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2 Os princípios processuais penais

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1.3 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS E CONSTITUCIONAIS 
1.3.1 Princípio da verdade real 
O princípio da verdade real, também conhecido como princípio da verdade 
material ou da verdade substancial (terminologia empregada no art. 566 do 
CPP), significa que, no processo penal, o juiz possui o dever de apurar os 
fatos com o intuito de descobrir como estes efetivamente ocorreram, de 
forma a permitir que o jus puniendi seja exercido em relação àquele que 
praticou ou concorreu para a infração penal e somente contra essa pessoa. 
Visando a concretizar esse princípio no âmbito do CPP, facultou o legislador 
ao magistrado, em vários dispositivos, a determinação ex officio das 
diligências que reputar necessárias para o esclarecimento dos fatos (v.g., 
arts. 196, 209, 234, 242 etc.). Isto ocorre porque, na esfera penal, a 
investigação dos fatos trilha caminho bem diverso daquele seguido na 
esfera civil, em que, vigorando o princípio da verdade formal, deve 
contentar-se o juiz com o resultado das manifestações formuladas pelas 
partes, circunscrevendo-se aos fatos por elas debatidos e às provas que 
tenham produzido. 
Não obstante, é necessário ter em vista que a procura da verdade real não 
pode implicar violação de direitos e garantias estabelecidos na legislação. 
Trata-se, enfim, de uma busca sujeita a limites, mesmo porque não seria 
razoável que o Estado, para alcançar a Justiça, pudesse sobrepor-se à 
Constituição e às leis. Destarte, são exemplos de exceções à verdade real a 
inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (art. 5.º, LVI, da CF); 
o descabimento da revisão criminal contra sentença absolutória transitada 
em julgado, mesmo diante do surgimento de novas provas contra o réu (art. 
621, I, II e III); a vedação ao testemunho de pessoas que tiverem 
conhecimento do fato em razão de sua profissão, função, ofício ou 
ministério, salvo se, desobrigadas, quiserem depor (art. 207 do CPP); e a 
possibilidade de transação penal na hipótese de infração de menor 
potencial ofensivo, aplicando-se ao autor do fato sanção não privativa da 
liberdade independentemente da apuração de sua efetiva responsabilidade 
criminal (arts. 72 e 76 da Lei 9.099/1995). 
1.3.2 Princípio ne procedat judex ex officio ou da iniciativa das partes 
Ne procedat judex ex officio consubstancia o princípio pelo qual o processo 
penal só pode ser instaurado por meio da iniciativa das partes. Importa 
dizer que o juiz não poderá iniciar o processo criminal sem que haja 
provocação do legitimado – o Ministério Público, nos crimes de ação penal 
pública; o ofendido, nos crimes de ação penal privada (exclusiva ou 
subsidiária). No âmbito do processo civil, este postulado é conhecido como 
princípio dispositivo. 
1.3.3 Princípio do devido processo legal 
O devido processo legal, originado da cláusula do due process of law do 
Direito Anglo-Americano, está consagrado na Constituição Federal no art. 
5.º, LIV, estabelecendo que ninguém será privado da liberdade ou de seus 
bens sem que haja um processo prévio, no qual são assegurados o 
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 
Deste princípio decorre para o acusado uma série de direitos, como o de 
ser ouvido pessoalmente perante o juiz a fim de narrar sua versão dos fatos, 
de acesso à defesa patrocinada por profissional com capacitação técnica, 
de motivação das decisões judiciais, de produção probatória, de não ser 
obrigado à autoincriminação, de ser ouvido pessoalmente perante o juiz a 
fim de narrar sua versão dos fatos, do duplo grau de jurisdição, de revisão 
criminal das decisões condenatórias, de observância do rito processual 
estabelecido por lei para a hipótese concreta etc. 
O princípio, como se vê, possui abrangência ampla, sendo esta a razão pela 
qual tem sido utilizado com frequência pelos tribunais visando à nulificação 
de atos processuais. Entre as hipóteses mais frequentes nas quais se 
reconhece a sua infringência estão a denúncia ou queixa sem os requisitos 
do art. 41 do CPP, o recebimento da inicial acusatória pelo juiz sem que haja 
prova da materialidade do crime, a inobservância do rito processual, o 
interrogatório do réu sem a presença de defensor, o processo conduzido 
por juiz suspeito, a ausência de notificação para a prática de atos 
processuais, a ocorrência de mutatio libelli sem a aplicação prévia das 
regras do art. 384 do CPP e o decreto de prisão preventiva sem o exame da 
possibilidade de aplicação das medidas cautelares diversas da prisão. 
