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Fisica Termica IV

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Jameiro de 2013
Termodinâmica - Parte II
Abstract
Segunda lei da Termodinâmica, entropia, ciclo de Carnot.
Dirceu Portes Jr.
Centro Federal de Educação Tecnológica -CEFET/RJ
1 Introdução
Vejamos estes três exemplos:
� a) a energia é transferida sobre forma de calor de um corpo quente para outro mais frio;
� b) um bloco que desliza sobre uma superfície e pára devido à força de atrito;
� c) um gás, que inicialmente é colocado ocupando uma metade do recipiente deixando a outra
metade no vácuo, expande-se rapidamente ocupando todo o volume do recipiente.
Todos estes eventos são possíveis de ocorrerem e são espontâneos. Vamos imaginar agora o
inverso desses eventos:
� a’) a energia é transferida sobre forma de calor de um corpo frio para outro mais quente;
� b’) um bloco que está parado sobre uma superfície passa a andar devido ao calor que se
transforma em trabalho;
� c’) um gás, que inicialmente é colocado ocupando todo o recipiente, contrai-se rapidamente
ocupando uma metade do recipiente e deixando a outra metade em vácuo.
De nossa experiência cotidiana, sabemos que esses três últimos eventos não ocorrem na natureza
de forma espontânea. De fato, eles podem até acontecer, mas somente devido a ação de um agente
externo. O calor pode ser transferido do corpo de menor temperatura para o de maior temperatura
pela ação de um refrigerador (a’); o calor pode ser transformado em trabalho pela ação de uma
máquina térmica (b’); e um gás pode ser comprimido em uma parte de um recipiente pela ação de
um pistão (c’). No entanto, tais eventos jamais poderiam ocorrer sem o refrigerador, a máquina,
e o pistão. A questão é: porque tais eventos não são espontâneos? A resposta não está na
primeira lei da termodinâmica, pois ela não é violada em nenhum dos eventos a’�c’. Portanto,
deve haver alguma outra lei que diga que esses eventos não podem ocorrer de forma espontânea.
A segunda lei da Termodinâmica é, justamente, essa lei. Porém, para enunciarmos a segunda lei
da termodinâmica, precisamos conceituar a entropia (S), uma nova grandeza física bem menos
intuitiva que temperatura, pressão, etc..
1
2 Entropia e segunda lei da Termodinâmica
A entropia mede o grau de desordem de um sistema. Quanto mais caótico, complexo, e agitado for
um sistema, maior será o valor de sua entropia. Não daremos a de…nição precisa do que é entropia,
porque fugiria aos objetivos do curso, precisamos apenas entender o seu signi…cado físico.
Nos exemplos a a c, constata-se que a entropia aumenta, já nos exemplos a0 a c0, ao con-
trário, o entropia diminui. Esse resultado é de validade geral; ou seja, nos eventos que ocorrem
espontaneamente na natureza a entropia aumenta, ou …ca constante. Portanto, a segunda lei da
termodinâmica pode ser formulada da seguinte forma:
Para um sistema isolado, a entropia nunca decresce;
ou
�S � 0 (para um sistema isolado): (1)
É importante ressaltar que, ao aplicarmos a segunda lei, sempre se deve considerar se o sistema
está isolado ou não. Por exemplo, as situações a0 a c0 não podem ocorrer para o sistema isolado,
mas poderiam ocorrer devido à ação de um agente externo. Ora, se há agente externo interagindo,
o sistema não poderia estar isolado e a eq.(1) não se aplicaria. Nesse caso, a entropia poderia
aumentar ou diminuir, mas a entropia total, sistema mais vizinhança, não pode decrescer,
�Ssistema +�Svizinhança � 0 : (2)
Estamos acostumados a grandezas que se conservam, como a energia, por exemplo. Se um sis-
tema perder certa quantidade de energia, sua vizinhança terá que ganhar a mesma quantidade,
resultando em uma energia total constante. No entanto, a entropia não é uma grandeza que se
conserve; se um sistema perder certa quantidade de entropia, sua vizinhança poderá ganhar uma
quantidade maior, resultanto em uma entropia total crescente.
Vamos entender porque a segunda lei proíbe a existência de máquinas térmicas perfeitas com
rendimento igual a 100%: A energia mecânica tem entropia baixa em relação a energia interna
2
que está associada a gitação térmica (desordem). Logo a transformação
U ) QH ) máquina térmica)W ) Emecânica
irá diminuir a entropia. Para a entropia de um sistema diminuir, a entropia de outro sistema na
vizinhança precisa aumentar, pois, pela equação (2),
�Ssistema < 0 =) �Svizinhança > 0:
No caso de uma máquina térmica o aumento de entropia ocorre devido ao calor dissipado QC : Veja
…gura 1, o calor dissipado no sistema a temperatura TC irá aumentar a entropia dele. Se jQC j
fosse zero, a entropia total, sistema mais vizinhança, seria negativa, o que violaria a segunda lei.
