Buscar

Tele aula 2 material 2

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
CDD: 192 
 
Filosofia da Natureza e Filosofia Moral em Hobbes 
 
YARA ADARIO FRATESCHI 
 
Departamento de Filosofia 
Universidade Estadual de Campinas 
CAMPINAS, SP 
yara@unicamp.br 
 
 
Resumo: O ponto de partida da filosofia moral de Hobbes é a física: a explicação do com-
portamento humano natural resulta da aplicação – no homem – da teoria mecânica do movimento, 
que é inercial e anti-teleológica. Com isso, Hobbes pode concluir que o homem tende naturalmente 
a persistir em movimento, isto é, a procurar os meios que lhe permitem continuar vivo. As circuns-
tâncias em que ele se encontra conjugam-se com a sua tendência ou inclinação natural à auto-
preservação; daí resultam as suas paixões, enquanto reações mecânicas a tais circunstâncias. É essa 
concepção da natureza humana, articulada em torno de uma formulação mecanicista da tendência 
à autopreservação, que constitui a base da explicação hobbesiana do processo de formação das pai-
xões, escolhas e ações humanas: é ela, enfim, que fundamenta a tese do desejo incessante de poder. 
 
Palavras-chave: Direito natural. Direito civil. Ética. Política. 
 
 
A humanidade é inclinada a um perpétuo e irrequieto desejo de poder e 
mais poder que cessa apenas com a morte. A afirmação de Hobbes sobre o de-
sejo de poder não foi recebida sem indignação: tal inclinação não pode ser natu-
ral, mas própria de homens corrompidos; revela o comportamento do homem 
burguês; é a suma do egoísmo e do individualismo possessivo. De Bramhall a 
Strauss, passando por Rousseau e Macpherson, temos a recusa de que o desejo de 
poder e mais poder revele uma característica natural do homem, independente de 
considerações morais. Hobbes, no entanto, ainda que reconheça a potencialidade 
belicosa dessa paixão, entende que se trata de uma tendência de todos os homens 
enquanto seres naturais, não estando sujeita a nenhum tipo de juízo de valor, já 
que o comportamento humano natural não é bom ou mau, certo ou errado, noções 
ausentes no domínio da natureza. Hobbes retira a carga valorativa do compor-
Yara Adario Frateschi 8 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
tamento humano natural e, coerentemente, faz o mesmo com a Ética (ou filo-
sofia moral): um ramo da filosofia que estuda as capacidades, as disposições e os 
costumes humanos a partir da aplicação no homem das leis da física que regem o 
comportamento dos corpos em geral; e não um campo do conhecimento que en-
contra ou fundamenta na natureza a doutrina autêntica do justo e do injusto, do 
bem e do mal. 
São duas as partes da filosofia, já que são dois os tipos de corpos que se 
apresentam à investigação: os corpos naturais (obra da natureza) e os corpos ar-
tificiais (obra da vontade humana). Deriva daí a divisão da filosofia em natural e 
civil. Fazem parte da filosofia natural a filosofia primeira, a geometria, a física e 
também a ética1. Hobbes inclui a ética na parte da filosofia que lida com os cor-
pos naturais porque ela trata das conseqüências das paixões da mente e é, por 
isso, uma subdivisão da ciência dos corpos naturais, situando-se num campo de 
conhecimento diferente daquele que abarca a política. 
A ética (ou filosofia moral) pode ser obtida de dois modos, já que dois são 
os métodos de conhecimento admitidos por Hobbes: aquele que parte da obser-
vação e chega aos princípios ou causas (método analítico) e aquele que parte dos 
primeiros princípios e procede pela via da síntese2. Pelo método analítico, chega-
se ao conhecimento dos movimentos da mente a partir da experiência, isto é, a 
partir da observação que cada um pode fazer desses movimentos em si mesmo: 
 
quem quer que olhe para dentro de si mesmo e examine o que faz quando pensa, 
opina, raciocina, espera, receia, etc., e por que motivos o faz, poderá por esse meio 
ler e conhecer quais são os pensamentos e paixões de todos os outros homens, em 
circunstâncias idênticas3. 
 
 
1 Cf. Leviatã, IX, p. 52 (quadro das ciências). Em geral, utilizamos a tradução bra-
sileira de João Paulo Monteiro (1979) e fizemos algumas modificações quando julgamos 
necessário. Nesses casos, indicamos o número da página da edição Cambridge, editado 
por R. Tuck (1991). 
2 De Corpore, I, VI, 1. Utilizamos a tradução de A. Martinich (1981). 
3 Leviatã, Introdução, p. 6. 
Filosofia da Natureza e Filosofia Moral em Hobbes 9
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
Por outro lado, o método sintético requer que a investigação tenha início 
na filosofia primeira, que passe daí para a geometria, da geometria para a física, e 
chegue finalmente à filosofia moral. É que Hobbes reduz a filosofia a relações 
causais4, de modo que conhecer uma coisa é conhecer a sua causa: “conhecer um 
quadrado significa, para Hobbes, conhecer a causa do quadrado, e esse conhe-
cimento da causa é obtido por meio do conhecimento das causas das várias 
‘coisas’ universais que constituem a natureza do quadrado, isto é, a linha, o plano, 
o ângulo, etc.”5. As coisas universais têm, por sua vez, uma causa única, que é o 
movimento: 
 
Pois a variedade de todas as figuras surge da variedade dos movimentos pelos quais 
elas são construídas; e não se pode entender que o movimento tenha outra causa 
senão o movimento. E a variedade das coisas percebidas pela experiência sensível, 
como as cores, os sons, os odores, etc., também não tem outra causa além do mo-
vimento (...)6. 
 
Todas as coisas são causadas pelo movimento, e o próprio movimento não 
tem outra causa além do movimento. Como observa Brandt, o conceito hobbe-
siano de conhecimento filosófico acaba se tornando uma doutrina do movi-
mento7. Daí que Hobbes defina os diversos campos do conhecimento científico 
em termos das diferentes espécies de movimentos: a geometria lida com o mo-
vimento simples; a física, com o efeito de um corpo em movimento sobre outro; 
a moral, com os movimentos da mente. A razão pela qual a filosofia moral deve, 
na via sintética, seguir-se à física é o fato de que os objetos da moral – o desejo, o 
apetite, a benevolência, a esperança, o medo, etc. – são movimentos da mente. As 
 
4 “A filosofia é o conhecimento, adquirido pelo raciocínio correto, dos efeitos ou 
fenômenos a partir da concepção das suas causas ou gerações, e também das gerações 
que poderiam existir a partir do conhecimento dos seus efeitos” (De Corpore, I, I, 2). 
Para uma análise do conceito de filosofia em Hobbes, ver Brandt, 1928, cap. VII. 
5 Brandt, 1928, p. 242. 
6 De Corpore, I, VI, 5. 
7 Brandt, 1928, p. 243. 
Yara Adario Frateschi 10 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
causas desses movimentos residem na sensação e na imaginação, que, por sua 
vez, são também movimentos, que compete à física estudar: 
 
Depois da física, chegamos à moral, na qual são considerados os movimentos da 
mente, isto é, desejo, aversão, amor, benevolência, esperança, medo, raiva, ciúme, 
inveja e outros; quais são as causas desses movimentos e de quais coisas eles são 
causas. E essas coisas devem ser consideradas depois da física porque as suas 
causas estão na sensação e na imaginação, que são objetos de estudo da física8. 
 
