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O que é adolescência? ............................. 49 4.2 Ser adolescente ao longo da história da Psicologia ................................ 57 4.2 As características psicológicas da adolescência..................................... 71 4.3 A adolescência é um acontecimento universal? ..................................... 78 5.0 SEXUALIDADE NA ADOLESCÊNCIA ....................................................... 81 5.1 A Sexualidade e a Adolescência sobre a Perspectiva da Psicanálise .... 84 5.2 Sexualidade Utilizada pelos Jovens como Enfrentamento aos Pais ....... 88 5.4 Pontos de conflito .................................................................................... 93 5.4.1 Masturbação ..................................................................................... 94 5.4.2 Limites e respeito .............................................................................. 94 5.4.3 Autoestima ........................................................................................ 94 5.4.4 Não se esqueça ................................................................................ 95 6.0 ADOLESCENCIA E CONFLITOS .............................................................. 96 6.1 Adolescentes em conflito com a lei ......................................................... 99 6.1.1 Fatores de risco para a conduta infracional ...................................... 99 6.1.2 Dificuldades de Aprendizagem e Baixa Escolaridade ..................... 103 6.1.3 Violência na Família ........................................................................ 109 6.1.4 Violência no meio social ................................................................. 114 6.1.5 Consumo de Drogas ....................................................................... 116 3 6.1.6 Pobreza .......................................................................................... 117 6.1.7 Fatores de Proteção ....................................................................... 118 7.0 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA .................... 121 7.1 O ECA e a profissionalização................................................................ 122 7.2 Prevenção ............................................................................................. 122 7.3 Violação de direitos ............................................................................... 123 8.0 TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS NA ADOLESCÊNCIA – DE ACORDO COM OMS ..................................................................................... 123 8.1 Determinantes de saúde mental ........................................................... 124 8.1.1 Condições de saúde mental em adolescentes ............................... 126 8.3 Transtornos comportamentais na infância ............................................ 127 8.3 Transtornos alimentares ....................................................................... 127 8.4 Psicoses ................................................................................................ 128 8.5 Suicídio e autolesão .............................................................................. 129 8.6 Comportamentos de risco ..................................................................... 129 8.6 Promoção e prevenção ......................................................................... 131 8.6.1 Exemplos de atividades de promoção e prevenção:....................... 131 8.6.2 Detecção precoce e tratamento ...................................................... 132 8.6.3 Intervenções para adolescentes devem considerar: ....................... 133 9.0 P PSICÓLOGO TRABALHANDO COM ADOLESCENTE ........................ 133 9.1 Quais os Principais motivos para buscar um Psicólogo para Adolescentes? ............................................................................................ 135 9.2 Quais os Benefícios de frequentar um Psicólogo para Adolescente? ... 137 9.3 Alguns dos modelos de Psicoterapia para adolescentes ...................... 138 9.3.1 Psicoterapia dia-log em grupo ........................................................ 138 9.3.2 Psicoterapia Analítica ..................................................................... 138 9.3.4 Psicoterapia cognitivo comportamental – TCC ............................... 139 9.3.6 Orientação vocacional .................................................................... 140 REFERENCIA: ............................................................................................... 142 4 1.0 – O QUE É ADOLESCÊNCIA? A adolescência é uma fase de amadurecimento: é um período de transição no desenvolvimento físico e psicológico, em que o ser humano deixa de ser criança e entra na idade adulta. O objetivo cultural da adolescência é preparar a pessoa para assumir o papel de adulto. Do ponto de vista clássico, prolonga-se entre os 12 e os 22-25 anos de idade. 