Concluindo, jQC j nunca poderia ser zero em uma máquina térmica. Lembrando que o rendimento
de uma máquina térmica é dado por
e = 1� jQC j
QH
; (3)
teremos
0 < jQC j � QH ) 0 � e < 1:
Vamos entender agora porque a segunda lei proíbe a existência de refrigeradores perfeitos sem
consumo de energia. Sabemos por nossa experiência do dia a dia que o calor sempre ‡ui do ”quente
para o frio”e não o contrário. Pode-se provar que a entropia decresce quando o calor é transferido
de um corpo de menor temperatura para um de maior temperatura — justamente por isso tal
3
processo não é espontâneo. Logo o processo
TC ) QC ) refrigerador) QH ) TH
irá diminuir a entropia. Mais uma vez, para a entropia de um sistema diminuir, a entropia de
outro sistema na vizinhança precisa aumentar. No caso de um refrigerador o aumento de entropia
ocorre devido ao trabalho fornecidoW: A energia mecânica tem baixa entropia e sua transformação
em calor aumenta a entropia total, sistema mais vizinhança. Concluindo, devido à segunda lei, o
trabalho fornecido nunca poderia ser zero em um refrigerador.
Resumindo, em um universo em que a entropia sempre aumenta e tudo tende para a desordem,
sistemas organizados de baixa entropia tendem a desaparecer. Nesse aspecto, a energia mecânica
é nobre e rara, pois é organizada, enquanto a energia interna é abundante e degradada, pois é des-
organizada. Transformar energia mecânica em interna é fácil, espontâneo e, na maioria das vezes,
indesejável (atrito, por exemplo). Ao contrário, transformar energia interna em mecânica não é
espontâneo, necessita-se uma máquina térmica para fazê-lo, o que nunca possui um rendimento
perfeito. Em suma, a segunda lei nos ensina que a di…culdade não está na escassez da energia, mas
no fato de ser limitada nossa capacidade de transformá-la de sua forma desorganizada (energia
interna) para sua forma organizada (energia mecânica).
A discussão sobre as conseqüências da segunda lei é longa e profunda. Existem pesquisadores
que procuram de…nir a vida através da noção de entropia, pois seres vivos são sistemas altamente
organizados de baixa entropia e transformam calor em trabalho como uma máquina térmica...
2.1 Processos Reversívei e Irreversíveis
Em seções precedentes consideramos que uma máquina térmica podia ser transformada em refrig-
erado, simplesmente, invertendo o ciclo de funcionamento do gás de trabalho da máquina. Em
verdade, isso nem sempre é possível, nem todo processo pode ser revertido. Para que o processo
em uma máquina possa ser revertido é necessário que se restabeleça não só o estado inicial do gás
como também o estado inicial da vizinhança. Se para um processo
�Ssistema +�Svizinhança > 0 (processo irreversível)
4
o mesmo não poderá ser revertido, pois ao fazermos �Sreversosistema = ��Ssistema e �Sreversovizinhança =
��Svizinhança teríamos �Stotal negativo no processo reverso, o que violaria a segunda lei da lei
da termodinâmica. Tais processo são ditos irreversíveis. Por conseguinte, para um processo poder
ser revertido necessariamente
�Ssistema +�Svizinhança = 0 (processo reversível).
Em verdade, processos reversíveis são uma idealização;sempre haverá alguma dissipação de calor
por atrito ou outras forças dissipativas.
Para processos reversíveis a variação da entropia satisfaz a relação
�S =
Z f
i
dQ
T
: (4)
Invertendo-se a última equação, tem-se
dQ = T dS =) �Q =
Z f
i
T dS; (5)
o que nos permite concluir que o calor é a área na grá…co T � S:
Para processos irreversíveis, temos que
�S �
Z f
i
dQ
T
: (6)
A expansão livre é um bom exemplo de um processo irreversível, observe que dQ é zero, mas a
entropia aumenta. De fato, para máquinas térmicas operando em duas temperaturas …xas (TC e
TH), somente os processos adiabáticos e isotérmicos são reversíveis.
Para processos isotérmicos, a equação (4) simpli…ca-se:
�S =
Q
T
;
pois T é constante no integrando. No grá…co T �S;o processo isotérmico é representado por uma
reta paralela ao eixo S (T = const:).
Para processos adiabáticos, a equação (4) simpli…ca-se de forma mais radical:
�S = 0;
5
pois dQ = 0. Como a entropia …ca constante, o processo adiabático também é chamado de
isentrópico. No grá…co T � S;o processo isentrópico é representado por uma reta paralela ao eixo
T (T = const:).
