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49 Raízes, Ano XVIII, N” 19, maio/99 Introduçªo O processo de privatizaçªo Ø, sem dœvida, um dos eventos econômicos mais significativos dos anos 90. Sua importância serÆ aqui observada como representando o divisor de Æguas entre concepçıes antagônicas de Estado: o Estado produtor-inter- ventor e o Estado neoliberal. Mostrar-se-Æ todo o processo, ocorrido desde meados da dØcada de 70, e enfatizando atravØs das ambi- ciosas e irrealistas propostas do II PND (Plano Nacional de Desenvol- vimento)1. Em um primeiro mo- mento, as estatais foram impossibi- litadas de se autofinanciarem devido ao uso constante dos preços de seus produtos como instrumentos de combate à inflaçªo. TambØm lhes foi incumbido o papel de obter emprØs- timos externos, uma vez que os re- cursos internos estavam direciona- dos ao setor privado. Este fato gerou a autodestruiçªo e sucatagem de vÆrias empresas estatais e sua pos- terior privatizaçªo, muitas vezes, por preços ínfimos e utilizando, na com- pra de suas açıes, moedas de priva- tizaçªo2. Para tanto, este trabalho serÆ di- vidido em cinco partes: introduçªo, trŒs capítulos e consideraçıes finais. No capítulo 1, falar-se-Æ do II PND e de sua proposta de uma nova es- tratØgia industrial de desenvolvi- mento dos setores de base e de in- sumos bÆsicos. Neste novo projeto de desenvolvimento, as empresas estatais seriam o carro-chefe do crescimento econômico e estariam à frente das propostas de manuten- O II PND e o processo de estatizaçªo da dívida externa: a crise das estatais e a sua posterior privatizaçªo ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Nªo Ø triste mudar as idØias; triste Ø nªo ter idØias para mudar. Barªo de ItararØ 1 Cabe ressaltar que, no início do processo de endividamento brasileiro da dØcada de 70, os re- cursos externos captados eram utilizados no financiamento de um ambicioso programa de in- vestimentos em infra-estrutura, insumos bÆsicos e bens de capital decorrentes das propostas do II PND que tinha a finalidade de reduzir a dependŒncia externa do país. 2 As moedas de privatizaçªo sªo dívidas contraídas no passado pelo Governo Federal, que sªo acei- tas como forma de pagamento das açıes das empresas estatais que estªo sendo privatizadas. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Adriana Fiorotti Campos Professora da FAESA (Vitória, ES) e Mestre em CiŒncias Econômicas pela Universidade Federal do Espírito Santo UFES. 50 Adriana Fiorotti Campos çªo das elevadas taxas de crescimento do período do Milagre Econômico. JÆ no capítulo 2, serªo mostrados as trŒs principais vertentes do pro- cesso de estatizaçªo da dívida exter- na, que sªo: 1) a crescente partici- paçªo de entidades pœblicas na captaçªo de recursos externos; 2) o processo de transferŒncia às autori- dades monetÆrias de dívidas exter- nas, originalmente captadas pelo setor privado; e 3) a forma que as- sumiu o processo de renegociaçªo da dívida externa: sabe-se que à partir de 1983 o Banco Central acabou sendo o depositÆrio de expressiva parcela de recursos externos. Serªo enfatizados tambØm a parte que cabe às empresas estatais no processo de estatizaçªo da dívida externa e como a utilizaçªo indevida dessas compa- nhias incorreu em uma sØria crise econômico-financeira das mesmas na dØcada de 80. Enfim, por œltimo, no capítulo 3, avaliar-se-Æ o processo de privatiza- çªo desencadeada pelo Governo Fernando Collor de Mello (1990) atravØs, por exemplo, da criaçªo do PND (Plano Nacional de Desesta- tizaçªo). A partir daí, vÆrias empre- sas lucrativas ou nªo começaram a ser privatizadas. Capítulo 1 O II PND e a nova estratØgia industrial (as empresas estatais como o agente central na manutençªo do cres- cimento econômico) Em um primeiro momento, Ø necessÆrio analisar o período ante- rior ao Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento conhecido como Milagre Econômico pelo cresci- mento acelerado do PIB (11,4% em mØdia de 1968 a 1973). Este cresci- mento foi facilitado, internamente, pela ocupaçªo da capacidade ocio- sa herdada do período anterior. E, externamente, pelas formidÆveis condiçıes: 1) rÆpida expansªo do comØrcio mundial; 2) crescimento sincronizado das economias indus- triais; 3) elevaçªo dos preços dos produtos primÆrios; e 4) tremenda liquidez do sistema monetÆrio inter- nacional. O setor de bens de consumo du- rÆveis, neste período, era o carro- chefe do crescimento brasileiro. Sua rÆpida expansªo, se comparada ao setor de bens intermediÆrios, provo- cou o aumento do volume de impor- taçıes desses bens devido a sua pro- duçªo ser menor do que a demanda interna por certos insumos (aço, petróleo, químicos, etc.). Em 1973, a economia operava a plena capaci- dade, logo, para manter as altas ta- xas de crescimento seriam necessÆ- rias altas taxas de acumulaçªo (a impossibilidade destas taxas eleva- das poderia limitar o crescimento). AlØm disso, um crescimento mais acelerado dos investimentos aumen- taria as importaçıes de bens de ca- pital, podendo prejudicar ainda mais a balança comercial. Antes do 1” Choque do Petróleo, havia uma clara tendŒncia a desequi- líbrios no balanço de pagamentos e esta tendŒncia foi agravada ainda mais com este choque externo de oferta. Isto se deu pelo fato de o Brasil importar cerca de 80% deste insumo e, tambØm, por serem limi- tadas no curto prazo as possibilida- des de substituiçªo de importaçıes de petróleo e outros insumos bÆsi- cos. Somada a este aumento do ní- vel das importaçıes brasileiras vem uma reduçªo do seu nível de expor- taçªo, principalmente em funçªo da política recessiva adotada pelos países industrializados como respos- ta ao choque do petróleo e a tambØm decorrente da relativamente reduzi- da propensªo a gastar dos países exportadores deste produto. Logo, a economia brasileira, as- sim como todas as economias mun- diais, necessitava fazer um ajuste e tinha trŒs alternativas de escolha: 1) ajustamento macroeconômico reces- sivo (promover o desaquecimento da demanda interna); 2) crescimento com endividamento; ou 3) realizar um ajustamento estrutural (endogei- nizar o ciclo, dinamizar o crescimen- to e interiorizar a produçªo de ca- pital). O II PND foi a tentativa de co- locar em prÆtica a terceira alterna- tiva de ajustamento. Como afirma Serra (1982), o II PND foi o mais importante e concentrado esforço do Estado desde o Plano de Metas no sen- tido de promover modificaçıes estru- turais na economia. Como jÆ foi visto acima, em 1973, os problemas da economia brasileira eram: 1) o atraso nos setores de bens intermediÆrios e de bens de capital; 2) uma forte dependŒncia externa do petróleo; e 3) o elevado desequilíbrio externo. Assim, o II PND identificou o problema da transformaçªo de recursos domØsti- cos em divisas que o Brasil passava 51 a enfrentar a partir de 1974, e inter- pretou-o como sendo de ordem es- trutural. Elegeu como prioritÆrios os setores de insumos bÆsicos, o setor energØtico e o de bens de capital. No entanto, esta prioridade nªo visava apenas corrigir desbalanceamentos, como poder-se-ia supor, mas obje- tivava, principalmente, aumentar a oferta de bens competitivos, tanto para o atendimento do mercado interno quanto para obter uma ele- vaçªo do nível das exportaçıes. Este período Ø assim avaliado por Dalco- muni: No que se refere ao comportamen- to da economia, portanto, em 1974, após o primeiro Choque do Petróleo, inicia-se um processo de desaceleraçªo do ritmo de produçªo