1.3.4 Vedação à utilização de provas ilícitas 
As provas obtidas por meios ilícitos não poderão, em regra, ser utilizadas 
no processo criminal como fator de convicção do Juiz. Trata-se, enfim, de 
uma limitação de índole constitucional (art. 5.º, LIV, da CF) e legal (art. 157 
do CPP) ao sistema do livre convencimento estabelecido no art. 155 do CPP, 
segundo o qual o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova 
produzida em contraditório judicial. 
A despeito da vedação constitucionalmente determinada, a doutrina e a 
jurisprudência majoritárias desde muito tempo vêm considerando possível 
a utilização das provas ilícitas em favor do réu, quando se trate da única 
forma de absolvê-lo ou, então, de comprovar um fato importante à sua 
defesa. Aplica, para tanto, o princípio da proporcionalidade, o qual, 
partindo da consideração de que “nenhum direito reconhecido na 
Constituição pode revestir-se de caráter absoluto”,8 possibilita que se 
analise, na hipótese de colisão de direitos fundamentais, qual deve, 
efetivamente, ser protegido pelo Estado. Destarte, sob a ótica dos 
interesses do acusado, imagine-se a hipótese em que, por meio de uma 
interceptação telefônica realizada sem ordem judicial, venha a ser 
descoberta a única prova capaz de inocentar o imputado da acusação que 
lhe foi feita. Neste caso, de um lado há a garantia constitucional da 
intimidade, violada com a interceptação realizada à revelia dos critérios 
legais, e, de outro, a garantia constitucional à liberdade, que restaria 
afrontada com uma condenação injusta. Ora, sopesando-se uma e outra, 
há a óbvia prevalência da liberdade sobre a intimidade. Afinal, entre a 
postura de utilizar a prova ilícita e evitar uma condenação injusta e a de 
não utilizar essa prova e condenar um inocente, é evidente que se deve 
optar pela primeira solução. 
E quando a prova ilicitamente obtida ensejar a condenação do réu? Nesta 
hipótese, é majoritário o entendimento de que tal prova não pode ser 
utilizada pelo juiz como fator de convencimento. Independentemente 
desta orientação, há decisões compreendendo que, em se tratando de 
crimes graves que provoquem intenso mal coletivo (v.g., tráfico de drogas, 
desvios de verbas públicas, delitos que envolvam corrupção no âmbito dos 
Poderes Públicos etc.), pode o magistrado utilizar a prova ilícita, desde que 
não haja, obviamente, outros elementos válidos em que possa se apoiar. 
No STJ, por exemplo, decidiu-se que não há olvidar que os direitos e 
garantias fundamentais, por possuírem característica essencial, não podem 
servir de esteio para impunidade de condutas ilícitas, razão pela qual 
compete aos operadores do direito, no exercício das atribuições e/ou 
competência conferida, o dever de consagrar em cada ato processual os 
princípios basilares que permitem a conclusão justa e legítima de um 
processo, ainda que para condenar o réu.9 
1.3.5 Princípio da presunção de inocência ou de não culpabilidade ou 
estado de inocência 
Também chamado de princípio do estado de inocência, trata-se de um 
desdobramento do princípio do devido processo legal, consagrando-se 
como um dos mais importantes alicercesdo Estado de Direito. Visando, 
primordialmente, à tutela da liberdade pessoal, decorre da regra inscrita no 
art. 5.º, LVII, da Constituição Federal, preconizando que “ninguém será 
considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal 
condenatória”. 
