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Estrutura e função de macromoléculas

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Estrutura e Função de Biomoléculas
Os seres vivos são distinguidos dos objetos inanimados principalmente pelo seu grau de complexidade e organização. Enquanto os organismos vivos possuem estruturas celulares internas compostas por moléculas mais complexas, a matéria inanimada usualmente consiste de compostos químicos relativamente mais simples. Entre os mais de 90 elementos químicos que ocorrem naturalmente, apenas 30 são essenciais para os organismos vivos. Entre estes, os átomos de carbono, oxigênio, nitrogênio, hidrogênio, enxofre e fósforo participam com um total de 99% da massa da maioria das células, e por este motivo, esses elementos são chamados de biogênicos. Já os compostos químicos sintetizados por seres vivos, e que participam da estrutura e do funcionamento da matéria viva, são conhecidos como biomoléculas.
As biomoléculas são, em sua maioria, compostos orgânicos, compostos por cadeias de átomos de carbono unidos entre si e ainda associados a grupos químicos específicos denominados grupos funcionais. São estes grupos funcionais que atribuem as propriedades químicas de cada molécula orgânica. Nos seres vivos existem quatro tipos principais de biomoléculas orgânicas: as proteínas, os carboidratos, os lipídios e os ácidos nucleicos.
As proteínas são as macromoléculas mais abundantes nas células vivas. Estas moléculas estão presentes em todas as células e exibem uma grande diversidade de funções biológicas. Todas as proteínas, são constituídas em geral com o mesmo conjunto de 20 aminoácidos, ligados covalentemente em sequências lineares. A partir destas unidades, diferentes organismos podem gerar produtos tão diversos com enzimas, hormônios, anticorpos, transportadores, fibras musculares, penas, pelos, chifres, teias, proteínas do leite, venenos, e uma miríade de outras substâncias com atividades biológicas distintas.
Todos os 20 tipos de aminoácidos são considerados alfa-aminoácidos, ou seja, eles possuem um átomo de carbono central, denominado carbono alfa, o qual está ligado a quatro grupos diferentes: um grupo carboxílico, um grupo amino, um átomo de hidrogênio e o grupo R, conhecido como cadeia lateral, que variam em estrutura, tamanho e carga elétrica, conferindo as características inerentes a cada aminoácido. O carbono alfa é, portanto, um centro quiral. Em decorrência do arranjo tetraédrico os aminoácidos possuem dois estereoisômeros possíveis, existindo na forma levogiro (L) e dextrogiro (D). Apesar de existirem nas duas formas, os resíduos de aminoácidos em moléculas de proteínas são exclusivamente estereoisômeros L. Os resíduos de D-aminoácidos são encontrados apenas em alguns peptídeos, geralmente pequenos, incluindo alguns peptídeos de parede celular bacteriana. 
Duas moléculas de aminoácidos podem ser ligadas de modo covalente por meio de uma ligação denominada “ligação peptídica”, resultando na formação de peptídeos ou proteínas. Tal ligação é formada pela reação do grupo carboxila de um aminoácido e do grupo amino de outro, com eliminação de uma molécula de água. Enquanto os peptídeos possuem massas moleculares abaixo de 10000, as moléculas com massas moleculares maiores são chamadas de proteínas. Em um peptídeo/proteína, o resíduo de aminoácido na extremidade com um grupo amino livre é chamado de resíduo amino terminal (ou N-terminal), enquanto o resíduo na outra extremidade, que possui um grupo carboxila livre, é o resíduo carboxiterminal (ou C-terminal). Além disso, enquanto algumas proteínas são compostas por apenas uma única cadeia polipeptídica, outras proteínas podem possuir dois ou mais polipeptídios associados de modo não covalente.
Além dos aminoácidos, algumas proteínas são compostas por outros componentes químicos permanentemente associados, normalmente chamados de grupos prostéticos. Esse tipo de proteína é conhecido como proteína conjugada. Uma proteína despojada do seu grupo prostético é definida com uma apoproteína, enquanto que a proteína associada ao grupo prostético e definida como um holoproteína. As proteínas conjugadas são classificadas com base na natureza química de seus grupos prostéticos. Por exemplo, lipoproteínas contem lipídios, glicoproteínas contém glicídios e metaloproteínas possuem um metal específico. De forma geral, o grupo prostético desempenha um papel essencial na função biológica da proteína.
