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positivismo jurídico e teoria pura do direito para os alunos

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POSITIVISMO JURÍDICO
POSITIVISMO: no Séc. XIX, surgiu uma primeira referência ao positivismo, pensamento sociológico de Auguste Comte, que escreveu o “Curso de Filosofia Positiva” (1973, pp. 9-45), o “Discurso Sobre o Espírito Positivo” (1973, pp. 50-100) e o “Catecismo Positivista” (1973, pp. 104-302). Para Isidore Auguste Marie Xavier Comte a organização da sociedade estava condicionada a leis que regessem os fatos sociais, sem margem a considerações metafísicas, o que impunha a observação e a experimentação na percepção das relações que unem os fatos.
POSITIVISMO JURÍDICO: conforme aponta Norberto Bobbio (O Positivismo Jurídico, p. 15), “a expressão ‘positivismo jurídico’ não deriva daquela de ‘positivismo’ em sentido filosófico, embora no século passado tenha havido uma certa ligação entre os dois termos, posto que alguns positivistas jurídicos eram também positivistas em sentido filosófico: mas em suas origens (que se encontram no início do século XIX) nada tem a ver com o positivismo filosófico - tanto é verdade que, enquanto o primeiro surge na Alemanha, o segundo surge na França. A expressão ‘positivismo jurídico’ deriva da locução direito positivo contraposta àquela de direito natural. Para compreender o significado do positivismo jurídico, portanto, é necessário esclarecer o sentido da expressão direito positivo”, o que já foi por nós estudado. 
Conforme o mesmo autor (p. 54), “o fato histórico que constitui a causa imediata do positivismo jurídico deve [...] ser investigado nas grandes codificações ocorridas entre o fim do século XVIII e o início do século XIX, que representaram a realização política do princípio da onipotência do legislador”.
Alguns autores preferem empregar a expressão NORMATIVISMO JURÍDICO, em vez de positivismo jurídico, para diferenciá-lo do positivismo de Auguste Comte. O normativismo jurídico é decorrência da obra de John Austin (1790-1859), passando por Kelsen e outros teóricos do direito que, colocando superficialmente, sustentam ser o direito equivalente à norma legislada, que é imperativa e tem força coercitiva.  
Aqui, optaremos pela expressão mais tradicional, qual seja, positivismo jurídico, que é uma escola do direito das mais importantes e que será estudada de forma mais própria no quarto semestre, em Filosofia do Direito.
O POSITIVISMO PURO DE KELSEN
Ainda quanto às teorias do direito, cumpre fazer uma breve reflexão a respeito do positivismo puro de Hans Kelsen. Ele próprio, no início de sua tão comentada obra “Teoria Pura do Direito” - que nem sempre é devidamente estudada e compreendida - sustenta que o positivismo puro “fornece uma teoria da interpretação” (2000, p. 1).
É importante anotar que, na obra “Teoria Pura do Direito”, o autor objetivou estabelecer uma metodologia científica para o direito, que, neste aspecto, deveria se livrar de todas as influências externas de outros saberes.
Porque teoria “pura”? Kelsen responde com toda a clareza e sem rebuços: 
Quando a si própria se designa como ‘pura’ teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental (Ibidem - negritos não constantes do original).
	Dessa explicação de Kelsen fica bem claro que a Teoria Pura do Direito é uma teoria científica do direito, ou uma metodologia científica aplicável ao direito.
	Para o normativismo puro de Kelsen é relevante que a ordem jurídica adotada seja reconhecida por todos, de maneira que não há qualquer preocupação quanto à sua fonte, pelo que lhe é irrelevante sejam as leis promulgadas por governantes que assumem o poder mediante ilícito golpe de Estado. O que importa, para o positivismo puro, é a capacidade desse governo de garantir a eficácia da lei.
	A transcrição seguinte, extraída da “Teoria Pura do Direito”, de Kelsen, que bem expressa o total desprezo ao valor do conteúdo da norma e a irrelevância de sua fonte, que será legítima até mesmo se proveniente da força, desde que haja garantia de sua eficácia, tudo enfatizando o aspecto científico de sua teoria:
A significação da norma fundamental torna-se especialmente clara quando uma Constituição não é constitucionalmente modificada, mas é revolucionariamente substituída por uma outra, quando a existência - isto é, a validade - de toda ordem jurídica imediatamente assente na Constituição é posta em questão. [...] As normas de uma ordem jurídica valem enquanto a sua validade não termina, de acordo com os preceitos dessa ordem jurídica. [...] O princípio de que a norma de uma ordem jurídica é válida até a sua validade terminar por um modo determinado através desta mesma ordem jurídica, ou até ser substituída pela validade de uma outra norma desta ordem jurídica, é o princípio da legitimidade. [...] Uma revolução no sentido amplo da palavra, compreendendo também o golpe de Estado, é toda modificação ilegítima da Constituição, isto é, toda modificação da Constituição, ou a sua substituição por uma outra, não operadas segundo as determinações da mesma Constituição. Do ponto de vista jurídico, é indiferente que esta modificação da situação jurídica seja produzida através de um emprego da força dirigida contra o governo legítimo ou pelos próprios membros deste governo, através de um movimento de massas populares ou de um pequeno grupo de indivíduos. Decisivo é o fato de a Constituição vigente ser modificada ou completamente substituída por uma nova constituição através de processos não previstos pela Constituição até ali vigente. [...] De acordo com a norma fundamental de uma ordem jurídica estadual o governo efetivo que, com base numa Constituição eficaz, estabelece normas gerais e individuais eficazes, é o governo legítimo do Estado. [...] Uma Constituição é eficaz se as normas postas de conformidade com ela são, globalmente e em regra, aplicadas e observadas. [...] O princípio que aqui surge em aplicação é o chamado princípio da efetividade. O princípio da legalidade é limitado pelo princípio da efetividade (KELSEN, 2000, pp. 232-235 - negritos e grifos não constantes do original).