corrente na in- dœstria e da expansªo planejada da indœstria de bens de produçªo. Ou seja, a conjuntura econômica do início do governo Geisel Ø bastante complexa: no plano externo, a economia mundial impactadapela elevaçªo drÆstica dos preços do petróleo vivencia um subs- tantivo desaquecimento da atividade econômica, fruto de medidas de ajus- tamento à nova conjuntura, adotadas por países como EUA, Holanda e Ale- manha, dentre outros. AlØm da retra- çªo dos mercados, o Choque do Pe- tróleo provocou, ainda, um transtorno das contas externas nacionais, atravØs da substantiva elevaçªo dos valores das importaçıes. O dØficit da balança comercial brasileira em 1974 foi de US$ 9,9 bilhıes. No plano interno, por outro lado, a economia parecia tender para uma reversªo cíclica após o auge da expansªo econômica ocorrido atØ 73. O atingimento da plena utilizaçªo da capacidade instalada na indœstria, ao final do período do milagre, impu- nha dificuldades de se manter taxas elevadas de crescimento sem a efetiva- çªo de maciços investimentos na eco- nomia. AlØm disso, problemas relaci- onados à crise energØtica e escassez de matØrias-primas acentuavam os pro- blemas do balanço de pagamentos. Em face à complexidade conjuntural, o governo Geisel opta pelo crescimen- to com endividamento externo. Cres- cimento, esse, direcionado ao: autoa- bastecimento de insumos estratØgicos; desenvolvimento de novas vantagens comparativas que minimizassem as vulnerabilidades do Brasil frente às crises mundiais, desenvolvimento tec- nológico nas mais diversas Æreas (in- fra-estrutura, indœstria de base e indœs- tria de ponta), rumo, em síntese, à superaçªo da crise e à elevaçªo da eco- nomia brasileira à condiçªo de econo- mia desenvolvida. Inicia-se no Brasil a fase dos Grandes Projetos. (DAL- COMUNI, 1990, pp. 69-70). Para resolver os problemas acima citados, quais sejam, o atraso nos setores de bens intermediÆrios e de bens de capital, uma forte dependŒn- cia externa do petróleo e o elevado desequilíbrio externo, Serra (1982) cita as principais metas do II PND: 1) que entre 1974 e 1979 a economia (PIB) deveria crescer 10% ao ano, a indœstria a 12%, a agricultura a 7% e as exportaçıes aproximadamente 2 vezes e meia (em volume); 2) subs- tituir aceleradamente as importaçıes no setor de bens de capital e insu- mos bÆsicos; 3) desenvolver grandes projetos de exportaçªo de matØrias- primas; e 4) aumentar intensamente a produçªo interna de petróleo e a capacidade de geraçªo de energia hidrelØtrica, desenvolver o transporte ferroviÆrio e o sistema de telecomu- nicaçıes, e realizar um amplo pro- grama de eletrificaçªo rural, irriga- çªo e construçªo de armazØns e cen- trais de abastecimento. Para Serra (1982), o II PND foi parcialmente desativado a partir de meados de 1976 devido, fundamen- talmente, à adoçªo de uma política antiinflacionÆria de natureza con- tencionista. A tentativa de conter as importaçıes mediante o aumento de seus preços relativos foi um dos fa- tores que impulsionou a inflaçªo, gerando reaçıes contencionistas na política econômica. Mas em uma sociedade habituada à instabilidade de preços e a um sistema de indexa- çªo formal (ou de fato) generaliza- do, a taxa de inflaçªo nªo Ø apenas resistente à baixa como tambØm, frente a determinados choques ou impulsos, tende a propagar-se a ele- var-se com rapidez. Ele ainda afirma que este plano obteve Œxito tanto na substituiçªo de importaçıes de produtos intermedi- Ærios quanto na alavancagem da indœstria domØstica de bens de ca- pital (sob a açªo direta das empre- sas estatais ou entªo graças ao forte apoio do sistema BNDE e do CDI ao setor privado). Segundo Batista (1987), a estra- tØgia do II PND exerceu um papel positivo para o ajustamento externo da economia, alØm de sustentar o crescimento econômico. Entre os seus aspectos negativos, ele cita a meta bastante ambiciosa para o cres- cimento econômico que: 1) subes- timava as dificuldades relacionadas com o fato de que a economia ha- via atingido plena utilizaçªo de ca- O II PND e o processo de estatizaçªo da dívida externa: a crise das estatais e a sua posterior privatizaçªo 52 Adriana Fiorotti Campos pacidade e alguns setores jÆ mostra- vam claros sinais de superaqueci- mento; e 2) contava de maneira ir- realista com condiçıes favorÆveis da conjuntura internacional. Como aspecto positivo ele destaca a recusa do II PND em adotar uma estratØgia que reduzisse drastica- mente o crescimento econômico ou que mergulhasse o país na recessªo. Igualmente importante foi a deter- minaçªo de sustentar a taxa de in- vestimento e evitar o uso de recur- sos externos em consumo supØrfluo. AlØm disso, Batista (1987) afirma que a determinaçªo em avançar o processo de industrializaçªo no Bra- sil atravØs da implantaçªo de um programa de substituiçªo de impor- taçıes no setor energØtico e de ex- pansªo da capacidade de produçªo de bens intermediÆrios, incluindo a implantaçªo de indœstrias de tecno- logia naval, equipamento ferroviÆ- rio, aeronÆutica, petroquímica e far- macŒutica deve ser contabilizada como um aspecto altamente positi- vo do II PND. Para Carneiro (1991), a rÆpida desaceleraçªo da produçªo de bens de capital e a manutençªo da lide- rança dos bens de consumo (apesar da menor taxa de crescimento), in- dica que de fato o II PND nªo lo- grou constituir um novo padrªo de crescimento para a economia brasi- leira, a nªo ser que se leve em con- sideraçªo como tal a internaciona- lizaçªo da oferta de alguns ramos produtores de bens intermediÆrios. Para ele, o ajuste estrutural nªo foi capaz de constituir um novo padrªo de crescimento para a eco- nomia brasileira, deslocando o seu eixo dinâmico para a indœstria de bens de capital. Esta característica somada à constataçªo da permanŒn- cia da vulnerabilidade externa, Ø decisiva no que diz respeito aos efei- tos do 2” Choque do Petróleo sobre a economia nacional (recessªo da dØcada de 80 e ajustamento forçado da economia brasileira). Para Lessa, no texto Visªo Crí- tica do II Plano nacional de Desenvol- vimento, o II PND fracassa, uma vez que nªo realizou ajustes estru- turais significativos, mas apenas confirmou tendŒncias inscritas no seu padrªo de expansªo anterior, tornando-se mais vulnerÆvel ao ci- clo econômico. A política econômi- ca, em sua opiniªo, teria que ter optado por ajustamento (estabiliza- çªo) e nªo financiamento (cresci- mento com endividamento), para assim atenuar os efeitos prejudici- ais da fase descendente do ciclo. Na opiniªo de Serra (1982), a desaceleraçªo da economia depois de 1975 Ø explicada por: 1) o superin- vestimento realizado em setores como o de bens de consumo durÆ- veis e o tŒxtil (durante o auge do ciclo); 2) a evidŒncia do irrealismo de muitas metas de expansªo do II PND, incluindo a reversªo de expec- tativas sobre a evoluçªo da economia mundial (que afetou os projetos de exportaçªo); 3) o abandono (ou re- visªo) de alguns projetos em funçªo da política de contençªo de gastos pœblicos; e 4) a concentraçªo de in- vestimentos em atividades de rela- çªo capital-produto mais elevada e/ ou de implementaçªo mais demo- rada. Com relaçªo ao setor externo, o agravamento nªo se deu somente devido ao choque do petróleo, mas tambØm ao aumento da demanda por importaçıes de bens de produ- çªo e à criaçªo de uma tendŒncia estrutural a um crescente dØficit comercial. AlØm disso, esse agrava- mento verificou-se em funçªo da nªo adoçªo de controle de importaçıes no biŒnio posterior à deflagraçªo da crise