A estrutura das proteínas pode ser descrita em vários níveis de complexidade e organização, arranjada em um tipo de hierarquia conceitual. Neste contexto, quatro níveis de estrutura proteica são comumente definidos. A descrição da sequência de aminoácidos de uma cadeia polipeptídicas é a sua estrutura primária. A estrutura secundária se refere a arranjos particularmente estáveis dos resíduos de aminoácidos dando origem a padrões estruturais recorrentes, como as hélices alfa e as conformações beta. Quando um padrão regular não é observado, a estrutura secundária algumas vezes é chamada de indefinida ou espiral aleatória. Por outro lado, a estrutura terciária descreve todos os aspectos de enovelamento tridimensional de um polipeptídio, correspondendo ao arranjo tridimensional total de todas as cadeias de uma proteína. Quando uma proteína tem duas ou mais subunidades polipeptídicas, o arranjo destas subunidades proteicas em complexos tridimensionais constitui a estrutura quaternária.
Por serem moléculas grandes e possuírem centenas de ligações simples, uma proteína consegue, em princípio, assumir um número de conformações praticamente incontável. Neste contexto, proteínas devidamente dobradas, isto é, em qualquer uma de suas conformações funcionais termodinamicamente favorável, são chamadas de proteínas nativas, enquanto que proteínas que perderam tal conformação, são conhecidas como proteínas desnaturadas. Além disso, considerando os níveis mais altos da estrutura proteica, é conveniente designar dois grandes tipos de proteínas: proteínas fibrosas, com cadeias polipeptídicas arranjadas em longos filamentos ou folhas, e proteínas globulares, com caceias polipeptídicas dobradas em forma esférica ou globular. Os dois grupos são estruturalmente distintos e também se diferenciam funcionalmente: as estruturas que garantem o suporte, forma e proteção são constituídas principalmente de proteínas fibrosas, enquanto as enzimas e as proteínas regulatórias e catalíticas em sua maioria são proteínas globulares.
Outro importante grupo de biomoléculas são os carboidratos. Entre as biomoléculas, os carboidratos são considerados as mais abundantes na face da terra. Estima-se que a cada ano, por meio da atividade da enzima ribulose-1,5-bisfosfato carboxilase oxigenase (RuBisCO), a fotossíntese converte mais de 100 bilhões de toneladas de CO2 e H2O em carboidratos, que originarão glicose, celulose e outros produtos vegetais. Além disso, a oxidação dos carboidratos é a principal via metabólica fornecedora de energia para a maioria das células não-fotossintéticas. Polímeros insolúveis de carboidratos funcionam tanto como elementos estruturais quanto de proteção nas paredes celulares bacterianas e de vegetais, e nos tecidos conjuntivos de animais. Outros polímeros de carboidratos agem como lubrificantes das articulações esqueléticas e participam do reconhecimento e da coesão entre as células. Os carboidratos são predominantemente, poliidroxialdeídos ou poliidroxicetonas cíclicos possuindo a fórmula empírica (CH2O), o que justifica o nome carboidratos, ou hidratos de carbono. No entanto, alguns carboidratos possuem ainda em sua estrutura, átomos de nitrogênio, fósforo e enxofre. 
Os carboidratos estão divididos em três classes principais, de acordo com seu tamanho: monossacarídeos, oligossacarídeos e polissacarídeos. Os monossacarídeos, ou açucares simples, são constituídos por uma única cadeia carbônica, sendo os mais simples, os constituídos por três átomos de carbono, como o gliceraldeído e a diidroxicetonas. Estes monossacarídeos são conhecidos como trioses, enquanto os monossacarídeos com quatro, cinco, seis e sete átomos de carbono em seus esqueletosmoleculares são chamados, respectivamente, de tetroses, pentoses, hexoses e heptoses. Além disso, os monossacarídeos, podem possuir um ou mais carbonos quirais, e desta forma, ocorrem como isômeros D e a outra como isômero L. Entre os monossacarídeos, o mais abundante na natureza é a molécula de glicose, e esta possui um papel central no metabolismo. Em solução aquosa, assim como todos os monossacarídeos com cinco ou mais átomos de carbono, a glicose se apresenta, predominantemente, como uma estrutura cíclica. A formação dessas estruturas em anel gera um carbono quiral adicional, e assim podem existir em duas formas esterioisoméricas: alfa e beta.
Os oligossacarídeos são compostos por cadeias curtas de unidades monossacarídicas, unidas entre si por ligações características, chamadas de ligações glicosídicas. As ligações glicosídicas ocorrem geralmente entre as formas cíclicas dos monossacarídeos, e são classificadas em alfa ou beta, de acordo com o estereoisômeros conjugado. Os oligossacarídeos mais abundantes são os dissacarídeos, formados por duas unidades de monossacarídeos. A sacarose é principal representante desta classe de moléculas, sendo composta por glicose e frutose. Os polímeros de açucares possuem uma variação progressiva de tamanho de cadeia e aqueles que possuem mais de 20 unidades são chamados de polissacarídeos. Alguns polissacarídeos, como a celulose presente na parede celular das plantas, possuem ainda cadeias ramificadas. Além disso, a alta densidade de informação contida na estrutura dos polissacarídeos proporciona um código de açucares que pode ser lido com grande especificidade por proteínas especializadas, e essa interação é essencial para o reconhecimento celular, para a determinação da taxa de degradação de determinadas proteínas e no processo de ligação de patógenos às células alvo.