Na medida em que a Constituição Federal dispõe, expressamente, acerca 
do princípio em análise, está o ordenamento jurídico infraconstitucional 
obrigado a torná-lo efetivo. Em razão disso, discussões emergem na 
doutrina e na jurisprudência sobre a constitucionalidade de certas 
previsões determinadas pela legislação infraconstitucional. Destacam-se, 
por exemplo: 
a) Na dosimetria da pena podem ser considerados registros criminais 
pertinentes a processos a que responde o acusado sem trânsito em 
julgado de decisão condenatória? A jurisprudência dos Tribunais 
Superiores é amplamente majoritária no sentido de que tais referências 
não podem ser valoradas contra o acusado, em homenagem ao princípio da 
presunção de inocência. Em razão disso, na esteira da Súmula 444 do STJ, 
tem-se decidido que os maus antecedentes referentes a inquéritos e 
processos em andamento, quando utilizados para a exacerbação da pena-
base e do regime prisional, violam o princípio constitucional da presunção 
de inocência. Por maus antecedentes criminais, em virtude do que dispõe 
o art. 5.º, inciso LVII, da Constituição de República, deve-se entender a 
condenação transitada em julgado, excluída aquela que configura 
reincidência.10-11 
b) Pode o juiz determinar o recolhimento do réu condenado à prisão, para 
execução provisória da pena privativa da liberdade, se não houve a 
decretação de sua prisão preventiva? Na atualidade, é consolidado o 
entendimento no sentido de que é inconstitucional a execução provisória 
da pena, salvo por motivo de prisão preventiva decretada ou mantida após 
a condenação. Isto, na prática, importa em conferir efeito suspensivo 
indireto a todo e qualquer recurso interposto com o fim de reformar 
sentença condenatória, inclusive aqueles em relação aos quais a lei for 
expressa no sentido de que não possuem esse efeito, como é o caso dos 
recursos extraordinário e especial (art. 27, § 2.º, da Lei 8.038/1990).12 
1.3.6 Princípio da obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais 
A exigência de motivação das decisões judiciais, inscrita no art. 93, IX, da 
Constituição Federal e no art. 381 do Código de Processo Penal, é atributo 
que possibilita às partes a impugnação das decisões tomadas no âmbito do 
Poder Judiciário, conferindo, ainda, à sociedade a garantia de que essas 
deliberações não resultam de posturas arbitrárias, mas, sim, de um 
julgamento imparcial, realizado de acordo com a lei. 
Não há óbice a que se utilizem juízes e tribunais de fundamentação per 
relationem, isto é, aquela que se caracteriza pela remissão que o ato 
judicial expressamente faz a outras manifestações ou peças processuais 
existentes nos autos, mesmo as produzidas pelas partes, pelo Ministério 
Público ou por autoridades públicas, cujo teor indique os fundamentos de 
fato e/ou de direito que justifiquem a decisão emanada do Poder 
Judiciário.13 A adoção dessa técnica de motivação exige que a manifestação 
a que é feita remissão contenha a fundamentação adequada à natureza da 
sentença ou do acórdão que a adotou como razão de decidir. Sobre o tema, 
em reiteradas decisões considerou o STF legítima e plenamente compatível 
a motivação per relationem com a exigência imposta pelo art. 93, inciso IX, 
da Constituição da República. Semelhante entendimento é agasalhado no 
STJ.14 
Relativamente à sentença condenatória, a fundamentação não pode ser 
genérica, vale dizer, com alusão vaga à prova dos autos, dizendo o juiz, por 
exemplo, que “a prova obtida na fase instrutória afasta a tese da legítima 
defesa, pois as testemunhas de acusação sustentaram que o ofendido já se 
retirava do local quando foi lesionado pelo réu”. Sentença nestes termos é 
nula. É necessário, enfim, que o magistrado explicite cada um dos 
elementos utilizados para formação de seu convencimento. Observe-se que 
esse rigor na fundamentação da sentença condenatória não existe apenas 
em relação ao mérito das teses trazidas pelas partes, mas também ocorre 
no tocante às etapas do cálculo da pena. Em outras palavras, ao fazer a 
individualização da reprimenda, incumbe ao julgador examinar com 
acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, obedecidos e sopesados 
todos os critérios estabelecidos no art. 59 do Código Penal, para aplicar, de 
forma justa e fundamentada, a cominação que seja, proporcionalmente, 
necessária e suficiente para reprovação do crime.15 
Idêntico formalismo é exigido, mutatis mutandis, relativamente à sentença 
absolutória, salvo, logicamente, se se fundamentar no art. 386, VII, do CPP, 
que se refere à absolvição por insuficiência de provas para a condenação, 
caso em que os elementos aportados ao processo podem ser apreciados de 
forma conjunta, sem prejuízo da necessidade de o magistrado explicitar as 
conclusões que extraiu a partir do contexto geral. 
Outra ordem de manifestação judicial que exige motivação idônea refere-
se ao decreto da prisão preventiva. Tratando-se de medida excepcional, 
cabível somente quando não for possível a sua substituição por outra 
medida cautelar diversa da prisão (art. 282, § 6.º, do CPP) e desde que 
atendidos os seus requisitos legais (arts. 311, 312 e 313 do CPP), exige que 
sejam indicados os elementos concretos que demonstrem a sua efetiva 
necessidade visando à garantia da ordem pública ou econômica, à 
conveniência da instrução criminal e à segurança da aplicação da lei penal, 
sob pena de assumir contornos de antecipação de pena, o que viola o 
princípio constitucional da presunção de inocência. 
