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DIREITO PENAL 2 - CONCURSO DE CRIMES

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Concurso de Crimes
Concurso de Crimes
Tema de extrema importância na chamada teoria da pena, uma vez que condiciona concretamente sua dosimetria, o concurso de crimes, por razões didáticas, é estudado logo em sequência ao concurso de pessoas, pois em ambos os casos tratamos de pluralidades – seja de delitos, seja de agentes. Não que haja proximidade topológica entre ambos os assuntos: enquanto o concurso de pessoas é regulado pelos arts. 29 a 31 do Código Penal, o concurso de crimes será encontrado nos arts. 69 a 71, também do Código Penal. Igualmente, advirta-se que não há qualquer identidade substancial.
Encontramos, na jurisprudência, inúmeras referências ao concurso de pessoas,o que demonstra sua relevância e imprecisão conceitual, mormente no que tange aos elementos caracterizadores do crime continuado, como veremos. Contudo, justamente os debates em torno dos institutos tornam o tópico muito instigante, a ponto de ser objeto constante de artigos científicos, dissertações e teses.
OBJETIVOS
• Distinguir o concurso de crimes, onde haverá pluralidade delitiva, do concurso aparente de normas, hipótese de unidade delitiva.
• Reconhecer os elementos constitutivos de cada uma das espécies de concurso de crimes.
• Estabelecer o sistema de aplicação da pena decorrente em cada uma das espécies de concurso.
2.1 Primeiras linhas
Por concurso de crimes devemos entender a prática, mediante uma ou mais condutas (ação ou omissão), de duas ou mais infrações penais, em um mesmo contexto jurídico. Significa, pois, que todas essas infrações devem ser analisadas em conjunto, o que refletirá na pena a ser imposta em caso de eventual condenação.
Isso se dá porque as diversas espécies de concurso de crimes – material, formal e crime continuado – implicam sistemas distintos de imposição da sanção penal (sistemas do cúmulo material ou da exasperação de pena), os quais serão estudados oportunamente.
2.2 Concurso de crimes e concurso aparente de normas
Não confunda o concurso de crimes com o concurso (ou conflito) aparente de normas. Neste, existem comportamentos que aparentemente encontram subsunção em duas ou mais normas (tipos penais). Todavia, como as normas contemplam unidade fática, a punição por todas elas acarretaria bis in idem. Assim, alguns princípios – especialidade, subsidiariedade e consunção – são usados para a escolha da norma que preponderará sobre as demais.
COMENTÁRIO
Em outras palavras, embora a conduta pareça se amoldar a dois ou mais tipos penais, apenas um deles será de fato reconhecido, ou seja, há um único crime.
Já no concurso de crimes, esse bis in idem não ocorre, pois a conduta (ou as condutas) do sujeito ativo afeta(m) mais de um bem jurídico tutelado, dando-se o reconhecimento de crimes distintos. Portanto, o sujeito ativo é punido por dois ou mais delitos (pluralidade delitiva).
2.3 Concurso material
Previsto no art. 69 do Código Penal, o concurso material, também chamado de concurso real, pressupõe a existência de duas ou mais condutas, acarretando igualmente dois ou mais crimes, que podem ser idênticos (previstos no mesmo tipo penal, admitindo variações entre tipos privilegiados e qualificados – concurso material homogêneo) ou não (previstos em tipos penais distintos – concurso heterogêneo).
EXEMPLO
A fim de estuprar uma mulher, o autor do crime, ao invadir a casa da almejada vítima, primeiramente mata seu marido, evitando assim que este imponha qualquer resistência; em seguida, mediante grave ameaça, pratica o ato sexual por ele desejado. Nessa fictícia hipótese, teremos estupro (art. 213, Código Penal) e homicídio (art. 121, Código Penal), em concurso material.
Para que haja o reconhecimento do concurso material, é necessário que haja uma conexão entre os fatos praticados, de modo que entre eles possa haver julgamento em um único processo. Por esse raciocínio, quando o autor pratica um roubo (art. 157, Código Penal) e, dias depois, em diferente contexto, um crime ambiental (Lei n. 9.605 de 1998), entre essas infrações penais não existirá concurso material.
No concurso material, as penas dos diversos crimes são aplicadas de acordo com o sistema do cúmulo material. Isso significa que elas serão somadas na sentença condenatória.
Aqui se impõe uma importante consideração: essa soma poderá ultrapassar o limite de 30 anos de pena fixado no art. 75 do Código Penal, embora a execução da pena deva respeitar esse limite. Isto é, se, aplicado o concurso material, a pena do agente for fixada em 45 anos de reclusão, o condenado cumprirá 30 anos de privação da liberdade, mas não os 15 anos restantes. Esse teto de 30 anos deverá ser respeitado a cada unificação da pena. Suponhamos que o condenado, após cumprir 20 anos de uma pena privativa de liberdade fixada em 30 anos por sentença condenatória (ou seja, restando 10 anos a cumprir), seja condenado por novo crime a uma pena de 25 anos de reclusão. Nesse caso, os 10 anos restantes serão somados à nova condenação (10 + 25), o que gerará uma pena de 35 anos. Desse novo somatório, o autor cumprirá apenas 30 anos, e não os 5 anos que ultrapassaram esse patamar. No total, se somarmos os 20 anos que o condenado já havia cumprido de pena com a nova unificação (30 anos), ele cumprirá 50 anos de sanção penal.
