portanto, uidos com número de Reynolds elevados comportam-se como uidos inviscíveis. Interessante notar que o número de Reynolds representa uma relação entre as forças de inércia e as forças viscosas. De fato, partindo dessa idéia, temos Re = forças de inércia forças viscosas Re = ma �A = �V vt � vlA = �l3 vt � vl l 2 Portanto Re = �l lt � ! Re = �lu � 1.5 Escoamento laminar e turbulento No regime laminar as partículas do uido movem-se ao longo de trajetórias bem de nida. Nesse tipo de escoamento a viscosidade atua no sentido de amortecer a tendência de mistura das camadas adjacentes do uido, que deslizam umas sobre as outras. O escoamento laminar ocorre geralmente a baixas velocidades e em uídos com grande viscosidade. 8 No uxo turbulento as trajetórias das partículas do uido são altamente irregulares e aleatórias, levando à transferência de momento linear entre as camadas do uido. O escoamento turbulento é comum em uidos de baixa viscosidade ou alta velocidade, comum na água, por exemplo. Como ilustra a gura, o escoamento da fumaça saindo de um incenso é inicialmente laminar, mas torna-se turbulento depois de certo ponto. Da mesma forma, o uxo da água de uma torneira é laminar em baixas velocidades, mas é turbulento com velocidades su cientemente altas. O número de Reynolds indica se o regime de escoamento de determinado uido é laminar, turbulento ou de transição entre ambos. Para o escoamento de água em um tubo cilíndrico de diâmetro d, por exemplo, tem-se a seguinte classi cação: Re < 2:000 regime laminar 2:000 < Re < 4000 regime de transição Re > 4000 regime turbulento 1.6 Lei de Stokes Consideremos uma pequena esfera de raio a movendo-se em um uido de viscosi- dade � com velocidade ~v relativamente ao uido. Na situação em que o escoa- mento do uido através da esfera tem um número de Reynolds Re desprezível (Re� 1), e que o uido seja homogêneo, a lei de Stokes estabelece que a força de arrasto exercida pelo uido sobre a esfera, em virtude da viscosidade, é dada por Fd = 6��av 9 Além da força de arrasto, atuam no corpo o seu peso (mg) e o empuxo (E). Pela segunda lei de Newton, temos ma = mg � E � Fd onde m = �eV e E = �fV g, sendo V o volume da esfera e �e e �f as densidades da esfera e do uido, respectivamente. A velocidade terminal (vT ) da esfera é atingida quando a resultante das forças se anula e a aceleração da esfera torna-se igual a zero (a = 0): �eV g � �fV g � 6��avT = 0 ou 4� 3 �ea 3g � 4� 3 �fa 3g � 6��avT = 0 que fornece a expressão da velocidade terminal: vT = 2 � �e � �f � a2g 9� Entretanto, a expressão da velocidade terminal não é exatamente dada pela equação anterior, pois as paredes do tubo afetam o movimento da esfera. Para levar em conta este efeito, considera-se o fator de correção de Ladenburg (K) que depende do raio da esfera (a), do raio do tubo (R) e da sua altura (H). Assim, a força viscosa no tubo, em realidade, deve ser substituída por F 0d = K(6��av) onde fator de Ladenburg é dado por K = � 1 + 2; 4 a R �� 1 + 3; 3 a H � Portanto, a velocidade terminal ca dada por v0T = vT K 10 1.7 Exemplos 1. São dadas duas placas paralelas a distância de 2 mm. A placa superior move- se com velocidade de 4 m=s, enquanto que a inferior está xa. Se o espaço entre as duas placas for preenchido com óleo (viscosidade cinemática � = 10�5 m2=s; � = 0; 93 g=m3), qual será a tensão de cisalhamento no óleo? Solução. A vazão do escoamento é constante: � = � � � � = 10�5 � 0:93� 103 = 0:009 3 kg m:s Pela lei de Newton dos uidos: � = � v y � = 0:0093� 4:0 2:0� 10�3 = 18; 6 N=m 2 2. Uma placa quadrada de 1 m de lado e 20 N de peso desliza sobre um plano inclinado de 30o sobre uma película de óleo. A velocidade da placa é de 2 m=s, constante. Qual é a viscosidade dinâmica do óleo se a espessura da película é 2 mm? Solução. A força que age sobre a placa, Gt, é Gt = W sin� Como a placa está em equilíbrio (velocidade constante) ela deve ser igual à força de cisalhamento: Gt = �A v " 11 Obtemos então a viscosidade: � = "W sin� Av ou � = 2:0� 10�3 � 20:0� sin 300 1:0� 2:0 � = 0:01 N:s m2 3. Calcular o número de Reynolds e identi car se o escoamento é laminar ou turbulento sabendo-se que em uma tubulação com diâmetro de 4 cm escoa água com uma velocidade de 0,05 m/s. A viscosidade da água é 1; 0030�10�3Ns=m2, e a densidade é � = 103 kg=m3. Solução. Re = �ud � = 103 � 0:05� 0:04 1:0030� 10�3 = 1994 O escoamento é laminar. 4. Determine o número de Reynolds para uma aeronave em escala reduzida sabendo-se que a velocidade de deslocamento é v = 16 m=s para um vôo real- izado em condições de atmosfera padrão ao nível do mar (� = 1; 225 kg=m3). Considere l = 0; 35 m e � = 1; 7894� 10�5 Ns=m2. Re = 1:225� 16� 0:35 1:7894� 10�5 = 3:833� 10 5 5. Calcular o número de Reynolds no interior de uma tubulação de 50 mm de diâmetro interno que conduz água a uma temperatura de 2000C (� = 1; 003� 10�6 m2=s) com velocidade média de 0; 9 m=s. Solução. Re = �ud � = 0:9� 0:050 1:003� 10�6 = 44:865 O tipo de uxo não se prende exclusivamente ao valor da velocidade, mas ao valor do número de Reynolds. 6. Calcular o número de Reynolds do scoamento do sangue num trecho da aorta com 1; 0 cm de raio, à velocidade de 30 cm=s. Admitir que a viscosidade do sangue seja de 4 mPa:s, e a densiade de 1:060 kg=m3. Solução. Re = �(2r)u � Re = 1060� 2� 0:01� 0:3 4:0� 10�3 = 1590 Como Re é menor que 2000 o escoamento é laminar. 12
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