Muito se tem debatido acerca da relação entre a filosofia política e a fi-
losofia natural em Hobbes. Os comentadores, que se debruçam sobre a questão, 
se dividem basicamente em dois grupos: os que negam terminantemente a relação 
entre os dois campos da filosofia (Strauss, Warrender, Taylor) e os que admitem 
haver alguma relação entre eles, seja de dedução, analogia, continuidade ouparalelismo (Herbert, Spragens). Para ilustrar o debate, tomemos brevemente as 
interpretações de Leo Strauss e de Thomas Spragens. 
A tese central de Strauss no The Political Philosophy of Hobbes é de que a base 
da filosofia política hobbesiana não é a antítese naturalista entre o apetite animal 
(ou a busca de poder) moralmente indiferente e a busca moralmente indiferente 
da autopreservação, mas a antítese moral e humanista entre a vaidade fundamen-
talmente injusta e o medo fundamentalmente justo da morte violenta9. Para cor-
roborar a tese de que a filosofia política tem uma tal base moral, Strauss precisa 
combater a interpretação (que ele admite ser suscitada pelo próprio texto de 
Hobbes) de que a filosofia política hobbesiana se baseia na ciência moderna. 
Segundo ele, é até mesmo compreensível que Hobbes tenha caído na tentação de 
basear a sua filosofia política na ciência natural moderna: uma vez que as 
filosofias moral e política tradicionais tinham como base a metafísica tradicional, 
Hobbes teria julgado necessário fazer um caminho análogo, substituindo essa 
metafísica pela ciência moderna. Do ponto de vista do comentador, porém, esse 
caminho jamais poderia se revelar tão apropriado quanto o dos antigos. Ao con-
 
8 De Corpore, I, VI, 6. 
9 Strauss, 1963, p. 27. 
Filosofia da Natureza e Filosofia Moral em Hobbes 11
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
trário da metafísica tradicional, a ciência moderna, por sua própria natureza, ja-
mais poderia servir de fundamento para a moral e para a política. Isso porque 
 
as metafísicas tradicionais eram, para usar uma linguagem dos sucessores de 
Hobbes, “antropomórficas” e, portanto, constituíam uma base apropriada para a 
filosofia das coisas humanas; por outro lado, a ciência moderna, que tentou 
interpretar a natureza renunciando a todos os “antropomorfismos”, todas as 
concepções de propósito e perfeição, não poderia contribuir em nada para a 
compreensão das coisas humanas, para a fundamentação da moral e da política10. 
 
Strauss argumenta que as linhas centrais da doutrina política de Hobbes já 
estavam formadas e fixadas antes que ele se tornasse um filósofo mecanicista, e 
portanto a visão hobbesiana do homem não tem origem na ciência, mas na ex-
periência atual de como os homens se comportam na vida cotidiana. Não se con-
tentando, contudo, em expor a sua visão da vida humana, Hobbes tentou, sem 
sucesso, justificá-la como a única verdadeira e universalmente válida. Mantida a 
interpretação de que a filosofia política de Hobbes tem como origem a psicologia 
mecanicista, conclui Strauss, não seria possível traçar nenhuma distinção entre o 
direito natural e o apetite humano natural11, o que retiraria dessa filosofia toda a 
base moral – conseqüência que o comentador (sem muita atenção ao texto de 
Hobbes) teima em considerar inadmissível. 
Em outras palavras, para Strauss a admissão da base mecanicista mascara a 
verdadeira base moral, dando uma falsa aparência de amoralidade. É o que ocor-
reria, por exemplo, com o postulado do apetite natural. Explicados a partir de 
uma concepção mecânica da natureza, a infinitude do desejo e a busca de poder 
não seriam suscetíveis de julgamento moral; contudo, essa não poderia ser a 
verdadeira intenção de Hobbes, pois a busca de poder “é sempre boa e permis-
 
10 Ele prossegue: “no caso de Hobbes, a tentativa de basear a filosofia política na 
ciência moderna tem como conseqüência o fato de que a diferença fundamental entre 
‘direito’ natural e apetite natural não pode ser coerentemente mantida. Se o significado 
do princípio hobbesiano de ‘direito’ deve ser reconhecido, então, é preciso primeiro 
mostrar que a base real da sua filosofia política não é a ciência moderna. Mostrar isso é 
o objeto particular deste livro” (Strauss, 1963, p. ix). 
11 Strauss, 1963, p. ix. 
Yara Adario Frateschi 12 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
sível ou má e inadmissível”12 (que se pergunte a Strauss quem permite e quem 
proíbe). Ainda que Hobbes tente sustentar uma ilusão de amoralidade, “ele não é 
mais capaz do que qualquer outro de nos fazer esquecer que o homem não é um 
animal inocente”13 (Inocente? Ora, Strauss parece esquecer daquela célebre 
passagem em que Hobbes diz que, no estado de natureza, nada poder injusto e 
que as noções de certo e errado, de justiça e injustiça, não podem aí ter lugar.14) 
Em outra vertente interpretativa, Spragens argumenta que, se a filosofia 
natural não é a base suficiente da moral e da política, tampouco deixa de ser rele-
vante para ambas. Mesmo que se admita não ser possível deduzir estritamente a 
moral e a política da filosofia natural, cabe lembrar que há mais de uma maneira 
pela qual uma formulação teórica numa determinada área pode exercer influência 
sobre formulações teóricas em outra área. Na filosofia natural, Hobbes desenha 
um modelo de comportamento que é transportado por analogia para a sua expli-
cação do comportamento humano, tanto político quanto psicológico15: o modelo 
criado para a interpretação da natureza tem ressonância em algumas partes 
fundamentais da política, especialmente nas que tratam das paixões humanas. 
Spragens vai além: mais do que uma analogia interessante, o paralelismo entre o 
comportamento humano e o fenômeno natural é, como em Aristóteles, uma 
manifestação da homogeneidade fundamental de todas as “ações naturais”, que 
incluem os comportamentos humanos16. Ao contrário do que supõe Strauss, 
 
 
 
12 Idem, p. 15. 
13 Idem, p. 14. 
14 Leviatã, cap. XIII, p. 77. 
15 Spragens, 1973, p. 167. 
16 Diferentemente de Strauss, Spragens conclui que Hobbes não junta a filosofia 
natural e a política apenas para persuadir os outros: “ele estava sinceramente conven-
cido de que a permeação dos conceitos políticos pelos paradigmas da filosofia natural 
não era apenas apropriada, mas compulsória. Ele sentia genuinamente que a filosofia 
civil ‘não pode ser demonstrada a menos que [a filosofia natural] seja perfeitamente 
compreendida’ (EW, I)” (Idem, p. 173). 
Filosofia da Natureza e Filosofia Moral em Hobbes 13
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
é possível que a filosofia da natureza exerça impacto considerável sobre a filosofia 
das coisas humanas, mesmo que essa filosofia da natureza não seja antropomórfica 
(...) mesmo uma filosofia não antropomórfica pode trabalhar por analogia para 
formar, sugerir, limitar, consolidar, expandir, substancializar, estabilizar, reforçar 
formalmente modelos paralelos da vida política (...)17. 
 