A terceira classe de biomoléculas orgânica são os lipídios. Ao contrário das demais biomoléculas, os lipídios são completamente insolúveis em água, sendo esta considerada a característica definidora e comum a todos os lipídeos. As funções biológicas dos lipídeos são tão diversas quanto a sua química. Em muitos organismos, as gorduras e óleos são as principais formas de armazenamento de energia. Além disso, alguns lipídios, como fosfolipídios e esteróis, são os principais elementos estruturais das membranas celulares, enquanto que outros lipídios, mesmo presentes em quantidades pequenas possuem papeis cruciais em processos de sinalização e no metabolismo celular, atuando como hormônios, mensageiros secundários e vitaminas. 
 Os ácidos graxos fornecem os componentes hidrocarbônicos de muitos lipídeos, e frequentemente possuem um número par de carbonos (geralmente de 12-24), podendo ser saturados ou insaturados. Ácidos graxos insaturados possuem duplas ligações (cis) entre os átomos de carbono, enquanto que os ácidos graxos saturados só possuem ligações simples. A composição química dos ácidos graxos atua diretamente nas características dos lipídeos os quais estes compõem. Embora os ácidos graxos sejam praticamente incapazes de realizar interações do tipo polar com outras moléculas, o que justifica a insolubilidade em água, as moléculas de ácidos graxos são capazes de realizar entre si interações intermoleculares de natureza apolar, conhecidas como Forças de Van der Waals. Embora isoladamente, estas interações sejam consideradas fracas, a intensidade das Forças de Van der Waals sofre efeito direto do tamanho e do grau de insaturação da cadeia apolar dos ácidos graxos. Ácidos graxos de cadeia longa são capazes de realizar entre si fortes interações intermoleculares, e os ácidos graxos saturados são capazes de se alinhar entre si, o que aumenta a intensidade dessas interações. Por outro lado, ácidos graxos de cadeia curta realizam interações mais fracas e os ácidos graxos insaturados sofrem torções em sua estrutura, o que prejudica esse alinhamento, e, portanto, diminui a intensidade das interações. Desta forma, o estado físico dos lipídeos em temperatura ambiente, é uma função direta de sua composição em ácidos graxos. Quanto mais ácidos graxos saturados e de cadeia longa participarem da composição de um lipídeo, mais alto será o ponto de fusão, e este lipídeo se encontrará em estado sólido à temperatura ambiente, como por exemplo, as ceras e gorduras. Já os lipídeos compostos por ácidos graxos insaturados ou de cadeias mais curtas, possuem baixas interações moleculares entre si, e, portanto, encontram-se em estado líquido em temperatura ambiente, como por exemplo, diferentes tipos de óleos.
Os ácidos graxos participam principalmente na construção de triacilgliceróis e de fosfolipídios de membrana. Os triacilgliceróis, ou triglicerídeos, são compostos por três moléculas de ácidos graxos esterificados aos três grupos hidroxila da molécula de glicerol, e possuem como principal função, a de reserva energética. Já os fosfolipídios são considerados lipídeos anfipáticos, com cabeça polar e caudas não polares e são os componentes principais das membranas biológicas. Os fosfolipídios mais abundantes são os glicerofosfolipídeos, que contêm duas moléculas de ácidos graxos esterificadas com dois grupos hidroxila do glicerol, sendo o terceiro grupo hidroxila, esterificado a um grupamento polar, chamado de grupo cabeça. Os glicerofosfolipídeos diferem entre si na estrutura desse grupo-cabeça, sendo os mais comuns, a fosfatidiletanolamina, que possui um fosfato ligado a uma etanolamina como grupo-cabeça, e a fosfatidilcolina, que possui como grupo-cabeça um fosfato ligado à molécula de colina. Os esfingolipídios, também componentes de membrana, possuem uma estrutura similar, sendo compostos por esfingosina, e não por glicerol. Os esteróis, também são outros importantes lipídeos, presentes essencialmente em células animais. O principal esterol é o colesterol, que além de ser um componente importante da membrana plasmática de células animais, é o precursor da síntese de esteroides, como diferentes hormônios. 
Alguns tipos de lipídios, ainda que presentes em quantidades relativamente baixas, possuem papéis críticos como co-fatores, como as vitaminas A, D, E e K, e moléculas sinalizadoras, como por exemplo, prostaglandinas, tromboxanos e leucotrienos, derivados do ácido aracdônico, e os hormônios esteroidais.
