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Ciclo Vital 1

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O CICLO VITAL 
 
 
Celso Zonta 
Marisa Meira 
 
 
 Atualmente, teóricos de todas as correntes concordam com o 
fato de que os indivíduos se desenvolvem durante toda a vida. Esse 
conceito de desenvolvimento é conhecido como ciclo vital, e teve em 
Erik Erikson1 um de seus principais precursores. 
 
 Os estudos científicos sobre o ciclo vital se intensificaram a partir 
da década de 1960 nos EUA, com a utilização de estudos longitudinais, 
através dos quais são coletados dados sobre a trajetória de vida dos 
indivíduos em seu contexto social e histórico durante um longo período 
de tempo como, por exemplo, da infância até a adolescência ou da 
adolescência até a idade adulta. 
 
 Para Papalia e colaboradores (2006), o ciclo vital apresenta 
quatro princípios fundamentais: 
 
• É vitalício, sendo que cada período de vida é influenciado pelos 
acontecimentos anteriores e, ao mesmo tempo, produz 
influências sobre períodos futuros; 
• É histórico, já que cada pessoa desenvolve-se em um contexto 
histórico e social do qual recebe influências e no qual também 
interfere; 
• É multidimensional, pois envolve um equilíbrio entre 
crescimento e declínio. Com a idade, algumas capacidades 
aumentam enquanto outras diminuem; 
• É plástico, uma vez que sempre existe a possibilidade dos 
indivíduos transformarem e ampliarem suas capacidades. 
 
Períodos do ciclo vital 
 
 
1
 A teoria de Erikson será apresentada na Unidade 5 
 Quando as pessoas se modificam de maneira significativa? 
Quando deixamos de ser crianças e nos tornamos adolescentes? Em 
qual momento deixamos de ser jovens? 
 
 As respostas para essas perguntas podem ser bem diferentes, 
em função do contexto social no qual estamos inseridos. 
 
 Em décadas passadas, quando a expectativa de vida era menor 
e as pessoas viviam bem menos do que atualmente, a meia idade não 
era vista como uma fase destacada da vida, assim como ocorria com a 
adolescência até o início do século passado. Esses exemplos 
evidenciam que o conceito de ciclo vital é construído socialmente e 
representa um ideal aceito pelos integrantes de uma determinada 
sociedade em uma dada época, com base em percepção ou suposições 
subjetivas compartilhadas. 
 
 Entretanto, ainda que reconhecendo a existência de variações 
no desenvolvimento de indivíduos de culturas diferentes, e mesmo entre 
indivíduos da mesma cultura, a maioria dos estudiosos da área acredita 
ser possível pensar em termos de períodos “típicos”2 do ciclo vital. Para 
os cientistas, essa seria uma forma de evidenciar que o ser humano 
apresenta certas necessidades básicas diferenciadas que necessitam 
ser satisfeitas ao longo de suas vidas para que o desenvolvimento 
ocorra de forma satisfatória. 
 
 Com base em extensa pesquisa bibliográfica, Papalia e 
colaboradores (2006) destacam oito períodos “típicos” de 
desenvolvimento, geralmente aceitos em sociedades ocidentais, 
urbanas e industriais.3 
 
 A análise mais particularizada daquilo que ocorre no processo 
evolutivo pode assumir múltiplos sentidos em função da perspectiva 
teórica de desenvolvimento utilizada. Por esse motivo, apresentamos 
apenas as características mais marcantes de cada um desses períodos. 
 
 
2
 Esse termo “período típico” tem sido utilizado para destacar que não se trata de fases universais 
que transcorrem de modo semelhante em todas as sociedades e culturas. 
3
 As idades utilizadas para destacar o início e o término de cada período devem ser compreendidas 
apenas como um indicativo, já que, dependendo dos contextos, podem ocorrer variações 
significativas. 
 No período pré-natal (da concepção ao nascimento), formam-
se os órgãos corporais, e o feto já é capaz de responder a estímulos 
sensoriais. 
 
 Na primeira infância (do nascimento aos 3 anos), ocorre um 
crescimento físico acentuado. O desenvolvimento das habilidades 
motoras e das capacidades cognitivas se acelera, especialmente com o 
início da utilização da linguagem que ocorre, em geral, após os dois 
anos. Neste período, o centro da vida afetiva da criança é a família ou 
os adultos que cuidam dela. 
 