É a noção de movimento que Hobbes carrega da filosofia natural para a 
moral e para a política, ao assumir que a ordem natural inteira, incluindo o hoem, 
“a mais excelente obra da natureza”, se move fundamentalmente da mesma 
maneira18. Transportando a teoria do movimento para as teorias moral e política, 
Hobbes entende que não apenas os corpos em geral, mas também os homens se 
movem inercialmente, de modo que não apenas os seus movimentos físicos 
(externos), mas também as suas emoções se movem sem fim e sem repouso19. E 
mais: no mundo do movimento inercial, todas as coisas tendem à persistência; o 
homem, que é uma criatura natural, não constitui exceção. 
Chocando-se de frente contra a interpretação de Strauss, Spragens (muito 
acertadamente) afirma que o desejo de persistir, sendo uma tendência universal 
da natureza, não está sujeito ao elogio ou à repreensão, assim como “ninguém 
pode ser censurado por ter dois braços e uma cabeça”20. E, uma vez que esse 
desejo é o fundamento do direito natural, deve-se reconhecer (ao contrário doque supõe Strauss) que “o direito natural é, para Hobbes, simplesmente a le-
gitimação da irresistível força motora do mundo”21. É verdade que a filosofia 
política de Hobbes começa com a teoria do direito natural; entretanto, o direito 
natural não é um postulado moral a priori que Hobbes promulga como a premissa 
central da sua teoria política, mas sim a aceitação e o reconhecimento de algo que 
é natural, não foi criado nem pode ser abolido pelo homem22. 
 
17 Idem, p. 175. 
18 Idem, p. 176. 
19 Idem, p. 177. 
20 Idem, p. 178. 
21 Idem, ibidem. 
22 Idem, ibidem. 
Yara Adario Frateschi 14 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
Assumindo o ponto de partida da leitura de Spragens (que parte, como 
Hobbes, da teoria do movimento), pretendemos mostrar que qualquer inter-
pretação “moralista” da teoria hobbesiana das paixões humanas desrespeita a letra 
do texto e os propósitos do filósofo, isto é, aqueles que o texto nos permite 
conhecer, inferindo outros a partir da mais pura especulação (não se trata de 
buscar aqui as razões daqueles comentadores que querer atribuir, a qualquer 
custo, uma base moral à filosofia política de Hobbes, mas que se deixe a pergunta 
no ar). Tome-se por exemplo a tese de Taylor, que chega mesmo a afirmar que 
“a doutrina ética de Hobbes, separada da psicologia egoísta com a qual ela não 
tem uma conexão lógica necessária, é uma deontologia estrita, curiosamente 
evocativa, embora com diferenças interessantes, de algumas das teses caracte-
rísticas de Kant”23. O ponto comum entre Hobbes e Kant seria a aceitação, por 
parte de Hobbes, do caráter imperativo da lei moral (isto é, da lei de natureza). 
Strauss também consegue ver no texto de Hobbes proximidades com Kant. 
Segundo ele, Hobbes, não menos do que qualquer moralista, distingue entre le-
galidade e moralidade: “não é a legalidade da ação mas a moralidade do propósito 
que torna um homem justo. É justo o homem que cumpre a lei por ser lei, e não 
por medo da punição ou com vistas à reputação”24. 
Note-se que o que anima essa vertente de comentadores é a suposta 
impossibilidade de se levar a cabo o projeto inicial de Hobbes (que consistia em 
partir da filosofia da natureza para dela derivar a filosofia política), dado que não 
seria possível estabelecer entre ambas uma relação estrita de dedução. Mesmo 
admitindo essa impossibilidade, parece-nos, entretanto, que tampouco é possível 
substituir a filosofia da natureza por uma base moral. É certo que a política 
desfruta de independência em relação às ciências anteriores, mas isso não exclui a 
conexão e a compatibilidade evidentes entre a visão hobbesiana acerca do ho-
mem e a concepção mecânica da natureza, por ele sustentada. E é justamente essa 
conexão, manifesta explicitamente no Elements of Law e no Leviatã, que permite a 
Hobbes retirar da política qualquer fundamento moral. O erro dos comentadores 
 
23 Taylor, 1965, p. 37. 
24 Strauss, 1963, p. 23. 
Filosofia da Natureza e Filosofia Moral em Hobbes 15
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
que atribuem uma base moral à filosofia política de Hobbes reside numa suposta 
distinção entre fato e valor, ao passo que Hobbes retira o valor do fato: é bom 
tudo aquilo que contribui para a preservação da vida e para a continuidade dos 
nossos movimentos internos e externos. Analogamente, o valor da lei de natureza 
deriva de um fato natural, na medida em que ela proíbe o homem de fazer qual-
quer coisa que destrua a sua vida ou impeça a obtenção dos meios necessários 
para a sua preservação. Antes de ser um valor, a lei de natureza é a expressão no 
homem da lei que rege o movimento de todos os corpos naturais: se os homens 
estão proibidos de atentarem contra a própria conservação, é porque essa proi-
bição, ou o dever contrário, revela uma necessidade de fato, e não um juízo de 
valor irredutível. O mesmo raciocínio é empregado na definição do direito na-
tural: ele não se funda originariamente num valor, mas num fato natural: a ten-
dência natural do homem a garantir para si a liberdade, definida como ausência de 
impedimentos externos ao uso do poder com vistas à preservação da vida. Assim, 
o princípio do benefício próprio não tem um fundamento valorativo, mas na-
tural: não é o caso de elogiar ou repreender a natureza humana, mas de conhecê-
la. Conhecimento esse que o filósofo pode levar a cabo seja pelo método sin-
tético, seja pelo analítico, e que todas as pessoas podem alcançar pela observação de 
si mesmas. Eis o primeiro passo para a construção da paz25. 
 
*** 
 
25 Transferir para um outro o comando da própria vida (ao menos no tocante às 
coisas mais diretamente ligadas à conservação), ou autorizá-lo a decidir em seu nome, é 
a única solução para a guerra, porque esse é o único modo que os homens têm de se 
protegerem uns dos outros. Assim, em nome da autopreservação, aceitam a restrição da 
sua liberdade. Mas, para tanto, é preciso que o homem consiga ler a si mesmo, pois é 
preciso conhecer a natureza humana. O conhecimento da sua própria natureza torna 
cada homem capaz de mudar o curso natural das coisas, e assim se faz o pacto. Daí que 
Hobbes afirme que não nascemos aptos para a vida política, mas que conquistamos 
essa aptidão com treino e disciplina: empenhados em nos conhecermos, em examinar-
mos as nossas paixões, tornamo-nos mais capazes de bem deliberar sobre os meios que 
conduzem à nossa conservação. 
 
Yara Adario Frateschi 16 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
A nossa investigação começa com uma breve exposição da teoria hobbe-
siana do movimento, teoria que vinculamos em seguida à descrição das facul-
dades humanas cognitivas e do comportamento humano natural que encon-
tramos nas suas obras políticas. Seguindo os passos que Hobbes propusera-se a 
trilhar antes que os fatos políticos do seu tempo o fizessem alterar o projeto 
inicial, pretendemos tornar evidente a conexão entre a visão hobbesiana do 
homem e a concepção mecânica da natureza. Ainda que no Elements of Law e no 
Leviatã Hobbes não pretenda dar uma explicação exaustiva do fenômeno psíquico 
a partir da física e das leis mecânicas, é evidente que o mecanicismo lhe serve de 
base – e não apenas metaforicamente – para pensar tanto o comportamento 
humano natural quanto o Estado, isto é, tanto o homem natural quanto o ho-
mem artificial. 
Nesse contexto, o corpo humano é descrito como uma máquina, enquanto 
o Estado é descrito como um homem artificial que imita o homem natural. A 
mecânica do homem é análoga à mecânica do relógio: “o que é o coração, senão 
uma mola; os nervos, senão outras tantas cordas; e as juntas senão outras tantas 
rodas; imprimindo movimento ao corpo inteiro, tal como foi projetado pelo Artí-
fice?”26. Por sua vez, a mecânica do Estado imita a do homem natural: 
 
no qual a soberania é uma alma artificial, pois dá vida e movimento ao corpo 
inteiro; os magistrados e outros funcionários judiciais ou executivos, juntas 
artificiais; a recompensa e o castigo (pelos quais, ligados ao trono da soberania, 
todas as juntas e membros são levados a cumprir o seu dever) são os nervos, que 
fazem o mesmo no corpo natural; a riqueza e a prosperidade de todos os membros 
individuais são a força; Salus Populi (a segurança do povo) é seu objetivo; os 
conselheiros, através dos quais todas as coisas que necessita saber lhe são sugeridas, 
são a memória; a justiça e as leis, uma razão e uma vontade artificiais; a concórdia é 
a saúde; a sedição é a doença; e a guerra civil é a morte27. 
 