5 Do ponto de vista biológico, a adolescência é marcada pelo início da puberdade e o fim do crescimento físico, com alterações ao nível dos órgãos sexuais e de características como a altura, o peso e a massa muscular. É também um período de grandes alterações ao nível do crescimento e maturação do cérebro. Do ponto de vista cognitivo, a adolescência é caracterizada por um aumento da capacidade de pensamento abstrato, de conhecimento e de raciocínio lógico. Do ponto de vista social, a adolescência é um período de preparação para os papéis sociais culturalmente adequados dos adultos, como o de trabalhador ou parceiro amoroso. Trata-se de uma fase com "mudanças" tão dramáticas que tem recebido descrições do tipo “crise de identidade”, “é normal ser anormal” ou “psicose normativa”, etc. 2.0 O DESENVOLVIMENTO DA ADOLESCENCIA NA TEORIA DE PIAGET 6 O desenvolvimento do ser humano é uma evolução gradativa, que se dá a partir de estruturas organizadas que norteiam o processo de desenvolvimento humano, baseando-se principalmente no processo de acomodação e assimilação. Portanto, o aprendizado é um processo gradual no qual o adolescente vai se capacitandoseguindo uma seqüência lógica. Ao atingir a fase da adolescência, o indivíduo adquire a sua forma final de equilíbrio, ou seja, ele consegue alcançar o padrão intelectual que persistirá durante a idade adulta. Isso não quer dizer que a partir do ápice adquirido, ocorra uma estagnação das funções cognitivas. Entretanto, a teoria do desenvolvimento mental é formada baseada na interação do organismo com o meio, e isso acontece graças a um processo interno de organização e um processo externo de adaptação. Sabemos que as estruturas mentais são todas construídas, ao longo do desenvolvimento do indivíduo, neste momento ele interage com o meio utilizando-se dos processos 7 de acomodação e assimilação. Portanto, o que seria essa acomodação e assimilação? A primeira leva o organismo a adaptar-se, para sobreviver, à realidade, e a segunda tende a fazer a realidade adaptar-se às necessidades do organismo. “O ato de assimilação é o fato primeiro, que engloba em um todo a necessidade funcional, a repetição e esta coordenação entre o sujeito e o objeto que anuncia a implicação e o julgamento.” (BATTO, 1978, pág. 35) Organização e adaptação são invariáveis e inseparáveis. São dois processos complementares de um só mecanismo, sendo o primeiro a parte interna de um ciclo e constituindo a adaptação o aspecto externo, de acordo com Piaget. A adaptação é um processo único, dinâmico e progressivo que compreende, por sua vez, duas funções: a assimilação e a acomodação. Portanto, todo e qualquer ato de inteligência pressupõe uma concepção ou interpretação da realidade exterior, quer dizer, uma assimilação do externo ao conhecimento já existente. Dessa forma a criança estrutura sua vida mental, passando pela fase sensório-motora, período pré-conceitual até alcançar o período do pensamento lógico-concreto. Nesta fase que antecede a puberdade, as operações mentais exigem situações concretas, presentes, a fim de se processarem. É devido a maturação e a cooperação com outros indivíduos que a pessoa, na puberdade, é levada ao desenvolvimento da lógica formal, baseada nos símbolos e na ação internalizada ou operação. 8 No período das operações formais, que corresponde ao período da adolescência até chegar a vida adulta, ocorre a passagem do pensamento formal, abstrato, isto é, o adolescente realiza as operações no plano das idéias, sem necessitar de manipulação ou referências concretas, como no período anterior. É capaz de tirar conclusões de puras hipóteses. O livre exercício da reflexão permite ao adolescente, inicialmente, submeter o mundo real aos sistemas e teorias que o seu pensamento é capaz de criar. Isto se vai atenuando de forma crescente, através da reconciliação do pensamento com a realidade, até ficar claro que a função da reflexão não é contradizer, porém se adiantar e interpretar a experiência. Nas relações sociais, o adolescente passa por um processo de se caracterizar por uma fase de interiorização, que pode até no princípio ser identificado como anti-social. Ele se afasta da família, não aceita conselhos dos adultos; contudo, na realidade, o ponto chave de sua reflexão é a sociedade. Depois, ele atinge o equilíbrio entre pensamento e realidade, quando compreende a importância da reflexão para a sua ação sobre o mundo real. 9 No período da afetividade, o adolescente vive conflitos. Deseja libertar-se do adulto, mas ainda depende dele. Deseja ser aceito pelos amigos e pelos adultos. O grupo de amigos é um importante referencial para o jovem, determinando as palavras, as vestimentas e outros aspectos de seu comportamento. Aqui ele começa a estabelecer sua moral individual, que é referencial a moral do grupo. Entretanto, os interesses dos adolescentes são diversos e mutáveis, sendo que a estabilidade chega quando está próximo da idade adulta. Os teóricos da adolescência há muito tem concordado que a transição da segunda infância para a idade adulta é acompanhada pelo desenvolvimento de uma nova qualidade de mente, caracterizada pela forma de pensar sistemática, lógica e hipotética. 2.1 Biografia de Piaget Jean Piaget nasceu na cidade Neuchâtel, Suíça, em 09 de agosto1896 e morreu em 17 de setembro de 1980. Educado num ambiente intelectual, seu pai era historiador, interessou-se desde tenra idade pelas ciências naturais, e desde muito cedo demonstrou sua capacidade de observação. 10 Com onze anos Piaget tornou-se ajudante do diretor do museu de Neuchâtel e, assim, iniciou-se na zoologia. Dedicou-se imediatamente a classificar os moluscos da região e publicou vários artigos sobre malacologia. Não tinha ainda terminado o curso secundário, quando lhe ofereceram para dirigir esta seção no importante museu de História Natural de Genebra. Mas, seu interesse não se limitou aos mecanismos de adaptação dos moluscos. Muito pelo contrário; seu padrinho, um literato preocupado com a especialização precoce de seu afilhado, iniciou-se na leitura de Bergson. Piaget viu na Evolução Criadora a conjunção de seus interesses mais íntimos; encontrou, de um lado, uma brilhante exposição da evolução biológica e, de outro, acreditou ter descoberto uma identificação mística de Deus com o “élan vital”. Decidiu, então, dedicar-se a filosofia, numa tentativa de conciliar a ciência com a religião. Suas primeiras dificuldades surgiram quando Arnold Reymond, professor de lógica na Universidade de Neuchâtel, criticou severamente as conclusões de Bergson. O jovem Piaget, propôs-se a escrever sua filosofia pessoal e, de uma leitura de W. James, redigiu um Ensaio neopragmatista. Depois deste surgiu uma obra mais volumosa: Realismo e nominalismo nas ciências da vida, onde defendia o dualismo bergsoniano entre o vital e o matemático. 