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Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC Ano XVIII • nº 209 • Julho 2011 629 Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC DOUTRINA 629629629 A INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO NA VISÃO DO TCU por RENATO GERALDO MENDES Advogado e Consultor jurídico na área de licitações e contratos. Coordenador-geral das Revistas Zênite de Licitações e Contra- tos – ILC e de Direito Administrativo e Responsabilidade Fiscal – IDAF, bem como da Consultoria Zênite. Autor das obras Lei de Licitações e Contratos Anotada (Curitiba: Zênite, 7. ed. 2009) e O regime jurídico da contratação pública (Curitiba: Zênite, 2008). OBJETIVO O objetivo do presente estudo é analisar como o Tribunal de Contas da União (TCU), a mais importante instituição de controle externo do País, tem interpretado uma das mais signi� cativas hipóteses de inexigibilidade de licitação: o inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Pretende-se fazer ponderações acerca da evolução do processo de interpretação que tem norteado o TCU, bem como registrar o nosso entendimento sobre esse fundamental tema da contratação pública. Para tanto, analisaremos o teor das Súmulas nºs 252 e 264, editadas recentemente pelo TCU sobre a matéria, bem como o conteúdo da Decisão nº 427/1999, que está relacionada ao assunto da primeira Súmula citada. Ademais, vamos enfrentar temas que gravitam em torno da inexigibilidade de licitação, tais como: o que é viabilidade de com- petição; a diferença entre competição e disputa; o que é serviço singular; o que é con� ança para � ns de inexigibilidade e quando ela pode ser invo- cada. Outras questões relacionadas serão também objeto de apreciação. A SÚMULA Nº 264 DO TCU Em relação à inexigibilidade, o enten- dimento que norteou as decisões do TCU por muitos anos e que foi � xado ainda na vigência do Decreto-lei nº 200/67 estava sintetizado na Súmula nº 39, cujo conteúdo é o seguinte: A dispensa de licitação para a contratação de servi- ços com pro� ssionais ou � rmas de notória especiali- zação, de acordo com a alínea “d” do art. 126, § 2º, do Decreto-lei nº 200, de 25/02/67, só tem lugar quando se trate de serviço inédito ou incomum, capaz de exigir, na seleção do executor de con� ança, um grau de subjetividade, insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de quali� cação inerentes ao pro- cesso de licitação. (TCU, Súmula nº 39.) Sobre o conteúdo da Súmula nº 39, é opor- tuno fazer uma advertência para o leitor que não aplicou o regime jurídico da contratação pública do Decreto-lei nº 200/67, até porque ele foi revogado há 25 anos, quando passou a vigorar o Decreto-lei nº 2.300/86. Com efeito, é preciso registrar que, até o advento do Decreto-lei nº 2.300/86, não havia a distinção legal entre dispensa e inexigência de licitação, por isso, a Súmula nº 39 do TCU trata da questão sob o rótulo genérico de “dispensa”, e não como hipótese de inexigibilidade, da forma que ocorre atualmente. Aliás, no Decreto-lei nº 200/67, tanto a contratação por exclusividade de fornece- dor como a de serviços com pro� ssionais ou � r- mas de notória especialização eram reguladas no mesmo preceito (alínea “d” do § 2º do art. 126 do citado ato normativo1), e não em preceitos distin- tos, como ocorre hoje em razão dos incs. I e II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Por meio do Acórdão nº 1.437, publicado em 03 de junho de 2011, o TCU aprovou a Súmula nº 264, com o seguinte teor: A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de con� ança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de quali� cação inerentes ao pro- cesso de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/93. Assim, essa nova Súmula revogou a de nº 39. Há indicação expressa no relatório que integra os autos do processo que resultou no Acórdão citado de que a Súmula nº 39 não deve- ria ser revogada, apenas as suas referências legais deveriam ser atualizadas. No entanto, o fato é que, em razão do teor da Súmula nº 264, a única conclusão razoável é entender que a Súmula nº 39 foi revogada. Adota-se aqui a orientação lógica que decorre da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a qual determina: “ A Lei pos- terior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou 1 O teor da alínea “d” do § 2º do art. 126 do Decreto-lei nº 200/67 é: “d) na aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só podem ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos bem como na contratação de serviços com pro� ssionais ou � rmas de notória especialização”. Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC Ano XVIII • nº 209 • Julho 2011630 Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILCDOUTRINA 630630630 quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. No caso presente, a Súmula nº 264 regulou inteiramente a matéria de que tratava a Súmula nº 39, pois, ainda que a referida Súmula não seja lei em sentido formal, o critério indicado na Lei de Introdução baliza o processo de interpretação geral de decisão de conteúdo jurídico. Portanto, não faz sentido manter as duas Súmulas em vigor, mas apenas a de nº 264. No entanto, é certo dizer que o propósito do TCU foi preservar a orientação essencial pre- vista na Súmula nº 39, adaptando os seus termos à nova redação legal decorrente dos atos legis- lativos posteriores. Aliás, cumpre reiterar que essa Súmula foi editada na vigência do art. 126 do Decreto-lei nº 200/67, o qual havia sido revo- gado com a edição do Decreto-lei nº 2.300/86, e este, posteriormente, com a aprovação da Lei nº 8.666/93. Com efeito, a ideia inicial era man- ter o conteúdo integral da Súmula nº 39 e ape- nas atualizar as suas referências legais, ou seja, onde havia menção ao art. 126 do Decreto-lei nº 200/67, passaria