26 Leviatã, Introdução, p. 5. 
27 Idem, ibidem. É verdade que apenas no De Corpore(1655) encontramos a teoria 
mecânica exposta de maneira completa e sistematizada (Brandt, 1928, p. 217). No 
entanto, antes mesmo da formulação da primeira versão da obra política, Hobbes revela 
ter assimilado a concepção mecânica da natureza. Como mostra Brandt, já no Tractatus 
Opticus os elementos para uma filosofia mecanicista na natureza já estavam plenamente 
desenvolvidos, principalmente no que diz respeito à teoria do movimento (Idem, cap. 3). 
Filosofia da Natureza e Filosofia Moral em Hobbes 17
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
Antes de prosseguir, que se lembre que a substituição do princípio do zoon 
politikon – sustentado pela tradição aristotélica – pelo princípio do benefício pró-
prio – pensado por Hobbes no quadro do mais estrito mecanicismo – acom-
panha no campo da ética e da política, a substituição de uma concepção teleoló-
gica de natureza por outra que é mecânica. Para Aristóteles, o movimento natural 
é teleológico, causado pela tendência natural do corpo a obter a sua completude, 
a atualizar a sua essência; já para Hobbes o movimento é apenas mudança de 
lugar, indiferente a qualquer processo teleológico: os homens se movem, não na 
direção da atualização do que são potencialmente, mas na direção dos benefícios 
almejados, exclusivamente por efeito de causas eficientes. 
Aristóteles define o movimento como a atualização do que é em potência: 
“a atualização do que é potencialmente, enquanto é potencialmente, é movimen-
to”28. Essa definição guarda íntima relação com a concepção fundamentalmente 
teleológica da causalidade: o movimento tem um telos intrínseco e termina quando 
este passa da potência ao ato. Tudo o que se move naturalmente o faz para a 
realização da sua essência natural29, para o seu acabamento. Assim sendo, o 
movimento é teleológico, pois é “causado por uma atração na direção de um fim, 
um propósito, um objetivo”30, que os corpos têm tendência natural a realizar. A 
teoria da tendência natural explica tanto o movimento da pedra que cai quanto a 
natureza política dos homens. O movimento que se inicia na união do macho com 
a fêmea, passando pela família, pela aldeia e terminando na cidade, não é senão o 
movimento do homem tendendo naturalmente para o seu bem, que reside na ci-
dade. Nela, os homens realizam plenamente a sua natureza, atualizando o que são 
potencialmente. 
O mundo de Hobbes é radicalmente outro. A natureza teleológica é subs-
tituída pela natureza mecânica: o movimento já não é a atualização do que existe 
 
Como veremos, essa mesma teoria do movimento está no horizonte do filósofo quan-
do ele se propõe a explicar a psicologia humana no Elements of Law e no Leviatã. 
28 Física, III, 1, 200ª10-11. 
29 Spragens, 1973, p. 57. 
30 Idem, ibidem. 
Yara Adario Frateschi 18 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
em potência, mas pura e simplesmente mudança de lugar, e o estado de movi-
mento de um corpo só muda pela ação de outro corpo. Mecanicamente, o movi-
mento de um corpo é causado por outro corpo, e, uma vez iniciado, esse movi-
mento não termina, a menos que algo o faça parar: 
 
Nenhum homem duvida da verdade da seguinte afirmação: quando uma coisa está 
imóvel, permanecerá imóvel para sempre, a menos que algo a agite. Mas não é tão 
fácil aceitar esta outra, que, quando uma coisa está em movimento, permanecerá 
eternamente em movimento, a menos que algo a pare, muito embora a razão seja a 
mesma, a saber, que nada pode mudar por si só31. 
 
Seguem-se duas conseqüências da explicação do movimento exposta acima: 
uma diz respeito à teoria das causas, outra à teoria da inércia. Para Aristóteles, a 
causa eficiente é necessária, mas não é suficiente para explicar o movimento, pois 
a principal causa do movimento é a causa final. Para Hobbes, em contrapartida, o 
que causa movimento em um corpo é o movimento de um outro corpo, ou seja, 
o movimento é explicado apenas e tão-somente pela causa eficiente, não restando 
na natureza hobbesiana nenhum lugar para a causa final32. Das quatro causas 
aristotélicas, Hobbes reconhece apenas a eficiente e a material, sendo cada uma 
delas parte da causa inteira, ou necessária, para a produção de um efeito33. Juntas, 
elas fornecem as condições para que um efeito seja produzido: a causa eficiente, 
enquanto agregado de acidentes no agente necessários para a produção do efeito; 
a causa material, enquanto agregado de acidentes no paciente necessários para a 
produção do efeito. As chamadas causas formal e final são, para Hobbes, o mes-
mo que a eficiente, ou, por outra, não existem como causas diferentes da causa 
eficiente: “Os escritores de metafísica enumeram outras causas além da eficiente e 
 
31 Leviatã, II, p. 11. 
32 Como observa Brandt, um mundo inteiro pereceu com a extinção da causa final, 
que teve sobre os aristotélicos contemporâneos de Hobbes o efeito de um golpe de 
punhal, restando “apenas a relação causal nua, ‘causas eficientes’ que não são determi-
nadas por nenhum propósito” (Brandt, 1928, p. 290). É justamente isso que fundamen-
ta uma nova concepção da natureza, a mecânica, que suplanta a teleológica. 
33 De Corpore, II, IX, 4. 
Filosofia da Natureza e Filosofia Moral em Hobbes 19
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
da material, qual seja, a ESSÊNCIA, que alguns chamam de causa formal, e o FIM, 
ou causa final; as quais são, entretanto, causas eficientes”34. 
 De acordo com o conceito aristotélico de movimento, no que se refere 
ao repouso nenhuma causa externa é necessária para o término do movimento, 
que ocorre naturalmente quando se completa a atualização daquilo que se move. 
Um objeto natural repousa por si mesmo quando alcança o seu lugar próprio, 
pois não há outra razão para se mover senão alcançá-lo. Quando a causa final é 
eliminada por meio da realização do fim, é eliminada uma das condições neces-
sárias do movimento natural e, portanto, torna-se inteiramente natural que o mo-
vimento cesse. O repouso é o contrário do movimento porque é a privação do 
movimento, e a privação de qualquer coisa é o seu contrário35. Em contrapartida, 
Hobbes diz que um corpo que está em movimento só pára se um outro corpo o 
fizer parar. Por estar ciente do quanto essa afirmação contraria as convicções dos 
seus contemporâneos de formação aristotélica e escolástica, ele lembra na 
passagem do Leviatã acima citada que, embora nenhum homem duvide de que 
um corpo imóvel permanece imóvel a menos que outro o agite, não é tão fácil 
aceitar que um corpo em movimento vá permanecer eternamente em movimento 
a menos que algo o faça parar. Ora, se o movimento não termina com a atua-
lização do que é em potência, mas sim com a ação de algo externo, é porque a 
característica básica do movimento é a persistência, a continuação36. Assim, Hob-
bes adere decididamente ao novo modelo cosmológico inercial que substitui o 
modelo teleológico tradicional, de origem aristotélica. 
 Ainda que tão distintos na maneira de conceber o movimento, um e ou-
tro aplicam o seu modelo particular de explicação do movimento a todos os cam-
pos da realidade37. Vejamos brevemente como Hobbes o faz, quando se propõe 
a explicar, na primeira parte do Leviatã e do Elements of Law, as faculdades cogniti-
vas e as paixões humanas. 
 
