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CONVERGÊNCIAS, CONVENIÊNCIAS, IDENTIDADES E REPRESENTAÇÕES: A CERIMÔNIA DE CASAMENTO – UMA TENTATIVA ETNOGRÁFICA O presente trabalho não tem a pretensão de realizar uma análise diferenciada, ou mesmo mostrar alguma originalidade, tampouco tem a ingenuidade em acreditar que o ambiente abordado já não tenha sido ao menos observado; a ideia básica desta tentativa reside em exemplificar, em um ambiente aparentemente homogêneo, diferentes formas de pensamento e categorias de entendimento inseridas, classificadas e representadas, reunidas para um evento cujo perfil pode se dizer parecido com uma apoteose, uma expressão superlativa de um fenômeno social amplamente conhecido, de conhecimento e de reconhecimento geral, em se tratando do nosso objeto de observação, uma cerimônia religiosa de casamento em região urbana da cidade de São Paulo. A cerimônia de casamento, seja em estabelecimento religioso ou não, proporciona aos seus participantes uma curiosa situação, que não será aprofundada aqui porque não se trata do foco, apesar de provavelmente ser perceptível no decorrer das narrativas: a dissimulação dos traços de desigualdade; aspectos sociais cuja percepção não é desejável ou até conveniente para alguns participantes que não sejam visíveis nesse momento são dissimulados dentro de um padrão esperado de conduta e aparência apresentados. Curioso, todavia, é que outros aspectos sociais, manifestamente ávidos em uma exposição que permita uma identificação e diferenciação, são, pelos mesmos motivos, diluídos no caldo aparentemente homogêneo que consiste esse tipo de casamento. Para facilitar a visão, os dois exemplos que se seguem poderão servir para o leitor “enxergar” essas situações durante as etapas do trabalho, pois em praticamente todas é latente essas manifestações: os padrinhos, que não raro, apresentam-se com indumentária padronizada ou semelhante, independentemente da classe social e ou condição econômica, lançando mão, muitas vezes, do recurso do aluguel de roupas; neste caso, diferenças sócio econômicas são mascaradas através da padronização (há ao menos um motivo ritual para isso, que será discriminado mais à frente), nivelando todos pela importância da ocasião. O outro exemplo algumas cerimônias, é quando um onde o uniforme ou farda (no caso é o exemplo) confere diferencial aos mesmos. O exemplo, sendo por si uma exceção, auxilia a compreensão desse desejo de destaque, o qual, raramente, é obtido com logro por a Feita então as observações, ratificando que a cerimônia de casamento, e seus elementos constitutivos são de pleno conhecimento de quem possa ler o presente, a mesma será divida em etapas e/ou momentos com a fi identificação das categorias representativas e classificações que concorrem no decorrer desse tipo de evento. Analogias com outros tipos de eventos, tais como desfiles, jogos envolvendo participantes de diferentes origens, audi mesmo atividades típicas de representantes político representativas abstratamente; entretanto, ao contrário desses exemplos, os participantes, em tese, vêm com o intuito de agir, com sua presença, num sent neste momento específico, sua origem, condição, fama ou qualquer outra classificação, estão em segundo plano, em relação aos “protagonistas”, os quais, sem a sua anuência, não estariam no local. Pode ser considerado, sob diversidade de seus convidados é diretamente proporcional a uma sensação de status ou prestígio, pois denota uma maior presença social em diferentes segmentos representados. pela importância da ocasião. O outro exemplo, que pode vez ou outra ser quando um dos noivos pertence à uma categoria profissional onde o uniforme ou farda (no caso é o exemplo) confere diferencial aos mesmos. O exemplo, sendo por si uma exceção, auxilia a compreensão desse desejo de destaque, o qual, raramente, é obtido com logro por aqueles que assim desejariam diferenciar Feita então as observações, ratificando que a cerimônia de casamento, e seus elementos constitutivos são de pleno conhecimento de quem possa ler o presente, a mesma será divida em etapas e/ou momentos com a finalidade única de permitir a identificação das categorias representativas e classificações que concorrem no decorrer desse tipo de evento. Analogias com outros tipos de eventos, tais como desfiles, jogos envolvendo participantes de diferentes