a haver referência aos termos do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. O TCU, além de indicar o novo fundamento legal (inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93), fez alterações na redação dos termos constantes da Súmula nº 39, notadamente para (a) acrescer ao substantivo “serviços” o adjetivo “técnico” e (b) para substituir a expressão “serviço inédito e incomum” por “serviço singular”. A alteração pro- duzida pela Súmula nº 264 em relação à redação da Súmula nº 39 é de natureza meramente for- mal, visto que o conteúdo da orientação adotada pela referida Corte não se modi� ca. O acréscimo do adjetivo “técnico” ao subs- tantivo “serviço” foi realizado para atender aos ter- mos da atual redação do próprio inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Ademais, é possível sustentar que o mencionado inc. II existe para atender justamente a contratações de serviços técnicos, pois se o serviço não for técnico, mas artístico, por exemplo, o fundamento da contratação será o inc. III. É possível até ponderar outra categoria de serviços, os de natureza cientí� ca, porque o próprio legislador, ao formatar a regra prevista no § 4º do art. 22, alude a três categorias distintas de serviços (trabalho), a saber: técnico, cientí� co ou artístico. No entanto, entendemos que os serviços cientí� cos podem ser enquadrados no próprio inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 ou, no caso de entendimento diverso, pode-se contratá- -lo com fundamento no caput do art. 25. Ou seja, de uma forma ou de outra, o problema do enqua- dramento seria resolvido. Por outro lado, a substituição da expres- são “serviço inédito e incomum”, que constava na Súmula nº 39, pelo termo “serviço singular” também não representa nenhuma mudança de conteúdo capaz de alterar a orientação � xada.A expressão “serviço singular” foi adotada em ra- zão do que consta no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Como a ideia que norteou a edição de nova Súmula foi a de adaptar a orientação às no- vas referências legais, utilizar a expressão “serviço singular” é, no mínimo, atender a esse propósito. Evidentemente, a substituição das referidas expressões não resolve o problema que se arrasta no tempo, apenas muda os termos da indaga- ção, ou seja, durante a vigência do Decreto-lei nº 200/67, a dúvida era a seguinte: o que é serviço inédito e incomum capaz de autorizar a contra- tação de que trata a alínea “d” do § 2º do art. 126 do Decreto-lei nº 200/67? No entanto, no regime atual, a dúvida é: o que é serviço singular nos ter- mos do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93? Essa é a questão central que envolve a principal hipó- tese especí� ca de inexigibilidade de licitação. Feitas as advertências acima, é preciso dizer que tanto a Súmula nº 264 quanto a de nº 39 sin- tetizaram com muita propriedade, e até mesmo sabedoria, as verdadeiras razões que justi� caram a determinação de que há serviços técnicos pro- � ssionais especializados que não podem ser lici- tados e devem ser contratados, necessariamente, por inexigibilidade. As ditas razões podem ser assim apresentadas: a) o grau de subjetividade em relação à avaliação de determinados tipos de ser- viços, em virtude de suas peculiaridades especiais, impede a adoção de critérios objetivos para adequadas mensuração e avaliação; Por força disso, o legislador reconheceu que: b) os serviços singulares são os que não possibilitam a de� nição de critérios objeti- vos para a seleção da melhor proposta; Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC Ano XVIII • nº 209 • Julho 2011 631 Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC DOUTRINA 631631631 Diante das proposições “a” e “b”, decidiu-se que seria necessário: c) reduzir ao máximo o risco do insucesso da contratação; Para tanto, foi convencionado que: d) a forma mais segura de potencializar a redução do risco do insucesso é por meio da contratação de pro� ssional ou empresa de notória especialização; Assim, é inevitável que: e) a escolha do contratado seja realizada por critério subjetivo baseado no grau de con� ança que a notória especialização propicia; Portanto, concluiu-se: f ) ser inviável contratar serviço singular por meio de licitação, pela impossibilidade de de� nir e mensurar critérios objetivos para a seleção da melhor proposta. Foi com base na lógica acima exposta que o TCU editou a Súmula nº 39, há mais de três déca- das, e manteve a mesma linha de entendimento agora, ao rea� rmar sua orientação por meio da Súmula nº 264. Um aspecto que chama bastante atenção no enunciado da Súmula nº 264, e chamava já na redação da Súmula nº 39, é o emprego do substantivo feminino “con� ança” para indicar o critério que norteará a escolha daquele que será contratado. Assim, por ser fundamental e de compreensão indispensável para a correta apli- cação do conteúdo essencial da Súmula nº 264, começaremos por esse aspecto. Com efeito, cumpre assentar, desde logo, que a ideia de con� ança não é um predicado que resulta da mera consideração de cunho subje- tivo (pessoal) de quem decide (agente), mas de condição objetiva decorrente do conceito que envolve a notória especialização da pessoa con- tratada. Portanto, a palavra “con� ança” signi� ca segurança que se revela na potencialidade de obter o melhor serviço, em face de sua complexi- dade e suas peculiaridades especiais, em razão da notória especialidade que caracteriza o prestador. É a notória especialização que confere con� abili- dade à contratação, e não a preferência de cunho exclusivamente pessoal. Nos termos do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, somente poderá haver con� ança se houver notória especialização, pois aquela decorre desta. Assim, a notória especiali- zação do pro� ssional ou da empresa é a condição