Para demais processo irreversíveis, a variação de entropia será igual ao valor obtido para
qualquer processo reversível ligando o ponto inicial ao ponto …nal. A entropia é uma variável de
estado, ao contrário do calor e do trabalho, a variação da entropia só depende do estado inicial
e do estado …nal. Sempre podemos ligar um ponto inicial (pi; Vi) a um ponto …nal (pf ; Vf )
pela combinação de uma adiabática com uma isotérmica (ambas reversíveis). Usando-se esse
procedimento, após algum trabalho algébrico, obtém-se que
�S = n
�
CV ln
pf
pi
+ CP ln
Vf
Vi
�
: (7)
Essa fórmula é bastante útil, vale para qualquer processo, reversível ou irreversível. Note que a
segunda lei refere-se a �S e não ao valor absoluto S, por essa razão, em muitas situações práticas,
basta determinarmos �S. Calcular o valor absoluto da entropia envolve conhecimentos avançados
de Física Estatística, o que fugiria aos nossos objetivos.
Em particular, para um processo isocórico
�S = nCV ln
pf
pi
= nCV ln
�
Tf
Ti
�
: (8)
Invertendo-se a última equação, tem-se
T = Ti exp
�
�S
CV n
�
;
o que indica que o processo isocórico é representado por uma exponencial no grá…co T � S: O
mesmo racicínio aplica-se ao processo isobárico, onde
T = Ti exp
�
�S
CP n
�
:
6
Convém fazermos uma tabela para organizarmos tantas relações
p� V T � S
isocórico reta; V = const: exponencial; T = Ti exp [(S � Si) =(CV n)]
isobárico reta, p = const: exponencial; T = Ti exp [(S � Si) =(CP n)]
isotérmico hipérbole, p = pi (Vi=V ) reta, T = const:
isentrópico p = pi (Vi=V )
 reta, S = const:
área do grá…co trabalho calor
3 Ciclo de Carnot
O ciclo de Carnot possui grande importância teórica por ser totalmente reversível. Nas …guras
(1) e (2), temos os grá…cos p� V e T � S deste ciclo, ele é composto por duas curvas isotérmicas
(1 $ 2 e 3 $ 4) e duas isentrópicas (2 $ 3 e 4 $ 1). Fica claro que o ciclo de Carnot …ca
representado de forma mais simples no plano T �S, onde adiabáticas e isotérmicas são dadas por
retas.
Figure 1: Grá…co p x V do ciclo de Carnot
Usando o grá…co T �S, é fácil calcular o rendimento. Como o calor é a área na grá…co T �S,
QH = TH (S2 � S1) (9)
e
jQC j = Tc (S2 � S1) : (10)
7
Figure 2: Grá…co T x S do ciclo de Carnot
Substituindo QH e QC na eq.(3), obteremos
e = 1� TC
TH
: (11)
e, para um refrigerador de carnot,
K =
TC
TH � TC : (12)
O rendimento de uma máquina de Carnot possui uma importância teórica fundamental, devido
ao seguinte teorema:
Nenhuma máquina (refrigerador) real operando entre duas temperaturas
dadas pode ter um rendimento maior que o de uma máquina (refrigerador)
de Carnot que opera entre estas mesmas temperaturas.
Deixamos como exercício a demonstração desse último teorema, o que pode ser feito de forma
mais simples com o auxilio do grá…co T � S:
Desse modo, não apenas sabemos que máquinas perfeitas não existem, como sabemos que o
limite teórico é dado pela máquina de Carnot — relações (11) e (12). De fato, o ciclo de Carnot
já é uma idealização, inexeqüível na prática.
8
4 Problemas
1) Um gás ideal monoatômico está inicialmente a pressão de 2:0 atm; volume de 2:0 l; temperatura
de 350 K, e entropia de 1:0 J=K. Esse gás sofre uma expansão em duas etapas: na primeira etapa,
o processo é isotérmico até atingir um volume de 3 l; na segunda etapa, o processo é adiabático
até atingir um volume de 4 l.
a) Calcule a entropia ao …nal da primeira etapa.
b) Calcule a temperatura ao …nal da segunda etapa.
c) Faça o grá…co T � S para esta expansão.
2) Um gás ideal, que está inicialmente a 300 K, é colocado em contato térmico com outro
gás de mesmo volume, mas a temperatura de 360 K. Ambos os gases são diatômicos, possuem
mesmo número de mols, n = 0:4 mol; e mantém seus volumes constantes durante a troca de calor,
que é feita isolada do meio exterior. Após algum tempo, ambos os gases estão com a mesma
temperatura …nal de 330 K: Determine:
a) o calor trocado entre os gases;
b) a variação da entropia para o gás com temperatura inicial de 300 K;
c) a variação da entropia para o gás com temperatura inicial de 360 K;
d) a variação total de entropia.