11 Relata Piaget que Reymond fez notar que sua teoria sobre a “lógica da ação vital” podia ser facilmente incluída na teoria aristotélica da forma. Reymond recomendou ao seu discípulo, que estava se doutorando em biologia, que preparasse imediatamente uma tese em filosofia sob sua orientação. Portanto, esta tese desenvolveria uma teoria geral do conhecimento a partir dos dados mais recentes da biologia. Por esta razão, Piaget ingressou na universidade de Neuchântel onde se doutorou em ciências com uma tese sobre os moluscos de Valais. Seus estudos de biologia levaram-no a suspeitar que os processos do conhecimento poderiam depender dos mecanismos de equilíbrio orgânico. Por isto, elaborou um ensaio sobre o equilíbrio entre o todo e suas partes, sem conhecer ainda a Gestaltheorie, que já tinha alcançado celebridade na Alemanha. Tendo concluído seus trabalhos em Neuchântel, passou uns meses estudando psicologia em Zürich com Lipps e Wreschner bem como psiquiatria com Bleuler; Piaget tinha se convencido de que a psicologia experimental poderia ser útil a um epistemólogo por vocação. Partiu imediatamente para Paris, com o propósito de fazer um estudo tanto de psicologia como de filosofia. Foi onde teve a oportunidade de trabalhar com mestres como Lalande e Binet. Em 1929, foi nomeado diretor adjunto do Instituto J. J. Rousseau e, em 1932, co-diretor do mesmo. Ocupou-se, então, de sua reorganização. A 12 Universidade de Genebra lhe ofereceu a cátedra de História do pensamento científico e foi nomeado, além disso, diretor do Bureau Internacional d’Education. Em 1936, a Universidade de Harvard o nomeia doutor honoris causa. Durante o período de guerra, Piaget desenvolveu sistematicamente suas idéias sobre as estruturas lógicas e físicas elementares. Em 1940, tornou-se diretor do laboratório de Psicologia Experimental da Universidade, sucedendo seu mestre Claraparede, e continuou organizando os Archives de Psychologie. Em 1950, Piaget publicou um tratado de epistemologia genética, em três volumes, e um tratado de lógica, sem contar numerosos estudosde psicologia experimental. Entretanto, esta breve descrição sobre Piaget, mostra que ele tem dedicado sua vida ao estudo do conhecimento e desenvolvimento humano. É, exatamente, nesta perspectiva do autor que iremos construir uma reflexão mostrando como os adolescentes se desenvolvem em seus aspectos cognitivo, comportamental e emocional. 2.2 O que é adolescência? 13 A adolescência é caracterizada pela fase que vem depois da infância e antes da juventude. Este período começa por volta dos doze anos e termina por volta dos dezoito. É um período em que o indivíduo sente prazer de manifestar seus gostos e preferências de forma exagerada. É uma fase cheia de questionamentos e instabilidade, que se caracteriza por uma intensa busca de si mesmo e da própria identidade, os padrões estabelecidos são questionados, bem como criticadas todas as escolhas de vida feita pelos pais, buscando assim a liberdade e auto-afirmação. Podemos perceber muitos fenômenos típicos de comportamentos que identificam a adolescência. É exatamente neste período que ocorre uma quantidade maior de mudanças que as verificadas em muitos anos da infância ou da fase adulta. É natural que essas mudanças provoquem dúvidas, incertezas e inquietações. Assim como é natural que todo ser humano necessite de um tempo para assimilar tais mudanças. Para (Dinah Martins, 1987, pág. 28) “A caracterização da adolescência não constitui tarefa muito fácil, porque aos fatores biológicos específicos, atuantes na faixa etária, se somam as determinantes sócio-culturais, advindas do ambiente onde o fenômeno da adolescência ocorre”. 14 Portanto, no desenvolvimento da adolescência se percebe uma vulnerabilidade da pessoa na formação biológica ocorrida em seu corpo e, mudanças inestimáveis provocadas pelo mundo contemporâneo, como: as explosões demográficas, a tecnologia, os meios de comunicação, a rápida transformação social e os avanços científicos. Entretanto, a adolescência, além dos fatores biológicos é influenciada pelo ambiente familiar, cultural e social. Podemos considerar que a adolescência é uma fase típica do desenvolvimento do jovem no ambiente familiar, na cultura que participa e na sociedade vigente. A sociedade cria todo um universo de regras, leis, costumes, tradições e práticas, visando perpetuar os valores comumente aceitos e enfrentar os problemas experimentados por todos os membros. Todas essas formas socialmente padronizadas de comportamento constituem a cultura da sociedade. (MARTINS, 1987, pags. 28 e 29) Há vários indícios, ou seja, aspectos biológicos que caracterizam a adolescência. A puberdade ou maturidade sexual, o desenvolvimento do busto nas meninas, o crescimento acelerado dos órgãos sexuais nos meninos, o aparecimento dos pêlos do púbis, os pêlos faciais, e nas axilas, mudança no tom de voz, desenvolvimento do esqueleto e mudança de estatura. A adolescência é marcada por crises e contradições, pois o jovem que abandona as características infantis, muitas vezes não assume as obrigações e 15 responsabilidades da vida adulta. É comum o adolescente lidar com os grilos que mexem com a sua cabeça. Muitas são as perdas, como por exemplo, a do corpo infantil, a do papel e identidade infantil. Na maioria das vezes, o adolescente não se reconhece mais no seu corpo, busca comparar-se com outros e passa a questionar até sobre a sua própria identidade. Eles passam a viver uma situação de certa ambigüidade, hostilizam os pais, porém querem sua atenção, já os pais esperam dos filhos atitudes responsáveis, mas não sabem lidar