origens, auditórios de programas de televisão, ou típicas de representantes político representativas abstratamente; entretanto, ao contrário desses exemplos, os participantes, em tese, vêm com o intuito de agir, com sua presença, num sentido convergente, reconhecendo que, neste momento específico, sua origem, condição, fama ou qualquer outra classificação, estão em segundo plano, em relação aos “protagonistas”, os quais, sem a sua anuência, não estariam no local. Pode ser considerado, sob o ponto de vista dos noivos, que a diversidade de seus convidados é diretamente proporcional a uma sensação de status ou prestígio, pois denota uma maior presença social em diferentes segmentos ser verificado em dos noivos pertence à uma categoria profissional onde o uniforme ou farda (no caso é o exemplo) confere diferencial aos mesmos. O exemplo, sendo por si uma exceção, auxilia a compreensão desse desejo de destaque, o queles que assim desejariam diferenciarem-se. Feita então as observações, ratificando que a cerimônia de casamento, e seus elementos constitutivos são de pleno conhecimento de quem possa ler o presente, a nalidade única de permitir a identificação das categorias representativas e classificações que concorrem no decorrer desse tipo de evento. Analogias com outros tipos de eventos, tais como desfiles, jogos tórios de programas de televisão, ou típicas de representantes político representativas, podem surgir abstratamente; entretanto, ao contrário desses exemplos, os participantes, em tese, vêm ido convergente, reconhecendo que, neste momento específico, sua origem, condição, fama ou qualquer outra classificação, estão em segundo plano, em relação aos “protagonistas”, os quais, sem a sua anuência, o ponto de vista dos noivos, que a diversidade de seus convidados é diretamente proporcional a uma sensação de status ou prestígio, pois denota uma maior presença social em diferentes segmentos, ali CONVIDADOS Para o referido estudo, poderia haver um ou mais critérios para a discriminação das etapas e dos elementos integrantes da cerimônia; apenas como recurso descritivo, tomou-se como referência para a continuação do trabalho a sequência em que os participantes se inserem no contexto do evento. Torna-se necessário aqui, antes de continuar, uma pequena explicação: as imagens e as narrativas estão se baseando em casamentos realizados em templos católicos, não por alguma preferência ou tendência, mas pela simples conveniência metodológica e etnográfica, face à presença maciçamente majoritária de eventos nestes locais. Considerando o fato de que muitos valores sociais são vivenciados e compartilhados pelos habitantes de São Paulo, independente de suas crenças, as diferenças encontradas em cerimônias realizadas em templos de outras religiões e seitas (separação de homens e mulheres, por exemplo, característicos de uma ou outra seita evangélica e entre os judeus) não são suficientes para alterar as representações e classificações implícitas, ou seja, o que será observado aqui se repete em gênero e grau nas outras instituições religiosas; exceções porventura encontradas acabam por confirmar a regra. Como o nome já diz, os convidados se fazem presentes não antes de serem chamados pelo casal protagonista; o casal, via de regra, realiza a distribuição pessoalmente na maioria dos casos, realizando verdadeira peregrinação no processo invitante, havendo algumas exceções pontuais,como parentes muito distantes, ou desconhecidos de ambos (uma parcela significativa dos convidados tem ligação mais próxima dos pais, os quais algumas vezes se encarregam da entrega, ou também lançam mão do recurso postal para tal feito); mesmo não havendo um relacionamento entre noivos e estes, configura-se aí uma “cota”, uma parcela de poder conferido aos pais, de tal forma que estes também possam se sentir representados e classificados no contexto do evento. No ambiente profissional, encontram-se eventualmente duas formas, mistas de certo modo, de convite: um convite afixado em quadro de avisos, extensivo a todos os funcionários/colegas, e os colegas que, por motivos diversos, são convidados pessoalmente, obedecendo também a uma forma de classificação/qualificação/distinção. Uma visão panorâmica da presença de todos os convidados já instalados no interior do templo, como mostra a ilustração acima, dá a noção exata de como as diferentes categorias