Isso é possível?
Plenamente. Afinal, o limite de 30 anos deverá ser respeitado a cada unificação. Dúvida: aqui há concurso material? Não, pois, como vimos, os crimes devem se dar em um mesmo contexto.
Quando as penas privativas de liberdade forem de qualidades diversas (leia-se, reclusão e detenção), executa-se primeiro a de reclusão, de acordo com o disposto no art. 69, in fine, Código Penal. Em caso de aplicação conjunta de penas privativas de liberdade e restritivas de direitos, haverá simultaneidade, ou sucessividade. De toda sorte, a substituição por pena restritiva de direitos não será possível em caso de pena privativa de liberdade não suspensa (art. 69, §§ 1º e 2º).
2.4 Concurso formal
Surge, o concurso formal (ou ideal), quando, com apenas uma conduta, o sujeito ativo comete dois ou mais crimes, consoante disposto no art. 70 do Código Penal.
EXEMPLO
Se um motorista, v. g., ao dirigir de forma imprudente e perder o controle de seu veículo automotor, atropela cinco pessoas, matando duas e ferindo três, teremos uma hipótese de concurso formal, pois, através de um único comportamento (ação descuidada), houve a concretização de dois homicídios culposos na direção de veículo automotor (art. 302 da Lei n. 9.503/97) e três lesões corporais culposas na direção de veículo automotor (art. 303 da Lei n. 9.503/97).
Tal qual o concurso material, o concurso formal também pode ser homogêneo (crimes idênticos) ou heterogêneo (crimes diferentes). Ele também se classifica em perfeito(próprio) ou imperfeito (impróprio), o que determinará a adoção de diferentes sistemas de aplicação da pena.
No concurso formal perfeito (art. 70, 1ª parte, Código Penal), há desígnio único, isto é, apesar de o agente cometer dois ou mais crimes, a sua intenção não é dirigida a essa pluralidade de resultados criminosos, como ocorre no exemplo já citado dos delitos de trânsito.
COMENTÁRIO
Podemos ainda cogitar outra hipótese: o autor, visando a matar uma pessoa, dispara sua arma de fogo contra ela, atingindo o alvo e produzindo o óbito almejado. Entretanto, o projétil transfixa o corpo da vítima e atinge igualmente outra pessoa, que casualmente por ali passava, a qual sofre lesão corporal (culposa). Nesse exemplo, temos o chamado erro na execução com resultado duplo, que nada mais representa do que um concurso formal perfeito. Deve ser notado que em ambos os casos, os resultados não são todos dolosos: no primeiro, ambos são culposos; no segundo, há um resultado doloso e outro culposo. Sempre que houver culpa, por conseguinte, poderemos falar em desígnio único.
Falamos em concurso formal imperfeito quando o sujeito ativo atua com desígnios autônomos, ou seja, ele deseja os crimes praticados. O agente que coloca uma bomba em um ônibus,por exemplo, detonando-a e matando todos os seus passageiros, age em concurso formal imperfeito.
E qual é a importância dessa classificação para a teoria da pena?
Dependendo da situação, ora teremos a aplicação da pena pelo sistema da exasperação, ora pelo sistema do cúmulo material.
	Buscando a suavização da sanção penal, apenas a pena de um dos crimes praticados será imposta: a do crime mais grave, ou, se houver igual gravidade, a pena de qualquer um deles.
E o que ocorre com os demais delitos praticados em concurso? São simplesmente ignorados?
Negativo. Os crimes restantes determinarão uma fração de aumento, que irá incidir sobre a pena do crime escolhido.
EXEMPLO
Por exemplo, no acidente de trânsito com cinco vítimas, duas fatais e três não- fatais: a pena de um dos homicídios culposos será a escolhida para aplicação.
O homicídio restante e as três lesões corporais determinarão um aumento, de um sexto até a metade, da pena eleita, consoante previsão do art. 70 do Código Penal.
O número de crimes sobressalentes pode ser usado como parâmetro para definir o patamar de aumento, inclusive: se, além do crime que houver determinado a aplicação da pena, existir apenas um outro delito, a pena será aumentada no mínimo, ou seja, 1/6. Se restarem dois crimes, será ela elevada em 1/5. No nosso exemplo, como os crimes que sobraram são quatro, o aumento será de 1/3. Também o número de vítimas pode se prestar a esse cálculo. E o que fazer com as infrações restantes quando o aumento chega em seu patamar máximo, qual seja, 1/2? Ensina Paganella Boschi:
“Sendo metade da pena o máximo de exasperação possível, disso resultará que, nas infrações regidas pelo concurso formal, o número de crimes ou de vítimas excedente a seis será um indiferente penal”.