que confere objetividade para o que se denomina de con� ança. Sem querer misturar dois regimes jurídicos distintos (o Decreto-lei nº 200/67 e a Lei nº 8.666/93), mas absolutamente harmônicos, é possível entender melhor, como fruto da própria evolução normativa, por que o § 1º do art. 25 da Lei nº 8.666/93 diz que: Considera-se de notória especialização o pro� s- sional ou a empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas ativi- dades, permita inferir que o seu trabalho é essen- cial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato. (Grifamos.) A parte grifada indica os fatores objeti- vos a serem considerados para apurar a notória especialização, visto que são eles que possibi- litaram o destacado conceito do pro� ssional ou da empresa no seu campo de especialidade. Por outro lado, a ideia de con� ança encontra-se implícita na última parte do enunciado e decorre da seguinte sentença: “permite inferir que o seu trabalho é (...) o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato”. Assim, em face do item “a” acima indicado, quis assentar-se no enunciado da Súmula do TCU que “o grau de subjetividade em relação à avalia- ção do serviço, em razão de suas peculiaridades especiais, e que impedem a adoção de critérios objetivos para a sua adequada mensuração e avaliação”, exige que o agente público esco- lha alguém com notória especialização, pois somente assim será possível obter a melhor contratação. Portanto, a con� ança decorre do conceito pro� ssional do executor, e não do desejo pessoal de quem decide. É o conceito pro� ssio- nal que confere con� ança, ainda que o agente público nunca tenha antes ouvido falar no pres- tador, mesmo ele gozando de notoriedade no seu campo de atuação. A con� ança não se funda na mera escolha ou preferência subjetiva do Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC Ano XVIII • nº 209 • Julho 2011632 Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILCDOUTRINA 632632632 agente que contrata, ela é balizada por condição de natureza objetiva, pois decorre do conceito que quali� ca o prestador. Assim como existe um conceito objetivo de boa-fé e de culpa, também existe um conceito objetivo de con� ança. Tal con- ceito é fundamental para a correta aplicação do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, bem como da própria Súmula nº 264. Dessa forma, não há nenhum sentido em argumentar que a ideia de con� ança no pro- � ssional ou na empresa não pode ser invocada para sustentar a contratação decorrente do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, pois isso repre- sentaria conferir ao agente total liberdade de escolha para contratar quem ele desejasse. Esse argumento somente é válido quando não se compreende a de� nição jurídica de con� ança. Portanto, o agente não tem total liberdade para selecionar qualquer um que desejar. Ele tem a liberdade de escolher um entre os notoriamente especializados, o que não afasta a devida e neces- sária justi� cativa da escolha realizada. Um aspecto muito importante apontado no teor da Súmula nº 264 do TCU revela que a licitação exige obrigatoriamente julgamento por critérios objetivos, sob pena de não poder ser exigida. Assim, ao empregar a expressão “insus- cetível de ser medido pelos critérios objetivos (...) inerentes ao processo de licitação”, a Súmula deixa claro que não há possibilidade de trata- mento isonômico se não houver critério obje- tivo de julgamento para nortear a escolha. Na esteira do próprio entendimento que decorreu da orientação materializada na Súmula nº 39, o legislador da Lei nº 8.666/93 determinou que se o objeto, em face das suaspeculiaridades especiais, não permite � xar um critério objetivo de julgamento para a escolha do futuro contra- tado, tal objetividade deve ser deslocada para a notória especialização, e é esta que deve, fundamentalmente, nortear a contratação dos serviços técnicos pro� ssionais especializados. É indispensável advertir que a contrata- ção que envolve a hipótese descrita no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 confere a ela um caráter tipicamente pessoal, ao contrário dos negócios derivados de licitação. Assim, a contratação de serviço singular exige escolha personalíssima, cujo fundamento repousa na notória especiali- zação do contratado. Portanto, enquanto a licitação é norteada pelo princípio da impessoalidade, a inexigi- bilidade é marcadamente informada pelo da pessoalidade. Com efeito, a razão que motivou o legis- lador a exigir que a contratação fosse realizada com pro� ssional ou empresa notoriamente espe- cializado tem relação direta com o grau de risco envolvido na contratação. Ou seja, o legislador pretendeu reduzir o risco da não obtenção de um serviço satisfatório, por ser ele intelectual e de natureza singular. É necessário observar que esta- mos falando em reduzir risco, e não eliminá-lo. A determinação de que a contratação recaia sobre quem é notoriamente especializado tem o justo propósito de evidenciar que essa é a única opção da Administração para obter um serviço capaz de satisfazer a sua necessidade, isto é, resolver o seu problema, o que envolve também a redução do risco de que isso não venha a ocorrer. Com base nessa ordem de ideias, até seria possível cogitar que contratar serviço intelectual de natureza singular por inexigibilidade com fun- damento no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 não é uma opção, mas obrigação, por força do princípio da e� ciência previsto no caput do art. 37 da Constituição, que exige que o gestor viabilize a melhor relação benefício-custo na contratação. Assim, o princípio constitucional da e� - ciência impõe que a Administração planeje cor- retamente suas contratações, adotando medidas adequadas para reduzir os seus riscos e evitando pagar por um serviço que não se revele, sob