com as inquietações dos filhos em relação à vida sexual. Neste período acontece de modo mais intenso aquilo que se chama conflito de gerações. O fato é que, no mais das vezes, o que ocorre é que o adolescente quer ser tratado como adulto, quando acredita que os pais o estão tratando como criança, e crer que os pais o estão tratando como adulto quando gostaria de ser tratado como criança. A adolescência é a idade da certeza. Os adolescentes não desconfiam de suas ideias e opiniões. Acreditam piamente naquilo que seus pensamentos lhes dizem. Daí, a conclusão lógica de que todos os que têm ideias diferentes das suas só podem estar errados. Explica-se, assim, a sua dificuldade em lidar com opiniões discordantes. ‘Sei muito bem o que estou fazendo’: essa é a resposta 16 padrão que eles usam para se destacar de uma advertência sobre um curso problemático de ação. (ALVES. Sobre o tempo e a eternidade, pag. 34). 2.3 O desenvolvimento cognitivo Piaget divide os períodos do desenvolvimento de acordo com o aparecimento de novas qualidades do pensamento, o que, por sua vez, interfere no desenvolvimento global. Ele afirmava que as mudanças na maneira como os adolescentes pensam sobre si mesmos, sobre seus relacionamentos pessoais e sobre a natureza da sua sociedade têm como fonte comum o desenvolvimento de uma nova estrutura lógica que ele titulava de operações formais. 17 Os períodos do desenvolvimento são caracterizados por aquilo de melhor que o indivíduo consegue fazer nas faixas etárias, como: sensório-motor, pré- operatório, operações concretas, e por último, que vai nortear o desenvolvimento deste trabalho, as operações formais. Portanto, todos os indivíduos passam por todas esses estágios ou períodos, nessa seqüência, mas o início e o término de cada uma delas dependem das características biológicas do ser humano e de fatores educacionais e sociais. No estágio sensório-motor (de zero a dois anos) a maneira pela qual o bebê conhece o mundo é, sobretudo sensório-motor, ou seja, nesse estágio predomina o desenvolvimento das percepções sensoriais e dos movimentos. No estágio pré-operatório (dos dois aos sete anos) este momento começa quando a lógica infantil realiza um salto, com a descoberta do símbolo e a aprendizagem da fala. Neste período a inteligência é intuitiva porque não se separa da experiência vivida, ou seja, a criança não transpõe abstratamente o que foi vivenciado pela percepção. A inteligência aqui é egocêntrica, entendida 18 não como um defeito, porém decorrente da própria condição humana nesse estágio. No estágio das operações concretas (de sete a doze anos) este período é mais longo e representa grande salto da ação às operações mentais concretas. Elas são concretas porque se baseiam diretamente nos objetos e não em hipóteses, habilidade que será conquistada no estágio final. Finalmente o último período ou estágio é o da “operações formais”, ocorre de onde a doze anos em diante. Neste período acontece o amadurecimento das características da vida adulta. Entretanto, o atributo mais geral do pensamento operatório formal é o reconhecimento de que a realidade é nada mais que um conjunto de todas as possibilidades. Piaget assegurava que as mudanças na maneira como os adolescentes raciocinam sobre si mesmos, sobre seus relacionamentos pessoais e sobre o caráter da sua sociedade têm como fonte comum o desenvolvimento de uma nova estrutura lógica que ele chamava de operações formais. 2.4 O período operatório formal 19 Entretanto, esta "Etapa de Operações Formais" é caracterizada por uma dependência cada vez menor de objetos e fantasias para considerar problemas e situações. O adolescente desenvolve a habilidade de formular conteúdos puramente abstratos, como elevados conceitos matemáticos e filosóficos, assim como a habilidade de aprender como aplicar as informações gerais necessárias à adaptação, e as informações específicas necessárias para uma ocupação. Na visão piagetiana, a transição de um período a outro necessariamente provoca um desequilíbrio temporário que, posteriormente, dá lugar a uma forma superior de raciocínio. Desta maneira, no início de cada nova etapa, verifica-se uma predominância da assimilaçãosobre a acomodação – o indivíduo incorpora a realidade às estruturas que já possui. Pouco apouco, através de um processo gradual, as estruturas internas tornam-se adequadas à realidade, atingindo, assim, um equilíbrio maior. (RAPPAPORT,1981, pag. 69) Podemos perceber que neste período o pensamento lógico é no nível das operações formais abstratas, os jovens manifestam uma maneira mais flexível de manipular informação. Além de interiorizar a ação vivida, como a ocorrida na fase anterior das operações concretas, o adolescente é capaz de distanciar-se do mundo empírico. Nesta ocasião, compreende-se o amadurecimento do pensamento formal ou hipotético-dedutivo. A reflexão torna possível o pensamento matemático, científico e filosófico. 20 Logo, se percebe que o pensamento formal expande-se durante a adolescência, pois o adolescente, diferentemente da criança, é um indivíduo que reflete fora do presente e elabora teorias sobre todas as coisas, comprazendo- se sobretudo nas considerações intempestivas. Pensar nesse nível é estar acima de todo proposicional. O adolescente manipula os dados brutos que encontra e os transforma em declarações organizadas ou proposições, e depois desenvolve as conexões lógicas entre eles. Da mesma forma, o pensamento operatório formal é o interproposicional, isto é, envolve as relações lógicas entre as proposições como operações de segunda ordem, ou operações em operações. (EVANS, 1980, pág. 115) O pensamento refletido é característico do adolescente, nasce desde o momento em que o jovem se torna capaz de raciocinar de modo hipotético- dedutivo, isto é, com base em simples pressuposições sem relação necessária com a realidade ou com as crenças de indivíduo, confiando na inevitabilidade do próprio raciocínio, em oposição ao acordo das conclusões como experiência. Observamos que o adolescente levanta teorias e reflete sobre seu próprio pensamento, o pensamento formal, que forma uma reflexão da inteligência sobre si mesma, um sistema operatório de segunda potência, que opera com teorias. 