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LUTA ANTIMANICOMIAL

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Um trem que fazia viagens sem volta
Era na Estação Bias Fortes que o ‘‘trem de doido’’ fazia sua última parada, os passageiros por vezes nem sabiam onde estavam, ou por que foram parar ali, muitas nem eram tidos como loucas, mas sim excluídos e deserdados sociais.
O trem ganhou esse nome de Guimarães Rosa em seu conto ‘’Sorôro, sua filha e sua mãe’’, fazendo referência aos trens que levavam os judeus para os campos de concentração na segunda guerra mundial. No conto ele relata a angustia de Sorôro que leva para a estação sua única família, a filha e a mãe, que partem no comboio para a cidade de Barbacena, e nunca mais voltariam a se ver.
Ao chegar no Colônia, os pacientes perdiam tudo que possuíam, suas roupas, sapatos, documentos e até mesmo os nomes, eram separados por sexo, idade e características físicas, perdiam toda a sua individualidade e privacidade, sendo expostos ao banho coletivo, e em seguida conduzidos cada um para seu setor, vestindo seu uniforme azul de brim, padronizado e insuficiente contra as baixas temperaturas da região.
Os homens, tinham suas cabeças raspadas, eram levados ao departamento b, os que tinham condições iam para o pavilhão Milton Campos para trabalhar e dormir amontoados em pequenos dormitórios.
As mulheres eram levadas ao departamento A, mais de 80 indigentes, deixavam de ser mães, filhas, irmãs, algumas perdiam o nome de nascimento e eram apelidadas por funcionários. Uma porcentagem era mulheres que não se adequavam ao brasil da época, moças que perdiam a virgindade cedo, prostitutas, esposas trocadas por amantes que acabavam sendo silenciadas no hospital.
Além do trem chegavam viaturas e ônibus, com suas requisições assinadas por delegados, já que antes do Colônia, muitos desses loucos tinham como destino cadeias ou as Santas Casas da Misericórdia. Como a psiquiatria era algo recente e ineficaz no brasil, que teve seu primeiro hospital em 1841, o Colônia era carente de médicos, e teve sua finalidade deturpada logo no começo. Muitos políticos o usaram como curral eleitoral, comprando votos com postos de trabalho bem remunerados para barbacenenses com nível escolar baixíssimo.
O município até hoje ressente a falta do hospício, mas mais tarde acabou atraindo as clinicas particulares, e até a década de 1980, dezenove dos vinte e cinco hospitais psiquiátricos de minas gerais estavam localizados no corredor da loucura, formado por Barbacena, juiz de fora e belo horizonte, juntas, as três cidades somavam 80 dos leitos de saúde mental. Ao passo que a referência era três internações para cada mil beneficiários do pais, estudos revelaram sete para cada grupo de mil, em 1979. Em 1981 a cada duas consultas e meia, uma pessoa era hospitalizada.
- Se existe inferno, o Colônia era esse lugar
Essa frase foi dita por Antônio Gomes da Silva, cabo como era apelidado, de sessenta e oito anos, que foi paciente aos vinte e cinco, ele relata que o desemprego somado a bebedeira e descontrole dos negócios o levou a prisão, hoje, ele nem se lembra mais do motivo pelo qual foi mandado para o colônia. Ele conta que vivia pelado, embora houvesse muita roupa na lavanderia, no começo incomodava ficar nu, mas depois se acostumara. Ficou calado por tanto tempo que foi considerado mudo, e analfabeto.
Em 2003 quando foi morar em uma residência terapêutica de Barbacena, ele encontrou dificuldade em se desvencilhar do hospital, jamais poderia imaginar a privacidade, conforto e ser dono de seu tempo. Mas o hospital estava ali, nos seus pesadelos, e no corpo, sua alma sempre marcada pelos anos de internação, marcada pelos eletrochoques tao intensos que Cabo nem se lembra do que acontecia, pois perdia a consciência após o castigo.
O colega Toninho, se lembra bem, ele revela cabisbaixo que até mesmo ajudou a dar o choque em alguns colegas. Fora abandonado no Colônia aos doze anos pela família, por causa de um quadro de epilepsia 
De acordo com um funcionário aposentado do hospital, o tratamento de choque e uso de medicações nem sempre tinham finalidade terapêutica, mas de contenção e intimidação, Geraldo Magela Franco, trabalhou na unidade sem nem ter formação adequada para lidar com os pacientes, simplesmente aprendeu na cartilha dos mais velhos, aprendendo na pratica o que fazer em determinada situação.
O médico Ronaldo Simões Coelho conta que as descargas eram dadas indiscriminadamente, muitos morriam outros sofriam fraturas graves, eram tantas que as vezes a energia da cidade não aguentava a carga. A eletroconvulsoterapia existe desde 1938 para doenças mentais, ou mesmo para depressão, embora existam correntes contrarias ao seu uso. No brasil só passou a ter mais controle em 2002 quando o CFM estabeleceu regras para o uso, incluindo anestesia geral.
No Colônia o choque era dado a seco, usado como tortura. Para crescer profissionalmente no hospital, os funcionários precisavam passar por todas as experiências, desde o mais simples procedimento, à aplicação do eletrochoque.
Francisca Moreira dos reis, foi uma dessas candidatas, ela e mais vinte mulheres foram sorteadas para realizar uma sessão nos pacientes masculinos, escolhidos aleatoriamente. Sua colega Maria do Carmo, foi a primeira, e seu paciente não resisti, ele morreu ali mesmo na frente de todos vítima de parada cardíaca. Os atendentes simplesmente recolheram o corpo sem vida e retiraram do local. A próxima candidata, com um paciente ainda mais jovem, também não resistiu, era a segunda morte da noite, as aulas estavam só começando. Francisca não suportou e desistiu do curso, voltando para seu antigo setor, a cozinha.
A primeira lembrança que ela tem do Colônia, foi aos dez anos, onde ela servia os pacientes do refeitório feminino, para ajudar sua mãe, Maria Jose Moreira, contratada em 1959. Ela cresceu lidando de perto com a estigma da loucura, sem compreender por que essas pessoas tinham perdido a liberdade, já que os julgados loucos, eram os que protegiam a porta do quarto onde a filha da funcionaria dormiria. Ela não sentia medo, ficou amiga de Conceição Machado, interna que foi mandada ao internato com 15 anos porque reivindicou do pai o mesmo salario que era dado aos filhos homens, e por essa atitude de rebeldia o pai a mandou para o famigerado “trem de doido”.
No hospital, lucida, não aceitava o diagnostico de loucura que lhe foi dado, agredia os guardas e desafiava ordens, como retaliação ficou mais de dois anos em uma cela onde nem batia sol. Usou suas forças para tentar mudar o lugar onde passou a vida toda, levantou a voz para exigir médicos, alimentação de qualidade e assistência digna. Até que um dia indignada, tomou caminho à sala do diretor e gritou que ele provasse do café que ela bebia, dizendo que se servisse para ele tomar, também serviria aos pacientes.
A garra da paciente tocou o coração da funcionária, que passou a respeitá-la, se tornaram tão amigas que quando Chiquinha se casou, como prometido, Conceição estava lá para assistir a cerimonia. 
A mãe de Francisca na época era responsável pela ala de limpeza e higienização do pavilhão feminino, sem saber ler, ela atribuía função aos comprimidos por cor, dois rosas para acalmar, e para reduzir a ansiedade dois azuis.
Ela encorajou Chiquinha a se inscrever no concurso para trabalhar no hospital, e em 1977 ela foi contratada como auxiliar de serviços gerais.

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