Sem embargo de tudo isso, é necessário ressaltar que o princípio da 
obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais não é absoluto, 
existindo determinadas situações em que resta mitigado, como é o caso do 
recebimento da denúncia e da queixa. A respeito, inúmeros julgamentos do 
STF têm considerado que não se exige que o ato de recebimento da 
denúncia seja fundamentado. Considera-se, para tanto, que o ato judicial 
que formaliza o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público 
não se qualifica nem se equipara, para os fins a que se refere o art. 93, inciso 
IX, da Constituição, a ato de caráter decisório, razão pela qual não reclama 
a motivação como condicionante de sua validade.16 
1.3.7 Princípio da publicidade 
O princípio da publicidade traduz o dever do Estado de atribuir 
transparência aos atos que praticar, bem como fornecer todas as 
informações que lhe forem solicitadas. Tal princípio reforça as garantias da 
independência, imparcialidade e responsabilidade do juiz. De um modo 
geral, são instrumentos constitucionais utilizados para assegurar o 
recebimento de informações o habeas data (art. 5.º, LXXII, da Constituição 
Federal) e o Mandado de Segurança, individual ou coletivo (art. 5.º, LXIX e 
LXX, da Constituição Federal). A publicidade, como regra geral, norteia a 
atuação estatal, encontrando-se presente em diversos atos e momentos 
como, por exemplo, na concessão de certidões, na vista dos autos, na 
contagem de determinados prazos prescricionais (a publicação da sentença 
condenatória interrompe a prescrição) etc. 
Não obstante, no âmbito processual penal a publicidade comporta algumas 
exceções, o que faz inferir não ser absoluto o princípio. Trata-se da 
chamada publicidade restrita, segundo a qual determinados atos serão 
públicos apenas para as partes, seus procuradores e um número reduzido 
de indivíduos. Tal restriçãoestá fundamentada em vários dispositivos, a 
exemplo: 
• Art. 5.º, LX, da CF, preconiza que “a lei poderá restringir a publicidade dos 
atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o 
exigirem”; 
• Art. 93, IX, da CF, dispõe que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder 
Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de 
nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às 
próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais 
a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não 
prejudique o interesse público à informação”; 
• Art. 201, § 6.º, do CPP, dispõe que o juiz tomará as providências 
necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do 
ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação 
aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu 
respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação; 
• Art. 485, § 2.º, do CPP, prevê que o juiz não permitirá que os acusadores 
ou os defensores perturbem a livre manifestação do conselho e fará retirar 
da sala aquele que se portar inconvenientemente; 
• Art. 792, § 1.º, do CPP, reza que se da publicidade da audiência, da sessão 
ou do ato processual puder resultar escândalo, inconveniente grave ou 
perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, 
poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, 
determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número 
de pessoas que possam estar presentes; 
• Art. 1.º da Lei 9.296/1996, estabelece que a interceptação de 
comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em 
investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto 
nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob 
segredo de justiça; 
• Art. 234-B do Código Penal, alterado pela Lei 12.015/2009, introduz o 
segredo de justiça na tramitação dos processos por crimes contra a 
dignidade sexual. 
1.3.8 Princípio da imparcialidade do juiz 
O magistrado, situando-se no vértice da relação processual triangulada 
entre ele, a acusação e a defesa, deve possuir capacidade objetiva e 
subjetiva para solucionar a demanda, vale dizer, julgar de forma 
absolutamente neutra, vinculando-se, ao proferir sua decisão, apenas às 
regras legais e ao resultado da análise das provas do processo. Aí está o 
princípio da imparcialidade do juiz. 
Visando a garantir essa imparcialidade, a Constituição Federal estabelece 
ao magistrado as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e 
irredutibilidade de subsídios (art. 95), proibindo, ainda, juízo ou tribunais 
de exceção (art. 5.º, XXXVII). 
Em determinados casos, a lei presume a parcialidade do magistrado, 
impondo-lhe que se afaste da causa. Tal ocorre nas situações de 
impedimento e suspeição. As causas de impedimento, também 
consideradas como ensejadoras da incapacidade objetiva do juiz, 
encontram-se arroladas no art. 252 do Código de Processo Penal. Trata-se 
de situações específicas e determinadas, que impõem a presunção absoluta 
(jure et jure) de parcialidade. Já as causas de suspeição, rotuladas também 
como motivos de incapacidade subjetiva do juiz, estão previstas no art. 254 
do Código de Processo Penal. Tanto o impedimento como a suspeição 
devem ser reconhecidos ex officio pelo juiz, afastando-se ele 
voluntariamente de oficiar no processo e encaminhando-o ao seu 
substituto legal. Não o fazendo, o impedimento e a suspeição poderão ser 
arguidos por qualquer das partes (arts. 112 e 254 do CPP). 