34 Idem, II, X, 7. 
35 Física, V, 6, 229b24-27. Cf. Spragens, 1973, p. 58. 
36 Cf. Spragens, 1973, p. 67. 
37 Idem, p. 68. 
Yara Adario Frateschi 20 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
Tanto no início do Elements of Law quantono do Leviatã, Hobbes propõe-
se a explicar mecanicamente as faculdades cognitivas e as paixões humanas. A 
teoria da sensação é estabelecida mediante a utilização do paradigma mecanicista 
– segundo o qual toda mudança se reduz finalmente a movimentos locais e nada 
pode se mover senão pela ação mecânica de outra coisa – para explicar a origem 
das imagens sensíveis na mente humana. A sensação é entendida como o efeito 
de um movimento local em nós: a reação motora do cérebro a um movimento 
vindo do exterior. 
No caso das sensações visuais, o processo acontece da seguinte maneira: a 
partir dos corpos luzentes, brilhantes e iluminados propagam-se movimentos em 
direção ao olho, movimentos que se propagam do olho para o nervo óptico e 
deste para o cérebro, cuja reação motora nos aparece como sensação de luz ou 
cor38. Na medida em que esse movimento repercute novamente no nervo 
óptico, sem que disso nos apercebamos, acreditamos que o que nos aparece vem 
do exterior, quando nada mais é que algo em nós, causado pela ação mecânica de 
corpos exteriores sobre nós39. 
 A mesma espécie mecânica de explicação é dada para o fenômeno da 
audição, que é a reação do cérebro a um movimento que vem do exterior: 
 
Tanto quanto a cor não é inerente ao objeto, mas um efeito dele sobre nós causado 
por um movimento do objeto, tal como foi descrito, assim também o som não está 
na coisa que ouvimos, mas em nós mesmos. Um sinal manifesto disso é que não só 
um homem pode ver como também pode ouvir em duplo ou em triplo pela mul-
tiplicação de ecos, que, sendo tão sons quanto o original, não podem ser inerentes 
ao corpo que os produziu. Nada pode produzir alguma coisa por si mesmo: o ba-
dalo não tem som em si mesmo, mas movimento, e produz movimento nas partes 
internas do sino; assim, o sino tem movimento e não som. O movimento do sino 
comunica movimento ao ar; e o ar tem movimento, mas não som. O ar comunica 
movimento ao cérebro, pelo ouvido e pelos nervos; e o cérebro tem movimento, 
mas não som. Do cérebro, o movimento repercute nos nervos que regressam ao 
exterior, e por isso torna-se uma aparição fora de nós, a que chamamos som40. 
 
38 Elements of Law, I, II, 8. Para os treze primeiros capítulos do Elements of Law, utili-
zamos a tradução de João Aloísio Lopes (1987). 
39 Idem, ibidem. 
40 Idem, I, II, 9. 
Filosofia da Natureza e Filosofia Moral em Hobbes 21
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
 O som é, pois, a aparição de uma reação do cérebro ao movimento do 
sino, ou seja, ele não está no sino, nem no ar, nem no cérebro, mas na reação do 
cérebro41. E o mesmo vale para todas as de sensações42. Hobbes insiste que as 
qualidades dos objetos que percebemos não são propriamente nada fora de nós e 
não estão no objeto (pois, se assim fosse, não poderiam ser separadas deles como 
acontece com uma imagem no espelho). Esse passo é fundamental para a 
caracterização da cognição como um tipo de movimento43. No caso da visão, por 
exemplo, aquilo a que é inerente a cor não é o objeto ou a coisa vista: a “imagem 
ou cor é apenas uma aparição em nós do movimento, da agitação ou da alteração 
que o objeto opera no cérebro...”44. Reduzindo todo o processo a movimento, 
Hobbes conclui que “quaisquer acidentes ou qualidades que os nossos sentidos 
nos fazem pensar que existem no mundo não estão lá, constituindo apenas 
aparências e aparições. As coisas que realmente estão no mundo, fora de nós, são 
os movimentos, que causam as aparências”45. 
Do tratamento dado por Hobbes ao fenômeno da sensação, segue-se que 
não podemos ter nenhuma certeza sobre a eventual semelhança entre as nossas 
sensações e as qualidades dos objetos percebidos, mas podemos ter certeza de 
que há algo fora de nós: movimentos. No Elements of Law e no Leviatã, Hobbes 
apenas assume essa certeza, sem dar as suas razões, as quais, entretanto, podem 
ser encontradas ao se levantar a hipótese da aniquilação do mundo: 
 
Supondo que um homem continuasse vivo e todo o mundo tivesse sido aniquilado, 
tal homem poderia, apesar disso, reter a imagem do mundo de todas aquelas coisas 
que aí houvesse visto e percebido. Todo homem sabe que a ausência ou a 
destruição das coisas que uma vez foram imaginadas não causam a ausência nem a 
destruição da própria imaginação46. 
 
 
41 Brandt, 1928, p. 125. 
42 Leviatã, I, p. 10. 
43 Cf. Spragens, 1973, p. 72-73. 
44 Elements of Law, I, II, 4. 
45 Idem, I, II, 10. 
46 Idem, I, I, 8. 
Yara Adario Frateschi 22 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
Evidentemente, as imagens (que retemos depois da suposta aniquilação do 
mundo) não garantem a existência real de qualquer coisa externa. Hobbes só po-
de concluir pela existência de algo externo depois de constatar que essas imagens 
mudam sucessivamente. O que faz com que eu retenha imagens que mudam? A 
resposta a essa pergunta leva em conta o princípio fundamental da teoria do 
movimento: nada pode mover a si mesmo. Ora, se não posso ser a causa dos movi-
mentos que acontecem em mim, deve haver, fora de mim, movimentos que cau-
sam a alteração das minhas imagens. Logo, posso ter a certeza de que as coisas 
que realmente estão no mundo são os movimentos que causam essas imagens e 
as suas alterações. 
Como vimos, toda concepção origina-se de um movimento que vem do 
exterior e nos afeta. Hobbes constrói a mecânica das paixões a partir da mecânica 
da sensação: o movimento que provém do objeto externo, não se detendo no cé-
rebro e prosseguindo até o coração, deve necessariamente ajudar ou retardar o movi-
mento vital. Ainda que no Leviatã sejam citados, como exemplos do movimento 
vital, a circulação do sangue, a pulsação, a respiração, a digestão, a nutrição, etc., 
(ou seja, movimentos que independem da nossa imaginação, diferentemente dos 
movimentos voluntários, cuja origem interna é a imaginação)47, é o movimento 
do sangue que viabiliza a vida e os demais movimentos vitais (pulsação, respi-
ração, etc.) e animais (andar, falar, etc.). O movimento vital é, pois, o movimento 
do sangue circulando perpetuamente nas veias e nas artérias48: um movimento 
que “começa com a geração e continua e não cessa durante toda a vida”49. 
Se ao alcançar o coração o movimento que provém do objeto externo for 
favorável ao movimento vital do corpo que sente, vai se chamar deleite (ou apetite 
 