ATENÇÃO
Saliente-se, entretanto, que, em casos extraordinários, uma vez aplicado o sistema da exasperação, ele pode se mostrar prejudicial ao condenado.
Analisemos o exemplo do disparo de arma de fogo.
Ao matar seu alvo, o autor cometerá homicídio doloso (art. 121 do Código Penal) e, ao atingir sem querer o transeunte que por ali passava, lesão corporal culposa (art. 129, § 6º, Código Penal). Suponhamos que, pelo homicídio, a ele seja imposta uma pena de doze anos de reclusão, aumentada em 1/6 em razão da lesão culposa. Isso importaria um acréscimo de dois anos na sanção penal. Ora, a pena máxima da lesão culposa é de um ano de detenção. Portanto, a exasperação está implicando pena superior àquela que seria possível pelo sistema do cúmulo material.
Mas a exasperação não existe para beneficiar o condenado?
Logo, no caso do denominado concurso material benéfico, justamente para fins de benefício do réu, quando o sistema da exasperação se mostrar prejudicial, é ele afastado, com consagração do cúmulo material (que receberá o nome de cúmulo material benéfico). É o que determina o parágrafo único do art. 70, do Código Penal.
Em caso de concurso formal imperfeito, refuta-se o sistema da exasperação e aplica-se o cúmulo material, com soma das penas dos diversos crimes (art. 70, 2ª parte, Código Penal).
CONCEITO
Disciplinado no art. 71 do Código Penal, o crime continuado (ou continuidade delitiva) é uma forma de concurso material que, todavia, é tratado como crime único, em razão de conveniência político-criminal.
Busca-se, novamente, evitar as penas excessivas que poderiam derivar do sistema do cúmulo material.
Leciona Anibal Bruno:
“Há na espécie que estudamos uma série de fatos, cada um dos quais pode ser tido por um crime distinto, acabado e perfeito, mas que se mostram todos unidos por um vínculo de dependência que os transforma em realizações parciais de um só crime em desenvolvimento continuado. De cada vez a ação se esgota integrando perfeitamente um tipo penal, mas renasce em outra ação igualmente perfeita em que se reproduz a mesma figura típica.”
A origem do instituto é creditada, normalmente, aos práticos italianos do séc. XVI, embora Fonseca Neto aponte um embrião do crime continuado nos comentários do pós-glosador Baldo de Ubaldis (séc. XIV). De qualquer forma, servia ele para atenuar a regra do “terceiro furto”, que punia com a pena de morte quem realizasse a terceira subtração. Como o crime recebia o tratamento de crime único, evitava-se o desfecho letal.
ATENÇÃO
Deve ser frisado, no entanto, que não há, de fato, crime único no crime continuado, senão por ficção jurídica. Assim, fundamentalmente, segue ele a mesma estrutura do concurso material, qual seja, duas ou mais condutas resultando em dois ou mais crimes.
A esta construção básica, agregamos alguns outros elementos, que distinguirão o crime continuado do concurso material, demonstrando que os crimes subsequentes devem ser vistos como uma continuidade do primeiro. Nesse ponto, cabe uma importante constatação: o art. 71, embora indique parte desses elementos, não é exaustivo, pois permite que o julgador, fundamentadamente, incorpore outros requisitos de configuração não especificados na norma.
Entre aqueles dados que são relatados no art. 71, temos:
(a) os crimes devem ser da mesma espécie;
(b) devem eles ser praticados em circunstâncias semelhantes de tempo, lugar e modo de execução.
MULTIMÍDIA
Antes de continuarmos, assista ao vídeo Concurso de Crimes para reforçar o conteúdo visto até aqui.
2.5.1 Crimes da mesma espécie
O primeiro passo para definir se, em um caso concreto, há ou não crime continuado é estabelecer a pluralidade de condutas resultando em pluralidade de crimes, o que afasta desde logo o concurso formal, mas não o material. Em seguida, há de se perquirir se os diversos crimes praticados são da mesma espécie.
E aqui se instala a primeira divergência, existindo, basicamente, duas posições sobre o tema.
ATENÇÃO
Alguns juristas se inclinam pela existência de crimes da mesma espécie, apenas quando estes são contemplados no mesmo tipo penal (dispositivo legal), admitindo apenas variações entre crimes consumados e tentados, e entre tipos simples, privilegiados e qualificados.
Por este raciocínio, furto simples (art. 155, caput, Código Penal) e furto qualificado (art. 155, § 4º, Código Penal) seriam crimes da mesma espécie. Mas furto fraudulento (art. 155, § 4º, II, Código Penal) e estelionato (art. 171, Código Penal), não. Adotando essa posição, podemos citar Damásio de Jesus. É também a posição costumeiramente aceita pela jurisprudência, ainda que não de forma pacífica.