1.3.9 Princípio da isonomia processual 
As partes, em juízo, devem contar com as mesmas oportunidades e ser 
tratadas de forma igualitária. Tal princípio constitui-se desdobramento da 
garantia constitucional assegurada no art. 5.º, caput, da Constituição 
Federal, ao dispor que todas as pessoas serão iguais perante a lei em 
direitos e obrigações. 
Não obstante o sistema constitucional vigente ser proibitivo de 
discriminações, em determinadas hipóteses flexibiliza-se o princípio da 
igualdade. É o caso do princípio favor rei, segundo o qual o interesse do 
acusado tem prevalência sobre a pretensão punitiva estatal, que se 
encontra cristalizado em vários dispositivos do Código de Processo Penal, 
como, por exemplo, no art. 386, VII, estatuindo a absolvição do réu por 
insuficiência de provas, e no art. 621, inserindo a possibilidade de o 
condenado promover revisão criminal dos processos findos quando 
condenatória a decisão, possibilidade esta inexistente para acusação em 
relação ao decisum absolutório (revisão pro societate, vedada em nosso 
ordenamento). 
E quanto às hipóteses de foro privilegiado, em que o foro especial por 
prerrogativa de função estabelece, aparentemente, vantagens ao acusado? 
Segundo a maioria doutrinária, apesar de parecer, à primeira vista, que tal 
estabelecimento confere condições mais favoráveis a determinados 
agentes em prol de outros, ferindo, assim, o princípio da igualdade, em 
verdade isto não ocorre porque a finalidade da Constituição Federal, ao 
disciplinar o privilégio de foro, não é proteger determinados indivíduos, 
mas sim a função pública ou o cargo ocupado por estes. Gize-se, entretanto, 
a existência de posição contrária, compreendendo que o foro privilegiado 
importa em desigualdade processual, devendo, portanto, ser extinto. 
Considera-se, nesse caso, que, mesmo que a função ou o cargo tenham sido 
os destinatários do legislador no estabelecimento do foro privilegiado, o 
indivíduo que os exerce acaba por se beneficiar pessoalmente, ainda que o 
seja de modo reflexo. 
1.3.10 Princípio do contraditório 
O princípio do contraditório apresenta-se como um dos mais importantes 
postulados no sistema acusatório. Trata-se do direito assegurado às partes 
de serem cientificadas de todos os atos e fatos havidos no curso do 
processo, podendo manifestar-se a respeito e produzir as provas 
necessárias antes de ser proferida a decisão jurisdicional. 
Sob a ótica do réu, guarda este princípio estreita relação com a garantia da 
ampla defesa. Não é por outra razão que ambos são assegurados no mesmo 
dispositivo constitucional, qual seja o art. 5.º, LV, dispondo que aos 
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral 
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a 
ela inerentes. Entretanto, comparadas essas duas garantias, o contraditório 
possui maior abrangência do que a ampla defesa, visto que alcança não 
apenas o polo defensivo, mas também o lado acusatório, na medida em que 
a este também deva ser dada ciência e oportunidade de contrariar os atos 
praticados pela parte ex adversa. Esta dupla face do contraditório, aliás, é 
verificada em vários dispositivos do Código de Processo Penal, podendo ser 
citados, como exemplo, o art. 409, ao dispor que, no procedimento do júri, 
apresentada a defesa, o juiz ouvirá o Ministério Público ou o querelante 
sobre preliminares e documentos, em cinco dias; e o art. 479, 
estabelecendo, sem distinção entre acusação e defesa, que durante o 
julgamento (pelo júri) não será permitida a leitura de documento ou a 
exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência 
mínima de três dias úteis, dando-se ciência à outra parte. 