do petróleo. A estratØgia industrial proposta pelo II PND tinha como pontos principais: 1) o desenvolvimento dos setores de base e, como novas Œnfases, particularmente, o desen- volvimento da Indœstria de Bens de Capital, da Indœstria Eletrônica de Base e da Ærea de Insumos BÆsicos. Os principais grupos de Insumos BÆsicos considerados sªo os produ- tos siderœrgicos e suas matØrias-pri- mas, os fertilizantes e suas matØrias- primas, os defensivos agrícolas e suas matØrias-primas, o papel e a celulose,as matØrias-primas para a indœstria farmacŒutica, o cimento, o enxofre, e outros minerais nªo- metÆlicos; 2) a abertura de novos campos para a exportaçªo de ma- nufaturados, em complemento às exportaçıes de indœstrias tradicio- nais; 3) maior impulso ao desenvol- vimento tecnológico industrial, inclusive com preocupaçªo de evitar dispŒndios excessivos nos pagamen- tos por tecnologia; 4) impulso ao desenvolvimento da indœstria de alimentos, com continuaçªo do esforço de modernizaçªo e reorga- nizaçªo de certas indœstrias tradi- cionais; e 5) atenuaçªo dos desní- veis regionais de desenvolvimento industrial, evitando-se assim a con- 53 tinuaçªo da tendŒncia à concentra- çªo da atividade industrial em uma œnica Ærea metropolitana3. Como pode-se observar, as estra- tØgias do II PND eram muito am- biciosas e davam um papel central as empresas estatais, que deveriam ser agentes fortalecedores do capi- tal nacional e da indœstria de bens de capital, atuando, principalmente, em Æreas onde o capital privado nªo se envolvia devido à grande mag- nitude dos recursos necessÆrios a sua implantaçªo e ao grande inter- valo de tempo requerido para a ma- turaçªo dos projetos. AlØm disso, os grandes projetos da dØcada de 70 e, de um modo especial a atuaçªo das empresas estatais, estavam relacio- nados a equivocada idØia de que se manteriam as elevadas taxas de crescimento do período anterior. Esta informaçªo pode ser vista no texto de Morandi, que trata das empresas siderœrgicas, ...a mega- lomania dos projetos estÆ diretamente relacionada com a exagerada con- fiança na reproduçªo das elevadas ta- xas de crescimento verificadas durante o período do milagre econômico, constante na formulaçªo do II PND. Na verdade, o produto interno cres- ce a taxas cada vez menores no pós- 74, atingindo mais profundamente o índice de formaçªo bruta de capital fixo das grandes empresas privadas, cuja desaceleraçªo do investimento re- fletiu-se diretamente na demanda por produtos siderœrgicos. Sem contar que, dos próprios investimentos rea- lizados pelas estatais, grande parte das mÆquinas e equipamentos, intensivos em aço, foi adquirida do exterior em operaçıes casadas com o fornecimento de crØdito. (MORANDI, 1997, p. 96). Juntamente com a previsªo equi- vocada de alto crescimento da eco- nomia brasileira no pós-74 encon- tram-se outros fatores que causaram a crise enfrentada pelas estatais na dØcada de 80, quais sejam; a estru- tura de financiamento dos investi- mentos feitos pelas estatais e as pØs- simas condiçıes de geraçªo interna de recursos, reflexo da política de preços vigentes durante a segunda metade da dØcada de 70. Para que as estatais pudessem efetuar o seu papel como havia sido estabelecido pelo II PND, qual seja, a execuçªo de projetos cruciais nas Æreas de infra-estrutura e de insumos bÆsicos, foi utilizado, de maneira equivocada, um esquema de finan- ciamento cujos contornos foram definidos segundo critØrios macro- econômicos, e nªo de acordo com uma lógica micro-empresarial4. O objetivo de financiamento do gover- no da Grande PotŒncia era a obten- çªo do crØdito externo, cuja justifi- cativa encontrava-se na tese do hiato de recursos reais. Segundo Davidoff Cruz, as empresas estatais, ao recor- rerem maciçamente ao endividamento externo para promover fundos, em moeda local, aos seus projetos, estari- am proporcionando ao país o ingres- so das divisas tªo necessÆrias para fa- zer frente ao dØficit na conta de mercadorias e de serviços produtivos. Argumentava-se, tambØm, por suposto, que as condiçıes quanto a volumes, prazos e custos dos creditos externos eram perfeitamente adequadas às ne- cessidades dos projetos a financiar e compatíveis com os fluxos financeiros das empresas estatais. (DAVIDOFF CRUZ, 1992, pp. 6-7). Cabe ressaltar que os preços e as tarifas das empresas estatais foram utilizadas como instrumentos de combate à inflaçªo e como mecanis- mos de concessªo de subsídios ao setor privado via mudança de pre- ços relativos5. Associado a isso, os elevados creditos externos adquiri- 3 Estas informaçıes podem ser encontradas no documento intitulado II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979). 4 Conforme pode-se observar em Lundberg & Castro, no início deste processo [estatizaçªo da dívida externa], os recursos externos capitados foram canalizados ao financiamento de um ambi- cioso programa de investimentos em infra-estrutura, insumos bÆsicos e bens de capital (II PND), com a finalidade de reduzir a dependŒncia externa do país. No entanto, progressivamente, o setor pœblico nªo-financeiro passa a ficar dependente de novos recursos externos para a rolagem da dí- vida externa assumida. A partir de 1979, com a elevaçªo dos juros internacionais e as desvaloriza- çıes cambiais mais acentuadas, acelera-se o processo de endividamento externo do governo, dada a dívida assumida no passado. P. 72. 5 Deve-se observar que os setores que tiveram uma maior contençªo dos preços e tarifas de seus produtos foram os setores de infra-estrutura e o de insumos de uso generalizado que estavam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O II PND e o processo de estatizaçªo da dívida externa: a crise das estatais e a sua posterior privatizaçªo 54 Adriana Fiorotti Campos dos pelas empresas estatais possi- bilitaram que o reforço financeiro do BNDE (PIS/PASEP) fosse direcio- nado, sob forma de crØdito subsidi- ado, em grande parte, aos capitais privados6. Logo, algumas empresas estatais incapacitadas, internamente, de gerar um nível satisfatório de recursos e/ou com a dificuldade de obtençªo do crØdito domØstico para os seus investimentos, passam a re- correr cada vez mais ao crØdito ex- terno. A crescente participaçªo de enti- dades pœblicas, principalmente, de empresas estatais, na captaçªo de recursos externos desde meados da dØcada de 70 Ø uma das trŒs verten- tes principais do processo que ficou conhecido como processo de estati- zaçªo da dívida externa, que se acen- tuou na dØcada de 80 e culminou, na dØcada de 90, com a privatizaçªo de vÆrias destas empresas. Capítulo 2 A estatizaçªo da dívida externa e o uso indevido das estatais. A dívida externa brasileira foi um dos grandes problemas da dØcada de 80. Seu primeiro grande impulso na história recente, segundo Davidoff Cruz (1982), deu-se no período 1969-73: a dívida passa de 3,8 bilhıes de dólares em fins de 1968 para 12,6 bilhıes em fins de 1973. Nesta Øpoca, o discurso era o seguinte: as toma- das de recursos externos constituí- am elemento de vital importância para a realizaçªo de altas taxas de crescimento do produto interno. Cabe ressaltar que neste período devido à conjuntura internacional favorÆvel (grande liquidez interna- cional com disponibilidade de cre- ditos a prazos cada vez mais longos e taxas de juros reduzidas), obteve- se, como jÆ foi visto, um grande aumento da dívida externa. No entanto, a crise do petróleo faz com que haja uma elevaçªo tan- to das taxas bÆsicas de juros como