21 A primeira característica das operações formais consiste em poderem elas realizar-se sobre hipóteses e não somente sobre os objetos – é essa novidade fundamental cujo aparecimento por volta dos 11 anos foi notado por todos os autores. Mas implica uma segunda novidade igualmente essencial: não sendo as hipóteses objetos mas proposições, seu conteúdo consiste em operações intraproporcionais de classes, relações, etc., de que se poderia fornecer a verificação direta; o mesmo ocorre com as conseqüências extraídas por via inferencial; em contrapartida, a operação dedutiva que conduz as hipóteses às suas conclusões já não é do mesmo tipo, mas sim interproposicional, consistindo, portanto, numa operação efetuada sobre operações, ou seja, uma operação à segunda potência.” (PIAGET, 2002, páginas 48 e 49) No período das operações formais há sempre os questionamentos dos adolescentes no âmbito escolar e na família. Como exemplos poderiam citar alguns jovens que fazem questionamentos durante as aulas, tipos: porque tenho que estudar filosofia? Para que serve esta disciplina de geografia quando eu estiver no ambiente de trabalho? Portanto, é exatamente no decorrer das aulas que os professores necessitam citar exemplos concretos para convencer os 22 adolescentes a necessidade do estudo das diversas disciplinas curriculares, para o desenvolvimento cognitivo e de seus respectivos conhecimentos. Uma pessoa no nível do pensamento operatório formal é capaz de fazer uma análise combinatória para resolver um problema específico. Como exemplo podemos citar um adolescente que recebeu quatro baldes de tinta, essas tintas teria uma cor primária diferente. O indivíduo teria que combinar dois dos quatros baldes para criar uma cor singular. Portanto, o indivíduo na fase da adolescência, ou seja, no estádio das operações formais, descobre que deve combinar um com dois, um com três, um com quatro, dois com três etc. Entretanto, todas as combinações possíveis são levadas em consideração. O adolescente também tem a capacidade de aplicar regras simplificadas como uma operação de ordem mais alta para chegar à solução de um problema. O instrumento do pensamento do adolescente é a linguagem ou qualquer outro sistema simbólico, como, por exemplo, a matemática. Nesta medida, ele é capaz de formular hipóteses e, a partir delas, de chegar a conclusões que independem da verdade fatual ou da observação. (RAPPAPORT,1981, pag. 69) O indivíduo, ou seja, o adolescente sofre influências neurológicas e ambientais se combinando para causar a maturidade cognitiva. Portanto, é neste 23 momento que os adolescentes podem aplicar a nova capacidade para considerar e testar possibilidades a todo tipo de problema, eles podem desenvolver uma hipótese e conceder um experimento para testá-la. Eles, também, consideram todos os relacionamentos que pode imaginar e passam por cada um deles, para eliminar o falso e chegar ao verdadeiro. Alguns exemplos podemos citar de alunos neste estágio: muitos deles no ensino médio planejam o futuro, isto é, sua carreira, consertam carros, estabelecem teorias políticas ou interpretam situações sociais. Portanto, quando se convive com adolescente, é nítida nesses indivíduos, uma conduta um tanto quanto desafiadora. Esta conduta, discutida vastamente e sob várias perspectiva na literatura, marca a passagem da infância para a vida adulta. O jovem que não consegue desenvolver estes conhecimentos, na perspectiva da teoria de Piaget, não se estruturou, isto é, não desenvolveu seus conhecimentos nos outros períodos do desenvolvimento. A dificuldade no aspecto cognitivo se dá muitas vezes, pelo histórico do adolescente ser bastante complexo, sem acompanhamento adequado por um profissional para detectar 24 os possíveis transtornos que o acometem. Eu tenho alunos no Ensino Médio que tem dificuldade de desenvolver seus conhecimentos porque passaram por vários problemas de doenças físicas, outros tiveram que perder um ano letivo ou mais para fazer algumas cirurgias. Em geral, percebemos que o adolescente pretende inserir-se na sociedade dos adultos por meio de projetos, de programas de vida, de sistemas muitas vezes teóricos, de planos de reformas políticas ou sociais. Portanto, a verdadeira adaptação a sociedade vai-se fazer automaticamente quando o adolescente, de reformador, transforma-se em realizador. É exatamente nesta ocasião que a experiência, o empírico reconcilia o pensamento formal com a realidade das coisas, o trabalho concreto e constante, desde que empreendido em situação concreta e bem definida. 