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97 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 ESTADO E CIDADANIA Unidade II Os direitos de cidadania no Brasil Nesta unidade vamos estudar os direitos civis, políticos e sociais no Brasil e também os direitos humanos. Os primeiros estão garantidos pela Constituição Federal e os direitos humanos são fruto de construção histórica nacional e internacional, em especial de tratados dos quais o Brasil é signatário, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU), e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, da Organização dos Estados Americanos (OEA). Vamos começar pelo estudo dos direitos civis, políticos e sociais no Brasil, mas temos que lembrar que esses direitos se encontram consagrados nos textos legais brasileiros também pelo fato de o Brasil ser membro da ONU e da OEA e, nessa condição, ter assinado o compromisso de cumprir e fazer cumprir em seu território as declarações de Direitos Humanos (ONU) e de Direitos e Deveres do Homem (OEA). 5 DIREITOS CIVIS NO BRASIL Direitos civis podem ser definidos como aqueles que têm por objetivo garantir as liberdades individuais para que cada ser humano possa definir o que é melhor para sua vida, para o exercício de sua liberdade, para o uso de da propriedade e para usufruir de seus direitos da forma como considerar a mais adequada. É por isso que os direitos civis estão relacionados com o respeito do Estado e dos demais cidadãos às escolhas que cada um faz para sua vida, como, por exemplo, suas ideias políticas, sua religião, seu direito de ir e vir, sua liberdade de expressão, seu exercício profissional, a forma como educa e orienta seus filhos e se conduz no ambiente familiar, entre outras inúmeras escolhas que podemos e devemos realizar como máxima aplicação de nosso direito de autodeterminação. Independentemente de raça, gênero, situação socioeconômica, religião ou qualquer outro fator, todos temos o direito de sermos tratados em igualdade de condições pelo Estado e pelos demais cidadãos, e respeitados em nossa liberdade de escolha no âmbito da vida pessoal. Esses direitos deverão estar claramente garantidos na legislação dos países, de forma que as pessoas possam conhecê‑los e defendê‑los em situações em que sejam desrespeitados. A ONU, em 1948, aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual falaremos mais à frente neste livro, e em 1966 aprovou dois Pactos de Direitos denominados, respectivamente, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Culturais e Sociais. 98 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 Unidade II O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos foi aprovado como decreto no Brasil em 1992, o qual recebeu o número 592, de 6 de julho. O artigo 1° do Decreto determina que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos será “executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém”. E o que contém o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos? Ele inicia com um preâmbulo que contém as razões que lhe deram origem, nos seguintes termos: PREÂMBULO Os Estados Partes do presente Pacto, Considerando que, em conformidade com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas, o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, Reconhecendo que esses direitos decorrem da dignidade inerente à pessoa humana, Reconhecendo que, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o ideal do ser humano livre, no gozo das liberdades civis e políticas e liberto do temor e da miséria, não pode ser realizado e menos que se criem às condições que permitam a cada um gozar de seus direitos civis e políticos, assim como de seus direitos econômicos, sociais e culturais, Considerando que a Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de promover o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades do homem, Compreendendo que o indivíduo, por ter deveres para com seus semelhantes e para com a coletividade a que pertence, tem a obrigação de lutar pela promoção e observância dos direitos reconhecidos no presente Pacto, Acordam o seguinte [...] (BRASIL, 1992) A partir do Preâmbulo, os sucessivos artigos tratam dos direitos civis e políticos que deverão ser garantidos pelos Estados que forem signatários do pacto. Vamos ler alguns dos artigos para ampliar nossa compreensão sobre os direitos civis. Por exemplo: ARTIGO 2 1. Os Estados Partes do presente pacto comprometem‑se a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem 99 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 ESTADO E CIDADANIA discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição. 2. Na ausência de medidas legislativas ou de outra natureza destinadas a tornar efetivos os direitos reconhecidos no presente Pacto, os Estados Partes do presente Pacto comprometem‑se a tomar as providências necessárias com vistas a adotá‑las, levando em consideração seus respectivos procedimentos constitucionais e as disposições do presente Pacto (BRASIL, 1992). Lembre‑se que Estados Parte é o nome pelo qual se designam os países membros da Organização das Nações Unidas e que assinaram o pacto, se comprometendo a cumpri‑lo. A primeira obrigação do Estado Parte é garantir que os direitos designados no Pacto de Direitos Civis e Políticos seja cumprido para todos os cidadãos, independentemente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição, ou seja, para todos e todas sem exceção. Além disso, há incentivo da ONU para que os Estados Parte atuem no sentido de formalizar legislação que objetivamente garanta a realização de direitos e, quando essa legislação não existir, que se comprometam a adotar medidas necessárias para aprová‑las. O artigo 3 determina que os Estados Partes assegurem a homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos civis e políticos enunciados no Pacto; o artigo 6 faz referência ao fato de que o direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida. O mesmo artigo determina ainda que nos países em que a pena de morte não tenha sido abolida, ela só poderá ser imposta nos casos de crimes mais graves e em conformidade com a legislação vigente, e acrescenta que essa pena só poderá ser aplicada após sentença transitada em julgado, ou seja, para a qual não caiba mais nenhum recurso judicial e que tenha sido proferida por um tribunal competente. Em nenhuma hipótese a pena de morte poderá ser aplicada contra menores de 18 anos ou contra mulheres grávidas e os condenados terão direito a pedir indulto ou comutação da pena. Lembrete O Brasil já adotou o regime de punição da pena de morte em sua história recente. Exemplo de aplicação Pesquise quando o regime de punição por pena de morte foi adotado no Brasil e por qual razão. 100 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 Unidade II Igualmente importante é a determinação do artigo 7, que afirma que ninguém poderá ser submetido a tortura,nem a penas ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes e que será proibido submeter uma pessoa sem livre consentimento a experiências médicas ou científicas. Esse artigo foi consequência direta dos episódios ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial, quando médicos e cientistas alemães promoveram atrocidades contra a integridade física e psicológica de judeus e outros prisioneiros de campos de concentração, sob alegação de que se tratavam de experiências médicas ou científicas. Saiba mais Para se aprofundar no assunto, é interessante a leitura dos artigos a seguir: FREDRIGO, F. S.; OLIVEIRA, L. A ascensão da bioética na segunda metade do século XX: da memória do holocausto à afirmação histórica dos direitos humanos. Textos de História, v. 16, n. 1, 2008. Disponível em: <http:// periodicos.unb.br/index.php/textos/article/download/934/601>. Acesso em: 1º fev. 2017. ARAÚJO, V. N. P. O ato médico no crime de tortura. 2012. 166f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2012. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/ tde‑29102012‑163521/publico/Virginia_Novaes_Procopio_de_Araujo.pdf>. Acesso em: 1º fev. 2017. No artigo 8 ficou determinado que ninguém poderá ser submetido a escravidão e nem ao tráfico de escravos, nem será obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios. E o artigo 9 determina que toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais, que ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente, nem tampouco privado de liberdade, salvo por motivos previsto em lei e após ter sido informada das razões da prisão e das acusações contra ela. O artigo 10 ressalta que toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade, respeito e dignidade inerente à pessoa humana. No artigo 12 ficou determinado que toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado terá o direito de nele livremente circular e escolher sua residência. E que toda pessoa terá o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive de seu próprio país. Determina, ainda, que ninguém pode ser privado arbitrariamente do direito de entrar em seu próprio país. O artigo 14 determina que toda pessoa acusada de um delito terá direito de ser informado, sem demora, numa linguagem que compreenda e de forma minuciosa, da natureza e dos motivos da acusação que foi formulada contra ela. Também terá direito ao tempo e aos meios necessários para se defender, inclusive com direito de escolher um defensor. Outros direitos também estão contemplados nesse artigo, sempre no sentido de que o direito de defesa seja garantido e que seja considerada inocente até que seja legalmente comprovada sua culpa. 