Outra parte da doutrina, no entanto, adota orientação diversa, defendendo que crimes da mesma espécie são aqueles que ofendem o mesmo bem jurídico e que apresentam elementos constitutivos assemelhados. Destarte, por essa ótica, furto fraudulento e estelionato poderiam ser considerados crimes da mesma espécie, assim como o roubo (art. 157, Código Penal) e a extorsão (art. 158, Código Penal); o furto e a apropriação indébita (art. 168, Código Penal); o estupro (art. 213, Código Penal) e o estupro de vulnerável (art. 217-A, Código Penal), entre outros. Entre os autores que encampam essa linha de pensamento estão Juarez Cirino e Rogério Greco, entre outros.
2.5.2 Condições semelhantes de tempo, lugar e maneira de execução
Tais condições servem para estabelecer a existência de um nexo de continuidade entre os crimes precedentes e subsequentes. Saliente-se que a norma penal não especifica parâmetros de aferição dessas condições, deixando a questão em aberto.
COMENTÁRIO
No que concerne às condições de tempo, já decidiu o STF (HC n. 69.896-4, publicado em 02/04/1993) que o distanciamento superior a 30 dias entre uma conduta e aquela que imediatamente a sucede impediria o reconhecimento do crime continuado. Mas a afirmação deve ser tomada com cautela, pois a realidade fática pode desautorizá-la.
Suponhamos que, a fim de saldar uma dívida, o funcionário de uma empresa decida desviar recursos a ele confiados, pouco a pouco, a fim de não atrair suspeitas sobre si. Todavia, ele só tem disponibilidade sobre esses recursos a cada 60 dias, agindopor diversas vezes com periodicidade bimestral. Impossível, nessa hipótese, negar o nexo de continuidade, embora ultrapassados os 30 dias mencionados pelo STF. 
Por condições semelhantes de lugar, novamente há imprecisão.
É necessário que os diversos crimes sejam praticados no mesmo município ou podem ser intermunicipais? Podem ser interestaduais?
Uma coisa é certa: eles não precisam ocorrer exatamente no mesmo local, pois as circunstâncias devem ser semelhantes, não idênticas. Há posição do STF defendendo a impossibilidade de reconhecimento da continuidade delitiva quando os crimes são praticados em comarcas diversas (HC 73.209-4, publicado em 26/04/1996). Todavia, o mesmo STF já decidiu, em recurso extraordinário, que há crime continuado quando os delitos são praticados em municípios diferentes, desde que integrem uma mesma região metropolitana (no caso, São Paulo, Santo André e São Bernardo do Campo). Em verdade, a adoção de um critério fixo é impossível, sendo mister perquirir, no caso concreto, se os crimes, por suas peculiaridades, apresentam-se em aparente continuidade. Imaginemos o caso de um autor de furtos, que pratica os ilícitos penais sempre dentro de um coletivo intermunicipal, que faz o trajeto Niterói - Rio de Janeiro. A primeira subtração se dá pouco antes de o coletivo alcançar o viaduto de acesso à Ponte Rio-Niterói, em direção à Capital do Estado. No dia seguinte, a segunda subtração ocorre quando o ônibus já se posiciona na descida para a Avenida Brasil, depois de ultrapassada toda a extensão da ponte. Ainda que ocorrendo as condutas em municípios diversos, impossível negar a continuidade delitiva. Nesse sentido, ensina Fonseca Neto que “a aferição do fator espacial dependerá do caso sub examine, dando-se preferência para o entendimento que melhor aproveite ao agente, especialmente se os outros requisitos legais estiverem à vista (...).”
ATENÇÃO
A maneira de execução, da mesma forma que os demais requisitos de configuração, não precisa ser idêntica, bastando seja assemelhada, o que igualmente será verificado no caso concreto.
Rogério Greco exemplifica:
“Um estelionatário que pratica um mesmo golpe, como o do bilhete premiado, ou aquele que comumente leva a efeito os delitos de furto valendo-se de sua destreza, utilizam o mesmo meio de execução.”
Em seguida, adverte o autor:
“O agente, embora possa ter um padrão de comportamento, nem sempre o repetirá, o que não poderá impedir o reconhecimento da continuidade delitiva, desde que, frisamos mais uma vez, exista uma relação de contexto, de unicidade entre as diversas infrações penais.”
De toda sorte, não há segurança jurisprudencial acerca do que devem ser consideradas maneiras de execução semelhantes.
EXEMPLO
Por exemplo, há julgados que admitem a participação de pessoas diferentes nos crimes em continuidade (TACrimSP, Rev. 251.876-4; RA 979.943-6) e há outros que não admitem (STJ, HC 8850, publicado em 08/11/1999).
No contexto das mencionadas condições (tempo, lugar e maneira de execução) não se pode afirmar que alguma delas seja preponderante sobre a outra, ou mesmo que a ausência de uma implica inexoravelmente inexistência do crime continuado. Assim, é válida a ressalva de PAULO QUEIROZ, para quem “tais circunstâncias devem ser apreciadas conjuntamente, já que formam um todo, não tendo qualquer delas, por si só, valor decisivo, seja para afirmar o concurso, seja para negá-lo.”