	Vale dizer, do ponto de vista científico, é de somenos importância que a ordem jurídica existente seja decorrência de um poder exercido depois de um golpe ou uma revolução.
	Como se constata com facilidade neste texto de Kelsen, a legitimidade de uma norma positivada é limitada pela efetividade, ainda que essa efetividade seja obtida com o uso da força e com total violação da Constituição até então vigente. Ora, esse viés é nitidamente ideológico, o que constitui flagrante contrassenso numa teoria que prega a pureza metodológica e propugna a total libertação do direito de toda ideologia.
	[...]
	Não é difícil concluir que a má compreensão - ou a má fé - em relação ao normativismo puro de Kelsen levou ao mau uso da teoria em estudo para dar sustentáculo a regimes totalitários, inclusive na América Latina, com a institucionalização das quarteladas e dos golpes de Estado, até mesmo no Brasil. Clara demonstração disto, entre nós, tem-se no Ato Institucional n° 5, de 13 de dezembro de 1968, em boa parte inserido na Constituição brasileira de 1967 por intermédio da Emenda Constitucional n° 1, de 1969. Não obstante esse ato fosse escancarada negação da ordem constitucional estabelecida em 1967, a Teoria Pura do Direito foi utilizada para dar-lhe validade, tal como aos totalitarismos soviéticos, italiano, francês (o que Kelsen admite) e ao nazismo alemão, pois ela - T.P.D. - não foi vista, nesses casos, como teoria científica do direito.
	O mau uso desse normativismo puro, para dar sustentação à ditadura imposta pelo regime militar em 1964, possibilitou o desrespeito a direitos fundamentais contemplados na Constituição de 1967, o que se verificavaa cada aplicação do Ato Institucional n° 5. As violações eram tão sérias que o seu artigo 11 excluía da apreciação do Judiciário “todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos complementares, bem como os respectivos efeitos”, com total e indisfarçada ofensa ao disposto no artigo 153, § 4°, da Constituição então vigente. 
Assim, não obstante Hans Kelsen tenha reconhecido a importância da análise sociológica, psicológica, histórica, moral e cultural para o direito, por ter teorizado uma metodologia científica pura e fechada para outras áreas do conhecimento, de sua teoria muitos regimes totalitários se aproveitaram, inclusive o que se instalou no Brasil em 1964. E, pois, ditadores legitimaram muitas absurdas leis e normas positivadas que violavam direitos fundamentais dos cidadãos.
FONTE: Roberto da Freiria Estevão; “a retórica no direito”, pp 130-138). 
Paulo Nader (NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 23ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 377), sustenta que: 
O positivismo jurídico, que atingiu o seu apogeu no início de nosso século, é hoje uma teoria em franca decadência. Surgiu em um período crítico da história do Direito Natural, durou enquanto foi novidade e entrou em declínio quando ficou conhecido em toda a sua extensão e conseqüências. Com a ótica das ciências da natureza, ao limitar o seu campo de observação e análise aos fatos concretos, o positivismo reduziu o significado humano. O ente complexo, que é o homem, foi abordado como prodígio da Física, sujeito ao princípio da causalidade. Em relação à justiça, a atitude positivista é a de um ceticismo absoluto. Por considerá-la um ideal emocional, acessível apenas pelas vias da emoção, o positivismo se omitiu em relação aos valores. Sua atenção se converge apenas para o ser do Direito, para a lei, independentemente de seu conteúdo.
Desta forma, nota-se como o Positivismo Jurídico, em sua tentativa de transformar em exato e neutro um conhecimento eminentemente humano e valorativo, acaba por congelar no tempo tanto a lei quanto o seu aplicador (o magistrado), que permanecem, assim, distantes da realidade que se encontram bem diante si. Neste sentido, significativo o erro verificável com frequência nos fóruns, isto é, que o juiz, em seu labor diário, vê a si mesmo como mero aplicador e operário da lei do Estado, de forma que sua visão é restrita à lei, jamais questionando-se a respeito da justiça ou injustiça da mesma. 
Destarte, depara-se com a figura do operário do Direito, sujeito que, ao comprometer-se ao extremo com a lei, cega-se a quaisquer outras manifestações da realidade: não lhe interessa se o conteúdo da lei que aplica é injusto, tampouco o contexto socioeconômico, político e cultural da sociedade em que está inserido. O operário do Direito é, assim, mero robô: sempre impecável no conhecimento e na aplicação da lei, porém, no que se refere a aspectos que se encontram além da lei, torna-se cego e indiferente.
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