Independentemente dessa natureza constitucional do contraditório, este 
princípio, assim como outros já examinados, é mitigado em determinados 
casos. Trata-se de situações nas quais ocorre o chamado contraditório 
diferido ou postergado, que consiste em relegar a momento posterior a 
ciência e a impugnaçãodo investigado ou do acusado quanto a 
determinados pronunciamentos judiciais. Em tais casos, a urgência da 
medida ou a sua natureza exige um provimento imediato e inaudita altera 
pars, sob pena de prejuízo ao processo ou, no mínimo, de ineficácia da 
determinação judicial. Exemplos: 
a) A decretação da prisão preventiva do réu é decisão que pode ser 
exarada pelo juiz à vista da demonstração quanto à existência de indícios 
suficientes de autoria, de prova da materialidade do fato e dos 
pressupostos do art. 312 do CPP. Nessa hipótese, a intimação da defesa 
deve ocorrer a posteriori, não se facultando manifestação sobre o pedido 
de segregação provisória inserido na representação do delegado ou no 
requerimento dos legitimados do art. 31117 antes do pronunciamento 
judicial. Isto ocorre porque o art. 282, § 3.º, do CPP (incluído pela Lei 
12.403/2011), conquanto estabeleça a necessidade de que seja instaurado 
o contraditório previamente à determinação de medidas cautelares, 
ressalva desta providência os casos de urgência ou de perigo de ineficácia 
da medida.18 
b) Na interceptação das comunicações telefônicas (Lei 9.296/1996), por 
motivos óbvios, não há ciência prévia ao investigado, ao réu ou ao seu 
defensor. Destarte, depois de realizado o procedimento, é que, cientificada 
a defesa, esta poderá questionar a legalidade da medida. 
Há contraditório no inquérito policial? Em regra não, pois se trata de 
procedimento inquisitorial, destinado à produção de provas que sustentem 
o ajuizamento de ação criminal. Como exceção cabe citar o procedimento 
instaurado pela Polícia Federal, por determinação do Ministro da Justiça, 
visando à expulsão de estrangeiro, conforme previsão inserida ao art. 70 da 
Lei 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro) combinado com os arts. 102 a 105 
do Decreto 86.715/1981 (Regulamento do Estatuto do Estrangeiro). 
1.3.11 Princípio da ampla defesa 
Consagrada no art. 5.º, LV, da Constituição Federal, a ampla defesa traduz 
o dever que assiste ao Estado de facultar ao acusado a mais completa 
defesa quanto à imputação que lhe foi realizada. Este princípio guarda 
relação com o direito ao contraditório, segundo o qual ninguém pode ser 
condenado sem antes ter a oportunidade de ser ouvido quanto aos fatos 
imputados. 
Desta garantia inserta ao texto constitucional, outras decorrem e estão 
previstas na própria Carta Magna, como o dever estatal de prestar 
assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados (art. 5.º, LXXIV), ou 
na legislação infraconstitucional, como a ordem estabelecida para a prática 
dos atos processuais, garantindo-se à defesa manifestar-se sempre após a 
acusação (v.g., arts. 402, 403 e 534, todos do CPP). 
Observe-se, contudo, que a garantia da ampla defesa não significa que 
esteja o acusado imune às consequências processuais decorrentes da 
ausência injustificada a audiências, do descumprimento de prazos ou do 
desatendimento de formas processuais. Na verdade, é necessário verificar 
caso a caso. Por exemplo, se não observada pelo defensor do réu a regra 
do art. 479, que contempla o prazo para que sejam acostados aos autos 
documentos ou objetos que pretenda exibir em sessão de julgamento pelo 
júri, a consequência será a proibição dessa utilização; se não comparecer o 
defensor à audiência de instrução sem motivo justificado, outro poderá ser 
nomeado para acompanhar a solenidade (art. 265, § 2.º); se, ingressado por 
termo nos autos, recurso cuja interposição exige a formalidade da petição 
escrita (v.g., recurso especial, recurso extraordinário etc.), muito 
provavelmente não será a insurgência recebida ou conhecida pelo juízo 
competente. Em tais hipóteses, portanto, verifica-se que a ampla defesa 
não socorre o acusado para o fim de isentá-lo das consequências advindas 
de sua inércia ou de seu advogado. 
1.3.12 Princípio do duplo grau de jurisdição 
O princípio do duplo grau de jurisdição, que se concretiza mediante a 
interposição de recursos, decorre da necessidade de possibilitar a 
determinados órgãos do Poder Judiciário a revisão de decisões proferidas 
por juízes ou tribunais sujeitos à sua jurisdição. Embora inexista previsão 
expressa deste princípio em seu texto, a Constituição Federal incorpora-o 
de forma implícita, ao estabelecer, por exemplo, as regras de competência 
dos órgãos do Poder Judiciário (v.g., arts. 102, II e III, e 105, II e III). Sem 
embargo, existem determinadas situações que ressalvam a regra geral do 
duplo grau. É o caso da denegação da suspensão do processo em razão de 
questão prejudicial (art. 93, § 2.º, do CPP), da admissão ou inadmissão do 
assistente de acusação (art. 273 do CPP), da improcedência das exceções 
de incompetência, litispendência, coisa julgada e ilegitimidade de parte 
(contrario sensu ao art. 581, III, do CPP) e, no âmbito do STF, das decisões 
acerca da inexistência de repercussão geral dos temas constitucionais 
abordados em sede de recurso extraordinário, que, conforme se infere dos 
arts. 102, § 3.º, da CF; 543-A, caput, do CPC/1973 (art. 1.035, caput, do 
CPC/2015) e 326 do Regimento Interno do STF, são irrecorríveis. 