101 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 ESTADO E CIDADANIA Outro tema importante tratado no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos é o direito de liberdade de pensamento, de consciência e de religião, no artigo 18. Esse direito, segundo o Pacto, implica na liberdade de cada pessoa ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e, consequentemente, a liberdade de praticar essa religião ou crença, de forma individual ou coletiva, pública ou privada, por meio de cultos, celebrações de ritos, práticas e também de ensino, tanto para adultos como para crianças. Ninguém poderá ser obrigado a aceitar uma religião, nem restringido de escolher aquela que deseja, porém o Pacto determina que a liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas. Mas essas limitações nem sempre são simples ou facilmente compreendidas. Leia a notícia a seguir, publicada em 30 de agosto de 2016 sobre o uso da peça de vestuário denominada “burquini”: ONU celebra fim da proibição do burquini na França Cidades tinham proibido a utilização do traje de banho integral islâmico. Conselho de Estado francês suspendeu a medida. O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos celebrou a decisão da justiça francesa de condenar a proibição do burquini. A intervenção judicial foi necessária depois que quase 30 cidades do litoral francês proibiram a utilização do traje de banho integral islâmico, porque alguns consideravam a peça uma provocação contra os valores ocidentais. Para a organização, a restrição contra a peça estimulava a “estigmatização” dos muçulmanos. “Os decretos não melhoram a situação de segurança, pelo contrário, tendem a alimentar a intolerância religiosa e a estigmatização de pessoas de confissão muçulmana na França, em particular das mulheres”, afirma em um comunicado o Alto Comissariado. “Os códigos de vestuário, como os decretos antiburquini, afetam de maneira desproporcional as mulheres e as jovens, e abalam sua autonomia ao negar sua aptidão para tomar decisões independentes sobre sua maneira de vestir”, completa a nota. A agência da ONU advertiu que, de acordo com os parâmetros internacionais dos direitos humanos, os limites à liberdade de qualquer pessoa para manifestar sua religião ou suas convicções, incluindo a escolha das peças do vestuário, “só estão autorizados em circunstâncias muito limitadas, incluindo a proteção da segurança pública, a ordem pública, a saúde pública ou a moral”. Além disso, pelo direito internacional, as medidas adotadas em nome da ordem pública devem ser apropriadas, necessárias e proporcionais, afirma o comunicado. Fonte: ONU... (2016). 102 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 Unidade II A burca é um traje típico das mulheres muçulmanas que atende a uma recomendação expressa do Alcorão, o livro sagrado do islamismo, que determina que homens e mulheres devem se vestir com discrição, em especial quando estiverem em público. A burca tornou‑se um símbolo da repressão talibã no Afeganistão durante o período de 1995 a 2001, quando eles ocuparam o poder e instalaram um regime de prática radical das determinações do livro sagrado. Símbolo da repressão ou não, a burca é importante para a construção da identidade religiosa de parte dos muçulmanos e deve ser respeitada como tal. Por isso, a proibição do “burquini”, traje derivado da burca e utilizado pelas mulheres para irem à praia, causou muita discussão e, segundo a ONU, se tornou uma medida excessiva mesmo que praticada em nome da manutenção da ordem pública. Na atualidade, é preciso considerar também que a França vive um forte trauma decorrente dos atentados terroristas dos quais foi vítima nos anos de 2015 e 2016. Isso talvez explique a necessidade de medidas mais rígidas que, no entanto, devem ser sopesadas e aplicadas de forma proporcional para respeitar o direito dos muçulmanos seguirem suas regras e a segurança de todos ser preservada. O artigo 19 do Pacto de Direitos Civis e Políticos prevê que toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha. E ninguém poderá ser molestado por suas opiniões. Esse é, sem dúvida, um dos principais direitos que uma pessoa pode ter: a liberdade de expressar suas ideias e de buscar informações que que permitam ampliar suas reflexões. A História conheceu muitos momentos em que as pessoas viveram com fortes restrições de acesso a livros, músicas, arte teatral, cinema e outras formas de expressão e construção do conhecimento. Durante o período da ditadura militar de 1964 a 1985,o Brasil praticou a censura de muitas formas, todas elas de triste lembrança. Por fim, o artigo 26 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos determina que todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei. Determina, ainda, que a este respeito, a lei deve proibir todas as discriminações e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra toda a espécie de discriminação, nomeadamente por motivos de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou de qualquer outra opinião, de origem nacional ou social, de propriedade, de nascimento ou de qualquer outra situação. Podemos observar que até hoje, em muitos países do mundo, inclusive no Brasil, não conseguimos garantir de maneira eficaz esses direitos às pessoas, em especial no que diz respeito à discriminação de raça, cor, sexo e religião. Em junho de 2016, um ataque contra uma casa noturna em Orlando deixou 49 mortos. A casa noturna era destinada ao público homossexual e foi atacada por um atirador que também morreu no episódio. Aparentemente, a motivação do atirador tenha sido o preconceito contra homossexuais, em especial após ter assistido a dois homens se beijando. A intolerância levada ao extremo resultou na morte de muitas pessoas, atingidas sem nem saber o que se passava naquele momento. 103 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 ESTADO E CIDADANIA No Brasil, recentemente, vários artistas e jogadores de futebol tomaram a iniciativa de denunciar episódios de racismo ocorridos nas redes sociais, nas ruas e nos estádios. Em todos os casos impressiona a forma agressiva como as pessoas racistas se referem aos negros, com palavras extremamente pesadas, próprias de quem realmente deseja agredir e nutre profundo desrespeito pelo outro. Recentemente, em jogos de futebol na Europa, a torcida foi flagrada jogando bananas no campo para agredir moralmente jogadores negros que estavam em campo. O lamentável episódio ocorreu em jogos de Neymar e Daniel Alves, brasileiros que naquele momento jogavam pelo time espanhol do Barcelona. O fato teve grande repercussão na imprensa em todo o mundo, provocando forte debate sobre o racismo e suas manifestações. Saiba mais Assista ao filme brasileiro: A QUE HORAS ela volta. Dir. Ana Muylaert. Brasil: África Filmes, 2015. 114 minutos. A obra é uma importante reflexão sobre o preconceito social, poucas vezes mencionado porque o preconceito racial é muito mais discutido, mas que nem por isso deixa de ser relevante. Assista ao filme para ampliar suas reflexões sobre o preconceito e suas várias formas de manifestação no Brasil contemporâneo. Como se pode constatar, ainda há muito a ser feito para a eficiente proteção dos direitos civis em todo o mundo e no Brasil. Esse respeito não virá somente por leis nacionais e internacionais, mas também por mudanças culturais que deverão ser incentivadas por todos os cidadãos conscientes dos males do racismo, da violência de gênero, da exclusão social, da discriminação religiosa e do preconceito contra ideias e ideologias. 6 DIREITOS POLÍTICOS NO BRASIL Os direitos políticos estão previstos na Constituição Federal brasileira, no Capítulo IV, denominado Dos Direitos Políticos, cujo artigo 14, está assim redigido: Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular (BRASIL, 1988). 