nos spreads praticados no mercado financeiro internacional. HÆ, inter- namente, um declínio das inversıes privadas que sªo, em boa parte, compensadas pelas inversıes pœbli- cas, principalmente, por aquelas decorrentes do II PND. Enquan- to o mundo capitalista avançado fazia um ajuste recessivo, o Brasil preferia incorrer, como jÆ foi visto, num processo de crescimento com endividamento. Devido ao declínio das inversıes privadas brasileiras decorrentes do 1” Choque do Petróleo e do poste- rior aumento das taxas de juros, uti- lizaram-se vÆrios dispositivos insti- tucionais para tornar atraente, a credores e devedores privados, os emprØstimos externos, e, com isso, possibilitar o financiamento dos dØficits em transaçıes correntes e a execuçªo do II PND. Ogoverno, de modo geral, estimulou empresas fi- nanceiras e nªo-financeiras a depo- sitarem no Bacen as moedas estran- geiras adquiridas, dando-lhes em troca proteçªo cambial. Segundo Lundberg & Castro (1987), estes dispositivos institucionais foram: 1) a Resoluçªo 63, que facilitou a cap- taçªo externa pelos tomadores do- mØsticos, por intermØdio das insti- tuiçıes financeiras, com a reduçªo dos prazos para a realizaçªo dos em- prØstimos; 2) a Circular 230, que possibilitou que os bancos deposi- tassem recursos externos nªo aplica- dos em investimentos, no Bacen, ga- rantindo ainda a remuneraçªo dos mesmos; 3) a Resoluçªo 423, que permitiu que as empresas nªo-finan- ceiras pudessem obter emprØstimos diretamente com os bancos interna- cionais ao mesmo tempo que pro- tegia as empresas contra as oscilaçıes que chegavam a mais de 70% do custo nominal em cruzeiros. Entre- tanto, esta medida enquanto aumen- tou em apenas 57% as captaçıes privadas (isto graças ao crescimen- to da demanda por crØdito das em- presas de mineraçªo) para o setor pœblico verifica-se uma expansªo de suas captaçıes da ordem de 195% em relaçªo ao volume mØdio anual do período entre 1975 e 1980; 4) a Lei 4.131, que em 1962 influenciava o cômputo das remessas atravØs da ex- clusªo do reinvestimento de lucros, no centro das estratØgias do II PND e que requeriam grandes somas de recursos para as suas inversıes. 6 Segundo Davidoff Cruz (1982) a anÆlise setorial das capitaçıes pœblicas indica que seu peso crescente no conjunto das captaçıes totais efetuadas nos moldes da Lei n” 4.131 resulta, em boa medida, dos emprØstimos contratados por empresas de dois setores produtores de insumos generali- zados, a saber: energia e siderurgia. p. 72. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 55 a partir de 1964 passa a facilitar a entrada de emprØstimos atravØs dos repasses e captaçªo direta. Tanto as empresas pœblicas, quanto as priva- das viram na lei uma boa possibili- dade de financiamento jÆ que esta dava acesso a emprØstimos de lon- go prazo assim como garantia o di- ferencial de custo. Para as empresas multinacionais, proporcionou uma brecha para o aumento de remessas aos países originÆrios. Contudo, apesar dos atrativos a empresa de capital nacional privada teve redu- zido o nível de suas captaçıes em 1983 para 23,4%, isso em resposta a desaceleraçªo da taxa de crescimento e do investimento na indœstria de transformaçªo e nos setores de cons- truçªo civil e comØrcio. O setor pœ- blico, frente a retirada do setor pri- vado, viu-se obrigado a se endividar em níveis crescentes, em funçªo dos desequilíbrios na conta de mercado- rias e serviços produtivos vem como do pagamento de juros e serviços da dívida que exigiam a entrada maciça de divisas; 5) a Resoluçªo 350 do Bacen, que foi elaborada justamente para estimular as captaçıes por parte do capital privado, reduzindo, de 25% para 5% a alíquota de impos- tos sobre a remessa de juros, comis- sıes e despesas; 6) a Lei 6.024, que estabelecia a nªo incidŒncia da cor- reçªo monetÆria e dos juros das obri- gaçıes junto ao pœblico das institui- çıes liquidadas, mas permitia a valorizaçªo do seu ativo. Este, po- rØm, constituía um mecanismo que somente beneficiava os controlado- res dos conglomerados, ficando o investidor comum compelido a es- perar a realizaçªo dos ativos; e 7) a Lei 1.342, que tornou a situaçªo des- te investidor um pouco melhor uma vez que o tesouro passa a compro- meter-se com o pagamento dos pas- sivos das instituiçıes sob interven- çªo. Se nªo estimularam a entrada de emprØstimos, as Leis 6.024 e 1.342 protegeram o mercado financeiro das crises, ao mesmo tempo que aumentavam a participaçªo do Es- tado na dívida externa. No período de 1977-78, dada a recuperaçªo do nível de atividade das economias capitalistas avançadas e a expansªo significativa da liquidez internacional (diferente do período anterior liquidez restrita) a po- lítica econômica brasileira insistiu em estimular a obtençªo de recur- sos externos. Para tanto, estimulou a captaçªo privada via lei n” 4.131 (citada anteriormente) e elaborou uma política de crescimento com restriçıes à obtençªo de recursos internos por parte das estatais, via autofinanciamento (preços e tarifas pœblicas irreais), ou seja, via recur- sos de terceiros. Desta forma, o en- dividamento externo passa a ser es- sencial para o prosseguimento dos programas de inversªo destas empre- sas. Em 1979, hÆ uma volta ao dese- quilíbrio no balanço comercial de- vido ao 2” Choque do Petróleo e a uma situaçªo recessiva nos países capitalistas avançados. Voltam a cres- cer os juros da dívida e, em 1982, com a Moratória do MØxico, muda- se o perfil da dívida externa brasi- leira7. Uma importante característica do processo de endividamento ex- terno da economia brasileira na dØcada de 70 Ø, principalmente, a crescente estatizaçªo dos recur- sos diretos obtidos junto ao siste- ma financeiro internacional. Se- gundo Assis & Tavares (1985), o processo de estatizaçªo da dívida externa teve suas raízes originÆrias firmemente plantadas no período do Milagre Econômico, quando o Brasil nªo apresentava qualquer desequilíbrio maior no balanço de pagamentos. Para Assis (1988), o problema da dívida só assumiu dimensıes preocupantes no fim da dØcada de 70, após o 2” Choque do Petróleo e o primeiro dos juros. Cabe ressaltar que, em um pri- meiro momento, a dívida externa cresce de forma predominantemente privada para, logo após, ser transfor- mada, em grande parte, em dívida pœblica. Esta informaçªo pode ser vista nas tabelas 1 e 2. Como pode ser observado, no ano de 1972 o setor privado respon- dia por 75,1% do ingresso de recur- sos externos e, jÆ em 1973, respon- dia por apenas 60,3% dos mesmos. Mesmo com tendŒncia declinante, no auge do crescimento econômico 7 A negociaçªo da dívida, os acordos com o FMI, as tentativas de ajustes recessivos, dentre ou- tras situaçıes do início da dØcada de 80 nªo serªo vistos aqui, pois o interesse maior deste tra- balho encontra-se no processo de estatizaçªo da dívida externa brasileira e o mau uso finan- ceiro-econômico das empresas estatais. O II PND e o processo de estatizaçªo da dívida externa: a crise das estatais e a sua posterior privatizaçªo ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 56 Adriana Fiorotti Campos do período do Milagre Econômico, o setor privado respondia por cerca de 67% do total captado atravØs da Lei 4.131. A partir de 75, a proporçªo de captaçªo de recursos por parte do setor privado reduz-se, chegando a corresponder a 23,4% do total cap- tado no ano de 1980. A reduçªo dos emprØstimos feitos privadamente Ø compensada, principalmente, pelos emprØstimos avalizados pelo setor