O caput do art. 543-A do CPC/1973 corresponde ao caput do art. 1035 do 
CPC/2015, que assim dispõe: “O Supremo Tribunal Federal, em decisão 
irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão 
constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste 
artigo.” 
1.3.13 Princípio do Juiz natural 
Surge da previsão inscrita ao art. 5.º, LIII, da Constituição Federal, dispondo 
que ninguém será processado e sentenciado senão pelo juiz competente. 
Com esta disciplina, não visou o legislador constituinte simplesmente 
assegurar a observância das regras que disciplinam as competências ratione 
materiae, ratione personae e ratione loci. Pretendeu, também, garantir a 
todos os indivíduos o direito de serem submetidos a processo e julgamento 
apenas por órgão do Poder Judiciário, regularmente investido, imparcial e, 
sobretudo, previamente conhecido segundo regras objetivas de 
competência estabelecidas anteriormente à prática da infração penal. 
Veda-se, então, a criação de tribunais ou juízos de exceção (o que não se 
confunde com jurisdições especializadas, que constituem simples 
desdobramento da atividade jurisdicional), assim como a designação de 
magistrado para atuar, especificamente, em um determinado caso, em 
razão, por exemplo, da importância da pessoa que ocupa o polo passivo da 
relação processual penal. 
Ilustre-se: 
Exemplos de situações em que se considera violado o princípio do juiz 
natural: 
a) Processo e julgamento pela Justiça Comum de crime sujeito à 
competência da Justiça Militar.19 A violação às regras de competência 
acarreta, nesse caso, natural e lógica ofensa ao princípio do juiz natural. 
b) Processo e julgamento, por juiz de direito, de quem detenha foro 
privilegiado nos tribunais. 
c) Desaforamento da sessão de julgamento pelo júri, quando inocorrentes 
as hipóteses dos arts. 427 e 428 do CPP. 
Exemplos de situações em que não se considera violado o princípio do juiz 
natural: 
a) Delegação de atos instrutórios a juiz de Primeira Instância nas ações 
penais originárias movidas contra Prefeito, que tem prerrogativa de foro 
nos tribunais.20 
b) Convocação de juízes de primeiro grau para, nos casos de afastamento 
eventual do desembargador titular, compor, em segundo grau (julgamento 
de recursos), o órgão julgador do respectivo Tribunal, desde que 
observadas as diretrizes legais federais ou estaduais, conforme o caso.21 
c) A composição majoritária do órgão julgador de Tribunal por juízes de 
primeiro grau legalmente convocados.22d) A designação de juiz para atuar, de forma genérica, em uma determinada 
Vara.23 Observe-se que haveria ofensa ao postulado caso a designação 
fosse específica para atuar em determinado processo, em razão da 
gravidade do crime ou da condição específica do réu. 
Apesar da existência de posições em contrário, predomina a orientação de 
que, em face da sua natureza, o postulado do juiz natural apenas pode ser 
invocado em prol do acusado, e não em seu desfavor. Neste sentido: 
“Somente se admite que este último princípio – Juiz natural – seja invocado 
em favor do réu, nunca em seu prejuízo. Sob essa ótica, portanto, ainda que 
a nulidade seja de ordem absoluta (a incompetência), eventual 
reapreciação da matéria não poderá de modo algum ser prejudicial ao 
paciente, isto é, à sua liberdade”.24 
1.3.14 Princípio do promotor natural 
O princípio do promotor natural, assim como o do juiz natural, encontra-se 
previsto no art. 5.º, LIII, da Constituição Federal, ao estabelecer que 
ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade 
competente. Trata-se, hoje, de princípio aceito pela maioria absoluta da 
doutrina e da jurisprudência pátria, justificando-se na circunstância de que 
todo acusado tem o direito de saber, com definição antecipada, aquele que 
personificará o Estado-acusador.25 
Em razão desse princípio, veda-se a designação de membro do Ministério 
Público para atuar em caso específico, quando isso implicar abstração das 
regras gerais de atribuições estabelecidas anteriormente à prática da 
infração penal. Nada impede, porém, que seja designado Promotor de 
Justiça para o exercício de atribuições genéricas, ou seja, aquelas que 
podem abranger, abstratamente, mais de uma hipótese concreta. 