2.5.3 Cláusula genérica: outras condições semelhantes
O art. 71 do Código Penal, ao elencar algumas condições que podem caracterizar o crime continuado e, em seguida, estabelecer uma formulação genérica (“outras semelhantes”), proclama a interpretação analógica em seu bojo.
COMENTÁRIO
Por essa técnica de interpretação, a cláusula genérica deve ser interpretada de acordo com o trecho casuístico (condições de tempo, lugar e maneira de execução) da norma.
Assim, é possível que circunstâncias objetivas que denotem o nexo de continuidade – como o aproveitamento da mesma situação ou oportunidade para a prática delitiva – sejam reconhecidas pelo magistrado, a fim de determinar o crime continuado.
E por que essas circunstâncias devem ser objetivas? Não poderia existir uma condição subjetiva, com base na formulação genérica?
A existência de dados subjetivos no crime continuado é matéria controversa, como veremos. No entanto, por força da interpretação analógica, esses dados não podem ser encontrados na expressão “outras semelhantes”. Isso porque se deve guardar paridade entre a cláusula genérica e os exemplos concebidos (tempo, lugar e modo de execução), todos eles de natureza objetiva.
2.5.4 No crime continuado deve existir desígnio único (dolo unitário)?
Como dito anteriormente, a matéria é controversa. Sobre o tema, existem, na doutrina nacional, duas correntes: a objetiva pura e a subjetivo-objetiva (ou eclética). Para a primeira corrente, os elementos objetivos são bastantes para a caracterização da continuidade delitiva. Já para a segunda, a eles deve ser aditado um elemento subjetivo, consistente de “uma atitude psicológica unitária, um só desígnio, abrangendo e unificando de início todo o processo delituoso”.
Em suma, as condutas são vinculadas por um projeto único, dirigido a um único propósito.
A Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal, em seu item 59, explicita que, entre nós, adota-se a teoria puramente objetiva, ao proclamar que o critério “não revelou na prática maiores inconvenientes, a despeito das objeções formuladas pelos partidários da teoria objetivo-subjetiva.” Em favor da teoria objetiva, pode-se assinalar:
(a) a dificuldade em se comprovar o desígnio único, característica das construções subjetivistas;
(b) o delinquente que persevera no propósito de delinquir, segundo um plano de ação, demonstra maior reprovabilidade em sua conduta, o que seria incompatível com o benefício determinado pelo sistema da exasperação;
(c) é a teoria claramente adotada pelo Código Penal.
Objetando a teoria objetiva pura, os adeptos da teoria objetivo-subjetiva ponderam que:
(a) a dificuldade em comprovar o subjetivismo é matéria processual e, portanto, não pode desautorizar um instituto de direito material;
(b) a exigência de uma unidade de ideação, ao contrário de beneficiar quem não merece o beneplácito legal, impede que o crime continuado seja aplicado aos criminosos contumazes, ou seja, àqueles que fazem do crime uma espécie de profissão, pois nesse caso não se vislumbraria o desígnio único;
(c) o subjetivismo é próprio do direito penal, ainda que não expresso na lei, como ocorre nas excludentes de ilicitude (por exemplo, na legítima defesa, a ilicitude só é afastada quando o sujeito ativo age sabendo-se amparado por uma causa de justificação);
(d) a redação do art. 71 do Código Penal é falha, já que se mostra muito aberta, não prescindindo da análise do dolo para que se demonstre que “os [crimes] subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro.” A jurisprudência brasileira, saliente-se, não é uníssona, ora pendendo para a objetividade pura (STF, HC 74.183-5), ora para os influxos subjetivos (STJ, HC 10.275, publicado em 08/11/1999).
Esquematizando aquilo que foi até aqui estudado:
2.5.5 Punibilidade no crime continuado
Assim como o concurso formal perfeito, o crime continuado tem a natureza jurídica de causa de aumento da pena, uma vez que a sanção penal é imposta pelo sistema da exasperação. Portanto, escolhe-se a pena de um dos crimes – a mais grave ou, se forem de igual gravidade, qualquer uma delas – e, sobre ela, aplica-se uma majorante, que irá variar de 1/6 a 2/3 (aqui há uma diferença em relação ao crime formal perfeito, pois lá a majoração alcança, no máximo, 1/2). Os crimes cujas penas são descartadas poderão ser usados para determinar o patamar do aumento a ser fixado.
Importa consignar que esta é a regra geral, que não será adotada em duas hipóteses:
(a) no crime continuado específico (art. 71, parágrafo único, Código Penal), que possui umaregulamentação própria, como será visto;
(b) na hipótese de concurso material benéfico, isto é, as penas serão somadas caso o resultado do cúmulo material fique aquém do resultado da exasperação.