 Na segunda infância (dos 3 aos 6 anos), o crescimento físico 
mantém-se constante. As habilidades motoras aumentam e, com o 
aperfeiçoamento da memória e da linguagem, as capacidades 
cognitivas apresentam um notável desenvolvimento. O relacionamento 
com a família ainda é o foco da vida social, mas a criança começa a 
ampliar relações, demonstrando interesse crescente em buscar a 
companhia de outras crianças. 
 
 Na terceira infância (dos 6 aos 11 anos), o crescimento físico 
diminui de intensidade, mas a força corporal e as habilidades motoras 
aumentam significativamente. O desenvolvimento cognitivo e afetivo 
adquire maior complexidade, já que a criança se expõe, cada vez mais, 
a novas oportunidades de aprendizagem nas relações sociais que se 
dão na família, na escola e nas redes de amigos. 
 
 No período da adolescência (dos 12 aos 20 anos), ocorrem 
mudanças intensas nos aspectos físicos, cognitivos e psicológicos. Este 
período tem sido apontado como o momento de transição entre a 
infância e a idade adulta. 
 
 Na idade adulta, ocorrem alterações importantes em todas as 
esferas da vida humana. Esta fase tem sido subdividida em três 
períodos: jovem adulto (dos 20 aos 40 anos), meia idade (dos 40 aos 
65 anos) e terceira idade (dos 65 anos em diante). 
 
 Após atingir o ápice entre os 20 e 40 anos, as condições físicas 
começam a declinar, notadamente a partir da terceira idade. Entretanto, 
pesquisas atuais demonstram a possibilidade de manutenção e até 
ampliação das capacidades cognitivas e afetivas, desde que os 
indivíduos mantenham-se ativos, adotem hábitos de vida saudáveis e 
busquem continuamente administrar as perdas e maximizar os ganhos 
conquistados. 
 
 O estudo desses períodos indica que os seres humanos, ao 
longo de sua vida, empreendem uma trajetória fascinante que envolve 
uma caminhada: 
 
• de um aparato biológico que permite ações motoras restritas em 
direção ao máximo desenvolvimento possível das capacidades 
de reflexão crítica sobre si mesmos e o mundo; 
• de estruturas intelectuais simples para desenvolvimentos 
cognitivos complexos; 
• da dependência total para a possibilidade de conquista da 
autonomia; 
• de relacionamentos sociais restritos para redes de relações 
complexas. 
 
 Embora possível, o acesso a essa caminhada não é alcançável 
para todos. A humanidade, ao longo do processo histórico, conquistou 
possibilidades importantes para a formação e desenvolvimento das 
capacidades humanas, mas os indivíduos não conseguem concretizá-
las do mesmo modo, em função de limites impostos por sua condição 
social, econômica e cultural. 
 
Adolescência 
 
 A adolescência é marcada por grandes mudanças físicas, 
cognitivas e psicossociais. Entretanto, as explicações sobre o momento 
no qual essas mudanças ocorrem, bem como sobre suas possíveis 
origens, são bastante diversas. 
 
 Em que período da vida ocorre a adolescência? 
 
 Para a Organização Mundial de Saúde, a adolescência ocorre 
dos 10 aos 19 anos. Para O Estatuto da Criança e do Adolescente, o 
período se estenderia dos 12 aos 18 anos. Existem ainda questões 
legais envolvidas nessa discussão, uma vez que não há concordância 
em torno da questão da idade a partir da qual crianças e adolescentes 
podem ser tratados como adultos em termos de direitos e deveres. No 
Brasil, só maiores de 18 anos podem ser condenados e presos, 
enquanto nos EUA se pode imputar penas de reclusão até mesmo para 
crianças. 
 
 Embora seja difícil demarcar claramente o ínício e o fim da 
adolescência, há um consenso no sentido de que ela duraaproximadamente dez anos. Alguns autores sugerem que ela seja 
dividida em subperíodos.4 Nesta Unidade, adotamos como referência a 
faixa etária de 12 a 20 anos, utilizada por muitos cientistas do 
desenvolvimento. 
 
Por que ocorrem mudanças na adolescência? 
 