representadas se apresentam padronizadas, a despeito de qualquer característica trazida por cada um dos mesmos, nivelando-os especialmente para esse evento. Contudo, se em um exercício de legenda, fosse possível identificar por cores as origens de cada tipo de convidado, perceber-se-ia um mosaico relativamente organizado em sua distribuição espacial dentro do local; um dos motivos pelos quais há uma frenética movimentação do lado de fora do templo reside basicamente em dois motivos: a necessidade de reconhecimento mútuo entre os pares, convidados de mesma origem (trabalho, estudo, família, etc.), e a necessidade de reconhecimento de todos esses pelo noivo, o qual, ao contrário da noiva, se posiciona geralmente na porta do local, como um comitê de boas vindas e de agradecimento. Ser reconhecido, lembrado, com os consequentes cumprimentos atribui uma sutil mas importante ação de classificação formal no sentido de marcar a presença, diluída entre todos os presentes, de ao menos um representante da gama de segmentos escolhidos para participar da cerimônia. Uma vez dentro do local, sempre que possível, a tendência de aproximação dos semelhantes se impõe, completando assim o processo de identidade desses mesmos segmentos. Uma última observação: este é o segmento que possui maior liberdade para declinar do convite, pelo vínculo mais tênue com quem os convidou; a ausência pode nem ser sentida e, se for, tende a ser compreendida com mais facilidade. Esta situação torna-se um irremediável incômodo se ocorrer com os demais segmentos descritos a seguir. PADRINHOS A tradição cristã diz que, nos seus primórdios, seus seguidores, para que não fossem capturados e sacrificados pelo império Romano, realizavam seus cultos em catacumbas, antigos cemitérios; nenhum convertido participaria dos mesmos cultos sem que fossem trazidos por alguém já frequentador, pelos motivos já citados acima. Intitulados na língua inglesa de “God Father” (pai em Deus), ou padrinhos em nossa cultura, esses tinham a responsabilidade de conduzir o novo convertido ao local de culto; essa analogia ainda se faz presente em nossos dias, com sutis diferenças, mas o ponto fundamental reside no fato de que os padrinhos, de certa forma, são formadores de opinião, ou casais que são exemplos vivos da vida matrimonial. Certamente são personagens muito significativos na opinião do casal, tanto que se posicionam no mesmo nível dos noivos (altar, púlpito, etc.), e que adentram na nave pelo mesmo caminho do casal, antes deles (como antigamente, pessoas que já estavam lá antes e que os anunciam), e que saem do local com os noivos ou na frente deles, de forma similar a um grupo de batedores, ou abre alas, abrindo caminho para os protagonistas. São convidados mais do que especiais; possuem, na quase totalidade dos casos, uma forte ligação afetiva com os noivos, e sua seleção obedece ao mesmo padrão de classificação representativa observada com os convidados, sendo também testemunhas do histórico de relacionamento do casal. Evidentemente, não se trata de escolher as pessoas com maior vínculo emocional dentre todos os convidados, mas escolher os de maior vínculo emocional dentre os principais segmentos que envolvem a vida e o cotidiano dos noivos; e nesse caso, permite-se, facilitando ainda mais o reconhecimento e prestígio dos padrinhos junto aos demais convidados, são divididos no altar ou equivalente, de modo que, olhando pela entrada do templo, se colocam à esquerda os padrinhos representativos da noiva, e do lado direito, os representativos do noivo, aumentando o leque de representados, uma vez que boa parcela dos padrinhos são importantes para ambos, permitindo uma maior quantidade de representantes, pois existe a real possibilidade de que haja um ou mais casais que sejam significativos para o noivo e para a noiva. Não há, a rigor, um padrão que defina a quantidade de padrinhos, mas normalmente a quantidade de casais (sempre em casais, ainda que não sejam ou não tenham vínculo real entre si) de um deve ser a mesma para o outro. Fatores como financeiros, tamanho das famílias, e até “político institucionais” (quando uma ou mais pessoas que exerçam grande influência sobre os noivos roga pela inclusão de casais que não apresentem necessariamente vínculo com os mesmos) podem alterar para maior a quantidade de padrinhos. Em uma situação normal, na grande maioria das ocasiões, existe