2.5.6 Crime continuado específico
Quando os diversos crimes praticados em continuidade são dolosos e praticados mediante violência ou grave ameaça contra vítimas diferentes, surge o crime continuado específico.
ATENÇÃO
A grande diferença entre o parágrafo único, ora estudado, e o caput do art. 71 é que, no presente dispositivo, a pena, ao invés de sofrer um acréscimo de 1/6 a 2/3, pode ser aumentada em até o triplo.
Não significa que ela será triplicada, podendo ser, por exemplo, dobrada. Para tanto, é necessário que o magistrado faça uma prognose, avaliando se a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias dos crimes, justificam o tratamento excepcional.
De qualquer forma, a pena jamais poderá superar aquela que seria determinada pelo cúmulo material.
Deve ser observado, no entanto, que o legislador não estabeleceu uma fração mínima de aumento, contrariamente ao que ocorre no caput (1/6).
Então qual seria a majoração mínima no crime continuado específico?
No silêncio do legislador, poderíamos interpretar que, igualmente, seria de 1/6. Paganella Boschi, entretanto, oferece solução diferente:
“Como não há registro de margem mínima da exasperação nessa modalidade de concurso de crimes, pois o legislador, no parágrafo único do art. 71, contentou-se em indicar a margem máxima (até o triplo), parece-nos que, em atenção ao sentido de garantia da individualização da pena, o juiz pode e deve adotar, como margem mínima, a fração de 2/3, prevista como teto, no caput do artigo 71.”
O quanto a pena será aumentada seguirá os mesmos critérios previstos para o concurso formal perfeito e para o crime continuado do caput (número de crimes), mas aqui, no crime continuado específico, também a prognose anteriormente mencionada influirá.
2.5.7 Bens jurídicos personalíssimos
Discutia-se antigamente se o crime continuado poderia existir quando os delitos praticados atingissem bens jurídicos personalíssimos, como vida e liberdade sexual.
Haveria crime continuado, por exemplo, em estupros praticados em série?
O parágrafo único do art. 71, criado quando da reforma da Parte Geral em 1984, acabou com a discussão. O reconhecimento do crime continuado é plenamente possível nesses casos.
2.5.8 Crime continuado, crime permanente e crime habitual
Embora semelhantes, os crimes continuado, permanente e habitual não se confundem. A começar pelo número de delitos existentes: enquanto que, no crime continuado, há vários delitos em concurso, tomados como crime único apenas por ficção jurídica, nos demais de fato existe um único crime.
O crime permanente consiste em uma infração penal que permanece no tempo, ou seja, embora já consumado, sua consumação não se esgota instantaneamente.
Ao contrário, é temporalmente diferida.
EXEMPLO
Como exemplo, podemos citar o sequestro ou cárcere privado (art. 148 do Código Penal), que se consuma quando o autor passa a exercer poder total sobre a vítima. No entanto, o crime se mantém em prática até o momento em que a vítima tem sua liberdade restaurada ou morre.
O crime habitual, da mesma forma, consiste em infração única, todavia caracterizada pela reiteração de condutas, ou seja, por sua habitualidade.
Vejamos o caso do exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica (art. 182, CP): para a caracterização do crime não basta que o sujeito ativo se apresente como médico e clinique em uma única oportunidade, ou mesmo que o faça eventualmente; é necessário que isso se dê de forma rotineira.
ATENÇÃO
Cuidado com os casos de conflito de leis penais no tempo para os referidos crimes. Sobre o tema, vide Verbete de Súmula n.711, do Supremo Tribunal Federal. (A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência).
2.6 Tipo misto alternativo e tipo misto cumulativo
Os tipos penais admitem classificação em tipos simples e mistos. Os simples, ou uninucleares, são aqueles que contemplam uma única conduta, ao passo em que os tipos mistos, ou plurinucleares, trazem em seu bojo mais de um comportamento incriminado.
EXEMPLO
O homicídio (art. 121 do Código Penal), por exemplo, é um tipo simples, pois apenas prevê a conduta de matar. Já o tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343, de 2006), com seus vários verbos (núcleos), é um tipo misto.
Os tipos mistos, ao seu turno, admitem subdivisão em alternativos e cumulativos.
No primeiro caso (alternativos), ainda que o agente pratique, em um mesmo contexto, vários dos verbos incriminados, haverá delito único.
EXEMPLO
É o que acontece, por exemplo, com o tráfico de drogas: se o traficante importa uma carga de cocaína, transporta essa mesma carga para um determinado local, onde ele a mantém em depósito, e depois vende a droga, teremos um único crime de tráfico, a despeito da realização de quatro dos verbos previstos no art. 33 da Lei n. 11.343/06 (importar, transportar, ter em depósito e vender).
Já nos tipos mistos cumulativos, há “autonomia funcional e respondem a distintas espécies valorativas, com o que o delito se faz plural”. Em outras palavras, ocorrendo a prática de mais de um dos comportamentos incriminados, haverá mais de um crime.