o ponto de vista potencial, plenamente satisfatório. Com efeito, atender ao interesse público não tem a ver com realizar sempre licitação, mas realizá-la quando for cabível. E, em princípio, não será cabí- vel para contratar serviços técnicos pro� ssionais especializados de natureza singular. Aliás, pelas suas próprias características especiais, os serviços singulares exigem que se potencialize o benefício a ser obtido, em prejuízo do menor preço. Serviço singular é aquele que, para ser pro- duzido, exige que o prestador reúna muito mais do que apenas conhecimento técnico. É neces- sário deter um conjunto de recursos técnicos Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC Ano XVIII • nº 209 • Julho 2011 633 Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC DOUTRINA 633633633 especiais, tais como: conhecimento teórico e prático; experiência com situações de idêntico grau de complexidade; capacidade de compre- ender e dimensionar o problema a ser resolvido; potencial para idealizar e construir a solução para o problema; aptidão para excepcionar situações não compreendidas na solução a ser proposta ou apresentada; capacidade didática para comu- nicar a solução idealizada; raciocínio sistêmico; facilidade de manipular valores diversos e por vezes contraditórios; aptidão para articular ideias e estratégias numa concatenação lógica; capaci- dade de produzir convencimento e estimar riscos envolvidos; bem como criatividade e talento para contornar problemas difíceis e para produzir uma solução plenamente satisfatória. Todos esses atributos indicados não podem ser mensurados objetivamente, o que torna impossível a realização da licitação para a seleção de pro� ssional ou empresa para executar serviço considerado singular, justamente porque a licita- ção pressupõe critério objetivo de julgamento. Portanto, o serviço é singular porque depende de pro� ssional ou empresa que reúna um conjunto de capacidades especiais e incomensuráveis por padrões objetivos. A ideia de singularidade, para os � ns do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, está diretamente relacionada à impossibilidade de de� nir critério objetivo de julgamento para a seleção isonômica do executor do serviço. Daí a concepção de con� ança que decorre da notória especialização. Por outro lado, é necessário ponderar que em se tratando de serviços singulares, não é possível cogitar a possibilidade de realizar licita- ção por meio do tipo técnica e preço. E a razão é simples. Para licitar, independentemente do tipo, é preciso mensurar objetivamente o serviço a ser executado e o critério de julgamento para a escolha do executor, sob pena de não se poder falar em licitação. Ora, o pressuposto da licitação é a possibilidade de tratamento isonômico, e este somente pode ser assegurado se o critério de jul- gamento for objetivo. É exatamente em razão de tal impossibilidade que o legislador determinou que os serviços singulares fossem contratados por inexigibilidade e que o TCU, há várias déca- das, editou a Súmula nº 39. Por � m, é possível a� rmar que a Súmula nº 264 é su� ciente para � xar uma orientação adequada e precisa sobre a questão, desde que os seus termos sejam bem compreendidos. Em que pese tal consideração, cumpre observar que o TCU tem feito outras incursões nesse fantástico mundo que é o da interpretação do conteúdo do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Para tanto, é preciso dizer que a Corte tem priorizado a iden- ti� cação dos requisitos legais que devem ser observados para a perfeita caracterização da referida hipótese de inexigibilidade, conforme se afere do julgado abaixo, o qual será objeto de abordagem nos dois próximos tópicos. A DECISÃO Nº 427/1999 DO TCU A Decisão que analisaremos abaixo foi proferida no último ano da década de 90 e teve como Relator o aposentado Ministro Marcos Vilaça. O teor do Voto da Decisão é: 5. No campo jurisprudencial desta Corte, são emble- máticas, acerca da inexigibilidade de licitação, as Decisões Plenárias nºs 494/94 (TC-019.893/93-0, Ata nº 36/94); 613/96 (TC-004.948/95-5, Ata nº 38/96); e 906/97 (TC-016.921/96-8, Ata nº 53/97) que tiveram grande importância no sentido de � rmar o entendi- mento do Tribunal acerca da correta interpretação a ser dada ao inciso II do artigo 25 da Lei de Licitações, especialmente no que concerne à obrigatoriedade de preenchimento cumulativo de todos os requisi- tos ali estabelecidos para a inexigibilidade da licita- ção, a saber: ser o objeto serviço técnico, conforme estatuído no art. 13, possuir natureza singular e, ao mesmo tempo, deter o pro� ssional ou empresa a ser contratado notória especialização no ramo do ser- viço. 6. Nenhuma dessas deliberações, entretanto enfrentou o dilema ora tratado: quando, apesar de preenchidos os requisitos do inciso II do artigo 25, restar demonstrada a viabilidade de competição, vulnerando, assim, o disposto no caput do mesmo artigo. (TCU, Decisão nº 427/1999, Plenário, Rel. Min. Marcos Vilaça, DOU de 19.07.1999).2 (Grifamos.) Ao � nal, � rmou-se o seguinte entendimento: 8.2. � rmar o entendimento de que a inexigibilidade de licitação prevista no inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 sujeita-se à fundamentada demons- tração de que a singularidade do objeto – ante as características peculiaridades das necessidades da Administração, aliadas ao caráter técnico pro� s- sional especializado dos serviços e à condição de notória especialização do prestador – inviabiliza a competição no caso concreto, não sendo possível a contratação direta por inexigibilidade de licita- ção sem a observânciado caput do art. 25 da Lei 8.666/93. 2 Veiculada na Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC, Curitiba: Zênite, n. 73, p. 254, mar. 2000, seção Tribunais de Contas. Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC Ano XVIII • nº 209 • Julho 2011634 Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILCDOUTRINA 634634634 Ao iniciar a materialização do teor do seu Voto, o Relator deixa claro que o TCU tem encon- trado di� culdade para � xar orientação precisa em relação à hipótese de inexigibilidade prevista no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, citando, inclu- sive, decisões proferidas no decorrer da década de 90 e que foram por ele consideradas emblemáticas. Em seguida, estabelece que o Tribunal � r- mou o entendimento de que, para a correta apli- cação do inc. II do art. 25, é preciso observar os seguintes requisitos: (a) ser o objeto serviço téc- nico, conforme previsto no art. 13; (b) possuir o ser- viço natureza singular; e (c) deter o pro� ssional ou a empresa a ser contratado notória especialização no ramo do serviço. Ademais, registra, ainda, que os referidos requisitos devem ser cumulativos, ou seja, todos devem estar reunidos de forma simul- tânea para tornar inexigível a licitação. Por outro lado, no entanto, o Relator pon- dera que, apesar de ter � xado os requisitos a serem observados, o TCU não havia enfrentado o problema suscitado pelo processo que resultou na Decisão nº 427/1999, isto é, a situação na qual “apesar de preenchidos os requisitos do inciso II do artigo 25, restar demonstrada a viabilidade de competição, vulnerando, assim, o disposto no caput do mesmo artigo”. O Relator quis a� rmar, basicamente, que os requisitos � xados pelo TCU não são su� cientes para justi� car a inexigibili- dade fundada no inc. II do art. 25 se viável a com- petição, ainda que sejam cumulativos. A asserção acima revela principalmente que não havia clareza até então, e ainda convive- mos com o problema em relação a três aspectos fundamentais e indispensáveis para � xar a correta interpretação do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, quais sejam, (a) o que é competição; (b) o que torna a competição inviável; e (c) o que é serviço singular. Sem conhecer profundamente essas realidades e a relação entre elas, não será possível compreender o exato sentido do referido inciso. Não se pode confundir competição com disputa,3 pois são diferentes. Da mesma forma, é preciso ter a compreensão de que singular é o serviço que não pode ser avaliado por um critério objetivo de julgamento, exigindo a contratação 3 Vale dizer: inviabilidade de competição com impossibilidade de disputa. de pro� ssional ou empresa de notória especiali- zação, nos termos de� nidos no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Ora, por força do que a� rmamos até aqui, é possível concluir que não faz nenhum sentido, sob o ponto de vista jurídico, a ques- tão suscitada no relatório que integra a Decisão nº 427/1999, ou seja, a de que seria possível que os requisitos para a aplicação do citado inc. II do art. 25 estejam reunidos e mesmo assim haver viabilidade de competição. Não há nenhum sentido nisso porque, sob o ponto de vista jurídico, é simplesmente impossível. Trata-se de contradição absoluta, com a qual a lógica não convive. No entanto, a questão é muito interessante sob o aspecto da interpretação. Se tais requisitos estiverem reuni- dos, a competição será necessariamente inviá- vel. Por outro lado, se a competição for viável, é porque um dos requisitos indicados pelo TCU (o da singularidade do serviço, por exemplo) não está presente (con� gurado). Mas o que tornou sem sentido a a� rmação constante da Decisão nº 427/1999? Como disse- mos e reiteramos, o problema está na confusão entre competição e disputa. O fato de haver cinco ou seis pro� ssionais ou empresas notoria- mente especializados não signi� ca que será pos- sível a competição, sob o ponto de vista jurídico. O que seria possível, sob tal ponto de vista, é apenas a disputa. Por isso, o legislador diz que “é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição”, e não que é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de disputa. Porém, ao ler a palavra “competição”, nós a compreendemos como sinônimo de disputa, porque a tomamos no sentido atribuído pelos dicionaristas e pelo próprio inc. I do art. 25 da Lei nº 8.666/93, justamente a primeira hipótese espe- cial indicada. No entanto, a palavra “competição” tem sentido muito mais amplo e também diverso. Dessa forma, nos termos do caput do art. 25, com- petição não signi� ca unicamente disputa, não é somente sinônimo de disputa, esse é apenas um dos sentidos que se pode atribuir a ela. A inviabilidade de competição ocorre quando não se pode assegurar tratamento iso- nômico, porque, se for possível, a licitação deve ser realizada, salvo se houver hipótese tipica- mente de dispensa. E não se consegue garantir Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC Ano XVIII • nº 209 • Julho 2011 635 Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC DOUTRINA 635635635 mencionado tratamento, para os � ns da con� gu- ração da inexigibilidade, nas seguintes situações básicas: (a) quando só existe um único fornece- dor (exclusividade prevista no inc. I do art. 25); (b) quando não se consegue escolher o futuro contratado por critérios objetivos de julgamento (singularidade do objeto); (c) quando não se con- segue atender aos prazos de� nidos para o rito formal da licitação;4 e (d) quando a contratação visa a bene� ciar todos os potenciais interessa- dos.5 Nos quatro casos indicados, não é viável assegurar tratamento isonômico, que é o pressu- posto da licitação, por isso ela deve ser afastada. Ou seja, a licitação é inexigível. Com efeito, no caso do inc. I do art. 25, não existe possibilidade de competição, pois é impos- sível a disputa. E ela é impossível por estarmos diante da exclusividade de fornecedor ou mesmo do prestador, incluindo também o serviço no inc. I do art. 