uma distribuição que obedece ao que está disposto abaixo: COLEGAS COLEGAS COLEGAS COLEGAS PARENTES PARENTES PARENTES PARENTES PAIS PAIS NOIVA NOIVO Colegas: de infância, ou de trabalho, ou de escola/faculdade/comunidade. Parentes: irmãos, primos. Cabe neste momento afirmar que existe relação direta entre os participantes e sua distância física do casal; alteração de posicionamento geralmente é consequência da ausência de pessoal (que pode ser da própria casa, ou de pessoal contratado para esse fim) que cuide da ordem cerimonial ou ausência de um ou mais genitores, decorrente de não estarem mais vivos. Existe também, e sujeita às mesmas distorções, uma sequência lógica no momento em que a cerimônia litúrgica se encerra, e os noivos cumprimentam os padrinhos: noivo cumprimenta primeiro padrinhos da noiva e vice e versa, começando com os colegas e terminando com os sogros, do fundo do altar para a frente; depois, os noivos invertem posições e executam o mesmo movimento, agora com os seus próprios padrinhos, terminando com seus pais. A distribuição dos padrinhos pode ser vista como uma síntese do que se vê na plateia, ou na nave do templo, com as principais categorias de classificação representadas. Aqui, mais do que em qualquer momento ou local da cerimônia, a sensação de homogeneização das diferentes classificações sociais se faz presente; como foi dito na introdução deste trabalho, classificações e representações são colocadas em segundo plano, em nome de um evento cujo valor maior está no sentimento, algo que, ao mesmo tempo que não se mensura, é intrínseco a qualquer pessoa: parentes, amigos, colegas, empregados, subordinados, superiores, todos se colocam em igualdade, a ponto de externar esse breve momento através da uniformização de sua indumentária. Os padrinhos estão onde estão também pela forma que são classificados, mas exercem igual importância simbólica. A harmonia expressa nessa distribuição confere, na relação casal – convidados reconhecimento e prestígio aos primeiros. UM PROTAGONISTA ACESSÍVEL: O NOIVO A ilustração acima está propositalmente colocada e escolhida porque exibe duas situações opostas, uma pela regularidade e outra pela raridade, excepcionalidade; a primeira, a entrada exclusiva (embora não haja obrigatoriedade), triunfal e garbosado noivo, e a outra, também já mencionada anteriormente, trata-se da rara oportunidade da inclusão de um elemento particular, diferenciado, em um contexto onde predomina a dissimulação das identidades, classificações e representações. Em um mundo ocidental onde a cultura geral enxerga o uniforme como forma de extirpar a identidade e individualidade de quem o usa, aqui é certamente motivo de orgulho, distinção e consequente prestígio adquirido pelo protagonista. A despeito de um recente período onde militares significavam manifestação de poder opressor, ainda na memória da população, a inserção desse elemento na cerimônia sugere e coloca negrito e sublinha o tom solene, organizado e seguro, uma forma de demonstrar conceitos de solidez, honra e convicção. Importante ratificar a excepcionalidade desta situação visual; a grande maioria das cerimônias apresenta o noivo de uma forma bastante parecida com padrinhos e convidados. Frequentemente, há correlação visual entre este e seus batedores, no tocante à indumentária, ou seja, uma semelhança entre estes, situação impensável quando se observa noivas e madrinhas. Uma outra característica do noivo consiste em uma função diplomático/relações públicas; ao contrário da noiva, que é preservada, reclusa, envolvida em um ambiente de um mistério ritual, o noivo apresenta-se exposto e disponível, como alguém que, a despeito de sua importância, insere-se entre convidados, realizando a recepção dos mesmos, fazendo as “honras” da casa. O reconhecimento dos convidados e suas origens, em termos de classificação social, pelo noivo, legitima e chancela a presença de todos os segmentos representativos na cerimônia, gravados na memória do nubente e registrados através das mídias fotográficas e nas imagens produzidas pelos filmadores. Essa oportunidade de acesso pelos convidados se repete em outra etapa, mas nem sempre ocorrendo nas imediações do templo, ao fim da cerimônia, no momento dos cumprimentos, em situação notadamente informal, onde os noivos então se colocam à disposição de todos, em sinal de agradecimento. O