47 “Há nos animais dois tipos de movimento que lhes são peculiares. Um deles chama-
se vital; começa com a geração e continua sem interrupção, durante toda a vida. Desse 
tipo são a circulação do sangue, o pulso, a respiração, a digestão, a nutrição, a excreção, etc. Para 
esses movimentos não é necessária a ajuda da imaginação. O outro tipo é o dos movimentos 
animais, também chamados movimentos voluntários, como andar, falar, mover qualquer dos 
membros, da maneira anteriormente imaginada pela mente” (Leviatã, VI, p. 32). 
48 De Corpore, IV, XXV, 12. 
49 Leviatã, VI, p. 32. 
Filosofia da Natureza e Filosofia Moral em Hobbes 23
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
pelo objeto); caso contrário, vai se chamar aversão. Assim como a concepção é um 
movimento no cérebro, o deleite e a aversão são movimentos no coração e 
também solicitações, seja para aproximar-se da coisa que agrada, seja para afastar-
se da coisa que desagrada50. Tais solicitações são esforços, um principiar interno 
do movimento animal, um conatus. A partir desses primeiros esforços, segue-se o 
movimento dos nervos, que é sucedido pelo movimento dos músculos, que por 
sua vez provoca o movimento dos membros e das partes do corpo, movimento 
esse no qual consisteo andar, o falar, etc. 
Além das paixões simples, que consistem no prazer e no desprazer em 
relação às coisas que percebemos imediatamente, existem as paixões do espírito, 
que derivam da expectativa provocada pela previsão do fim ou das conseqüências 
das coisas, como a esperança (um apetite ligado à crença de conseguir algo) e o 
medo (uma aversão ligada à opinião acerca do dano que o objeto pode nos 
causar)51. Após definir o apetite e a aversão, que recebem também os nomes de 
desejo, amor, alegria, ódio e tristeza, Hobbes enumera as demais paixões huma-
nas, como a cólera, a indignação, a cobiça, a ambição, a pusilanimidade, a liberali-
dade, a mesquinhez, a luxúria, o ciúme, a ânsia de vingança. A maneira como per-
faz esse caminho – que leva do objeto externo à sensação, desta ao movimento 
vital, deste ao apetite e às demais paixões humanas – evidencia que para ele as 
paixões, enquanto movimentos em nós, podem ser compreendidas à luz das leis 
mecânicas da natureza. Sendo assim, o comportamento humano pode ser com-
preendido por meio da aplicação do mesmo modelo utilizado para compreender 
o comportamento dos corpos naturais em geral, isto é, por meio da teoria do 
movimento inercial – a peculiaridade do homem residindo na posse da razão, ou 
seja, na capacidade de cálculo e previsão de eventos futuros. 
Ao entender o corpo humano como um mecanismo e definir a vida como 
um movimento (a vida não é mais do que o movimento dos membros), Hobbes pode 
então traçar o conceito de natureza humana a partir da teoria mecânica do movi-
mento. A identificação do movimento vital com a circulação perpétua do sangue 
 
50 Elements of Law, I, VII, 2. 
51 Leviatã, VI, p. 34. 
Yara Adario Frateschi 24 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
nas veias e nas artérias mostra que a tendência natural do homem é procurar os 
meios para fazer com que o seu movimento, isto é, a sua vida, se perpetue: o ho-
mem, como os corpos em geral, move-se inercialmente. Por conseguinte, as suas 
emoções, que são movimentos internos, também se movem sem fim e sem 
repouso. A conexão entre a visão do homem e a concepção mecânica da natureza 
é, portanto, um aspecto fundamental da obra hobbesiana, que devemos reconhe-
cer para não correr o risco de esquecer que o comportamento humano é determi-
nado, principal e primeiramente, por uma tendência natural, e não por impera-
tivos irredutivelmente morais. Contra as interpretações que vêem no princípio do 
benefício próprio uma conotação irredutivelmente moral, ou a contaminação da 
noção de natureza humana por características próprias do homem em sociedade 
ou do homem burguês, Hobbes retrucaria: “cada homem é levado [drawn] a 
desejar o que é bom para si e evitar o que é mau, e, acima de tudo, é levado a 
evitar o maior de todos os males naturais, que é a morte; isso acontece por uma 
necessidade real da natureza tão poderosa quanto a necessidade pela qual uma 
pedra cai”52. 
Vimos anteriormente como a teoria hobbesiana do movimento intervém 
na sua teoria da sensação; examinemos agora como ela opera quando Hobbes 
trata das paixões e do desejo. Uma breve incursão na Ética Nicomaquéia pode ser 
útil para elucidar a diferença entre as teorias que Hobbes e Aristóteles elaboram 
acerca do desejo. 
Na Ética Nicomaquéia, após afirmar que todas as ações humanas tendem 
para algum bem, Aristóteles discrimina dois tipos de fins: as atividades e os pro-
dutos distintos das atividades, fins que desejamos por si mesmos e fins que dese-
jamos com vistas a outra coisa. É tese central da ética aristotélica que nem tudo o 
que procuramos visa a outra coisa, caso contrário o desejo nunca cessaria e não 
poderia haver felicidade para o homem: 
 
 
 
52 De Cive, I, 7. 
Filosofia da Natureza e Filosofia Moral em Hobbes 25
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por si mesmo e 
tudo o mais é desejado no interesse desse fim; e se é verdade que nem toda coisa 
desejamos com vistas a outra (porque então o processo se repetiria ao infinito e 
inútil e vão seria o nosso desejar), evidentemente tal fim será o bem, ou antes o 
Sumo bem53. 
 
A afirmação de que o nosso desejo seria inútil e vão se não houvesse um 
bem desejado por si mesmo (e que fosse supremo) está plenamente de acordo 
com a noção teleológica de natureza. O desejo deve ter um término, pois todo 
movimento termina com a atualização do que é potencial. Se o desejo (que é um 
certo movimento) é causado pela atração na direção de um fim, se a finalidade de 
toda mudança é a obtenção desse fim, o desejo (como o movimento) cessa 
quando o alvo é alcançado. Segue-se daí que nem todos os bens são relativos, de 
modo que fica aberta a possibilidade de que se alcance (ou ao menos se almeje) o 
Sumo Bem, que para os homens consiste na Felicidade54. 
Tendo alterado radicalmente a filosofia natural de Aristóteles, Hobbes 
altera também, em igual medida, as concepções de desejo, felicidade e bem. Enquanto 
para Aristóteles o desejo tende à sua aniquilação e, portanto, a um fim que é o 
bem, para Hobbes o desejo transita continuamente de um objeto a outro. Assim 
que se atinge o fim proposto, este se torna meio para outro fim, e assim por 
diante. Dessa filosofia, portanto, está excluída a existência de um Fim Último (ou 
de um Sumo Bem). Hobbes abandona a discriminação aristotélica entre os fins 
que são atividades e os que são produtos distintos das atividades – discriminação 
que separa um tipo de bem que é fim em si mesmo de outro que é apenas meio 
para algo que lhe é externo – e se limita a diferenciar fins próximos e fins lon-
 
53 Ética Nicomaquéia, I, 2, 1094a18-21. 
54 “Ora, chamamos aquilo que merece ser buscado por si mesmo mais absoluto do 
que aquilo que merece ser buscado com vistas a outra coisa, e aquilo que nunca é 
desejável no interesse de outra coisa mais absoluto do que as coisas desejáveis tanto em 
si mesmas quanto no interesse de uma terceira; por isso chamamos de absoluto e 
incondicional aquilo que é sempre desejável em si mesmo e nunca no interesse de outra 
coisa. Ora, esse é o conceito que preeminentemente fazemos da felicidade” (Ética Nico-
maquéia, I, 7, 1097a30-1097b6). 
Yara Adario Frateschi 26 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
gínquos, reservando àqueles o estatuto de meio para a obtenção destes. Uma vez 
que o homem sempre deseja e o desejo se refere a um fim mais longínquo (algo 
que não possuímos no presente), o fim que ele agora almeja vai se transformar 
automaticamente (quando realizado) em meio para a obtenção de outro fim, e 
assim por diante. O registro é o da utilidade: cedo ou tarde, fins se tornam meios, 
isto é, algo útil para uma nova empreitada. A Felicidade consiste, então, na pos-
sibilidade de continuidade desse movimento na direção dos objetos do desejo. 
Enquanto viver, o homem terá desejos, e será feliz aquele que possuir os meios 
(leia-se: o poder) para realizá-los. Desfaz-se, desse modo, o vínculo entre Felici-
dade, Fim Último e Sumo Bem: 
 