3) Um gás ideal monoatômico, n = 0:6 mol e T = 300 K, é colocado em contato térmico
com um reservatório a 350 K. Por reservatório entende-se um sistema de massa tão grande que
sua temperatura permanece inalterada, mesmo trocando algum calor. Considerando que o gás
só interage com o reservatório e vice-versa, e, ainda, que a pressão no gás permanece inalterada,
calcule:
a) a variação da entropia no gás;
b) a variação da entropia no reservatório;
c) a variação total de entropia :
9
4) Um gás ideal sofre uma expansão isotérmica a temperatura de 400 K. Durante o processo
a entropia aumenta 50 J=K. Determine o trabalho realizado por este gás.
5) Dois mols de um gás ideal sofre uma expansão isotérmica. Durante o processo o volume
aumenta 50%. Determine a variação de entropia.
6) Dois mols de um gás ideal monoatômico, realiza o ciclo mostrado na …gura abaixo. O
processo b! c é isentrópico, c! a é isotérmico; e a! b é representado por uma reta no grá…co
T � S. Obtenha do grá…co os valores necessários de temperatura e entropia.
a) Calcule o calor, o trabalho e a variação de energia interna em cada etapa do ciclo.
b) Determine o rendimento dessa máquina térmica.
:
7) Um gás ideal monoatômico, com numero de mols n = 0; 5 mol, executa o ciclo mostrado
na …gura abaixo. O processo 1 � 2 é isotérmico, 2 � 3 é isocórico, e 3 � 1 é adiabático. (T3 =
250K; T1 = 1000K; S1 = 20J=K; S2 = 28J=K)
a) Calcule o rendimento deste refrigerador.
b) Faça um esboço do grá…co p-V correspondente a esse ciclo.
10
8) Um inventor tem a idéia de aproveitar o calor QH dissipado por um refrigerador como
combustível de uma máquina térmica, que forneceria energia para o funcionamento do próprio
refrigerador. Ele supõe que a máquina é uma máquina de Carnot e opera entre os mesmo reser-
vatórios do refrigerador. Também supõe que o refrigerador consume 1200 W e opera entre as
temperaturas de 290 K e 310 K com rendimento igual a 14:8. O inventor …ca empolgado ao ver
que, se a máquina aproveitasse todo calor dissipado pelo refrigerador, forneceria um trabalho de
1223 W . Ou seja, sistema combinado refrigerador + máquina resultaria em refrigerador que não
dissiparia calor e produziria energia ao invés de consumir!
a) Os cálculos do inventor estão corretos?
b) Que erro conceitual de Física está cometendo o inventor?
9) Suponha uma máquina térmica em que o acréscimode entropia no reservatório TC fosse
igual, em módulo, ao decréscimo de entropia no reservatório TH . Qual seria o rendimento dessa
máquina?
10) O ciclo de Otto idealiza o funcionamento de motores de combustão interna. De forma
simpli…cada, podemos tratá-lo como duas adiabáticas e duas isocóricas, conforme …gura abaixo
(1! 2! 3! 4! 1):
11
V
p 1
2
3
4
a) Faça um esboço do ciclo Otto no grá…co T � S:
b) Demonstre que o rendimento do ciclo Otto pode ser dado por
e = 1� T4
T1
= 1� T3
T2
c) É bem conhecido que o rendimento do ciclo Otto é dado por
e = 1�
�
Vmin
Vmax
�
�1
onde Vmin = V1 = V2 e Vmax = V3 = V4: A partir do resultado do item anterior, deduza a relação
acima.
4.1 Respostas
.
1) a) 1:46 J=K; b) 289 K
2) a) 249 J ; b) 0:792 J=K; c) � 0:723 J=K; d) 0:069 J=K
3) a) 1:92 J=K; b) �1:78 J=K; c) 0:14 J=K
4) 20 KJ
5) 6:74 J=K
6) a) Qab = 200 J , �Uab = 4986 J , Wab = �4786 J ; Qbc = 0, �Ubc = �4986 J , Wbc = 4986J ;
Qca = �150 J , �Uca = 0, Wca = �150 J .
b) 25%
12
7) 42%
8) a) sim; b) o rendimento do refrigerador está acima do rendimento de um refrigerador de
Carnot, portanto irreal.
9) rendimento de Carnot (Como a variação de entropia na vizinhança do gás é nula essa
máquina é reversível, a única máquina reversível operando entre dois reservatórios é a máquina
de Carnot)
10) a)
S
T
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