ÁPICE APOTEÓTICO: ENTRADA DA NOIVA Por mais incrível que possa parecer, esse momento, em virtude da exclusividade e distanciamento formal e ritual entre a protagonista e a plateia, é o que apresenta menor incidência de elementos inter-relacionados de classificação e representação. É diferente de dizer que são inexistentes, todavia; a característica mais marcante nesta etapa consiste no sentido unilateral de legitimação e prestígio conferidos, ou seja, a noiva possui, de forma unânime, a atenção, a consagração, a momentânea autoridade e de certo modo, a aquisição legitimada de nobreza monárquica. Não raro verificam-se noivas ornamentadas com tiaras e ou coroas, suscitando a ideia da figura de rainha ou princesa. Nas demais etapas da cerimônia, há uma relação bilateral, ainda que possa ser mais ou menos evidente, entre os personagens citados e os demais presentes; no caso da nubente, essa relação é notadamente unilateral, com todos conferindo atenção e prestígio a ela. As ilustrações mostram duas formas possíveis da apresentação da noiva na cerimônia; a tradição do evento atribui a responsabilidade ao pai para a condução da mesma para o noivo, ratificando o laço familiar fundamental e esperado no evento; contudo, é possível verificar com certa frequência casos em que a noiva entra sozinha, ou com irmãos ou parentes próximos, seja pela recusa desta à figura paterna, seja pela ausência deste por falecimento ou mesmo por protesto, em virtude de situação conjugal desfeita. Em todos os casos, a opção da noiva para a sua entrada costuma ser uma prerrogativa exclusiva desta, não havendo relação simbólica com os presentes, reforçando o distanciamento ritual e formal com os participantes. UMA AUTORIDADE A SERVIÇO: O CELEBRANTE Ocorre, na maioria das seitas e religiões, um forte vínculo entre o templo e a comunidade onde esta se encontra; como em uma cidade pequena, seus membros tendem a se conhecer e também estabelecer vínculos, afetando-se mutuamente, sob a liderança do representante, do sacerdote, mentor, mestre, ou outra nomenclatura pertinente. Mas determinados fatores que caracterizam este local podem fazer com que os casais optem por outras localidades que não o que pertencem: tamanho, distância, estrutura, modismos, entre outros. Isso faz com que a relação do líder religioso com os casais se fragmente, na medida em que o primeiro, em muitos casamentos, seja um completo desconhecido dos segundos. Estes últimos, por sua vez, utilizam critérios para a escolha do local de suas bodas muito distintos dos propósitos que, em tese, fariam os mesmos optarem por uma cerimônia religiosa. A escolha do local, o templo religioso onde ocorrerá a cerimônia, constitui uma das quatro “válvulas de escape” por onde se faz possível uma diferenciação classificatória, com a intenção de atribuir também maior status e prestígio aos contraentes, ainda que este mesmo local não faça parte, sequer geograficamente, da realidade destes e de seus convidados. O caráter aberto e igualitário da maioria das religiões, e em particular das religiões cristãs utilizadas para este trabalho, permitem que qualquer casal possa escolher o templo de sua preferência/ conveniência, bastando apenas realizar alguns poucos procedimentos de ordem burocrática, para controle da instituição religiosa. De certo modo, em alguns casos, é justamente por isso que um ou outro templo é escolhido, para dissimular uma realidade indesejável pelos casais, que pode ser a condição econômica, o fato de que não serem praticantes da religião, entre outros motivos. A consequência imediata destas movimentações reside no caráter formal e até estético da presença do celebrante, lembrando que sua presença torna-se obrigatória pois, ao contrário de um estabelecimento não religioso, onde se faz uma locação do espaço por um determinado tempo, o templo obviamente carrega junto consigo valores onde não faz sentido qualquer atividade com perfil religioso sem a presença de seu representante. Mas as instituições não assistem passivas diante desse conjunto de conveniências veladas; conscientes da importância que adquirem por décadas de atividades, otimizam suas receitas financeiras obtendo contribuição não só dos casais interessados, mas de toda uma gama de prestadores de serviços que acompanham o evento. Decoradores, cerimonialistas, filmadores, fotógrafos, locadores de veículos, músicos, por