104 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 Unidade II É importante destacar desde o início que o principal instrumento de exercício do direito político é o voto e que ele tem valor igual para todos, ou seja, ninguém pode ser discriminado ou impedido de votar, salvo nos casos expressamente previstos em lei, como, por exemplo, quando a pessoa ainda não adquiriu o direito de votar por não possuir idade para isso. No Brasil, o voto é obrigatório para os maiores de 18 anos até completarem 70 anos, a partir de quando o voto será facultativo como também o é para os menores entre 16 e 18 anos. Também os analfabetos podem exercer o direito de voto de forma facultativa, não sendo, por isso, punidos se não o fizerem. Daniela Romanelli da Silva (2004) define que Direitos políticos são definidos como direito de participação dos cidadãos no governo, na administração e na justiça. Ou, simplesmente, como direitos que facultam a participação dos cidadãos no poder do Estado. Participar significa tão somente tomar parte, associar‑se pelo pensamento ou pelo sentimento. Tal sentido do vocábulo, portanto, não esclarece a essência dos direitos políticos, pois que não informa exatamente qual é a importância da vontade do titular do direito político para o funcionamento do Estado. A expressão participar só começa a dar conta do conteúdo dos direitos políticos se significar aquele processo em que cada pessoa dispõe do mesmo poder que as outras de determinar o resultado final das decisões. Em uma democracia, os direitos políticos se referem sempre ao poder igual atribuído aos membros de uma comunidade política de formar periodicamente a sua vontade coletiva e impô‑la ao Estado, de tal modo que essa vontade seja indispensável para o funcionamento do Estado. No caso brasileiro, a determinação constitucional deixa claro que a vontade popular é indispensável para o funcionamento do Estado e, por isso, o cidadão brasileiro alistado como eleitor exerce suas escolhas no âmbito federal, estadual e municipal, tanto para o Poder Legislativo como para o Poder Executivo. Vale destacar, ainda, que a participação no exercício do direito político não ocorre apenas na capacidade de votar, mas também na capacidade de ser votado para ocupar cargos políticos eleitorais, como de vereador, prefeito, deputado estadual, governador, deputado federal ou senador. É neste sentido que a expressão sufrágio universal, utilizada no texto constitucional, pode ser compreendida: direito do cidadão de eleger e de ser eleito. José Afonso da Silva (1997, p. 309) afirma que [...] as palavras sufrágio e voto são empregadas comumente como sinônimos. A Constituição, no entanto, dá‑lhes sentidos diferentes, especialmente, no seu artigo 14, por onde se vê que o sufrágio é universal 105 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 ESTADO E CIDADANIA e o voto é direto e secreto e tem valor igual. A palavra voto é empregada em outros dispositivos, exprimindo a vontade num processo decisório. Escrutínio é outro termo com que se confundem as palavras sufrágio e voto. É que os três se inserem no processo de participação do povo no governo, expressando: um, o direito (sufrágio), outro, o seu exercício (o voto), e o outro, o modo de exercício (escrutínio). Não é difícil concluir que o conjunto de cidadãos que estejam com sua capacidade eleitoral ativa poderão exercer pelo escrutínio o sufrágio, ou seja, o direito de escolher seus representantes. O alistamento eleitoral, por sua vez, é o momento a partir do qual o cidadão preenche os requisitos para o exercício de voto e comparece perante o Estado para se inscrever e receber, em contrapartida, o documento que o habilitará a esse exercício, que é o título de eleitor. O alistamento é um procedimento administrativo mediante o qual o cidadão comparece para que o Estado verifique se ele atende aos requisitos legais, por exemplo, da idade aquisitiva do direito e, se constatado que preenche esses requisitos, expede o documento comprobatório que permitirá o comparecimento para o exercíciodo direito de escolha. No Brasil, a Justiça Eleitoral é o órgão autorizado pela Constituição Federal a proceder a todos os atos necessários para alistar o eleitor para que ele exerça o direito de voto. O voto no Brasil é sempre exercido de forma direta e tem características fundamentais, como: personalidade, obrigatoriedade formal de comparecimento, liberdade de escolha, sigilo, periódico e com igualdade. Vamos conhecer cada uma dessas características. O voto tem atributo de personalidade porque só pode ser exercido pessoalmente pelo eleitor, sem possibilidade de ser outorgada uma procuração para que outra pessoa exerça esse direito em nome do eleitor. A verificação do eleitor é feita no momento do voto, por meio de apresentação do documento de identidade (título de eleitor ou carteira de identidade). A obrigatoriedade do voto é uma das questões muito discutidas no Brasil contemporâneo, em especial por aqueles que acreditam que se o voto fosse facultativo, as pessoas escolheriam com mais interesse os seus candidatos. Muitos países adotam voto facultativo, como Portugal, por exemplo, e neles a preocupação atual é outra: motivar as pessoas a irem votar porque, desencantadas com os políticos e com algumas práticas de corrupção, os eleitores não se motivam a comparecer para votar, o que faz com que os candidatos sejam eleitos com inexpressivo número de votos, comprometendo em certa medida a sua legitimidade. No Brasil, o comparecimento é obrigatório, embora não se possa garantir que esse comparecimento vai resultar necessariamente na escolha de um candidato, porque as urnas eletrônicas preveem o voto em branco e o voto nulo. No tempo da votação em papel, o eleitor, não raras vezes, aproveitava a 106 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 Unidade II oportunidade para se divertir, votando em pessoas que não eram candidatas ou até votando em animais de zoológico, como aconteceu em São Paulo. Leia a matéria a seguir, escrita por Talita Lopes Cavalcante: Rinoceronte Cacareco: Eleito para vereador em São Paulo, outubro de 1959 Ao longo da história política brasileira, se constituíram diversas formas de protesto diante da questionável qualidade e idoneidade daqueles que se candidatam e se candidataram aos cargos públicos nas eleições municipais, estaduais e federais. Dentre estes protestos, certamente o episódio ocorrido durante as eleições municipais de 1959 em São Paulo foi um dos mais inusitados. Em 1959, a insatisfação popular com o nível dos políticos e candidatos para as eleições tomava conta de São Paulo. Diante deste quadro, o jornalista Itaboraí Martins teve uma ideia que se tornou emblemática das singularidades deste pleito eleitoral. Itaboraí propôs à população paulistana que votasse em Cacareco, um rinoceronte do Zoológico de São Paulo, para o cargo de vereador. A intenção do jornalista era realizar um protesto tanto contra o baixo nível dos 450 candidatos em pauta quanto contra a Câmara Municipal. A ideia de Martins tomou tal proporção, que Cacareco veio a receber 100 mil votos para vereador, numa época em que os votos eram contabilizados em células de papel. Importa notar que o impressionante número de votantes em Cacareco em muito se deu pelo fato de que, inspiradas na ideia do jornalista, diversas gráficas da cidade imprimiram cédulas de votação com o nome do rinoceronte e as distribuíram à população. Para se ter uma noção do “feito” de Cacareco, é preciso ter em conta que o partido mais votado nestas mesmas eleições não chegou a contabilizar 95 mil votos em seu favor. O rinoceronte, que na verdade era uma fêmea, foi o escolhido para se tornar candidato por estar, à época, em evidência no noticiário dos jornais paulistanos, dado que o animal viera do Rio de Janeiro para ficar por seis meses no recém‑inaugurado Zoológico de São Paulo. O episódio ficou conhecido como um dos mais famosos votos de protesto da história política brasileira. Foi tão repercutido que acabou ganhando até mesmo ares internacionais, por meio de uma manchete na revista Time Magazine, sob o título “BRAZIL: The Rhino Vote”. Fonte: Cavalcante (2014). Como podemos constatar, obrigatório ou não, o voto depende de consciência, responsabilidade política e seriedade para que o eleitor não perca a oportunidade de escolher corretamente entre 107 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 ESTADO E CIDADANIA os candidatos aquele que oferece melhor programa político para atingir objetivos positivos para toda a sociedade. O eleitor brasileiro tem ampla liberdade para escolher o candidato que lhe convier, que lhe parecer mais adequado para o exercício das atividades parlamentares ou executivas. Tem liberdade até para não escolher e anular o voto ou então para votar em branco. Mas é preciso enfatizar que a liberdade deve ser exercida com responsabilidade e discernimento, isso é um dever de todo cidadão. Se o eleitor exerce sua liberdade de escolha de forma irresponsável, sem estudar as propostas e o currículo do candidato, ou votando em nomes famosos e/ou bizarros que são utilizados pelos partidos