pœblico e, preponderantemente pelos vinculados aos projetos oriundos do II PND. O novo padrªo de cresci- mento proposto pelo referido plano nªo vislumbrava a mudança de si- nal do comØrcio internacional. No seu texto para discussªo, Davidoff Cruz define a estatizaçªo da dívida externa brasileira como sendo o ...processo atravØs do qual o Estado ampliou crescentemente sua participaçªo no estoque da dívida con- traída junto aos organismos financeiros e aos bancos privados internacionais. (DAVIDOFF CRUZ, 1992, p. 1). Este processo acentuou-se na dØcada de 80, devido a particular conjuntura da economia brasileira e do mercado financeiro internaci- onal: a política recessiva do início da dØcada de 80 (recessªo, contençªo do salÆrio real, controle dos gastos do governo em especial, dos investi- mentos , elevaçªo das taxas de ju- ros e contraçªo da liquidez real) agravou ainda mais o quadro eco- nômico-financeiro das estatais. Se- gundo Morandi, a orientaçªo da política econômica privilegiou a óti- ca do combate ao dØficitpœblico e da crescente geraçªo de crescentes superÆ- vits na balança comercial, como for- ma de conter a escalada inflacionÆria e estimular a entrada de divisas neces- sÆrias ao pagamento da crescente dí- vida externa. As estatais foram, nova- mente, envolvidas no cumprimento dos objetivos macroeconômicos, na forma de um elenco de políticas, sob orien- taçªo do governo federal, que, no con- junto, afetou a rentabilidade das em- presas e culminou numa crise sem precedentes no setor [siderœrgico]. (MORANDI, 1997, p. 114). Biasoto Jr (1988) apresenta trŒs vertentes principais da estatizaçªo da dívida e que ganhou grande relevân- cia na crise do endividamento: 1) a crescente participaçªo de entidades pœblicas na captaçªo de recursos externos; 2) o processo de transferŒn- cia de dívidas externas (originalmen- te captadas pelo setor privado) às autoridades monetÆrias; e 3) a for- ma que assumiu o processo de rene- gociaçªo da dívida externa. Em 1983, o banco Central tornou-se o depo- sitÆrio de expressiva parcela de re- cursos externos. Seria conveniente, para melhor avaliar estas vertentes, estudÆ-las em duas etapas. A primeira se dÆ entre os dois choques do petróleo e a segunda dÆ-se a partir do cho- que dos juros e do 2” Choque do Petróleo. Abaixo serªo analisadas, separadamente, estas duas etapas do processo. Tabela 1 Empréstimos em moeda (lei 4.131) estrutura dos ingressos brutos anuais segundo a propriedade do capital do tomador 1972-1975 Tabela Empréstimos em moeda (lei 4.131) estrutura dos ingressos brutos anuais segundo a propriedade do capital do tomador 1976-1980 oãçanimircsiD 2791 3791 4791 5791 601$SU % 601$SU % 601$SU % 601$SU % ocilbúP 1,326 9,42 9,031.1 7,93 0,890.1 3,53 9,009.1 4,05 odavirP 4,478.1 1,57 3,817.1 3,06 5,110.2 7,46 1,278.1 6,94 LATOT 5,794.2 0,001 2,948.2 0,001 5,901.3 0,001 0,377.3 0,001 soturbsodadsodetnoF .lisarBodlartneCocnaBod,ECRIF-oriegnartsElatipaCedortsigeReoãçazilacsiFàotnujsodautefesortsigeR: :lisarBonatsilatipaCotnemivlovneseD).grO(.R,OHNITUOCE.G.L,OZZULEB:nI.arielisarBanretxEadivíDA.P,ZURCFFRODIVAD:nI .37.p,2891,esneilisarB:oluaPoãS.2.loV.esircaerbossoiasne oãçanimircsiD 6791 7791 8791 9791 0891 601$SU % 601$SU % 601$SU % 601$SU % 601$SU % ocilbúP 3,359.1 1,15 5,005.2 5,15 4,713.5 2,06 9,246.6 8,67 0,786.3 6,67 odavirP 7,278.1 9,84 9,653.2 5,84 5,115.3 8,93 4,700.2 2,32 1,421.1 4,32 LATOT 0,628.3 0,001 4,758.4 0,001 9,828.8 0,001 3,056.8 0,001 1,118.4 0,001 soturbsodadsodetnoF A.P,ZURCFFODIVAD:nI.lisarBodlartneCocnaBod,ECRIF-oriegnartsElatipaCedortsigeReoãçazilacsiFàotnujsodautefesortsigeR: ,2891,esneilisarB:oluaPoãS.2.loV.esircaerbossoiasne:lisarBonatsilatipaCotnemivlovneseD).grO(.R,OHNITUOCE.G.L,OZZULEB:nI.arielisarBanretxEadivíD .37.p 57 A primeira etapa da estatizaçªo da dívida externa brasileira tem como característica bÆsica o peso crescente do setor pœblico, principal- mente, das estatais, nas contrataçıes anuais de novos emprØstimos exter- nos. Por exemplo, com relaçªo aos emprØstimos associados com a Lei 4.131, a participaçªo do setor pœblico elevou-se de 35% em 1974 para 60% em 1978. Neste período, o Brasil enfrentava um esgotamento do pe- ríodo de crescimento anterior, ou seja, havia uma desaceleraçªo do crescimento do produto, perda de dinamismo das inversıes privadas, fortes desequilíbrios no balanço de pagamentos, elevaçªo da taxa de inflaçªo, dentre outros. Mesmo as- sim, o governo militar optou por um plano que impulsionasse definitiva- mente a industrializaçªo brasileira (II PND). Como havia um desaquecimen- to do setor privado e devido ao ob- jetivo de substituir importaçıes de bens intermediÆrios, deu-se um papel de destaque às empresas es- tatais. A forma de financiamento seria, como jÆ foi visto, o crØdito externo justificado pela tese do hi- ato de recursos reais (nªo era visto a partir de uma lógica micro-em- presarial). Dois motivos fundamen- tais levam as estatais a recorrerem ao financiamento externo: 1) o fato dos preços e das tarifas pœblicas serem tidos como um instrumen- to de combate a inflaçªo e como me- canismo de concessªo de subsídi- os ao setor privado via mudança dos preços relativos (impossibilitava a auto-financiamento destas empre- sas); e 2) o reforço financeiro do BNDE, sob a forma de crØdito sub- sidiado, quase que exclusivamen- te aos capitais privados. Ou seja, as estatais nªo tinham financiamen- to interno, sendo necessÆrio endi- vidar-se externamente. A segunda etapa deste processo iniciou-se em 1979 e prolongou-se atØ meados da dØcada de 80. Segun- do Davidoff Cruz (1992), o setor pœblico chegou a atingir algo pró- ximo a 90% das tomadas diretas re- alizadas nos termos da Lei 4131. A característica singular deste período encontra-se em dois pontos: 1) uso intensivo dos mecanismos de defe- sa contra o risco cambial colocados pelo Banco Central à disposiçªo do setor privado, sob a forma de depó- sitos registrados em moeda estran- geira (DRME); e 2) na transforma- çªo do Banco Central em tomador de emprØstimos junto aos bancos internacionais (depósitos de proje- tos). O agravamento do processo de estatizaçªo da dívida externa adveio da crise cambial, das políticas de ajuste e das negociaçıes com o car- tel dos bancos e com o FMI. Ao en- dividamento das empresas estatais juntou-se a transferŒncia maciça ao Bacen de dívidas ainda a vencer contratadas originalmente pelo se- tor privado (DRME). Somando-se a isto, coube ao Banco Central arcar diretamente com o custo do giro de um estoque crescente de crØditos externos (1982)8. Nas palavras de Biasoto Jr., nªo hÆ como negar que o processo de estatizaçªo do endivida- mento externo tenha chegado, nos anos oitenta, a um estÆgio mÆximo, onde a própria Autoridade MonetÆria Ø toma- dora final de grande parte dos recur- sos externos. TambØm nªo se pode co- locar em dœvida que o inusitado crescimento da dívida pœblica nos anos oitenta contou com a decisiva contri- buiçªo do crØdito externo, seja devido à forma que assumiu o processo de renegociaçªo da dívida, seja pela ab- sorçªo de crØditos externos original- mente captados por agentes privados. (BIASOTOR JR., 1988, p. 82). Assim, a crise da dØcada de 80 atingiu o Estado brasileiro de duas maneiras: 1) reduçªo da arrecada- çªo tributÆria; e 2) crescimento da estatizaçªo da dívida. Tanto a redu- çªo da arrecadaçªo tributÆria quanto o crescimento da estatizaçªo da dí- vida tiveram conseqüŒncias diretas nas empresas estatais. Por um lado, houve um aumento da interferŒncia federal na gestªo das empresas, uti- lizando-as, sempre que possível, como instrumentos de política de estabilizaçªo. E, por outro lado, houve limites cada vez maiores na obtençªo de recursos para cobrir as dificuldades financeiras das estatais. 