Na verdade, a ofensa ao princípio do promotor natural ocorre nas hipóteses 
que presumem a figura do acusador de exceção, lesionando o exercício 
pleno e independente das atribuições do Ministério Público. A atuação 
ministerial pautada pela própria organização interna, com atribuições 
previamente definidas em Lei Orgânica do Ministério Público estadual, não 
configura ofensa àquele postulado.26 
Outro aspecto importante refere-se à sua abrangência. Trata-se, com 
efeito, de princípio relacionado ao processo criminal, não alcançando o 
inquérito.27 Por essa razão, eventuais diligências realizadas na fase das 
investigações policiais a partir de determinação (requisição) de promotor 
distinto daquele que seja quem deva atuar não implicam violação ao que 
dispõe o art. 5.º, LIII, da CF. 
1.3.15 Princípio da identidade física do juiz 
Em sentido estrito, este princípio consiste na vinculação obrigatória do juiz 
aos processos cuja instrução tenha iniciado, não podendo o processo ser 
sentenciado por magistrado distinto. Com a alteração introduzida pela Lei 
11.719/2008 ao Código de Processo Penal, tal princípio restou consagrado 
em âmbito infraconstitucional por meio do art. 399, § 2.º, estabelecendo 
que o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença. Apesar do 
caráter cogente aparentemente incorporado a essa norma, é evidente que, 
sob pena de graves prejuízos à instrução criminal, à celeridade e economia 
processual e à efetividade do processo penal, deve-se ressalvar de sua 
incidência situações excepcionais relacionadas à impossibilidade 
temporária ou definitiva de permanecer o Juiz oficiando no processo, muito 
especialmente aquelas em que tiver sido ele convocado para atuar junto 
aos tribunais, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou 
aposentado, casos em que o seu sucessor assumirá o impulso e julgamento 
do processo criminal. 
Mesmo antes da minirreforma do Código de Processo Penal, em 2008, o 
princípio da identidade física já estava presente no processo criminal em 
relação aos julgamentos afetos ao tribunal do júri, dado que os jurados que 
assistirem ao interrogatório do réu e inquirição de testemunhas em 
plenário deverão ser os mesmos a procederem ao julgamento mediante 
votação dos quesitos. Destarte, se por algum motivo vier a ser dissolvido o 
conselho de sentença pelo juiz-presidente do tribunal do júri (v.g., 
comunicação entre os jurados, deficiência de defesa, manifestação 
inequívoca de parcialidade dos jurados etc.), outra sessão deverá ser 
aprazada, para a qual novo corpo de jurados será sorteado. 
1.3.16 Princípio do in dubio pro reo ou favor rei 
Por este princípio, deve-se privilegiar a garantia da liberdade em 
detrimento da pretensão punitiva do Estado. Apenas diante de certeza 
quanto à responsabilização penal do acusado pelo fato praticado é que 
poderá operar-se a condenação. Havendo dúvidas, resolver-se-á esta em 
favor do acusado. Ao dispor que o juiz absolverá o réu quando não houver 
provas suficientes para a condenação, o art. 386, VII, do CPP agasalha, 
implicitamente, tal princípio. Mitiga-se o princípio, a nosso ver, quando se 
tratar de decisão do Conselho de Sentença por ocasião dos julgamentos 
pelo júri. É que, em casos tais, os jurados decidem por sua íntima convicção, 
decorrendo eventual condenação não apenas da prova dos autos, mas, 
sobretudo, de seu conhecimento pessoal sobre os fatos e elementos, como 
cultura, costumes locais, realidade social etc. 
Abstraída a hipótese de condenação, em que a regra, efetivamente, será a 
incidência do princípio em exame, outras hipóteses existem na legislação, 
nas quais este resta afastado. É o caso, por exemplo, da decisão de 
pronúncia, adotando-se, neste momento, o in dubio pro societate. Em 
síntese, não havendo certeza absoluta quanto ao agir do réu sob o amparo 
de causas que excluam o crime ou isentem-no de pena, deverá o juiz 
submetê-lo a julgamento pelo júri, vedando-se a absolvição sumária 
fulcrada no art. 415 do CPP. O mesmo ocorre em relação ao recebimento 
da denúncia e decretação da prisão preventiva, decisões estas que, mesmo 
contrárias ao imputado, podem lastrear-se em indícios de autoria, não se 
exigindo, pois, juízo de certeza a respeito.

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