EXEMPLO
É o que ocorre, por exemplo, nos artigos 208 e 244 do Código Penal. No art. 244, se o pai, injustificadamente, deixa de pagar pensão alimentícia ao filho e ainda não o socorre, estando ele gravemente enfermo, responderá por dois delitos. Importa afirmar que, nessa hipótese (isto é, quando há tipo misto cumulativo), estaremos diante de um concurso de crimes, inexistente no tipo misto alternativo.
2.7 Concurso de crimes no estupro e a Lei n. 12.015 de 2009
Até o ano de 2009, compelir uma pessoa mediante violência, real ou ficta, ou grave ameaça à pratica de um ato libidinoso, poderia caracterizar dois crimes diferentes, a saber:
Se a vítima fosse mulher e o ato praticado fosse a conjunção carnal (coito vaginal), dava-se o crime de estupro (art. 213 do Código Penal);
Se, contudo, houvesse a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal (sexo oral, anal, masturbação etc.), independentemente do gênero da vítima, o crime era de atentado violento ao pudor (art. 214, Código Penal).
A Lei n. 12.015, todavia, alterou esse panorama. Esse diploma legal efetuou profundas modificações na disciplina dos crimes sexuais, inclusive no que concerne ao estupro e ao atentado violento ao pudor. Este deixou formalmente de existir (isto é, o art. 214 foi revogado). No entanto, seu conteúdo normativo foi transportado para o art. 213.
COMENTÁRIO
Hoje, o estupro consiste em constranger, mediante violência ou grave ameaça, qualquer pessoa, independentemente de gênero, à conjunção carnal ou a ato libidinoso diverso.
Pois bem, quando buscamos compreender como se dá o concurso de crimes nos delitos sexuais praticados mediante constrangimento, necessariamente temos que passar pelo período anterior à vigência da Lei n. 12.015 de 2009, para somente então entendermos a situação atual.
Para atingirmos essa compreensão, partiremos da seguinte construção: o autor, primeiramente, praticou com a vítima – uma mulher – ato libidinoso diverso da conjunção carnal e, logo em seguida, no mesmo contexto fático, a conjunção carnal.
À época em que ainda havia a dicotomia entre estupro e atentado violento ao pudor, impunha-se determinar inicialmente qual ato libidinoso diverso da conjunção carnal fora praticado. Assim, suponhamos que o autor, antes da penetração, tivesse acariciado os seios da vítima: nessa hipótese, haveria crime único de estupro, com absorção dos atos libidinosos pela conjunção carnal praticada mediante coação. Explica-se: há, no exemplo, praeludia coiti, ou seja, atos que são consideradosum prelúdio ao coito vaginal, de modo que existe natural unidade delitiva.
E se o ato libidinoso fosse autônomo em relação ao coito vaginal, como, por exemplo, o sexo oral? Surgia, então, o concurso de crimes. Mas em qual de suas espécies?
Descartado, de plano, o concurso formal, uma vez que cada ato libidinoso caracterizaria conduta diferente (e portanto, teríamos mais de uma conduta), a celeuma se situava entre o concurso material e o crime continuado.
Evidentemente, no caso sobre o qual ora trabalhamos, há circunstâncias semelhantes de tempo, lugar e modo de execução.
Quais, então, seriam os entraves para o reconhecimento da continuidade delitiva?
A jurisprudência majoritária apontava dois:
(a) estupro e atentado violento ao pudor não seriam crimes da mesma espécie, pois previstos em dispositivos diversos;
(b) entre os crimes inexistiria um nexo de continuidade.
	Verifica-se, pois, que para a jurisprudência majoritária o caso seria de concurso material. Claro que havia vozes dissonantes, pugnando pelo crime continuado, até porque há divergência no que toca ao conceito de crimes da mesma espécie, como já vimos. O próprio STF adotou essa linha de raciocínio em certa ocasião.
Além de auxiliar no entendimento da atual dinâmica do concurso de crimes nos delitos sexuais, a percepção do estado de coisas anterior à Lei n. 12.015 de 2009 tem relevância atual.
Em primeiro lugar, porque ainda hoje há crimes praticados previamente à sua vigência que continuam sob investigação ou sendo julgados, de forma que se faz mister a análise do conflito intertemporal de normas.
Em segundo lugar, trazemos à colação a advertência de Gilaberte, verbis: “Não se pense que a discussão encimada hoje é destituída de relevância prática: no Código Penal Militar, mais precisamente nos artigos 232 e 233, mantém-se a dicotomia entre estupro e atentado violento ao pudor.”
E se o caso proposto ocorresse hoje?
A partir da unificação de estupro e atentado violento ao pudor em um mesmo artigo, cai por terra o argumento de que seriam crimes de espécies diferentes. Doravante, tudo é estupro, seja o ato libidinoso o sexo oral, seja o vaginal. Assim, o STF já admitiu a continuidade delitiva na hipótese, inclusive deixando de lado o argumento que preconizava a ausência de nexo de continuidade.