No que se refere aos fins, alguns são chamados de propinqui, isto é, mais próximos; 
outros são chamados de remoti, isto é, mais longínquos. Mas, quando comparamos 
os fins mais próximos com os fins mais longínquos, não são chamados fins, mas 
meios e caminhos para aqueles. Quanto a um fim último, no qual os filósofos an-
tigos situaram a felicidade e muito discutiram sobre o caminho para a atingir, não 
há semelhante coisa neste mundo, nem caminho para ela, exceto em termos de 
Utopia; pois enquanto vivermos teremos desejos, e o desejo semprepressupõe um 
fim mais longínquo55. 
 
No campo da psicologia, o que permite que Hobbes faça essa alteração é a 
afirmação de que o homem nunca deixa de desejar, isto é, que o homem sempre 
almeja algo que não possui no presente. Com isso, ele recusa a existência de um 
fim que seja a própria atividade, isto é, algo que se constitui como bem não em 
vista de uma outra coisa, mas da sua própria realização. Assim, ao extrair da na-
tureza humana essa instabilidade e essa inquietude, que se traduzem na busca 
incessante de fins que logo se transformam em meios para outros fins, o que faz 
Hobbes é negar, em última instância, a concepção aristotélica da felicidade e da 
virtude, dada a impossibilidade da sua efetivação, por ser contrária à natureza 
humana: a felicidade só poderia consistir na atividade virtuosa (como quer Aristó-
teles) se essa atividade trouxesse algum benefício, tornando-se útil para a viabili-
zação de algo distinto de si mesma. Ora, o que pressupõe a tese aristotélica é que 
 
55 Elements of Law, I, VII, 6. 
Filosofia da Natureza e Filosofia Moral em Hobbes 27
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
a atividade virtuosa, assim como a ação de acordo com o princípio racional, é em si 
mesma um bem (e por isso é virtuosa). Logo, o que Aristóteles exige para que o 
homem seja virtuoso e feliz não é, de modo nenhum, acessível ao homem hobbe-
siano, para o qual fins são sempre meios. 
Trata-se, pois, de entender a causa dessa inquietude e saber por que os 
homens sempre desejam algo que não têm. A despeito do que tantos inferem, há 
uma explicação mecânica para essa instabilidade, o que revela estreita conexão 
entre a filosofia natural e a filosofia das coisas humanas, diferentemente do que 
sustentam aqueles que atribuem uma base moral à filosofia política de Hobbes. 
Após mostrar que, quando o movimento (iniciado no objeto externo, 
passando pelo cérebro e gerando sensação) atinge o coração e dá origem ao que 
chamamos paixão, Hobbes se propõe a investigar de que concepção procede 
cada uma das paixões que conhecemos. Há três tipos de concepção: 1) a do que é 
presente, isto é, a sensação; 2) a do que é passado, isto é, a recordação; 3) a do 
que é futuro, isto é, a expectativa56. Cada uma delas gera prazer ou desprazer no 
presente, na medida em que a coisa sentida, recordada ou esperada é sempre sen-
tida, recordada ou esperada, no presente, como algo que favorece ou desfavorece a 
nossa conservação e a satisfação dos nossos desejos. 
A título de elucidar a tese do desejo incessante, podemos classificar o de-
sejo em dois grupos: o desejo de gozar no presente e o desejo de gozar no futuro. Os 
homens têm desejo pelos objetos que se apresentam à sensação e geram prazer; 
mas têm também desejo de assegurar agora os meios de que será preciso dispor 
para satisfazer os desejos futuros: “o objeto do desejo do homem não é gozar 
apenas uma vez, e só por um momento, mas assegurar para sempre os caminhos 
de seu desejo futuro”57. No primeiro caso, a razão de desejar incessantemente 
objetos diversos é o fato de que, enquanto vivemos, temos sensações, e as sen-
sações sempre geram apetites ou aversões. No segundo caso, em que o objeto do 
desejo é o poder de viabilizar desejos futuros, desejamos incessantemente aumen-
tar o nosso poder, porque esse é o meio de impedir que se interponham obstá-
 
56 Elements of Law, I, VIII, 2. 
57 Leviatã, XI, p. 60. 
Yara Adario Frateschi 28 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
culos à realização dos nossos desejos futuros. Nos dois casos, as razões do desejo 
podem ser derivadas da concepção mecanicista da natureza humana, tal como 
formulada por Hobbes. 
Vimos de que modo o movimento dos objetos exteriores nos afeta, ge-
rando aparências e concepções, que são movimentos em nós – movimentos que, 
por sua vez, suscitam movimentos de aproximação ou afastamento em relação a 
esses objetos. Hobbes descarta a possibilidade de que o homem viva em estado 
de indiferença quanto aos objetos externos, ou de que possa atingir a perpétua 
tranqüilidade de espírito. É verdade que ele admite o desprezo por coisas que não 
desejamos nem odiamos, mas o desprezo, que consiste na imobilidade do coração, 
só acontece quando o coração já se encontra sob a ação de objetos mais potentes58. 
Porque a vida é movimento, porque estar vivo é estar em movimento, enquanto 
vivermos estaremos continuamente reagindo à ação dos objetos externos: 
 
Pois não existe uma perpétua tranqüilidade de espírito enquanto aqui vivemos, por-
que a própria vida não passa de movimento, e jamais pode deixar de haver desejo, 
ou medo, tal como não pode deixar de haver sensação59. 
 
Não existe o estado absoluto de indiferença ou de tranqüilidade porque 
“todas as concepções que temos imediatamente pela sensação ou são de prazer, 
ou de dor, ou de apetite, ou de medo”60. Mais uma vez, há uma explicação me-
cânica para isso: os corpos sofrem a ação de outros corpos, e essa ação, que é 
movimento, gera movimento. Portanto, enquanto houver sensação, haverá de-
sejo. Se não há reação (algum desejo), é porque estamos sob o efeito da ação de 
um corpo mais potente ou porque estamos mortos. Assim como no caso dos 
corpos físicos, em que todo choque produz um conatus, no caso do compor-
 