8 O Bacen, no final do ano de 1982, arcou diretamente com o custo do giro de um estoque cres- cente de crØditos externos porque os termos da renegociaçªo com o cartel dos bancos credores assim o exigiam. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O II PND e o processo de estatizaçªo da dívida externa: a crise das estatais e a sua posterior privatizaçªo 58 Adriana Fiorotti Campos JÆ no inícios da dØcada de 90, com o objetivo de sanear financeiramente o Estado, cria-se, no governo Collor, o Programa Nacional de Desestati- zaçªo. O PND tinha por objetivos, nas palavras de Passenezzi Filho, o reordenamento estratØgico do Esta- do, reduçªo da dívida pœblica, retoma- da de investimentos, modernizaçªo da indœstria e fortalecimento do merca- do de capitais. (PASSANEZZI FI- LHO, in: MORANDI, 1997, p. 123). Capítulo 3 Privatizaçªo: A atuaçªo do estado neoliberal A partir do ano de 1983 as idØi- as neoliberais passaram a ganhar terreno devido ao fato de todo o mundo capitalista ter caído numa longa e profunda recessªo, combi- nandouma situaçªo nunca observa- da anteriormente: reduzidas taxas de crescimento com elevadas taxas de inflaçªo. Neste período, no entan- to, o Brasil vivia a euforia do auge do Milagre Econômico e a ilusªo de ser visto por seus governantes como uma ilha de prosperidade num mundo de recessªo. Neste país, a estagnaçªo com inflaçªo fizeram-se irmªs desde a dØcada de 80. A soluçªo encontrada pelos neo- liberais do primeiro mundo para as altas taxas de inflaçªo foi, para Anderson, manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gas- tos sociais e nas intervençıes econômi- cas. (ANDERSON, 1995, p. 11). Segundo Campos, no final do Governo Sarney, a taxa inflacionÆria atingiu níveis altíssimos e preocupan- tes. A inflaçªo do ano de 1989 foi de 1.782,89% (IGP-DI/FGV), e ao pri- meiro trimestre do ano de 1990 cor- responderam, respectivamente, as se- guintes taxas inflacionÆrias: 56,11% (janeiro), 72,78% (fevereiro) e 84,32% (março). A situaçªo era difícil e cria- va a necessidade de um plano de esta- bilizaçªo e de um incentivo ao cres- cimento. No contexto de uma possível hiperinflaçªo, nasce o debate sobre a capacidade do Estado em in- vestir, sobre o seu novo papel e sobre a necessidade de sua reformulaçªo. (CAMPOS, 1997, p. 109). Devido à crise do Estado nos anos 80 (reduçªo da arrecadaçªo tributÆ- ria e estatizaçªo da dívida externa), limitou-se os aportes fiscais para cobrir as dificuldades financeiras das estatais e, alØm disso, ampliou-se a interferŒncia federal na gestªo des- sas empresas, utilizando-se preços e tarifas pœblicas irreais em políticas macroeconômicas de combate à in- flaçªo. Nas palavras de Campos, os preços de alguns serviços pœblicos e bens produzidos pelo setor pœblico sofreram contençªo tarifÆria em 1975/76, alØm da reduçªo do crØdito de longo prazo cedido pelo BNDE a empresas pœbli- cas e mistas. Com isso reduzia-se a margem de financiamento interno das estatais, forçando-as a recorrer ao crØ- dito externo para manter seus investi- mentos. (CAMPOS, 1996, p. 27). No decorrer do processo de au- todestruiçªo e sucatagem das empre- sas estatais (subtarifaçªo, falta de recursos para investimentos, etc), surgia um órgªo de controle dessas empresas que tinha por objetivo, segundo Campos, destruir a imagem do setor pœblico: em outubro de 1979 foi criada, no Brasil, a Secreta- ria de Controle das Empresas Estatais (SEST), submetendo as empresas es- tatais a uma instância de controle unificado e centralizado. O objetivo desta secretaria era tornar mais trans- parente a atuaçªo das estatais para que se pudesse analisar se estas eram ou nªo responsÆveis pelo crescente dØficit pœ- blico. O problema maior da SEST foi que esta nªo separou as diferentes ins- tâncias pœblicas: por exemplo, uma grande empresa estatal como a Petro- brÆs encontrava-se lado a lado em anÆlise com as Universidades Fede- rais. (CAMPOS, 1996, p. 270). Assim, torna-se clara a grande crítica feita à SEST: heterogeneidade das entidades controladas. Isto faz com que o denominado Orçamento SEST, se analisado em conjunto, gere distorçıes profundas. A estru- tura apresentada por esse orçamento Ø a que se vŒ na Tabela 3. Mesmo com a grave crise econô- mico-financeira das estatais, na dØ- cada de 80 houve somente repriva- tizaçıes de empresas anteriormente privadas que haviam sido adquiri- das pelo governo como forma de pagamento de suas dívidas. JÆ no início do governo Collor, no entanto, houve o lançamento de um programa amplo de privatizaçıes que, atØ mesmo, abrangia as gran- des empresas estatais. Devido à fa- lŒncia do Estado produtor-interven- tor, a proposta de privatizaçªo encontrou respaldo político (o pró- prio governo passa a fazer propagan- da a favor da privatizaçªo). Assim, em 1990, Ø lançado o Programa Na- 59 cional de Desestatizaçªo (PND)9, que tinha por objetivos, segundo o próprio BNDES: permitir a mudan- ça do papel do Estado, concentran- do suas açıes e recursos, sabidamen- te escassos, nas Æreas sociais; reduzir a dívida pœblica, auxiliando o ajuste fiscal do Governo; permitir a reto- mada dos investimentos nas empre- sas e atividades desestatizadas, com os recursos de seus novos proprie- tÆrios; estimular a competiçªo no mercado, contribuindo para o au- mento da qualidade de bens e ser- viços ofertados à populaçªo; e for- talecer o mercado acionÆrio, com maior pulverizaçªo do capital10. Em 1991, foram dissolvidas co- mercialmente a PetrobrÆs Minera- çªo S. A. (Petromisa) e a PetrobrÆs ComØrcio Internacional S. A. (Inter- brÆs). No ano de 1992, incluiu-se o setor petroquímico no Programa Nacional de Desestatizaçªo, onde a Petroquisa teve reduzida a sua par- ticipaçªo no setor. Ainda em 1992, foi iniciado o PND para o setor de fertilizantes, com a alienaçªo da FosfØrtil e da GoiÆsfØrtil no segun- do semestre. No setor siderœrgico, no processo de privatizaçªo teve início com a USIMINAS, em outubro de 1991. Logo depois, foram privatizadas a CST (julho de 1992), a ACESITA (outubro de 1992), a CSN (abril de 1993), a COSIPA (agosto de 1993) e a A˙OMINAS (setembro de 1993). Segundo Morandi, no processo de privatizaçªo, a autonomia do executivo foi garantida pela forma de institucionalizaçªo do programa, co- mandada por trŒs agentes: uma Comis- sªo Diretora, um Gestor do Programa e Empresas de Consultoria, com des- taque para o BNDES, que acabou sendo o órgªo central na conduçªo do programa de privatizaçªo. A comissªo diretora, responsÆvel pelas principais decisıes, ficou diretamente subordina- da ao Presidente da Repœblica e com- posta de onze membros, sendo que quatro do governo que, alØm da presidŒncia da Comissªo, possui repre- sentantes dos ministØrios da Economia, infra-estrutura e do Trabalho e sete do setor privado, constituído por pes- soas de notório saber em diversos cam- pos do conhecimento. O gestor do pro- grama, sob responsabilidade do BNDES, recebeu a funçªo de organi- zar e administrar todas as operaçıes de privatizaçªo, alØm de subsidiar a Co- missªo Diretora. O terceiro agente do processo foi constituído por empresas privadas de consultoria e por audito- Tabela 3 O orçamento SEST e o cômputo do déficit das empresas estatais 9 O PND foi criado atravØs da Lei n” 8.031 de 12 de abril de 1990 e regulamentado pelo Decre- to n” 1.204 de 29 de julho de 1994. Cabe ressaltar que esta lei vem sofrendo alteraçıes atØ hoje. Dentre as principais alteraçıes, segundo o BNDES, tem-se: a criaçªo do Conselho Nacional de Desestatizaçªo (alteraçªo introduzida pela MP n” 841 de 19 de janeiro de 1995 e suas ree- diçıes). 