exemplo, constantemente “contribuem” para a paróquia, como forma de permissão para atuarem. A resultante dessas movimentações consiste em um ritual manifestamente simbólico, não sob o ponto da religião anfitriã, mas das classificações representadas no evento; o celebrante conduz o ritual sob seus princípios a casais que, em uma maioria significativa não a professam minimamente, dirigindo uma congregação aparentemente uniforme, porém desagregada e religiosamente heterogênea, e que por isso podem não se sentir reconhecidos no ritual, mas que tem o poder de homo evento. Em raros casos, não mais do que dois ou três, celebrantes subvertem essa lógica subliminar, e dividem a atenção dos presentes, agregando um perfil de comunicador, inserindo discurso semelhante informações de utilidade pontual sobre a importância do ritual, e de humor inesperado, desequilibrando a seu favor uma balança invisível de conveniências convergentes. A escolha desses celebrantes passa a dissimuladas. SUTIS FORMAS DE CLASSIFICAÇÃO, DIFERENCIAÇÃO E OU DE NIVELAMENTO – PAJENS, MÚSICOS E C Embora apresentem diferenças entre si quanto às utilidades e finalidades, as formas ilustradas permitem aos protagonistas produz quando a ideia é sugerir nivelamento, ou destaque, quando a intenção é sugerirdiferenciação; músicos, pajens e o veículo que os transportará apresentam se sentir reconhecidos no ritual, mas que tem o poder de homologar e dar desfecho Em raros casos, não mais do que dois ou três, celebrantes subvertem essa lógica subliminar, e dividem a atenção dos presentes, agregando um perfil de comunicador, inserindo discurso semelhante ao do cotidiano comum dos presentes, salpicados de informações de utilidade pontual sobre a importância do ritual, e de humor inesperado, desequilibrando a seu favor uma balança invisível de conveniências convergentes. A escolha desses celebrantes passa a ser item desejado no meio das outras prioridades MAS DE CLASSIFICAÇÃO, DIFERENCIAÇÃO E OU DE AS OUTRAS TRÊS VÁLVULAS DE ESCAPE: PAJENS, MÚSICOS E CARRUAGENS apresentem diferenças entre si quanto às utilidades e finalidades, as formas ilustradas permitem aos protagonistas produzirem uma cortina de fum quando a ideia é sugerir nivelamento, ou destaque, quando a intenção é sugerir diferenciação; músicos, pajens e o veículo que os transportará apresentam e dar desfecho ao Em raros casos, não mais do que dois ou três, celebrantes subvertem essa lógica subliminar, e dividem a atenção dos presentes, agregando um perfil de comunicador, ao do cotidiano comum dos presentes, salpicados de informações de utilidade pontual sobre a importância do ritual, e de humor inesperado, desequilibrando a seu favor uma balança invisível de conveniências convergentes. A em desejado no meio das outras prioridades MAS DE CLASSIFICAÇÃO, DIFERENCIAÇÃO E OU DE OUTRAS TRÊS VÁLVULAS DE ESCAPE: apresentem diferenças entre si quanto às utilidades e finalidades, as irem uma cortina de fumaça, quando a ideia é sugerir nivelamento, ou destaque, quando a intenção é sugerir diferenciação; músicos, pajens e o veículo que os transportará apresentam características que satisfazem, sutilmente, uma ou outra categoria representada, ou aos próprios noivos: Pajens: embora sejam personagens não indispensáveis nos rituais religiosos, e sem a preocupação neste momento de explicar a função cerimonial de suas presenças, sejam crianças – maioria esmagadora nos rituais – ou parentes idosos, é indiscutível o fato de são únicas – não existem iguais – e isso constitui, não raro, em oportunidade para a identificação e destaque por parte do segmento de convidados com vínculo de parentesco ou afetivo com estas, bem como furta dos demais convidados a atenção e admiração. Importante para o núcleo familiar responsável pelos pequenos, pois estes, embora nem sempre participem da cerimônia por completo, quando surgem, monopolizam a atenção geral da congregação, e ainda assumem posição semelhante à dos padrinhos e casal, trazendo um segmento que, muitas vezes, encontra-se na uniformidade da plateia. Músicos: neste caso, pela relação diretamente proporcional entre quantidade de músicos e poder aquisitivo existente, constitui-se em um diferencial de capacidade financeira, se suportada pelo próprio casal, ou prestígio, se estes tenham recebido de algum convidado, seja parente, padrinho ou colega de profissão ou escolar. Ainda que