 Do ponto de vista do desenvolvimento físico, na adolescência 
ocorrem alterações hormonais que produzem mudanças físicas 
bastante evidentes: grande crescimento corporal e modificações nos 
caracteres sexuais primários5 e secundários6 que culminam na 
maturidade sexual, ou seja, na capacidade de reprodução, cujas 
principais expressões são a produção de esperma nos homens e a 
menstruação nas mulheres. 
 
 Se é possível apresentar, de modo objetivo, as marcas físicas 
aparentes do adolescente, o mesmo não ocorre com as características 
psicossociais. 
 
 Os primeiros estudos sobre a adolescência foram desenvolvidos 
na década de 1920, nos EUA, por Granvillle Stanley Hall, que definiu 
esse período como sendo de tempestades e stress. Desde então, tem 
prevalecido, entre teóricos7 e pessoas comuns, uma concepção de que 
o adolesecente apresenta, naturalmente, desequilíbrios emocionais, 
conflitos com familiares e adultos de modo geral, comportamentos 
impulsivos e intolerantes, inconstância, imaturidade, alto grau de 
irritabilidade e agressividade e atitudes de rejeição aos valores sociais. 
 
4
 Esse é o caso de Hellen Bee (2003), que defende que a adolescência seja dividida em dois 
subperíodos. O primeiro (dos 11/12 até os 16/17 anos), denominado adolescência inicial, seria 
caracterizado por mudanças significativas nos aspectos físicos e emocionais, e o segundo (dos 
16/17 até os 20 anos), denominado adolescência final, seria o momento de consolidação das 
mudanças e da nova identidade do jovem. 
5
 Os caracteres sexuais primários são os órgãos necessários à reprodução. Nas mulheres há 
ovários, trompas, útero e vagina, e nos homens, testículos, pênis, vesículas seminais, próstata e 
escroto. 
6
 Por exemplo, o desenvolvimento dos seios nas meninas e ombros largos e voz mais grave nos 
meninos. 
7
 Podemos citar, como exemplo, Erikson(1987), Aberastury (1980), Aberastury e Knobel (1981). 
 
 Entretanto, existem outros modos de se compreender a 
adolescência, que defendem que os conflitos, nesse período, não são 
nem universais nem inevitáveis. 
 
 Nas décadas de 1920 e 1930, Margaret Mead estudou a vida de 
adolescentes em outras culturas, como, por exemplo, nas ilhas do 
Pacífico Sul, e concluiu que, quando a sociedade oferece condições 
para uma transição gradual e serena da infância para a idade adulta, os 
comportamentos indicativos de stress não ocorrem. Com seus estudos, 
a antropóloga norte-americana introduziu uma questão teórica da maior 
relevância: não é possível falar da adolescência sem compreender a 
cultura na qual os jovens estão inseridos. 
 
 Santos (1996) alerta para o fato de que boa parte dos estudos 
na área são fundamentados em um único tipo de jovem: branco, 
ocidental, da classe média urbana. 
 
 Como destacam Papalia e colaboradores (2006), em muitas 
culturas há uma grande variedade de cerimônias e rituais8 que celebram 
a entrada na adolescência ou a passagem da adolescência ao mundo 
adulto. Por detrás de cada um desses rituais, encontram-se concepções 
de quem é o adolescente e de como ele deve ser cuidado e tratado. 
 
 Para Ozella (1997) e Bock, e Gonçalves e Furtado (2001), a 
adolescência não é uma fase natural do desenvolvimento humano, é 
um momento significativo, interpretado e construído historicamente 
pelos homens. Os autores entendem que seria mais correto utilizar o 
termo “adolescências” no plural, já que, apesar das semelhanças no 
que se refere ao desenvolvimento físico de jovens de diferentes 
culturas, os aspectos psicológicos e sociais são construídos em função 
do contexto histórico, da classe social, do gênero, da religião, da etnia e 
da família, bem como das características de cada indivíduo. 
 
 Questão para reflexão: 
 
8
 Por exemplo, na tradição judaica, por volta dos 12 ou 13 anos, existem as cerimônias de 
transição chamadas Bat Mitzvah para as garotas e Bar Mitzvah para os rapazes. Os jovens 
católicos de ambos os sexos recebem o sacramento da Crisma por volta da mesma idade. No 
Japão, a passagem para a idade adulta é celebrada com Seijin Shiki (ou “cerimônia adulta” em 
tradução literal). Na África, muitos grupos étnicos indígenas praticam ritos de iniciação, por vezes 
associados à circuncisão masculina ou feminina. 
 