10 No caso de venda de uma empresa estatal, o procedimento compreende vÆrias etapas, quais sejam: 1) inclusªo da empresa no PND por Decreto do Presidente da repœblica; 2) licitaçªo de serviços de consultoria e auditoria; 3) execuçªo dos trabalhos para a proposiçªo das condiçıes de desestatizaçªo; 4) apreciaçªo e decisªo do Conselho Nacional de Desestatizaçªo (CND), sobre as condiçıes de venda; 5) edital de venda; 6) leilªo, venda aos empregados, ofertas pœblicas; 7) liquidaçªo financeira da operaçªo; 8) relatório final dos auditores; e 9) anœncio do encerramento do processo. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O II PND e o processo de estatizaçªo da dívida externa: a crise das estatais e a sua posterior privatizaçªo soidnêpsiD.1 latipaCedsasepseD sotnemitsevnI seõçazitromA latipaCedsasepseDsartuO setnerroCsasepseD siaicoSsogracnEelaosseP soriecnaniFsogracnE soietsucsortuO TSESotnemaçrO/siabolGsoidnêpsiD sadiuqíLseõçacilpA seõçacilpAeoidnêpsiDedlatoT sosruceR.2 lanoicarepOatieceR lanoicarepO-oãNatieceR sosruceRsortuO oruoseTodsosruceR sotidérCedseõçarepOozarPotruCedsotidérCedseõçarepOsanseõçairaV soriecreTedserolaVedseõçairaV levínopsiDodseõçairaV sosruceRedlatoT amrofed,raredisnocacifingis,edadilaeran,elortnocetsE somaietsucemezudorpeuqsedaditneedsadivíd,acitnêdi edsadivídesairpórpsatiecermocsoidnêpsidsoirpórpsues raicnanifarapoãinUadsosruceredmatisseceneuqsaserpme sotsagsuesededadilatota etnoF otideneB,OTADOEDA&edéusoJ,OHLIFORTSAC: ohnepmesedelifrep:siatatsesaserpmE.azuoSeacesnoF .61,AIMONOCEEDLANOICANORTNOCNE:nI.etnecer .611.p,8991,3.loV.CEPNA:etnoziroHoleB.sianA 60 Adriana Fiorotti Campos res independentes, estes encarregados do acompanhamento de todo o processo. As empresas de consultoria exercem dois serviços simultâneos: o primeiro (Serviço A) Ø responsÆvel por uma avaliaçªo econômica da empresa a ser privatizada; o segundo (Serviço B), nªo somente avalia a empresa como tambØm sugere a modelagem da pri- vatizaçªo. (MORANDI, 1997, pp. 123-124). Outras companhias, antes nem cogitadas para a privatizaçªo, jÆ fo- ram privatizadas ou encontram-se em processo de privatizaçªo. Den- tre elas encontram-se a CVRD (Companhia Vale do Rio Doce) e a TelebrÆs. O BNDES tinha, 1996, a seguinte agenda de privatizaçıes no âmbito federal: a CVRD; o setor de transporte ferroviÆrio (RFFSA malha Nordeste e a VALEC); o se- tor de portos; o setor elØtrico (Ele- trobrÆs, Ligthpar, Eletronorte, Chesf, Furnas, Eletrosul); o banco Meridi- onal; o setor de telecomunicaçıes (Banda B Telefonia Celular); e o setor de armazØns ferroviÆrios (AGEF). AlØm disso, Ø importante obser- var a imensa relevância das emen- das constitucionais, aprovadas pelo Congresso em 1995, para o anda- mento da privatizaçªo: a abertura à iniciativa privada para a exploraçªo dos serviços de gÆs canalizado, o fim da distinçªo entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital na- cional, a autorizaçªo para que em- presas constituídas sob a lei brasileira e que tenham sede e domicílio no país realizem pesquisa e lecra de minØrios, bem como a autorizaçªo para que a Uniªo firme contrato com empresas privadas visando ao desen- volvimento de atividades ligadas à exploraçªo de serviços de telecomu- nicaçªo e à exploraçªo de petróleo. No quadro 1 a seguir pode-se vi- sualizar melhor as empresas que deviam ser privatizadas, de acordo com o BNDES no período compre- endido entre 1997 e 1998. O processo de privatizaçªo, no Brasil, admite, na compra de açıes das sociedades a serem desestatiza- das, outros meios de pagamento, alØm da moeda corrente: as moe- das de privatizaçªo11. Ao Presidente da Repœblica cabe o papel de deci- Quadro 1 Agenda de privatizações – 1997 ertsemirTº2 ertsemirTº3 ertsemirTº4 ecoDoiRodelaVaihnapmoC-DRVC etsedroNahlaM-ASFFR LUSORTELE )etnaveleR.niM.trap(GIMEC ABLEOC TAMEC agertne(raluleCainofeleT-BadnaB )satsoporped edocirtélEametsiS-ETRONORTELE atsivaoBesuanaM LUSRENE LAERIDERC JRENOC EPIGRENE GEC JR-ÔRTEM ASAPEF SÁGNOC TAMEB FEGA JRENAB adaruoDarieohcaC-GLEC etnoF SEDNB: Quadro 2 Agenda de privatizações – 1998 11 As moedas de privatizaçªo, segundo o BNDES, sªo dívidas contraídas no passado pelo Governo Federal, que sªo aceitas como forma de pagamento das açıes das empresas estatais que estªo sendo privatizadas. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ SANRUF ETRONORTELE FSEHC,RAPTHGIL NASEC APLEC SNERTIMULF EEEC APLEC NRESOC LEPOC,OLUAPORTELE,PSEC,LFPC etnoF SEDNB: 61 dir qual serÆ o percentual mínimo de moeda corrente a ser utilizada na privatizaçªo de cada empresa, sendo que a outra parte do paga- mento pode ser feita com as moe- das de privatizaçªo do PND, que sªo as seguintes: DebŒntures da Si- derbrÆs SIBR; Certificados de Pri- vatizaçªo CP12; Obrigaçıes do Fundo Nacional de Desenvolvi- mento OFND; CrØditos Vencidos Renegociados (securitizados) DI- SEC; Títulos da Dívida AgrÆria TDA; Títulos da Dívida Externa DIVEX; Letras HipotecÆrias da Caixa Econômica Federal CEF; e Notas do Tesouro Nacional, sØ- rie M NTN M. A utilizaçªo des- tas moedas pode ser observada no quadro 3. Desde que o PND foi implemen- tado (1990) atØ o início do ano de 1997, o nœmero de privatizaçıes foi de 52 empresas e participaçıes aci- onÆrias estatais federais, sendo gran- de parte localizada no setor siderœr- gico, na química e petroquímica, no setor de fertilizantes e no setor de energia elØtrica. Ainda foram repas- sados à iniciativa privada, atravØs de concessªo, cinco trechos da Rede FerroviÆria Federal (RFFSA, as Malhas Oeste, Centro-Leste, Sudes- te, Tereza Cristina e Sul). Os resul- tados obtidos com o processo de privatizaçªo sªo, em nœmeros, os dispostos na tabela 4. Os grandes impasses e debates surgidos no decorrer do processo de privatizaçªo, por parte daqueles que nªo contestam o processo em si, mas apenas a sua forma, foram e conti- nuam sendo, principalmente, a com- posiçªo da cesta de moeda utiliza- das para a compra das empresas (as moedas pobres), a obrigatoriedade da aquisiçªo dos Certificados de Privatizaçªo (CT) e quais seriam as estatais que deveriam participar deste processo. No entanto, cabe ressaltar que, hoje, questıes muito mais sØrias tambØm estªo sendo discutidas: 1) perda de soberania nacional; 2) per- da de identidade cultural; e 3) dimi- nuiçªo das possibilidades de inter- ferŒncia da sociedade civil nas decisıes de política econômica13. Quadro 3 Utilização de moedas de privatização: 1991/96 US$ milhões ONA RBIS PC DNFO CESID ADT XEVID FEC sadeoM-latoT )a(oãçazitavirPed atieceR-lareG-latoT )b(adneVed 1991 326 543 772 662 18 4 - 695.1 416.1 2991 941 847 482 197 552 73 601 073.2 104.2 3991 505 081 33 443.1 571 72 881 254.2 726.2 4991 57 9 42 973 65 1 7 155 669.1 5991 441 8 - 615 9 - - 676 300.1 6991 - 8 - 197 422 - - 320.1 080.4 LATOT 694.1 792.1 816 780.4 008 96 103 866.8 196.31 etnoF SEDNB: Tabela 4 Resultados obtidos com a privatização 12 Segundo Morandi (1997), umas das principais inovaçıes do Programa de Privatizaçªo do Governo Collor foi o lançamento dos títulos denominados Certificados de Privatizaçªo que, na sua concep- çªo original, poderiam resultar numa arrecadaçªo próxima de US$ 8 bilhıes, no ano de 1990, se- gundo avaliaçªo do governo. P. 124. 