apenas para garantir o número de votos necessários para atingir o quociente eleitoral (já estudado neste livro), ou, ainda, se o eleitor perde a oportunidade de escolha e anula o voto ou vota em branco, demonstra imaturidade política e, sem dúvida, contribui para a baixa efetividade da atuação política no País. É fundamental que no Estado Democrático de Direito os cidadãos cumpram seus deveres políticos para que os melhores resultados sociais sejam obtidos. De nada adianta a garantia de direitos se os deveres não são adequadamente cumpridos. O eleitor brasileiro tem, também, o direito ao sigilo de seu voto. Em nenhuma hipótese será obrigado pela lei a tornar pública sua escolha, e o sistema utilizado para a votação tem que ser indevassável para impedir qualquer divulgação. É para garantir o sigilo do voto que o eleitor entra sozinho na cabine eleitoral e que vários outros mecanismos são adotados, em especial após a utilização da urna eletrônica, sempre com objetivo de garantir que o voto seja inviolável, que ninguém, a não ser o próprio eleitor, saiba quem foi o escolhido entre os candidatos disponíveis. Outro aspecto importante do voto no Brasil é que ele é direto, ou seja, os eleitores escolherão diretamente seus representantes e os governantes para os cargos do Executivo. Durante muitos anos do período de ditadura militar, a escolha de membros do Poder Executivo era indireta, como foi o caso de governadores e prefeitos. Felizmente, esse período foi superado e, na atualidade, a escolha é direta para todos os cargos eleitorais. Além de ser direto, o voto no Brasil também tem por característica a periodicidade, ou seja, os mandatos em todos os graus de representação e de exercício executivo são temporários, sujeitos a um mandato que se extingue com o tempo e que obriga os eleitores a voltarem as urnas para renovar ou reafirmar suas escolhas, nos casos dos cargos que permitem reeleição como acontece com deputados federais, estaduais e vereadores, sem limite de reeleição, ou com prefeitos, governadores e presidente da República, que podem se reeleger por uma única vez. Por fim, o voto no Brasil é marcado pela igualdade no sentido de que independentemente de qualquer atributo, o eleitor brasileiro se equivale a todos os demais e seu voto tem o mesmo valor e poder de todos os outros eleitores. Independentemente de sexo, idade, cor, raça, profissão, nível de 108 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 Unidade II rendimento econômico ou de escolaridade,o eleitor brasileiro se equipara a todos os demais em poder: seu voto vale tanto quanto o de qualquer outro em qualquer lugar do país. De eleitor, o cidadão pode passar para a categoria de candidato a um cargo legislativo ou executivo. Nesse caso, estamos diante do direito de elegibilidade. Elegibilidade é a possibilidade de, atendidos os requisitos legais, um cidadão se tornar candidato a ocupar um cargo Executivo ou Legislativo, por um mandato por tempo determinado. A isso se dá o nome de capacidade eleitoral, que todos podemos ter após cumprirmos requisitos como: • Possuir nacionalidade brasileira ou condição de português equiparado – a Constituição Brasileira disciplinou a matéria de modo que para alguns cargos é preciso possuir nacionalidade de origem e para outros cargos o português equiparado poderá se candidatar em igualdade de condições com brasileiros. • Estar no pleno exercício de seus direitos políticos – só poderá ser candidato aquele que esteja em pleno exercício de seus direitos políticos, sem ter sido condenado a pena de cassação ou de suspensão de direitos políticos. • Possuir domicílio eleitoral na circunscrição – o cidadão que se candidata a um cargo político deve ser domiciliado no local pelo qual se candidatou. • Estar filiado a um partido político regular – no Brasil, ninguém pode ser candidato sem estar filiado a um partido político, porque não existem candidaturas independentes. O exercício dos direitos políticos é utilizado no Brasil para a participação em plebiscitos e referendo. Esse tema foi tratado neste livro quando conceituamos democracia semidireta. Mas sempre é bom recordar que plebiscito é uma consulta prévia sobre um assunto que, posteriormente, será discutido pelo Legislativo Federal; o referendo é uma consulta posterior sobre um ato governamental ou texto de lei, seja para garantir que será efetivado ou para impedir que entre em vigor. Pode ocorrer a perda ou suspensão de direitos políticos somente nos casos determinados pela lei. Nessas hipóteses, o cidadão não poderá votar nem ser votado. O cidadão perderá os direitos políticos quando for cancelada sua naturalização por sentença transitada em julgado ou quando ocorrer uma das hipóteses do artigo 5º, inciso VIII da Constituição Federal, ou seja, recusa de cumprir uma obrigação imposta a todos ou de cumprir prestação alternativa para a qual foi condenado. E os direitos políticos serão suspensos nos demais casos, sendo que entre eles o mais comum tem sido a improbidade administrativa prevista no artigo 37, parágrafo 4º da Constituição Federal. 109 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 ESTADO E CIDADANIA Saiba mais O filme a seguir nos dá uma dimensão do período da ditadura militar brasileira, quando o direito de voto foi banido pelos militares para a escolha de presidentes e governadores. O ANO em que meus pais saíram de férias. Dir. Cao Hamburger. Brasil: Globo Filmes, 2006. 130 minutos. A iniciativa popular para apresentação de leis complementares ou ordinárias é uma forma de exercício de direitos políticos. Na prática, no entanto, esse mecanismo tem se mostrado de difícil aplicação porque o artigo 61, parágrafo 2º, da Constituição Federal exige que o projeto de iniciativa popular seja apresentado a Câmara dos Deputados subscrito por, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuído por cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. Na atualidade, o TSE (BRASIL, 2016c) estima que são 144 milhões de eleitores no Brasil. Para apresentar um projeto de lei por meio de iniciativa popular é preciso que o pedido seja assinado por 1,4 milhão de eleitores, distribuídos por cinco estados da Federação com não menos de 432 mil eleitores em cada um deles. Evidentemente, são números bastantes expressivos e que, por certo, criam enorme dificuldades para aqueles que pretendem apresentar um projeto de lei de iniciativa popular. Apesar da dificuldade, alguns projetos de lei de iniciativa popular foram aprovados nesses anos de vigência da Constituição Federal. Um deles foi o projeto que inseriu na Lei de Crimes Hediondos o homicídio qualificado, que é aquele em que, além de haver a intenção de matar, há também uma prática que torna o crime ainda mais grave, como motivo fútil ou torpe, meios cruéis, acobertamento de outro crime e dificultação de defesa da vítima. Esse projeto é chamado de Lei Daniella Perez, por se referir a um caso muito triste que chocou a sociedade brasileira. Daniella Perez era filha da novelista Glória Perez e foi assassinada por um colega ator e pela mulher dele no final de 1992. O fato foi amplamente divulgado à época e provocou a revolta da sociedade brasileira porque eles saíram sob fiança e aguardaram julgamento em liberdade. A mãe da vítima fatal se valeu de sua ampla popularidade e do apoio de políticos e artistas para obter 1 milhão e 400 mil assinaturas para viabilizar um projeto de lei de iniciativa popular com objetivo de inserir o homicídio qualificado entre os crimes hediondos, tratados com maior severidade pela lei. Exemplo de aplicação Outras leis foram aprovadas no Brasil, após a Constituição Federal de 1988, por iniciativa popular. Pesquise quais foram e aproveite para refletir sobre outras leis que poderiam ser criadas por iniciativa popular. 