Imagine adolescentes nos seguintes contextos: em uma comunidade 
judia em alguma pequena cidade da Europa Ocidental; em uma 
comunidade hindu no norte da India; na periferia de Nova York; em uma 
favela do Rio de Janeiro ou São Paulo; em uma comunidade rural pobre 
do interior do Nordeste; em um condomínio de alto luxo em uma cidade 
de porte médio da região sul ou sudeste do Brasil; em uma comunidade 
índigena na Amazônia; em um bairro luxuoso de Londres; em uma 
comunidade muçulmana no Paquistão; e em um campo de refugiados 
na África. 
O que você acha que esses jovens poderiam ter em comum? Que tipos 
de diferenças seriam esperados? 
 
 A adolescência na sociedade atual 
 
 Na sociedade atual, a adolescência envolve grandes 
oportunidades de crescimento e autonomia intelectual e psicossocial, 
mas também muitos riscos, como, por exemplo, o abuso (que pode 
levar a dependência) de álcool e drogas, gravidez, doenças 
sexualmente transmissíveis, envolvimento em situações de violência e 
acidentes de trânsito, entre outros. 
 
 Esta pode ser uma época difícil, em função da maneira como a 
sociedade, em geral, e a família, em particular, lidam com a questão da 
construção da identidade dos jovens. Os adolescentes precisam 
responder às perguntas Quem sou eu? e O que quero para a minha 
vida? Mas só podem respondê-las devidamente se tiverem 
oportunidades adequadas para refletirem criticamente sobre si mesmos 
e sobre o mundo que os rodeia. 
 
 Climaco (1991) analisou a gênese histórica da adolescência e 
concluiu que, com o aumento da industrialização na sociedade 
moderna, o período de transição entre a infância e a idade adulta foi 
aumentado em função de necessidades do processo de produção. A 
sofisticação tecnológica, que passou a exigir maior tempo de formação, 
aliada ao aumento do desemprego, retardou o ingresso de jovens no 
mercado de trabalho, criando uma situação de latência social na qual os 
jovens são mantidos em situação de dependência dos adultos. 
 
 Ao mesmo tempo em que aumentam as exigências sobre os 
jovens e espera-se que façam suas escolhas de modo responsável, as 
condições para tanto, na maior parte das vezes, não são asseguradas. 
 
 Para Bock, Gonçalves e Furtado (2001), é dessa contradição 
entre ter capacidade para desenvolver autonomia e viver em situação 
de dependência dos adultos que emergem as características 
consideradas típicas do adolescente: a rebeldia, a instabilidade, os 
conflitos etc. Elas de fato surgem em nossa sociedade, mas são 
históricas e poderão ser transformadas ou intensificadas, dependendo 
de como a sociedade vai lidar com seus jovens. 
 
 Referências: 
 
ABERASTURY, A. Adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1980. 
 
ABERASTURY, A & KNOBEL, M. Adolescência normal. Porto Alegre: 
Artes Médicas, 1981. 
 
BOCK, A. M. B.; GONÇALVES, M. G. M.; FURTADO, O. (Orgs). 
Psicologia Sócio-Histórica – uma perspectiva crítica em psicologia. São 
Paulo: Cortez Editora, 2001. 
 
BEE, H. A criança em desenvolvimento. 9ª edição. Porto Alegre: 
Artmed, 2003. 
 
CLIMACO, A. A. S. Repensando as concepções de adolescência. 
Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia 
da Educação. São Paulo:PUC, 1991. 
 
ERIKSON, E. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Editora 
Guanabara, 1987. 
 
OZELLA, S. Adolescências construídas. São Paulo: Cortez Editora, 
1997 
 
PAPALIA, D. E. ; OLDS, S. W.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento 
Humano. 8ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2006. 
 
SANTOS, B. R. dos. A emergência da concepção moderna de infância 
e adolescência. Mapeamento, documentação e reflexão sobre as 
principais teorias. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais. São Paulo: PUC, 1996.

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