13 A questªo da interferŒncia da sociedade civil nas decisıes de política econômica, atravØs de um ministro que nomeia o presidente de uma estatal que foi anteriormente escolhido atravØs das urnas pelo voto, Ø bastante questionÆvel. De um lado, afirma-se que enquanto os presidentes de empresas forem escolhidos por ministros eles o estarªo sendo indiretamente pelo povo. Por outro lado, afirma-se que os altos cargos das empresas ficam cada vez mais sujeitos ao uso indevido, prejudicando o bom andamento das empresas. Por exemplo, muda o ministro, muda o presidente de uma empresa. :siatatsesaserpmesadadneV seõhlib96,31$SU :sadazitavirpsaserpmesaarapsadirefsnartsadivíD seõhlib65,4$SU :latoT seõhlib52,81$SU etnoF SEDNB: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O II PND e o processo de estatizaçªo da dívida externa: a crise das estatais e a sua posterior privatizaçªo 62 Adriana Fiorotti Campos É sempre bom lembrar que a privatizaçªo traz consigo a despoli- tizaçªo das decisıes econômicas, o enfraquecimento dos sindicatos do setor pœblico e a desarticulaçªo das alianças entre empresas e burocra- cias econômica. Nesse aspecto, as estratØgias utilizadas pelos presiden- tes Fernando Collor de Mello e Fer- nando Henrique Cardoso lembram a dos presidentes de la Madrid e Salinas em seus ataques ao corpo- rativismo mexicano e na intençªo de usar a privatizaçªo contra as orga- nizaçıes existentes na sociedade. Consideraçıes finais No mundo desenvolvido,a idØia do Estado neoliberalizante teve uma maior aceitaçªo, principalmente, a partir do ano de 1973 com a crise mundial do petróleo. No Brasil, no entanto, ela obteve maior relevância nas dØcadas de 80 e de 90. O objeti- vo do programa neoliberal Ø, dentre outras coisas, reduzir a atuaçªo do Estado (por vezes, anular) nas Ære- as sociais e nas intervençıes econô- micas14. Um grande exemplo, recen- temente ocorrido, foi o do MØxico, no final de 1994, que teve que hipo- tecar suas reservas petrolíferas como garantia do emprØstimo de US$ 40 bilhıes fornecido pelos EUA para reduzir as perdas dos bancos inter- nacionais que financiaram a aven- tura neoliberal mexicana15. Entretanto, como foi visto neste trabalho, o processo de autodes- truiçªo das estatais brasileiras teve início na dØcada de 70. Elas foram utilizadas como instrumentos de captaçªo de recursos externos em todos os anos dessa dØcada e, prin- cipalmente, no período compreen- dido entre 1977 e 1980. AlØm des- sas empresas terem que recorrer ao emprØstimo externo, devido à re- duçªo do crØdito oferecido pelo BNDE às empresas pœblicas e mistas, elas sofreram subtarifaçªo de seus produtos. Dessa maneira, houve uma reduçªo da capacida- de de investimento das mesmas. Devido ao próprio perfil da dØ- cada de 80, ou seja, política recessi- va no início dos anos 80 (recessªo, contençªo do salÆrio real, controle dos gastos do governo, elevaçªo das taxas de juros e contraçªo da liqui- dez real), muitas empresas estatais, em especial os setores siderœrgico e o de energia elØtrica tiveram o seu quadro econômico-financeiro agra- vado. Mais uma vez as estatais cum- priram um papel decisivo nas polí- ticas macroeconômicas recessivas de combate à inflaçªo (subtarifaçªo de seus produtos). Ao final da dØcada de 80 e início da dØcada de 90, muitos setores es- tavam engendrados numa crise fi- nanceira sem precedentes. É neste cenÆrio que surge o PND (Plano Nacional de Desestatizaçªo 12/04/ 90), com os seguintes objetivos: mudança do papel do Estado (este deixaria de ter um perfil produtor- interventor para ser um Estado ne- oliberalizante); reduçªo da dívida pœblica; retomada dos investimen- tos; estímulos a competiçªo no mer- cado e aumento da qualidade de bens e serviços ofertados à popula- çªo; e, enfim, fortalecimento do mercado de açıes. O primeiro setor a ser privatizado foi o siderœrgico com a USIMINAS, em outubro de 1991. Este setor teve a rentabilidade de suas empresas 14 Para alguns autores, o forte do Estado neoliebral Ø o tipo de intervençªo econômica que en- controu. Ao deixar boa parte das decisıes ao mercado, interfere a favor dos grandes grupos eco- nômicos e contra fraçıes inteiras da pequena burguesia e dos trabalhadores em egral. É a for- ma mais eficiente de intervençªo, pois acompanhada de discurso nªo-intervencionista e nªo-classissista. Esta intervençªo aparece como nªo-discriminatória, nªo-corporativista, quando, ao contrÆrio, Ø tudo isso de uma forma jamais vista. 15 Segundo Maneschy (1995), o MØxico foi um dos primeiros países a conduzir a sua economia de acordo com o estabelecido pelo Consenso de Washington e, jÆ no final do ano de 1994, obteve um dØficit de US$ 20,6 milhıes (desindustrializaçªo, desemprego, desnacionalizaçªo da economia e uma dívida externa que chega a 68% do PIB). Atualmente, esse país nªo possui mais o controle do petróleo (oitava reserva mundial 46,2 bilhıes de barris), uma vez que teve que hipotecÆ-lo como garantia do emprØstimo norte-americano de US$ 40 bilhıes. p. 6 1 Cabe ressaltar que, no início do processo de endividamento brasileiro da dØcada de 70, os recursos externos captados eram utilizados no financiamento de um ambicioso programa de investimentos em infra-estrutura, insumos bÆsicos e bens de capital decorrentes das propostas do II PND que tinha a finalidade de reduzir a dependŒncia externa do país. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 63 afetadas, o que culminou numa grande crise. Hoje, porØm, no gover- no Fernando Henrique Cardoso, importantes empresas que nªo fo- ram tªo afetadas por este processo de autodestruiçªo estªo sendo privati- zadas com a mesma fœria neolibe- ral. Dentre elas, encontra-se a CVRD. Outro fato relevante e bas- tante criticado neste processo, Ø que sªo utilizadas, em grande medida, moedas podres na compra de suas açıes. O processo de privatizaçªo, vivi- do pelo Brasil e por todos os países que acataram as idØias estabelecidas no Consenso de Washington, deve- ria, no mínimo, ser melhor avalia- do e conduzido, tendo objetivos mais nítidos e coerentes com o perfil de cada empresa estatal (muitas empre- sas sªo superavitÆrias e possuem uma forte interligaçªo com outras empresas nacionais, alØm de que, em nossa opiniªo, vÆrios grupos sociais podem ser afetados por este proces- so). ReferŒncias bibliogrÆficas ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: Pós-Neoli- beralismo: as políticas sociais e o Estado democrÆtico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. ASSIS, J. Carlos de & TAVARES, Maria da Conceiçªo. O Gran- de Salto para o Caos: a economia política e a política econômica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. ASSIS, J. Carlos de. AnÆlise da Cri- se Brasileira. 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Adriana Fiorotti Campos Sumário Artigos A questão ecológica, a indústria e o capitalismo Deolinda de Sousa Ramalho O Capitalismo e a crise ambiental Racionalização e globalização: uma leitura a partir de Max Weber Antônio Gomes da Silva A teoria de Minsky no atual contexto Tudo ou nada: Para Além do Capital de I. Mészáros Modernização e crise do setor sucro-alcooleiro da Paraíba Mudança institucional e desenvolvimento da agricultura familiar brasileira: coordenação dos produtores para o acesso à inovaçã Resenhas Livro é magistral na análise das relações de gênero no Brasil
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