110 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 Unidade II 7 DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL A proteção dos direitos sociais é oriunda, principalmente, do documento denominado Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) aprovou em 16 de dezembro de 1966 e que foi adotado no Brasil pelo Decreto nº 591, de 1992. Assim como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, também da ONU, esse Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi pensado com o objetivo de tornar os dispositivos da Declaração Universal dos Direitos Humanos juridicamente relevantes, de forma a tornar possível determinar a responsabilidade dos Estados signatários por eventual violação desses direitos. Sobre o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais nos ensina o Prof. Dr. Valério de Oliveira Mazzuoli (2014, p. 95): A maior diferença entre o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto sobre Direitos Civis e Políticos diz respeito às distintas obrigações jurídicas que eles impõem. A capacidade de garantir muitos dos direitos econômicos, sociais e culturais previstos no Pacto relativos a esses direitos pressupõe a existência de recursos financeiros e congêneres, que se sabe não se encontrarem ao alcance de todas as pessoas. Assim, segundo Lindgren Alves, diferentemente do que se passa com os direitos civis e políticos, cuja implementação se torna obrigação imediata, sem condicionantes, para os Estados‑partes, em favor de todos os indivíduos que se encontrem em sua jurisdição, pelo Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os Estados que o ratificam assumem o compromisso de assegurar progressivamente, até o máximo de seus recursos disponíveis, com esforços próprios ou com cooperação internacional, o pleno exercício, sem discriminações, dos direitos nele reconhecidos, podendo os países em desenvolvimento “determinar em que medida garantirão os direitos econômicos [...], àqueles que não sejam seus nacionais” (artigo 2º e parágrafos). Como podemos perceber, na implantação dos direitos econômicos, sociais e culturais é preciso mais que vontade e determinação política dos governos e governantes. É preciso que existam recursos econômicos para que o Estado possa organizar o acesso dos cidadãos aos equipamentos sociaisque efetivarão esses direitos. Assim, não basta garantir por pacto internacional o direito à saúde. É preciso que o Estado Parte disponha de recursos econômicos para viabilizar a construção de hospitais, contratação de médicos, distribuição de medicamentos, entre outras formas que efetivam o direito social à saúde. Observação Estado Parte é a denominação dada aos Estados (países) que integram sistemas internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização dos Estados Americanos (OEA), entre outros. 111 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 ESTADO E CIDADANIA Em outras palavras, para que os direitos econômicos, sociais e culturais sejam implantados, é necessário que existam recursos financeiros que, por vezes, são escassos, insuficientes para atender a todos os cidadãos e, por isso, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Políticos permite que os Estados Parte decidam em que medida vão permitir o acesso de estrangeiros a esses direitos. De fato, se por vezes o recurso é escasso para atender os nacionais, como administrar de forma que também os estrangeiros tenham acesso a eles? Essa é uma preocupação concreta em muitos países do mundo, mesmo alguns dos considerados mais ricos. Se no âmbito dos Direitos Civis e Políticos sua garantia demanda, por vezes, apenas um “não fazer” do Estado, como, por exemplo, não prender injustamente um indivíduo, não condenar um cidadão sem que antes lhe seja dado o direito ao contraditório e a ampla defesa; no âmbito dos direitos econômicos, sociais e culturais, o papel fundamental do Estado é um “fazer”, ou seja, é preciso que o Estado viabilize aos cidadãos acesso à saúde, educação, moradia, pleno emprego, previdência social, assistência social, entre outros. E tudo isso quase sempre tem custos financeiros e devem, portanto, ser efetivados por meio de políticas públicas, que decorrerão da distribuição dos recursos com bom senso, planejamento administrativo e boas práticas de governança pública (ética e respeito aos princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência). Importante que se ressalte que nem todos os direitos sociais impõem custos financeiros aos Estados. É o caso do direito de greve na atividade privada, um direito social dos trabalhadores e que não gera diretamente custos para o Estado. Também a proibição, a discriminação no mundo do trabalho é um direito social de homens e mulheres e, a princípio, não gera custos para o Estado ou para o particular. Há que se ponderar, no entanto, que quando nos referimos a custos, devemos levar em conta que nem sempre podemos pensar apenas nos custos diretos. É preciso lembrar que os custos indiretos também deverão ser computados. No caso da greve, por exemplo, o Estado pode não ser obrigado a despender recursos quando o trabalhador privado resolver cruzar os braços como forma de reivindicação de um direito, mas garantir a segurança de todos os cidadãos é dever do Estado e, nessa medida, ele poderá ter que deslocar tropas policiais para locais em que estejam ocorrendo paralisações de trabalhadores ou passeatas e comícios, para garantir a ordem pública e proteger a integridade física dos demais cidadãos. Tudo isso tem custo que é pago com a arrecadação de tributos, ou seja, com a contribuição de todos os cidadãos de uma determinada comunidade. No Brasil, além do Decreto nº 591 (BRASIL, 1992), que determina em seu artigo 1° que o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, apenso por cópia ao presente decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém, também a Constituição Federal trata detalhadamente dos direitos sociais. E o que são direitos sociais? O Prof. Dr. José Afonso da Silva (1997, p. 286‑287) ensina que São prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de 112 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 Unidade II situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. A igualdade como princípio fundamental que no Brasil emana do artigo 3º da Constituição Federal que determina que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: “III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Para garantir a redução das desigualdades sociais é preciso que todos os cidadãos tenham as mesmas possibilidades de acesso aos instrumentos essenciais para a concretização da dignidade humana. Todos precisam ter acesso aos meios para concretizar saúde, educação, lazer, segurança, moradia, cultura, entre outros elementos essenciais para a autodeterminação do indivíduo, para seu progresso social, moral e intelectual, e para sua emancipação. No entanto, é indiscutível que cada um se desenvolverá em conformidade com seu potencial pessoal que é, como sabemos, diferente para cada pessoa. Mesmo diante de recursos iguais, o desenvolvimento de cada um será diferente, porque todos temos características pessoais diferenciadas e que, no entanto, devem ser respeitadas. O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais contém as linhas mestras dos direitos que deverão ser garantidos a cada cidadão. Logo de início, no artigo 1º, o pacto determina que: Para a consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo, e do Direito Internacional. Em caso algum, poderá um povo ser privado de seus próprios meios de subsistência (BRASIL, 1992). Dispor livremente de suas riquezas naturais é essencial para que um país tenha condições de subsidiar todos os direitos sociais que seus cidadãos precisam dispor como garantia da dignidade humana. Países ricos em minério, petróleo, pedras preciosas, entre outros, devem ser respeitados em sua propriedade para a correta utilização social, embora saibamos todos que essa nem sempre é a realidade, porque muitos países economicamente mais fortes ou conglomerados empresariais internacionais realizam todo o tipo de estratégia, muitas das quais incorretas, para ter acesso a essas riquezas e dispor delas em seu benefício. O Pacto determina ainda que os Estados signatários se comprometam a garantir os direitos nele enunciados e a exercê‑los sem “discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação”. No mesmo sentido, os Estados se comprometem a assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos econômicos, sociais e culturais enumerados no pacto, o que reforça a ideia de banir qualquer forma de discriminação. Em seu artigo 6º, o Pacto determina que os Estados participantes deverão reconhecer “o direito ao trabalho, que compreende o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito, e tomarão medidas apropriadas para salvaguardar esse direito”. As medidas a que se refere o Pacto são, entre outras, 113 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 ESTADO E CIDADANIA incluir a orientação e a formação técnica e profissional, a elaboração de programas, normas e técnicas apropriadas para assegurar um desenvolvimento econômico, social e cultural constante e o plenoemprego produtivo em condições que salvaguardem aos indivíduos o gozo das liberdades políticas e econômicas fundamentais (BRASIL, 1992). Ainda no campo do direito ao trabalho, o pacto determina que sejam assegurados, especialmente, remuneração que proporcione um salário equitativo, ou seja, remuneração igual por um trabalho igual, sem distinção, em particular para as mulheres; existência decente para os trabalhadores e suas famílias; segurança e higiene no trabalho; igual oportunidade para todos serem promovidos em seu trabalho a categoria superior; descanso, lazer, limitação razoável de horas de trabalho e férias periódicas remuneradas. Determina, ainda, o direito de toda pessoa fundar com outros