3.0 O DESENVOLVIMENTO DO ADOLESCÊNTE EM DIFERENTES ABORDAGENS 25 As primeiras tentativas de descrever a adolescência datam do início do século XV, embora esta fase tenha sido reconhecida como crucial ao desenvolvimento humano somente nos anos de 1890 (Ariès, 1978/1986). Porém, foi particularmente no século XX que a adolescência se tornou um tema de crescente interesse na história da psicologia. Naquele século, marcado por grandes avanços teóricos nas ciências em geral, advindos da adoção de modelos sistêmicos para a compreensão de fenômenos do desenvolvimento, este período passou a ser visto como um conjunto de fatores inter-relacionados, de ordem individual, histórica e cultural. Ao adotar uma visão relacional e contextual, as pesquisas na área do desenvolvimento do adolescente começaram a estabelecer relações específicas entre os aspectos do indivíduo e de seus contextos de desenvolvimento, e a identificar desafios, potencialidades e possibilidades de desenvolvimento das reais competências do adolescente (Lerner & Steinberg, 2004). A ênfase maior na adolescência, enquanto período decisivo do curso de vida, passou a ser, 26 então, deslocadapara os fatores de mudança e plasticidade, bem como para a diversidade social e cultural, que podem ser mais pronunciados neste período. Recentemente, sobretudo nas três últimas décadas, as rápidas mudanças no mundo, nas sociedades ocidentais e nas famílias vêm gerando novas preocupações e questionamentos entre estudiosos e leigos. Por exemplo, como compreender as influências mútuas entre os fatores individuais e as forças contextuais no curso do desenvolvimento individual e vice-versa (Brown, 2005)? Como promover relações entre o indivíduo e seu contexto que sejam mutuamente benéficas à saúde do jovem, de sua família e de sua nação (Lerner & Overton, 2008)? Estudiosos da área se preocupam com as diversas possibilidades de trocas dinâmicas entre o adolescente e seus diferentes contextos, de modo que ele possa seguir caminhos marcados por oportunidades de saúde e desenvolvimento positivo (Lerner & Overton, 2008). Os estudos atuais buscam apresentar dados que sirvam de base para programas dirigidos aos adolescentes, já que é nesta fase que um grande potencial pode ser desenvolvido, preparando-os para enfrentar melhor os desafios e atuar no mundo adulto (Larson, Wilson & Mortimer, 2002; Roth & Brooks-Guhn, 2003; Smetana, Campione-Barr & Metzer, 2006). 27 Reconhecendo a adolescência como um período do curso de vida essencial ao desenvolvimento do indivíduo, este artigo apresenta o percurso do estudo científico da adolescência, com base em duas fases sobrepostas da história das teorias do desenvolvimento humano, propostas por Lerner e Steinberg (2004; 2009) e reiteradas por Goosens (2006). Na primeira seção, serão apresentadas as fases históricas que caracterizaram o estudo científico da adolescência no século XX. Considerando a importância das teorias do desenvolvimento elaboradas até os anos 70 para a compreensão e concepções atuais da adolescência, foco deste artigo, breve menção será feita às contribuições das diversas teorias clássicas. Em seguida, será apresentada uma visão mais integradora e contextualista do desenvolvimento, destacando a abordagem do curso de vida e o modelo bioecológico do desenvolvimento humano. A segunda seção trata dos avanços nos estudos empíricos da adolescência, no século XXI, apontando as tendências da ciência e a emergência de uma nova fase caracterizada pela aplicação das teorias e por uma visão de adolescência saudável. 28 Ao buscar compreender a adolescência com base nas explicações teóricas que orientam suas concepções ao longo do tempo, espera-se contribuir para uma discussão atualizada, que não se restrinja às fronteiras e características do adolescente, mas que considere as inter-relações dos recursos individuais e contextuais que promovem as trajetórias de desenvolvimento positivo. 3.1 O Percurso do Estudo Científico da Adolescência no Século XX As teorias do desenvolvimento têm um papel bastante importante na história da psicologia do adolescente. Ao longo do tempo, teóricos dessa área se preocuparam com as mudanças sistemáticas do comportamento, enfocando a descrição dessas mudanças em um ou outro aspecto particular (ex. cognição, emoção), ou nas relações entre esses aspectos. Tais teorias organizaram e deram significado e coerência aos fatos relativos à adolescência, a princípio isolados, e permitiram a dedução e testagem efetiva em trabalhos empíricos subsequentes (Dubas, Miller & Petersen, 2003; Goosens, 2006). Na história do estudo científico da adolescência, é possível identificar duas fases teóricas sobrepostas (Goosens, 2006; Lerner & Steinberg, 2004; Steinberg & Lerner, 2004). A primeira delas ocorreu do início do século XX até os anos de 1970 e é caracterizada pela realização de estudos descritivos e não- teóricos. Na segunda fase, que começa por volta dos anos de 1970, a ciência 29 passa a ter seu foco na avaliação de modelos teóricos e hipóteses, com vistas a justificar os processos de desenvolvimento humano influenciados por contextos amplos e diversificados. Esse período se destacou pelo interesse crescente por modelos sistêmicos e estudos longitudinais, e, também, pela plasticidade e diversidade dos processos, no curso de vida. No decorrer da história, fica evidenciado que as principais teorias do desenvolvimento foram responsáveis por explicar o fenômeno da adolescência, com base em duas questões principais: a adolescência como uma fase distinta no desenvolvimento e como um período caracterizado por crescentes e inevitáveis níveis de turbulência. Tais questões organizaram as teorias da adolescência sob princípios organísmicos ou contextualistas, diferenciando-as em teorias biológicas, psicanalíticas, socioculturais e cognitivas. Na sua maioria organísmicas, estas teorias tinham como fundamento o mundo como um organismo vivo e o indivíduo como um agente ativo em seu próprio desenvolvimento, sendo o resultado de suas propriedades e metas (Goosens, 2006). 3.1.1 Primeira Fase: A Descrição dos Processos de Desenvolvimento na Adolescência 30 Na primeira fase do estudo científico da adolescência, destaca-se a obra de G. Stanley Hall, intitulada Adolescência, publicada em 1904. Com ênfase na teoria biológica, baseada no desenvolvimento das espécies (filogênese) e na recapitulação do desenvolvimento do indivíduo (ontogênese), Hall define a adolescência como um período de transição universal e inevitável, considerando-a como um segundo nascimento. Ele reconhece a influência da cultura ao mesmo tempo em que valoriza as diferenças individuais do adolescente e sua característica de plasticidade (maleabilidade), podendo ser considerado inovador e provocativo para sua época, um precursor das teorias contextualistas contemporâneas (Arnett, 1999). 