estes profissionais estejam localizados em pontos distantes ou pouco visíveis da plateia, a percepção da magnitude da produção sonora por parte dos presentes invariavelmente dá a noção do diferencial contido nesse segmento. Carruagens: aparentemente inapropriado, este último termo estabelece não só uma relação de diferenciação e classificação diante dos participantes, mas também com o público externo, que pode identificar que se trata de um casamento pelo veículo (que pode ser mesmo uma carruagem propriamente dita, com cavalos e cocheiro, até limousines de comprimento similar ao de ônibus), o qual, seja pela sua excentricidade ou pelo alto valor agregado, confere desde antes da chegada ao templo, e dali até o local da recepção informal, uma classificação, mesmo que pontual e temporária, aos transportados. Neste caso, a dissimulação torna-se mais eficaz, pois as alternativas para a escolha das carruagens sempre permitem uma justificativa plausível para a sua presença: casais ricos não precisam locar veículos, e mesmo que o façam, ainda que seja uma limousine de dezoito metros de comprimento, a excentricidade não desqualifica um casal que, não dispondo de recursos, seus ou de terceiros, para uma locação desse porte, podem lançar mão de outros veículos excêntricos (carruagens puxadas a cavalos ou carros antigos, por exemplo) e originais, com custo muito inferior, e obter os mesmos resultados. A mesma percepção por parte de convidados da cerimônia ou das sucedentes, bem como dos transeuntes, acaba por consagrar êxito nos intentos dos casais, nivelando as diferenças, quando existirem. “Ora, a classificação das coisas reproduz a classificação dos homens” – DURKHEIM, Émile & MAUSS, Marcel. “Algumas formas primitivas de classificação”. In Durkheim – Sociologia. Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ática, 1984 (pág. 184). É comum, em eventos sociais onde se é desconhecido ou se conhece pouca gente, assumir uma postura defensiva, discreta e até pouco perceptível, até que se identifique uma ou mais pessoas do mesmo círculo de relacionamento e, imediatamente, se agregar com estes, e assumir postura mais descontraída, bem como marcada no sentido de que neste momento se encontra um grupo com identidade. Esperar uma “deixa”, em uma roda de pessoas que pouco se conhecem, um assunto no qual se supõe ter conhecimento, para que com desenvoltura discorra sobre esse e, dessa forma, marcar posição, criar identidade e, por conseguinte, reconhecimento e classificação. Ambientes metropolitanos, vistos à distância, proporcionam sensação de anonimato e “coloração social” - sob o ponto de vista das diferenças culturais, homogênea; se por um lado uma das vantagens de um indivíduo se perder na multidão dá uma sensação de segurança, por outro lado, a ausência de reconhecimento como indivíduo cria uma necessidade de agregação a um ou mais grupos sócio culturais, absorvendo com o tempo o modo de ver desse ou desses grupos. Se cada segmento usasse um estandarte, ou equivalente, que identificasse sua afiliação, um olhar mais próximo à essa multidão mostraria o quanto as pessoas buscam, avidamente, por uma identidade cultural; camisas de clubes de futebol, penteados diferenciados, vestimentas extravagantes, entre outras formas, reproduzem, ajustadas à uma realidade muito mais plural, mecanismos encontrados nas sociedades ditas primitivas. E sempre que os ambientes apresentem segurança física ou social, onde não exista a possibilidade de perda ou supressão dessas identidades, não só tentam se manifestar como, ao perceberem recíproco respeito pelos outros diferentes grupos, assumem posição mais tênue no que diz respeito a um posicionamento mais antagônico. A cerimônia de casamento enquanto apoteose social, a despeito das diferentes “bandeiras culturais” representadas, exprime como a convivência entre diferentes conveniências pode ser possível e estimulante para a identidade de todas as representações ali presentes. Os sistemas primitivos de classificação nos mostram que a questão não reside na classificação em si, mas no direito a que estas devem ter de existir de forma igualitária. Não é a diferença, é a desigualdade que gera tensão entre as diferentes formas de manifestação social. ALUNO: ROGÉRIO DIAS DE ANDRADE Nº USP: 1710223 PERÍODO: VESPERTINO PROFESSORA: LAURA MOUTINHO
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