sindicatos, de filiar‑se aos sindicatos de escolha, o direito dos sindicatos de formar federações ou confederações nacionais e o direito destas de filiar‑se ou formar organizações sindicais internacionais. O Pacto garante o direito de greve, que será exercido em conformidade com a lei de cada país. O artigo 9 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Políticos “reconhece o direito de toda pessoa à previdência social, inclusive o seguro social”. No tocante a família, o pacto a define como elemento natural e fundamental da sociedade e, em consequência, determina que a ela deve ser reconhecida a mais ampla proteção e assistência possíveis, especialmente para a sua constituição e enquanto ela for responsável pela criação e educação dos filhos. O matrimônio deve ser contraído com o livre consentimento dos futuros cônjuges. A determinação no sentido de que o matrimônio seja realizado com livre consentimento dos futuros cônjuges pode parecer estranho em nossa cultura, mas sabemos que em muitos países do mundo as mulheres são prometidas em casamento para maridos que sequer conhecem, ou que muitas vezes apenas conhecerão no dia da celebração do casamento. Isso subtrai dessas mulheres um direito fundamental, que é o de escolher o companheiro com o qual virão a constituir uma família. No tocante à maternidade, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais prevê que é preciso garantir a proteção especial às mães por um período de tempo razoável antes e depois do parto. Durante esse período, deve‑se conceder às mães que trabalham licença remunerada ou licença acompanhada de benefícios previdenciários adequados (BRASIL 1992). Também determina o Pacto que deve ser estabelecido limite de idade, de proibição de utilização de mão de obra infantil e a punição para os casos de emprego desse tipo de mão de obra. 114 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 Unidade II Infelizmente, até hoje, em muitos países do mundo e inclusive no Brasil, a realidade de muitas crianças é de completo desrespeito a essa determinação do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Leia atentamente a notícia a seguir, publicada em 13 de novembro de 2015, no portal da Empresa Brasileira de Notícias (2015), sobre os índices atualizados de utilização de mão de obra infantil no Brasil: Exploração de mão de obra infantil cresceu 4,5% em 2014 A exploração da mão de obra infantil no país cresceu 4,5% no ano passado em relação a 2013. É o que revela a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2014, divulgada hoje (13) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a Pnad, em 2013, havia 3,188 milhões de crianças e adolescentes na faixa de 5 a 17 anos de idade trabalhando, e o contingente subiu para 3,331 milhões em 2014. Os meninos representam dois terços desse total. Na faixa dos 5 a 13 anos de idade, em que não pode, por lei, haver trabalho, foi registrada a maior expansão: 15,5% para a faixa etária dos 5 aos 9 anos e 8,5%, dos 10 aos 13 anos. O aumento do trabalho entre adolescentes de 14 e 15 anos de idade aumentou 5,6%. O crescimento foi menor, 2,7%, entre o contingente na faixa de 16 e 17 anos, em que o trabalho é permitido por lei. O IBGE destacou, porém, que embora o aumento tenha sido maior na faixa de 5 a 9 anos, a base é menor. Em números absolutos, o contingente de crianças trabalhando nessa faixa de idade cresceu de 61 mil pessoas para 70 mil. De acordo com a Pnad, dos 3,3 milhões de pessoas ocupadas no grupo de 5 a 17 anos, 16,6% significavam pessoas na situação de trabalho infantil em todo o país, sendo que nas regiões Norte e Nordeste, essa taxa subiu para 27,5% e 22,4%, respectivamente. Também o nível de ocupação das pessoas nessa faixa de idade subiu em comparação a 2013, passando de 7,5% para 8,1%. O maior aumento foi observado no Norte (um ponto percentual), enquanto o menor (0,4 ponto percentual) ocorreu no Sudeste. Fonte: Exploração... (2015). Os índices apontados indicam que é preciso atuar fortemente no sentido de modificar essa situação, com objetivo de proteger a infância para que as crianças desenvolvam apenas as atividades indicadas para essa faixa etária e que consistem basicamente em lazer e educação básica. 115 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 ESTADO E CIDADANIA Saiba mais O portal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) possuem dados significativos sobre a efetividade dos direitos sociais no Brasil. Vale a pena conhecê‑los e consultá‑los para seus trabalhos acadêmicos e atividades profissionais. <http://www.ibge.gov.br>. <http://www.ipea.gov.br>. No artigo 11 o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais reconhece o direito “de toda pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria continua de suas condições de vida” (BRASIL, 1992). Ao mesmo tempo, determina que os Estados signatários tomarão as medidas apropriadas para assegurar a efetividade desse direito, ou seja, os Estados não têm prazo fixado para isso, mas deverão agir no sentido de viabilizar esse direito a todos com brevidade de tempo. O Pacto trata, ainda, da proteção à saúde, de acesso à educação, de participação na vida cultural do país e de acesso aos processos científicos e suas aplicações, tais como medicamentos, procedimentos médicos entre outros. Estabelece ainda a liberdade à pesquisa científica e a atividade criadora como elementos indispensáveis para que elas aconteçam. Quando o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi inserido no contexto legal brasileiro pelo Decreto nº 591, de 1992, que determinou que ele fosse executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém, a Constituição Federal brasileira já estava em vigor desde 5 de outubro de 1988 e, com ela, os direitos sociais haviam sido inseridos como normas. Assim, o artigo 6º da Constituição Federal determina que: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988). No Título VIII, Da Ordem Social, são tratados separadamente os direitos sociais, do artigo 194 em diante. O primeiro direito social tratado é a saúde definida no texto constitucional como 116 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 Unidade II direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988, grifo nosso).A referência a políticas sociais e econômicas, grifada no texto anterior, exatamente para ter destaque, é para não nos esquecermos de que os direitos sociais demandam a existência de verbas públicas que possam ser utilizadas para a implantação e eficiência desses direitos. O artigo 203 da Constituição Federal determina que “a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”. O mesmo artigo destaca ainda que a seguridade social tem por objetivos: a) A proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; b) O amparo às crianças e adolescentes carentes; c) A promoção da integração ao mercado de trabalho; d) A habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e, e) A garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê‑la provida por sua família, conforme dispuser a lei (BRASIL, 1988). O artigo 205 e seguintes da Constituição Federal tratam do direito a educação. No 205 está definido que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). E o artigo 206 define os princípios que serão adotados para a educação e que são: I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; 117 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 ESTADO E CIDADANIA V – Valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI – Gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – Garantia de padrão de qualidade. VIII – Piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal (BRASIL, 1988). A Constituição Federal brasileira determina ainda que todos deverão ter acesso à cultura e ao esporte, como está previsto nos artigos 215 e seguintes e 217. Duramente muito tempo na história política brasileira a crença foi de que as normas que estabeleciam direitos sociais eram normas programáticas, ou seja, para estabelecerem os programas sociais que seriam cumpridos quando a administração pública tivesse os recursos econômicos necessários para concretizá‑las. Com isso, pouco ou nada se poderia exigir dos governantes, porque normas programáticas só seriam executadas a critério de oportunidade deles e não em compasso com as necessidades dos cidadãos. Esse tempo passou, e a Constituição Federal de 1988 deixou claro em vários momentos que os direitos sociais devem ser efetivados o quanto antes e na maior extensão possível. Isso é o que se conclui com a escolha do legislador constituinte de alocar a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, logo no inciso III do artigo 1° do texto constitucional. O Prof. Alexandre de Moraes (2003, p. 60) afirma: A Dignidade da Pessoa Humana – a dignidade é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo‑se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício de direito fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. [...] Ressalte‑se, por fim, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução nº 271 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10.12.1948 e assinada pelo Brasil na mesma data, reconhece a dignidade como inerente a todos os membros da família humana e como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. A dignidade da pessoa humana é o princípio fundamental da Constituição Federal brasileira e que deve ser aplicado na proteção do indivíduo contra o Estado, ou seja, para ser tratado de forma que o 118 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 Unidade II poder público respeite cada cidadão e seus direitos fundamentais; mas, também, de forma que a cada cidadão seja garantido um mínimo essencial para que viva com dignidade, ou seja, para que não lhe falte, por exemplo, o alimento, o acesso a tratamentos de saúde, o abrigo contra as intempéries, o bem‑estar físico e mental mínimo, porém fundamental para que cada cidadão possa viver efetivamente como humano e com dignidade. Todos sabemos que, infelizmente, em muitos lugares do Brasil, ainda não se pode garantir esse mínimo a todos os cidadãos e que muitos ainda padecem de falta de meios básicos para que sua dignidade seja respeitada. Os direitos sociais previstos no artigo 6° da Constituição Federal brasileira e nos demais artigos citados contemplam todo o rol de direitos que deverão ser garantidos ao cidadão brasileiro, de forma que haja efetivamente a concretude da dignidade da pessoa humana. Porém, nesses quase trinta anos de vigência da Constituição Federal, ainda não temos esses direitos concretizados para uma boa parte da população que não tem acesso à saúde, educação, assistência social, cultura, esportes, entre outros elementos essenciais para a boa qualidade de vida. Vários programas sociais ou políticas públicas foram implantados nesses quase 30 anos e muitos deles contribuíram efetivamente para a melhoria das condições de vida da população brasileira, em especial dos mais carentes. Mas é preciso reconhecer que existem brasileiros que ainda estão bem longe do mínimo essencial para viver com dignidade. Leia a matéria a seguir, publicada no portal Rede Brasil Atual (BOLETIM..., 2015) sobre a pobreza extrema no País: Boletim do Ipea destaca aumento da pobreza extrema no país Quebra de tendência de queda dos níveis de pobreza, de 3,63% para 4,03% da população, reflete a desaceleração do crescimento econômico, recuo de renda do trabalho e o congelamento do Bolsa Família São Paulo – A pobreza extrema voltou a subir no país, quebrando a tendência de queda que era observada desde 2005, destaca a 23º edição do Boletim de Políticas Sociais: acompanhamento e análise, lançada hoje (16), em Brasília, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os números são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2013, produzida pelo IBGE. Enquanto a taxa de pobreza extrema cai de 7,58% da população para 3,63% de 2004 a 2012, em 2013 sobe para o patamar de 4,03%. “A desaceleração do crescimento econômico e seus efeitos sobre a renda do trabalho muito provavelmente ajudam a explicar esse desempenho”, afirma o boletim, ressaltando que “além dos possíveis efeitos negativos da desaceleração da economia sobre a renda do trabalho das famílias mais pobres, deve‑se considerar também a ausência de correção monetária do benefício do Programa Bolsa Família como um elemento importante para compreender o movimento recente da taxa de extrema pobreza”. 119 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7ESTADO E CIDADANIA As projeções de aumento da miséria fizeram com que o governo aumentasse, em abril de 2014, os benefícios do Bolsa Família em torno de 10%. Isso, no entanto, não foi suficiente para atenuar os efeitos da inflação durante o período em que o Bolsa Família esteve congelado, desde abril de 2011. No período, a inflação acumulada, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), é de 20,43%. Após os reajustes, o benefício médio mensal passou de R$ 150 para R$ 167. Especificamente para as famílias que recebem o Benefício de Superação da Pobreza (BSP), o pagamento médio passou de R$ 216 mensais para R$ 242, conforme o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Com mais de 500 páginas, a publicação, que pode ser consultada on‑line, analisa periodicamente a evolução da atuação do governo federal nos principais setores que formam o campo social da política pública: previdência social, assistência social, saúde, educação, cultura, trabalho, desenvolvimento rural, igualdade racial e igualdade de gênero. A edição aborda os fatos mais relevantes ocorridos entre o segundo semestre de 2013 e o primeiro semestre de 2014, mas também vai além desses limites para analisar acontecimentos recentes de impacto social, como as Medidas Provisórias 664 e 665, que em dezembro de 2014 alteraram regras de alguns benefícios trabalhistas e previdenciários, como o seguro‑desemprego, o abono salarial e o auxílio‑doença em nome do ajuste fiscal que o governo federal abraçou para o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, frente ao agravamento das contas públicas, de pressões dos setores neoliberais da sociedade e da necessidade de corrigir os rumos da economia para enfrentar o cenário de crise econômica. Fonte: Boletim... (2005). Os problemas sociais brasileiros precisam de maior volume de políticas públicas para serem solucionados, e isso requer recursos econômicos. A administração pública precisa se planejar em todos os níveis, municipal, estadual e federal, para que os recursos alocados nos orçamentos sejam efetivamente utilizados, e a população e o Legislativo precisam se organizar para fiscalizar os valores arrecadados com tributos, os orçamentos construídos e, principalmente, se os recursos públicos estão sendo gastos sem desperdício e sem corrupção. 8 DIREITOS HUMANOS A expressão direitos humanos no Brasil é quase sempre associada a um sentido pejorativo, em especial por parte da mídia que se dedica a programas policiais bastante populares que criticam sistematicamente as comissões de direitos humanos e seus objetivos que, segundo esses programas, são dedicados à defesa de bandidos. Quanta confusão conceitual e quanto preconceito instigado contra os defensores dos direitos humanos no Brasil. Um verdadeiro desserviço que esse tipo de mídia presta à causa dos direitos humanos, sem nenhum respeito à sua construção histórica tão relevante para toda a sociedade contemporânea. Há até uma frase comumente repetida em programas dessa natureza que clamam por direitos humanos para humanos direitos. E há um clamor desses comunicadores para que as comissões de direitos humanos atuem para defender as famílias de vítimas e não os bandidos. 120 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 Unidade II Essa maneira de analisar a existência de comissões de direitos humanos é correta? A forma como os comunicadores de programas policiais se referem aos direitos humanos tem algum sentido ou se trata apenas de preconceito? Vamos tentar entender essas questões com este estudo sobre direitos humanos no Brasil. A expressão direitos humanos tem origem internacional e não nasceu no Brasil. Está associada a todas as declarações de direitos construídas ao longo da história, como já vimos neste livro, em especial a da França e dos Estados Unidos da América. Porém, a declaração mais impactante para nós na sociedade contemporânea foi, sem dúvida, a de 1948, proclamada pela ONU, organismo criado após a Segunda Guerra Mundial e em razão das trágicas consequências desse conflito. As estimativas dos pesquisadores fundadas em documentos da época sinalizam que durante a Segunda Guerra Mundial morreram cerca de 60 milhões de pessoas. Os números exatos jamais serão conhecidos, é bem verdade, mas com certeza foi o conflito que maior número de pessoas matou em toda a história da humanidade. Isso sem contar o número de feridos, de sequelados pela guerra seja no plano físico, no plano psicológico ou em ambos. As gerações subsequentes à Segunda Guerra, tanto na Europa como nos Estados Unidos da América e no Japão, carregaram tristes consequências de tanta violência. Os judeus europeus foram, com certeza, o grupo de vítimas mais marcante pelo número expressivo de mortes em campos de concentração, por câmaras de gás, por maus tratos e privações, por trabalhos forçados, por experiências científicas, como já mencionamos, ou simplesmente para servirem de exemplo do desprezo que os nazistas tinham por aquele povo. Os números de judeus mortos também são estimados, não há como ter precisão, mas o número tradicionalmente mencionado em reportagens e livros é de que tenham sido mortos, durante a Segunda Guerra, 6 milhões de