ATENÇÃO
Deve ser observado que estamos avaliando condutas praticadas em um mesmo contexto fático. Se em contextos diferentes (por exemplo, os estupros foram praticados em dias diversos), mas presentes as circunstâncias semelhantes de tempo, lugar e modo de execução, indubitável o crime continuado. Em havendo vítimas diversas, crime continuado específico.
Mas, exatamente no caso sob análise, a resposta não é tão simples. Isso porque parte da doutrina e da jurisprudência entendem que os atos sexuais praticados em um mesmo contexto caracterizam crime único, pois o art. 213 contemplaria uma hipótese de tipo misto alternativo. Nesse sentido se posicionam Regis Prado e Gilaberte, entre outros. Na jurisprudência, algumas decisões do STJ vão na mesma esteira. Seguindo orientação diversa, por todos, Greco Filho. Já Paulo Queiroz, embora vislumbrando crime único, não enxerga no art. 213 um tipo misto, expondo suas razões:
“Primeiro, porque já vimos que a conjunção carnal constitui uma das possíveis formas de ato de libidinagem, a qual, a rigor, não precisaria constar expressamente do tipo; segundo, porque, em verdade, se o agente praticar um ou outro ato ou ambos, realizará um só e mesmo tipo penal; terceiro, porque, ao contrário da legislação revogada, que tipificava autonomamente, em artigos diversos, o estupro e o atentado violento ao pudor, a reforma superou a distinção por considerá-la desnecessária; quarto, porque a própria classificação (crime misto cumulativo) de que se valem os precedentes carece de fundamento e não implica forçosamente concurso de crimes; quinto, porque interpretar cada ato libidinoso como constitutivo de um crime autônomo, relativamente a um só e mesmo tipo penal, importa em violação ao princípio de bis in idem. Finalmente, o estupro não é de modo algum um crime misto (alternativo ou cumulativo), visto que o tipo refere um único verbo (constranger), sendo que o ter e o praticar ou permitir que se pratique apenas o complementam.”
2.8 Esquematizando o concurso de crimes
CONCURSO MATERIAL
• 2 ou mais condutas
• 2 ou mais crimes
• Mesmo contexto fático
• Sistema do cúmulo material
CONCURSO FORMAL
• 1 conduta
• 2 ou mais crimes
• Desígnio único (perfeito) ou desígnios autônomos (imperfeito)
• Sistema da exasperação (perfeito: 1/6 a 1/2) ou do cúmulo material (imperfeito)
CRIME CONTINUADO
• 2 ou mais condutas
• 2 ou mais crimes da mesma espécie
• Circunstâncias semelhantes de tempo, lugar, modo de execução e outras
• Específico: dolo + violência ou grave ameaça + vítimas diferentes
• Sistema da exasperação (1/6 a 2/3 ou até 3X)
ATIVIDADE
Para uma melhor sedimentação do conhecimento adquirido, propomos a resolução do seguinte caso concreto: dirigindo embriagado, João, em virtude da alteração de sua capacidade psicomotora, perde o controle do veículo e, sem querer, atropela três pessoas que se encontram em um ponto de ônibus, ferindo-as. Identifique, no caso concreto, as hipóteses de concurso de crimes e os sistemas de aplicação da pena.
Gabarito
RESUMO
• O concurso de crimes é marcado pela existência de duas ou mais infrações penais em um mesmo contexto jurídico, sem que haja concurso aparente de normas, o que interfere no sistema de aplicação das penas.
• Há dois sistemas de aplicação das penas em nosso ordenamento jurídico: cúmulo material e exasperação. No cúmulo material, há a soma das penas; na exasperação, sistema benéfico ao condenado, a aplicação de patamares de majoração sobre a pena de um dos crimes praticados.
Quando o sistema da exasperação, na prática, se torna prejudicial ao condenado, ele é afastado, em prol do cúmulo material, ora denominado concurso material benéfico.
• As espécies de concurso de crimes são o concurso material, caracterizado pela prática de duas ou mais condutas em um mesmo contexto, que configuram dois ou mais crimes; concurso formal, onde uma conduta dá ensejo a dois ou mais crimes; e o crime continuado, parecido com o concurso material, mas onde, por ficção jurídica determinada por circunstâncias especiais, trata-se a hipótese como crime único.
• O concurso material e o concurso formal imperfeito, em que há desígnios autônomos, exigem o sistema do cúmulo material; o concurso formal perfeito (desígnio único) e o crime continuado são regidos pela exasperação.
• O crime continuado impõe que os delitos em continuidade sejam da mesma espécie, além de praticados em circunstâncias semelhantes de tempo, lugar, maneira de execução e outras, havendo dúvida sobre a exigência de um requisito subjetivo.
• Se o crime continuado for praticado mediante violência ou grave ameaça contra vítimas diferentes, temos o crime continuado específico, previsto no parágrafo único do art. 71.
• O crime continuado não se confunde com os delitos de natureza permanente e com os habituais, em que, de fato, há crime único.

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