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Mecanismos das adaptações musculares ao treinamento

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8.8. Mecanismos das adaptações musculares ao treinamento
A partir da descrição de como os músculos se adaptam ao treinamento, surgem duas questões fundamentais: qual é a natureza exata dos estímulos que produzem a adaptação? Quais são os mecanismos moleculares que permitem a ocorrência da adap-tação? As respostas a essas questões começam a emergir dos recentes avanços da biologia molecular que, aplicados ao músculo esquelético, investigam como esse teci-do extremamente plástico adapta-se ao uso e desuso progressivos. Apesar de uma revisão aprofundada deste tópico fugir ao objetivo deste livro, apresentaremos a se-guir uma breve exposição dos resultados das últimas pesquisas nessa área.
Parece certo que a família do gene da miosina contém a chave da plasticidade muscular. Existem pelo menos sete versões disponíveis indicando que as fibras musculares são, por natureza, flexíveis. Teoricamente, elas podem alterar suas propriedades contráteis reconstruindo suas miofibrilas pela utilização de um tipo diferente de cadeia pesada da miosina. Uma fibra muscular de contração rápida torna-se lenta pela simples inativação do gene da cadeia pesada da miosina rápida e pela simultânea ativação da isoforma lenta da proteína. A maioria das células do organismo são ativadas e inativadas pelas ações indiretas de moléculas sinalizadoras, como os hormônios e os fatores do crescimento. As adaptações musculares em resposta ao treinamento são específicas aos músculos utilizados na atividade. Os músculos não utilizados não sofrem o mesmo processo. Por isso, parece que os genes dos músculos são, em grande parte, regulados por estímulos mecânicos e/ou metabólicos. É o alongamento ou contração de uma fibra muscular que ativa ou inativa os genes específicos. A atividade dos diferentes genes da miosina pode ser monitorizada por meio de sondas de DNA. Experimentos com animais demonstraram que o alongamento e a contração isoladas — esta induzida por estimulação elétrica — em um músculo rápido (em geral, o tibial anterior) somente afetam discretamente a atividade dos genes da miosina. No entanto, em conjunto, esses estímulos provocam urna queda acentuada na síntese da cadeia pesada da miosina rápida, ativando quase que exclusivamente a versão lenta da miosina.
A imobilização de um músculo lento (solear) no coelho fez o músculo reverter para expressar o gene da miosina rápida. Portanto, parece que a miosina rápida é a "opção padrão". Um músculo lento, como o solear, precisa ser repetidamente alongado para manter a síntese da cadeia pesada da miosina lenta. Taís observações são compatíveis com o que conhecemos sobre os efeitos dos diferentes tipos de regime de treinamento dos músculos humanos. 
 	O alongamento das fibras musculares durante exercício é um estímulo potente à adaptação. Sabe-se que o alongamento passivo induz o desenvolvimento muscular mesmo na ausência de inervação, insulina, hormônio do crescimento ou nutrição adequada. A transdução das forças mecânicas, através do citoesqueleto até os núcleos e, os polirribossomos das fibras musculares, pode ocorrer diretamente ou pelos canais de íons ligados a membrana e ativados pela distensão ou pelas alterações das moléculas associadas a membrana induzidas pelo alongamento (em geral, isoformas mecanorresponsivas da adenilato ciclase). Esses sinais relacionados com o alongamento podem então produzir a expressão genética alterada- quase sempre dos fatores do crescimento muscular — e taxas alteradas da síntese e da degradação protéica.
Hipoteticamente, tanto os níveis elevados de AMPc quanto a taxa de fluxo metabólico são um sinal para o aumento da biogênese mitocondrial decorrente do treinamento de resistência. Foi constatada uma relação entre o aumento da atividade da adenilato ciclase, da concentração intracelular de AMPc e das moléculas de RNAm e as proteínas mitocondriais durante o estímulo elétrico contínuo do músculo esquelético. O aumento do fluxo metabólico pode ser indicado pelo aumento da relação ADP/ATP ou pela diminuição da fosfocreatina.
A lesão de fibras musculares durante exercício também pode produzir um estímulo para a adaptação. As concentrações elevadas de fator do crescimento específico do músculo, liberadas pelas fibras musculares degeneradas (necróticas), junto com a perda da inibição do contato entre as células satélites e as fibras musculares vivas subjacentes, obrigam as células satélites a proliferarem durante o primeiro dia após a lesão muscular. A alteração produzida pelo exercício das linhas Z musculares, do citoesqueleto ou da matriz extracelular pode, por essa razão, ser obrigatória para a proliferação das células satélites e a fusão, acarretando hipertrofias células satélites recém-recrutadas devem fornecer os núcleos adicionais necessários ã manutenção da densidade nuclear no músculo hipertrofiado. Alguns estudos de hibridização do DNA demonstraram a nova repressão de um fator regulador muscular nos núcleos da fibra muscular durante a regeneração muscular, esses mesmos estudos mostraram a localização do RNAm da cadeia pesada da miosina nas áreas focais de lesão, produzidas no músculo hiperalongado. 
As alterações da expressão das diferentes isoformas da miosina, e de isoformas de outras proteínas contráteis, ocorrem durante as transformações aparentes dos tipos de fibra induzidas pela inervação cruzada dos músculos (intervenção cirúrgica), pela estimulação elétrica contínua e pela atrofia do desuso. Os níveis de hormônios tiroidianos e do hormônio do crescimento revelaram influenciar as alterações das isoformas da cadeia pesada da miosina no músculo esquelético. submetido a uma atividade contrátil alternada. As adaptações das proteínas específicas do músculo mostraram um surgimento sequencial de alterações nos grupos de proteínas. Por exemplo, grupos de genes específicos parecem responder na seguinte ordem: proteínas que contêm cálcio, proteínas mitocondriais e, finalmente, proteínas contráteis. A mesma ordem de alteração nos grupos de genes parece ocorrer tanto na conversão dos músculos posturais de contração lenta para contração rápida, induzida pelo alivio da atividade de suporte de peso, quanto na conversão do músculo rápido em lento, que pode ser induzida por estimulação elétrica prolongada.

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