judeus, que significa dois terços dos 9 milhões que residiam na Europa naquele momento histórico. Esse número é fortemente criticado por muitas pessoas que se apresentam como favoráveis a um revisionismo histórico, para que sejam analisados os dados apresentados sobre o holocausto. O que é certeza, no entanto, é que independentemente de números maiores ou menores, a violência praticada contra os judeus europeus foi de grandes proporções e deixou marcas sociais e políticas profundas na história recente da humanidade. Não foram somente os judeus que sofreram durante a Segunda Guerra Mundial como vítimas do nazismo. Ciganos, deficientes físicos e mentais, eslavos (poloneses, russos, tchecos, entre outros do Leste Europeu), homossexuais, adeptos da religião Testemunhas de Jeová, comunistas e socialistas, entre outros, também foram vítimas de perseguição sistemática dos nazistas. Em outubro de 2015, a primeira‑ministra da Alemanha, Angela Merkel, em resposta a um comentário do primeiro‑ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, segundo o qual o holocausto poderia ter tido a colaboração de árabes, respondeu à imprensa mundial com a objetividade característica da cultura alemã: Todos os alemães sabem a história da obsessão maníaca dos nazistas com raça, que levou à ruptura com a civilização que foi o Holocausto. Isso é 121 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 ESTADO E CIDADANIA ensinado nas escolas alemãs por uma boa razão: porque não pode nunca ser esquecido. Sabemos que a responsabilidade por esse crime contra a humanidade é alemã, e é apenas nossa (ALEMANHA..., 2016) Essa declaração muito forte e taxativa é um alento para todos os que acreditam que é preciso relembrar para que esses atos nunca mais voltem a ocorrer na história da humanidade. É uma declaração que liquida com qualquer possibilidade de relativismo histórico sobre os fatos ocorridos na Europa durante a Segunda Guerra Mundial e que nos chama ao compromisso de não esquecer, para não permitir que voltem a ocorrer. Figura 25 – A primeira Assembleia das Nações Unidas Após a Segunda Guerra Mundial foi criada a ONU, cuja formação já estava sendo pensada desde a Carta das Nações, assinada por alguns países do grupo de Aliados em 1942, ainda durante o período da guerra. Em 24 de outubro de 1945, a ONU foi oficialmente instituída, e esse dia ficou conhecido como o “Dia das Nações Unidas”. A primeira Assembleia Geral da ONU ocorreu em 1946, em Londres, ocasião em que ficoudecidido que a sede da entidade seria nos Estados Unidos. O arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer foi um dos profissionais que ajudaram a projetar o prédio em que se encontra instalada a ONU, em Nova York, Estados Unidos. 122 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 Unidade II Figura 26 – Sede da ONU em Manhattan, nos Estados Unidos Em 1948, a ONU publicou sua Declaração Universal, com trinta artigos, que é considerada um “código ético universal na defesa e proteção dos direitos humanos”, como afirma o professor Valério de Oliveira Mazzuoli (2014). Em 1966, a ONU fez aprovar dois Pactos Internacionais, um de Direitos Civis e Políticos, chamado de Pacto Civil, e outro de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, chamado de Pacto Social. Sobre ambos os pactos já tratamos neste livro. Com esses documentos, a ONU preparou o caminho para que todos os países membros cuidassem de acrescentar às suas constituições federais, ou outros textos de lei, a obrigatoriedade de cumprir integralmente todos os dispositivos neles contidos, em especial o elenco de direitos humanos e liberdades fundamentais, estampados na Declaração Universal. A leitura do início da Declaração já evidencia os objetivos que se pretende atingir: Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum, 123 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 ESTADO E CIDADANIA Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão [...] O artigo 1° prevê Artigo I – Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. O artigo 3° determina Artigo III – Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. E, ainda, o artigo 6° ressalta Artigo VI – Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, [s.d.], grifo nosso). O artigo VI é extremamente relevante para análise porque, à primeira leitura, causa certo estranhamento. De fato, como exigir que o ser humano tem direito de ser reconhecido como pessoa? Essa já não seria uma condição inerente ao fato de ser um ser humano? É difícil constatar que em muitos países do mundo, em épocas históricas variadas, o ser humano não foi reconhecido juridicamente como pessoa e, em consequência, por não ser reconhecido como pessoa, também não foi reconhecido como sujeito de direitos. E se não é sujeito de direitos, não pode ser protegido pelas leis!!! Foi o que fizemos no Brasil durante muitos anos com os afrodescendentes, os negros, que na condição de escravos não eram considerados pessoas e, portanto, não eram sujeitos de direito. Somente seus donos é que tinham direitos sobre os escravos, mas estes não tinham direito nenhum, nem à liberdade, nem à vida, nem a serem respeitados. Em outros muitos momentos da história da humanidade, esse mesmo subterfúgio foi utilizado com outras raças e povos. Subtraia‑se a uma raça ou a uma etnia a condição de pessoas e, automaticamente, se subtraiu a ela a condição de sujeito de direito. Isso equivale a impedir que tenha qualquer direito, inclusive sobre sua própria vida. Para prevenir que isso nunca mais aconteça na história da humanidade é que a ONU, no mencionado artigo VI, determinou que todo ser humano tem direito de ser reconhecido como pessoa perante a lei e, exatamente por isso, direito de ser respeitado em sua dignidade, liberdade e integridade física. 124 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 Unidade II Vale a pena ler os outros artigos da Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU. É surpreendente constatar que alguns dos direitos lá elencados são tão óbvios que parece um verdadeiro absurdo que ainda não sejam respeitados em muitos lugares do mundo em que vivemos. E mesmo no Brasil muitos dos direitos lá especificados ainda não são respeitados, o que é bastante lamentável. Direitos humanos podem ser definidos como o conjunto de direitos e garantias que têm por objetivo fundamental o respeito à dignidade humana e a proteção desta contra qualquer tipo de arbítrio do Estado ou de qualquer outro agente, bem como a definição de um rol de condições essenciais para a vida plena de cada ser humano. Em seu portal na rede mundial de computadores, a ONU define direitos humanos como: Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação. O Direito Internacional dos Direitos Humanos estabelece as obrigações dos governos de agirem de determinadas maneiras ou de se absterem de certos atos, a fim de promover e proteger os direitos humanos e as liberdades de grupos ou indivíduos (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, [s.d.]). E destaca que algumas das características fundamentais dos Direitos Humanos são Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor de cada pessoa; Os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas; Os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado de seus direitos humanos; eles podem ser limitados em situações específicas. Por exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido se uma pessoa é considerada culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido processo legal; Os direitos humanos são indivisíveis, inter‑relacionados e interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros não. Na prática, a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos outros; 125 Re vi sã o: F ab ríc ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 03 /1 7 ESTADO E CIDADANIA Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como de igual importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor de cada pessoa (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, [s.d.], grifo nosso). Os direitos humanos são inalienáveis porque não há possibilidade de serem vendidos, nem mesmo cedidos gratuitamente. São universais porque abrangem todos os seres humanos independentemente de sua nacionalidade, sexo, raça, crença religiosa ou convicção política ou filosófica; e indivisíveis porque não se pode respeitar alguns direitos e sonegar outros aos seres humanos, todos os direitos humanos devem ser efetivados e garantidos a todos os seres humanos. Os direitos humanos são, ainda, imprescritíveis, ou seja, ninguém perderá o direito a qualquer um deles em razão de decurso de tempo. Prescrição é um conceito jurídico expresso pelo fato de que alguns direitos, depois do transcorrer de um período de tempo, não podem mais ser
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