25. Assim, se somente uma pessoa pode satisfazer a necessidade da Administração, não há razão lógica para assegurar qualquer igual- dade, pela ausência real de disputa. A hipótese descrita no inc. I do art. 25 é a única, entre as três, que dá à palavra “competição” o sentido próprio de impossibilidade real de disputa. No caso do inc. II do art. 25, não existe viabi- lidade de competição, mas até poderia haver pos- sibilidade real de disputa (ou seja, dois ou mais potenciais competidores), pois o mais provável é que, em cada campo de especialidade técnica, existam dois ou mais pro� ssionais notoriamente 4 Como nos casos de emergência ou urgência de atendimento de situação excepcional, tal como descrito no inc. IV do art. 24 da Lei nº 8.666/93. A ordem jurídica quali� ca a dita situação como de dispensa, e não inexigibilidade, o que seria o mais adequado em nossa opinião. 5 Como no caso de credenciamento, em que a Administração visa a bene� ciar todos os potenciais interessados, ou seja, não se bene� ciará apenas um entre eles, como normalmente ocorreria por meio da licitação. especializados. A� rmar que, na hipótese do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, até seria possível a disputa não signi� ca que existe competição, visto que disputa e competição são coisas distin- tas para os � ns do referido preceito. E a inviabili- dade de competição que decorre do mencionado inciso se fundamenta na impossibilidade de de� nição objetiva para viabilizar a solução (ser- viço) que atenderá plenamente à necessidade da Administração. Ou seja, ainda que existam várias pessoas notoriamente especializadas (isto é, pos- sibilidade real de disputa), não se pode � xar cri- tério objetivo de escolha para de� nir entre A ou B. Logo, só há um tipo de escolha– a subjetiva. Assim, o reconhecimento dessa condição única fez com que o legislador, em vez de admitir uma escolha subjetiva fundada em preferência pura- mente pessoal do agente que decide, criasse uma condição de seleção baseada numa con� ança objetiva que decorre da notória especialização. Tal escolha é subjetiva, mas determinada por uma condição objetiva, isto é, uma condição que não é mera opção pessoal, mas externa a quem julga. Alguém que não tenha entendido a suti- leza do critério exposto poderia sustentar que a existência de várias pessoas notoriamente especializadas justi� caria a realização de lici- tação, por exemplo, por técnica e preço. Aliás, tal possibilidade eliminaria, inclusive, a própria existência da hipótese do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Ora, então porque o legislador não fez isso? Conforme assentamos, a resposta é bem simples e direta, porque a licitação de técnica e preço tem um pressuposto necessário, isto é, ela exige critério objetivo de julgamento, e os ser- viços singulares não podem ser reduzidos a um padrão objetivo de julgamento; se isso fosse possível, eles deixariam de ser singulares. Por tal motivo, o legislador determinou que a Admi- nistração escolhesse pro� ssional ou empresa de notória especialização. Se ele exigisse a licitação para contratar serviços singulares, esta seria uma grande farsa, por ser impossível assegurar a iso- nomia, seu pressuposto fundamental. Além de poder se tornar uma farsa, haveria fragilidade ou incerteza maior para a (estimada e presumida)6 plena satisfação da necessidade que a notória especialização sugere. 6 A questão aqui nada tem a ver com absoluta certeza, mas com provável possibilidade. Essa foi a opção do legislador, visto que não havia outra. OS SERVIÇOS SINGULARES NÃO PODEM SER REDUZIDOS A UM PADRÃO OBJETIVO DE JULGAMENTO Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC Ano XVIII • nº 209 • Julho 2011636 Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILCDOUTRINA 636636636 Portanto, a existência de mais de um pro� s- sional ou empresa de notória especialização não desnatura a inviabilidade de competição, pois esta resulta da impossibilidade de assegurar um dos pressupostos da licitação (o critério objetivo de julgamento) que está relacionado ao objeto, e não à quantidade de pessoas que atuam no mercado. A inviabilidade de competição signi� ca a impossibilidade de assegurar os pressupostos da licitação, e isso não tem necessariamente rela- ção direta com a ideia de possibilidade de even- tual disputa. O fato de existir vários pro� ssionais notoriamente especializados não afasta a inviabi- lidade jurídica de competição. Por conta de tudo o que foi dito, penso que, felizmente, o próprio Plenário do TCU não afastou a aplicação do art. 25, inc. II, da Lei nº 8.666/93 na situação descrita na Decisão nº 427/1999, com base na existência de mais de uma empresa notoriamente especializada, uma vez que, como a� rmado, inexistindo critérios objetivos que asse- gurem o julgamento isonômico, o simples fato de haver mais de um pro� ssional ou empresa de notória especialização não desnatura a inviabili- dade de competição. A SÚMULA Nº 252/2010 DO TCU Em decorrência de inúmeras decisões pro- feridas posteriormente à Decisão nº 427/1999, em 13 de abril de 2010, o TCU editou a Súmula nº 252, cujo teor é o seguinte: A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado. É louvável que o TCU tenha sumulado o seu entendimento acerca dos requisitos que devem estar reunidos para a aplicação do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, pois assim deixa evidente, para os jurisdicionados, o que considera importante para a con� guração da hipótese legal, muito embora se possa até dizer que a referida Súmula não prima pela inovação, pois enuncia o que está literalmente indicado no próprio inc. II do art. 25. No entanto, há um aspecto positivo em rela- ção à Súmula nº 252. Ela parece revelar que o TCU abandonou a ideia de condicionar os requisitos indicados no texto à possibilidade