31 Um segundo grupo, o das teorias baseadas nos pressupostos da psicanálise de Sigmund Freud (1856-1939), não identificou a adolescência como fase distinta no desenvolvimento, apesar de considerá-la crucial. Esta perspectiva preconizou a pessoa como dotada de um reservatório de impulsos biológicos básicos, identificando a emergência de determinado aspecto da sexualidade humana a cada fase distinta do ciclo vital. Assim, na adolescência, ocorre a reativação, na forma madura e genital, de vários impulsos sexuais e agressivos experimentados pela criança nas fases iniciais do seu desenvolvimento (oral, anal e edípica). A intelectualização é o mecanismo de defesa adotado pelo adolescente para lidar com a sua revolta emocional, conduzindo-o a mudar seus interesses das questões concretas do corpo para as questões mais abstratas, isentas de emoção. Logo, os conflitos da puberdade são considerados normais e até necessários ao seu funcionamento 'adaptativo', na busca por um novo sentido de personalidade e papel social. 32 Com a teoria do desenvolvimento psicossocial, Erik Erikson (1968/1976) integra a psicanálise ao campo da antropologia cultural, enfatizando a interação entre as dimensões intelectual, sociocultural, histórica e biológica (Lopes de Oliveira, 2006). Ao afirmar que o desenvolvimento é descrito por uma série de estágios previsíveis, Erikson destaca a influência dos ambientes e o impacto da experiência social durante todo o curso de vida. Sob esta perspectiva, a cada estágio do desenvolvimento, a pessoa se depara com um conflito central, isto é, uma crise normal e saudável a ser ultrapassada. Em se tratando da adolescência, essa crise se caracteriza pelo desenvolvimento da identidade, que está em constante mudança, e que depende das experiências e informações adquiridas nas interações diárias do adolescente com outros. Como consequência, adolescentes que recebem encorajamento e reforço apropriados para sua exploração pessoal tendem a emergir desse estágio com um sentido mais forte de si mesmo e um sentimento de independência e controle.O terceiro grupo de teorias de desenvolvimento é reconhecido por priorizar aspectos socioculturais da adolescência e preconizar que o comportamento do adolescente é moldado, até certo ponto, pelo ambiente social imediato (pais e pares) e pelo ambiente social amplo (cultura). Na busca por examinar a universalidade da i déia de turbulência atribuída à adolescência, antropólogos sociais e culturais, com destaque para Margaret Mead, relacionam 33 a rebeldia da puberdade (fase universal) contra a autoridade dos pais ao idealismo do jovem, dependendo do estilo de vida e da cultura na qual ele está inserido (Mead, 1928/1979). Ainda nesta primeira fase, um quarto grupo de teorias da adolescência, que tem como precursor Jean Piaget, merece destaque ao privilegiar os processos cognitivos do desenvolvimento e afirmar que os comportamentos adolescentes que geram preocupações aos adultos têm sua origem nas mudanças na sua forma de pensar, característica do início desta fase. Com o desenvolvimento do pensamento formal, por meio da assimilação e da acomodação de novas estruturas, o adolescente revela uma maneira própria de compreender a sua realidade e constrói sistemas filosóficos, éticos e políticos como tentativa de se adaptar e mudar o mundo (Inhelder & Piaget, 1958/1976). Ao perceber que as soluções baseadas apenas no raciocínio lógico não são possíveis, o adolescente adentra a idade adulta por meio da inserção na sociedade. Apesar de as teorias clássicas descreverem as várias mudanças durante a adolescência, tendo como foco diferentes aspectos do indivíduo (sentimentos, cognições e interações), elas não foram suficientes para explicar o desenvolvimento nesta etapa do curso de vida (Goosens, 2006; Lerner & 34 Steinberg, 2009). De acordo com estes autores, estas teorias se limitavam a apresentar dicotomias entre os aspectos maturacionais e genéticos e os aspectos exclusivamente contextuais: herdado versus adquirido, continuidade versus descontinuidade, estabilidade versus mudança, que representavam o conhecimento da época. Na medida em que as evidências empíricas foram sendo produzidas, novos modelos relacionais do desenvolvimento foram surgindo. Tais modelos reconheciam o caráter fundamental e integrador das influências dos diferentes níveis de organização da ecologia do desenvolvimento humano, gerando a necessidade de novos aportes integradores, culminando, assim, na segunda fase dos estudos científicos. 3.1.2 Segunda Fase: A Visão Contextualista do Desenvolvimento do Adolescente Esta fase dos estudos científicos sobre a adolescência teve início na década de 1970, à medida que as pesquisas empíricas se tornavam desvinculadas dos modelos teóricos clássicos e que novos modelos e questões sobre desenvolvimento humano no curso de vida surgiam. Estes modelos refletiam uma visão contextualista, que enfatiza o indivíduo e o ambiente na sua 35 dinâmica de relações bidirecionais, bem como o papel do tempo e do espaço no desenvolvimento humano. As interações pessoa-contexto passam a ser vistas como um fenômeno do desenvolvimento psicológico que implica considerar: (a) a pessoa em constante desenvolvimento, devido ao fluxo de contínuas mudanças nas relações que ela estabelece com o ambiente; (b) o desenvolvimento humano caracterizado pelo grande potencial para mudança sistemática (plasticidade), em qualquer ponto no curso de vida; e (c) o significado do desenvolvimento humano inserido no contexto socio-histórico em que ele acontece (Goosens, 2006). Naquela época, um grupo de estudiosos do desenvolvimento se reuniu com