A quarta classe de biomoléculas orgânicas de suma importância biológica são os ácidos nucleicos. Todos os organismos vivos contêm ácidos nucléicos na forma de ácido desoxirribonucléico (DNA) e ácido ribonucléico (RNA). Uma molécula de DNA consiste em duas longas cadeias compostas por subunidades conhecidas nucleotídeos (desoxirribonucleotídeos). Esses nucleotídeos são compostos por desoxirriboses, ligadas a grupos fosfatos e a uma base nitrogenada, que pode adenina (A), citosina (C), guanina (G) ou timina (T). Dessa forma existem quatro nucleotídeos diferentes, e estes se encontram ligados covalentemente entre si por meio de seus grupos fosfatos. 
A estrutura tridimensional do DNA em dupla hélice é decorrente das características químicas e estruturais de suas cadeias polinucleotídicas que se mantem unidas por ligações de hidrogênio entre as bases nitrogenadas. Essas ligações de hidrogênio se baseiam na complementariedade das bases nitrogenadas, de forma que as ligações de hidrogênio são formadas eficientemente apenas adeninas e timinas e entre guaninas e citosinas. Enquanto a interação entre adenina e timina é decorrente de duas ligações de hidrogênio, a interação entre guanina e citosina é composta por três destas ligações. A descoberta da estrutura da dupla hélice de DNA em 1953 por Rosalind Franklin, James Watson e Francis Cook foi um marco na biologia no século XX, pois forneceu resposta sobre como a informação genética de um organismo pode ser copiada com precisão, e ainda, como pode ser transmitida às próximas gerações cada vez que as células se dividem. Com esta descoberta, concluiu-se que cada fita de DNA contém uma sequência de nucleotídeos que pode servir de molde para a síntese de uma novafita complementar. Portanto, este mecanismo permite que o DNA de uma célula seja precisamente replicado e transmitido a seus descendentes.
Já o RNA, embora tenha a estrutura primária semelhante à do DNA, possui como pentose, a molécula de ribose, e não desoxirribose. Além disso, enquanto o DNA possui bases timina, o RNA possui bases uracila. Outra importante diferença entre as moléculas de DNA e RNA, é que as moléculas de RNA são compostas por uma única cadeia de nucleotídeos, e não por duas. Como regra geral, sequencias de nucleotídeos no DNA, definidas como um gene, possuem todas as especificações para a síntese de cada molécula de RNA da célula. Desta forma, um gene é definido como uma sequência na molécula de DNA que atua como uma unidade funcional para a produção de uma molécula de RNA. O RNA pode conter a informação para a síntese de proteínas, RNA mensageiro (mRNA), ou ainda possuir função estrutural ou catalítica, RNA não-codificante. 
Em uma célula procariótica, somente 3 a 5% do RNA codificado corresponde a mRNA, sendo que a maior parte do RNA desempenha funções estruturais e catalíticas. Os RNAs mais abundantes na célula são os RNA ribossomais (rRNA), que constituem cerca de 80% de todo RNA de uma célula. Em eucariotos existem quatro tipos de rRNA. Três desses rRNA (5,8S, 18S, 28S) são sintetizados a partir de clivagem e modificações de um único transcrito, enquanto o quarto rRNA (5S) é sintetizado individualmente. Os RNAs transportadores (tRNA) também correspondem a classe de RNAs não codificantes, e são responsáveis por participar da síntese de proteínas no citosol por meio do transporte das unidades de aminoácidos que serão adicionados a proteína sintetizada. 
Outro tipo de RNA não codificante são os microRNAs de interferência (miRNA). Os miRNAs se originam de RNAs precursores que possuem regiões internas auto-complementares, capazes de se parear e formas estruturas do tipo hairpin. Após a transcrição, os precursores de miRNA são reconhecidos e clivados pela enzima dicer em fragmento de aproximadamente 22 nucleotídeos, e se associam a um complexo ribonucleoprotéico conhecido como RISC (RNA-induced silencing complex), atuando como guia para o silenciamento gênico de mRNA específicos, em um importante mecanismo de controle da expressão gênica. Outro tipo de RNA, cujo processamento é similar ao processamento do miRNA, são os pequenos RNAs de interferência (siRNA). No entanto estas moléculas são derivadas a partir de RNA dupla fita de origem exógena (como aquelas provenientes de vírus de RNA), atuando no silenciamento destas sequências e possuindo um importante papel na defesa do património genético celular.
Como esperado, cada biomolécula presente em um organismo vivo possui uma função específica e em geral é fundamental para sua existência. Um fator chave na definição da vida é justamente o grau de organização entre estas moléculas, que é mantido pelos seres vivos, por meio da realização de trabalho. Essa organização é dinâmica, e alterações em um componente provocam mudanças coordenadas ou compensatórias em outro. Desta forma, as interações entre tais biomoléculas são essenciais para a manutenção do estado de organização dos seres vivos e ainda para sua autoperpetuação, em suma, para a perpetuação da vida.

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