de disputa, conforme havia sugerido o Ministro Marcos Vilaça no processo que resultou na Decisão nº 427/1999, comentada anteriormente. Essa conclusão resulta do fato de não ter sido incluída tal condição no teor da Súmula, pois não haveria sentido para não o fazer se esse fosse o entendimento que norteia a Corte. A QUESTÃO DO ROL TAXATIVO DO ART. 13 DA LEI Nº 8.666/93 A Súmula nº 252 indica entre os requisi- tos, na esteira da literalidade do próprio inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, o seguinte: “serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei”. Tal condição sugere que o cabimento da hipótese do inciso está direta- mente condicionado pelos termos do art. 13 da Lei nº 8.666/93, com o que não concordamos. Por várias razões, não parece adequado dizer que os serviços técnicos pro� ssionais espe- cializados que podem ser contratados por inexi- gibilidade com fundamento no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 são apenas os arrolados textu- almente no art. 13. Um dos motivos é que o art. 13 não pode condicionar o instituto da inexigibilidade de licita- ção, porque ela não decorre dele, mas da própria inviabilidade de competição, cujo fundamento de validade é o inc. XXI do art. 37 da Constituição. Ademais, é oportuno dizer que a hipótese do inc. II do art. 25 descreve um caso especial que não basta em si mesmo, ou seja, ele não tem autono- mia própria, pois seu fundamento de validade é o caput do próprio art. 25. A existência de hipótese especial não afasta a eventual possibilidade de invocar a inviabilidade genérica que decorre da cabeça do art. 25, o que torna totalmente sem sen- tido a tese de que os serviços técnicos pro� ssio- nais especializados são apenas os enumerados no art. 13. Assim, outros serviços técnicos pro� ssio- nais especializados, de natureza singular, podem ser também contratados por inexigibilidade, ainda que não indicados expressamente no art. 13 da Lei nº 8.666/93. E se não podem ser contratados com fulcro no inc. II do art. 25, serão com base no caput do mesmo artigo, sob pena de termos de reconhe- cer que é o inc. II que condiciona o caput do art. 25, e não o contrário. Isso, em interpretação jurídica, caracterizaria absurda contradição. Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC Ano XVIII • nº 209 • Julho 2011 637 Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC DOUTRINA 637637637 É PRECISO FIXAR UMA ORIENTAÇÃO SEGURA SOBRE A INTERPRETAÇÃO DO INC. II DO ART. 25 DA LEI Nº 8.666/93 É inegável que a ideia genérica de inexigi- bilidade e a hipótese especial prevista no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 constituem, segura- mente, alguns dos mais importantes temas que envolvem a contratação pública, pela sua larga utilidade prática para a Administração Pública. A propósito, toda hipótese que implica exceção a uma “regra” constitucional deve ser clara, e sua aplicação, a mais segura possível. Portanto, é inadmissível não saber o que é, para os � ns legais, um serviço singular ou uma competição. Esse cenário precisa mudar. Temos de reconhecer que a conjugação dos conteúdos extraídos das Súmulas nºs 252 e 264 podem resolver o problema atual, e, com base principalmente no teor da Súmula nº 264, é possível � xar uma de� nição clara em torno do que é serviço singular ou o que se deve entender por singularidade para � ns de aplicação do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. É preciso reiterar o que dissemosalhures: se a competição é viável, a licitação é obrigatória, mas se é inviável, a licitação deve ser afastada, e a inexigibilidade passa a ser obrigatória. Nessa linha de raciocínio, é equivocado dizer que a licitação é a regra, e a inexigibilidade, a exceção, pois o que constitui uma regra e a sua exceção, nesse caso, é a viabilidade ou não de competição. E tal viabilidade ou inviabilidade de competição é, normalmente, uma condição que decorre da natureza das coisas, dos acontecimentos, das situações, do mercado, etc. Portanto, a pergunta mais importante na área da contratação pública é: quando a compe- tição é viável e quando ela não é? É a resposta correta que nos permitirá conhecer a verda- deira essência do regime jurídico da contratação pública e saber o que devemos ou não podemos fazer. Mas, para tanto, é preciso antes esclarecer várias questões que gravitam em torno do caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93 e do seu inc. II. Assim, é indispensável a � xação de uma orientação adequada sobre a correta interpreta- ção do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Aliás, penso que é isso que os agentes públicos espe- ram, pois eles têm que atender determinadas demandas que não podem ser viabilizadas por meio da licitação, pelas diversas razões aqui expostas. A propósito, este texto foi escrito com o objetivo de contribuir na � xação de uma orienta- ção adequada para esse importante tema. CONCLUSÕES a) Com base nas Súmulas nºs 252 e 264, ambas do TCU, é possível � xar uma inter- pretação adequada para a correta aplica- ção do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93; b) Com a edição da Súmula nº 264, o TCU reitera sua orientação sobre a contratação de serviços técnicos pro� ssionais especia- lizados de natureza singular e mantém seu entendimento � xado há mais de três déca- das na Súmula nº 39; c) O aspecto que ainda permanece sem de� - nição precisa por parte do TCU diz respeito ao que se deve entender por “serviços sin- gulares” em razão do disposto no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. De nossa parte, entendemos que singular é o serviço técnico pro� ssional especializado que não comporta de� nição e escolha por critério objetivo de julgamento, devendo necessariamente ser contratado com pessoa, física ou jurídica, de notória especialização, a � m de reduzir eventuais riscos e potencializar a melhor relação benefício-custo em razão de certas peculiaridades especiais que caracterizam a necessidade da Administração. A impossi- bilidade de � xar tal condição objetiva afasta a licitação, que tem como pressuposto o tratamento isonômico, e este, por sua vez, a escolha do terceiro por critério objetivo de julgamento. Ou seja, sem critério objetivo de julgamento, não há como assegurar o neces- sário tratamento isonômico; d) O fato de existir mais de uma pessoa notoriamente especializada não afasta a possibilidade de aplicar a hipótese de ine- xigibilidade prevista no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 nem impõe o dever de lici- tar. Conforme demonstramos, o que deter- mina a inexigibilidade de licitação é a invia- bilidade de competição, e não a impos- sibilidade de disputa. Assim, não se deve confundir “competição” com “disputa”, pois Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC Ano XVIII • nº 209 • Julho 2011638 Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILCDOUTRINA 638638638 JULGAMENTO DE LICITAÇÕES PÚBLICAS DE PUBLICIDADE por JOEL DE MENEZES NIEBUHR Advogado. Doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP. Mestre em Direito pela UFSC. Presidente do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina (IDASC). Professor convidado de Direito Administrativo da Escola do Ministério Público de Santa Catarina. Professor convidado de diversos cursos de espe- cialização em Direito Administrativo. Autor dos livros Princípio da isonomia na licitação pública (Florianópolis: Obra Jurídica, 2000); O novo regime constitucional da medida provisória (São Paulo: Dialética, 2001); Dispensa e inexigibilidade de licitação pública (3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011); Pregão presencial e eletrônico (6. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011); Registro de pre- ços: aspectos práticos e jurídicos (Belo Horizonte: Fórum, 2008, em coautoria com Edgar Guimarães); e Licitação pública e con- trato administrativo (2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011); além de diversos artigos e ensaios publicados em revistas especializadas. As licitações públicas para a contratação de serviços de publicidade prestados por intermé- dio de agências de publicidade são regidas por legislação especial, mais precisamente pela Lei nº 12.232/10, que prescreve normas gerais impo- sitivas para a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios. O art. 5º da Lei nº 12.232/10 enuncia que as licitações de publicidade devem adotar, obri- gatoriamente, os tipos melhor técnica ou técnica e preço. Portanto, é vedada a licitação cujo crité- rio de julgamento é baseado exclusivamente no preço. O aspecto técnico deve necessariamente ser levado em consideração para efeito de com- paração das propostas. Em tais licitações, como se depreende do inc. I do art. 6º da Lei nº 12.232/10, ocorre a inver- são das fases, seguindo o padrão da modalidade pregão. Em primeiro lugar, julgam-se as propos- tas, e depois, os documentos de habilitação dos licitantes classi� cados no julgamento � nal. Os licitantes devem apresentar quatro enve- lopes, um destinado à proposta de preço e três des- tinados às propostas técnicas, conforme prescreve o art. 9º da Lei nº 12.232/10. Dos três envelopes com propostas técnicas, um abriga via não identi- � cada do plano de comunicação e outro via identi- � cada do plano de comunicação. O terceiro veicula as demais informações integrantes da proposta técnica, composta de quesitos destinados a avaliar a capacidade de atendimento do proponente e o tais expressões possuem sentidos jurídicos diversos. Portanto, no caso do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, mesmo havendo mais de uma pessoa notoriamente especia- lizada, a competição continua inviável pela impossibilidade de � xar critério de julga- mento objetivo, pressuposto necessário da licitação. A regra é que a licitação deve ser considerada inexigível sempre que o seu pressuposto não puder ser assegurado; e) Na contratação de serviços técnicos pro- � ssionais especializados de natureza singu- lar, em que a solução envolve complexidade e deve ser realizada diretamente pelo pró- prio contratado, é preciso potencializar o benefício a ser obtido, o que se faz por meio da escolha de quem possui notória especia- lização. O legislador � xou essa determinação para garantir a contratação mais e� ciente possível, de modo a atender ao princípio previsto no caput do art. 37 da Constituição; f ) A licitação é norteada pelo princípio da impessoalidade, o qual exige critério obje- tivo de julgamento para a seleção isonômica e imparcial do terceiro. A contratação pre- vista no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 é balizada pelo princípio da pessoalidade, que impõe critério subjetivo de julgamento ancorado pelo elemento con� ança, base- ado na capacidade da pessoa notoriamente especializada. Portanto, não se trata de um critério de con� ança subjetivo exclusiva- mente de quem contrata (do agente que decide), mas relacionado à pessoa que será contratada. Dessa forma, pode-se a� rmar que é critério de con� ança objetivo, pois tem seu fundamento de validade em condi- ção externa, e não interna, de quem julga. Por isso, dizemos que o agente que decide pode nem ter ouvido falar do notoriamente especializado para que a contratação possa se efetivar, justamente porque a con� ança é objetiva, e não necessariamente subjetiva do agente. A exigência de a contratação ser realizada com quem detém notóriaespecia- lização foi a forma encontrada pelo legisla- dor para reduzir o grau de subjetividade da decisão do agente e ampliar a segurança na obtenção de uma contratação e� ciente.
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