58 Leviatã, VI, p. 33. 
59 Idem, VI, p. 39. Em outra passagem: “Não podem viver os homens cujos desejos 
chegaram ao fim, assim como aquele cujas sensações e imaginações estão paralisadas” 
(Idem, XI, 61). 
60 Elements of Law I, VII, 4. 
Filosofia da Natureza e Filosofia Moral em Hobbes 29
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
tamento humano toda concepção age sobre o movimento vital e produz um 
conatus, que só poderá ser neutralizado por efeitos de movimentos mais potentes. 
Além do mais, porque não nos encontramos sozinhos no mundo, estamos 
constantemente sujeitos à ação de corpos externos, que podem impedir a con-
tinuidade do nosso movimento – leia-se: a busca dos objetos desejados61. Daí 
que Hobbes conclua que “se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo 
tempo em que é impossível ela ser gozada por ambos, eles se tornam inimigos”62. 
Tornam-se inimigos tão logo um se faça obstáculo à liberdade de movimento do 
outro. Ora, como o homem é um ser racional e não procura apenas o bem pre-
sente, mas também é capaz de projetar o bem futuro, ele deseja ter poder não 
apenas para satisfazer o desejo de agora, mas também para continuar em mo-
vimento e garantir a satisfação de desejos futuros63. A expectativa de um bem ou 
de um prazer futuros envolve a concepção do nosso próprio poder para alcançá-
los: “pois quem tem a expectativa de um prazer futuro deve, além disso, conceber 
em si mesmo algum poder pelo qual esse prazer possa ser atingido”64. Diante da 
insegurança gerada pela possibilidade constante de que alguém venha impedir a 
satisfação dos seus desejos, o homem busca sempre aumentar o seu poder, isto é, 
munir-se cada vez mais de novos meios para realizar os seus fins: 
 
 
61 O fato de que Hobbes admita que se pode obter o conhecimento dos movi-
mentos da mente (filosofia moral) a partir do conhecimento do movimento dos corpos 
em geral (física) não implica, evidentemente, a negação da relevância das circunstâncias 
externas em que se formam as paixões. Ao contrário, estas resultam mecanicamente do 
modo como o mundo externo nos afeta. Daí que seja imprescindível a análise do 
contexto em que se formam as paixões, contexto esse ao qual elas se apresentam como 
reação; e Hobbes empreende precisamente essa análise no capítulo XIV do Elements of 
Law,no capítulo I do De Cive e no capítulo XIII do Leviatã, quando expõe as circuns-
tâncias em que as paixões dos homens os enveredam para o caminho da guerra. 
62 Leviatã, XIII, p. 74. 
63 “O poder de um homem (tomado universalmente) consiste nos meios de que ele 
dispõe no presente para obter algum bem aparente futuro” (Leviatã, X, p. 53). 
64 Elements of Law, I, VIII, 3. 
Yara Adario Frateschi 30 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
Assinalo assim, em primeiro lugar, como tendência geral de todos os homens, um 
perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, desejo de poder que cessa 
apenas com a morte. E a causa disso nem sempre é que se espera um prazer mais 
intenso do que aquele que já se alcançou, ou que um homem não possa contentar-
se com um poder moderado, mas o fato de não poder garantir o poder e os meios para 
viver bem que ele possui no presente sem a aquisição de mais65. 
 
A lógica dessa tendência a um perpétuo e irrequieto desejo de poder é a 
mesma lógica do ataque por antecipação: movidos pela desconfiança de que ou-
tros venham a constituir uma ameaça, os homens procuram “subjugar as pessoas 
dos outros até o ponto de não ver nenhum poder suficientemente grande para 
ameaçá-lo”66. Trata-se de aspectos condenáveis e viciosos da natureza humana? 
Não, já que “o aumento de domínio é necessário para a autoconservação e deve 
ser permitido”67: 
 
Considerando que todo deleite é apetite e que o apetite pressupõe um fim mais 
longínquo, não pode haver nenhum contentamento senão no próprio prosseguir; 
não nos admiremos, portanto, ao ver que, quanto mais os homens obtêm riquezas, 
honras ou outro poder, tanto mais o seu apetite cresce continuamente, e, quando 
atingem o último grau de um certo tipo de poder, passam a perseguir um outro, e 
assim o fazem sempre que em algum campo se consideram atrás de alguém68. 
 
 Ter alguém à sua frente é deparar-se com um obstáculo que impede a sua 
livre movimentação. É natural e permissível até mesmo atacar por desconfiança, 
porque é necessário à nossa conservação que os nossos movimentos não enfren-
tem obstáculos, sendo portanto natural lutar para que nada nos impeça de obter o 
que julgamos ser necessário para nos conservarmos. E, porque o nosso poder se 
mede por tudo aquilo de que dispomos para continuar, com sucesso, na busca da 
realização dos nossos desejos, ele só será verdadeiramente poder se exceder o 
poder de quem possa se impor como obstáculo para tal realização. Daí Hobbes 
afirmar que “o poder não é mais do que o excesso do poder de um homem sobre 
 
65 Leviatã, XI, p. 61; grifo meu. 
66 Leviatã, XIII. 
67 Idem, ibidem. 
68 Elementos of Law, I, VII, 7; grifo meu. 
Filosofia da Natureza e Filosofia Moral em Hobbes 31
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
 
o de outro, já que o poder de um homem impede e entrava os efeitos do poder 
de outro”69. 
Essa caracterização do poder, decisiva para a caracterização do estado de 
natureza como um estado de guerra, pode ser também entendida à luz da teoria 
do movimento inercial: a tendência de todo corpo em movimento é persistir em 
movimento, a capacidade de persistir em movimento depende da capacidade de 
vencer os obstáculos exteriores a esse movimento, de modo que o verdadeiro po-
der do homem é o que excede o poder daqueles que possam se constituir como 
entraves no que concerne à satisfação dos seus desejos. 
A felicidade não consiste na posse de um bem soberano, mas na per-
sistência segura da vida enquanto movimento; ser feliz não é ter prosperado, mas 
prosperar: “o sucesso contínuo na obtenção daquelas coisas que de tempos em tem-
pos os homens desejam, quer dizer, o prosperar constante, é aquilo a que os 
homens chamam felicidade”70. A vida é movimento, e todo movimento tende a 
persistir. Os homens desejam poder e mais poder porque ter poder é possuir os 
meios para continuar na vida, para persistir em movimento. Que Hobbes 
estivesse mascarando com o mecanicismo uma filosofia para a burguesia (ou 
fundando o liberalismo) só concluem sem ressalvas aqueles querem esquecer que 
para ele essa tendência natural, se não for contida, leva à guerra, que só pode ser 
evitada mediante a instituição do Leviatã. Tratar-se-ia, então, de uma gigantesca 
máquina teórica para justificar a soberania absoluta? 
 
Referências Bibliográficas 
Obras de Thomas Hobbes 
A Natureza Humana. Tradução de João Aloísio Lopes. Lisboa: Imprensa Nacio-
nal/Casa da Moeda, 1987. 
Do Cidadão. Tradução de Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 
 
69 Idem, I, VIII, 4. 
70 Leviatã, VI, p. 39. 
Yara Adario Frateschi 32 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 15, n. 1, p. 7-32, jan.-jun. 2005. 
De Corpore. Edited and. transl. by A. Martinich. New York: Abaris Books, 1981. 
Human Nature and De Corpore Politico. Edited by J. C. A. Gaskin. Oxford: Oxford 
University Press, 1994. 
Leviathan. Edited by R. Tuck. Cambridge: University Press, 1991. 
Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 
(Coleção Os Pensadores). 
On The Citizen. Edited and. transl. by R. Tuck and M. Silverthone. Cambridge: 
Cambridge University Press, 1998. 
Comentadores 
BRANDT, F. Thomas Hobbes’s Mechanical Conception of Nature. Copenhagen: Levin 
& Munsgaard, 1928. 
SPRAGENS, T. A. The Politics of Motion. The World of Thomas Hobbes. Kentucky: 
The University Press of Kentucky, 1973. 
STRAUSS, L. The Political Philosophy of Hobbes. Its Basis and its Genesis. Chicago: The 
University of Chicago Press, 1963. 
TAYLOR, A.E. “The Ethical Doctrine of Hobbes”. In: K.C. Brown (ed.). Hobbes 
Studies. Cambridge, MA: Harvard University Press, pp. 35-55, 1965. 
	CDD: 192
	Filosofia da Natureza e Filosofia Moral em Hobbes

Continue navegando