o apoio do Carolina Consortium on Human Development (CCHD, 1996), com o intuito de organizar uma síntese das diferentes disciplinas e teorias sociais, psicológicas e biocomportamentais, que servisse para orientar as pesquisas em diversos níveis da organização humana. Seus participantes propuseram um modelo abrangente denominado ciência do desenvolvimento, em que desenvolvimento refere-se a um fenômeno multifacetado, composto pelo conjunto de processos de mudanças progressivas, estruturais e organizacionais, ocorridos nas interações entre pessoas e sistemas biológicos, dentro de grupos sociais e ambientes, no decorrer do tempo (Cairns, Elder & Costello, 1996; Magnusson & Cairns, 1996). Para compreender o funcionamento deste sistema, faz-se necessário investigar os contextos, as propriedades estruturais e funcionais da pessoa e do ambiente, e como eles interagem e produzem constâncias e mudanças no desenvolvimento do indivíduo (Dessen & Costa Junior, 2005). De acordo com esta visão, cada indivíduo tem seu desenvolvimento delineado por inúmeros fatores reciprocamente interativos, que variam de acordo com o tempo, o contexto e o processo, e que, a cada etapa desse processo, novas possibilidades são geradas para a próxima (Sifuentes, Dessen & Lopes de Oliveira, 2007). Em outras palavras, o desenvolvimento ocorre por meio de forças internas e externas, denominadas de co-ação, que atuam de modo complementar e bidirecional no sentido de adaptar e manter o equilíbrio e a 36 harmonia do sistema diante de situações novas ou adversas (Gottlieb, 1996; van Geert, 2003). O desenvolvimento passou, então, a ser visto como epigenético e probabilístico, na medida em que os fatores biológicos e contextuais foram considerados reciprocamente interativos, gerando um grande desafio para a área. Como compreender os múltiplos sistemas que influenciam o desenvolvimento individual, desde os processos genéticos até os eventos culturais, desde os eventos fisiológicos até as interações sociais? Como estes sistemas se integram ao longo do tempo, para produzir ou não saúde e funcionamento adaptativo? Tais questionamentos exigiram o entrelaçamento e a integração de disciplinas de diversas áreas, a fim de desvelar os complexos processos que levam os seres humanos a se desenvolverem dentro de uma dinâmica de forças existentes no mundo em constante transformação. 37 Neste sentido, a perspectiva sistêmica foi fundamental para a compreensão das questões de investigação sobre o desenvolvimento humano, tanto no que tange a relação mútua entre sistemas e entre os componentes de um sistema, como a sua evolução em padrões no tempo. Dentre as orientações teóricas que representam essa perspectiva do desenvolvimento, destacamos a teoria do curso de vida (Elder, 1996) e a abordagem bioecológica de Bronfenbrenner (1979/1996, 1999). 3.2 A Teoria do Curso de Vida A perspectiva do curso de vida é uma orientação teórica que propõe a identificação dos estágios de vida (infância, adolescência, fase adulta e velhice), nos seus aspectos temporais, contextuais e processuais, como uma das formas de compreender as mudanças que ocorrem no desenvolvimento humano. Nesta visão, as mudanças históricas, geográficas e ambientais nos padrões de vida modelam o conteúdo, a forma e o processo do desenvolvimento do indivíduo, na história e no mundo social, em diversos níveis: macro (da sociedade e da ordem 38 social), das estruturas intermediárias (comunidades e vizinhança) e do mundo proximal (escola e família). Isto é, os indivíduos adquirem significados próprios do seu contexto histórico e das experiências de outros e, como agentes ativos de mudança, influenciam seu próprio desenvolvimento, fazendo escolhas baseadas nessas experiências - disposições, conhecimentos e crenças -, que afetam suas perspectivas, expectativas e adaptações subsequentes (Elder, 1996). O conceito de curso de vida estabelece, ainda, uma interdependência de trajetórias, onde cada trajetória não está restrita a histórias individuais, mas envolvida na dinâmica de caminhos múltiplos e inter-relacionados, formando uma matriz de relações sociais ao longo do tempo. Assim, cada geração pode tomar decisões e promover eventos no cursode vida das outras, havendo uma interdependência entre vidas, e também, entre níveis, como por exemplo, entre trabalho e família, casamento e parentalidade, trabalho e lazer (Elder, 1996). Nesta direção, a teoria do curso de vida postula a articulação de conceitos do desenvolvimento, ultrapassando modelos mais tradicionais, lineares, unidimensionais, unidirecionais e unifuncionais de crescimento e maturação biológica do indivíduo. Ao adotar uma visão holística, essa teoria prescreve o desenvolvimento entre ganhos e perdas, sendo que as potencialidades são expressas por meio da plasticidade intraindividual, isto é, do grau de 39 maleabilidade presente nos indivíduos. Assim, as trajetórias observadas na mudança intraindividual variam no tempo e no espaço, como consequência dessa plasticidade, com o desenvolvimento exercendo um papel regulador, que tanto facilita como impede oportunidades de mudança (Elder & Shanahan, 2006). Esta visão contemporânea do desenvolvimento, presente a partir da segunda fase dos estudos científicos da adolescência, contribuiu não somente para a compreensão da atual concepção de adolescência, mas também, para a adoção de metodologias mais apropriadas para responder questões desta fase do curso de vida. Em consonância com a perspectiva do curso de vida, ainda na década de 1970, Bronfenbrenner (1979/1996) apresentou um modelo para orientar as pesquisas em desenvolvimento humano denominado modelo ecológico. Este modelo foi revisado pelo próprio autor no final do século XX, passando a ser denominado modelo bioecológico (Bronfenbrenner, 1999; Bronfenbrenner & Morris, 1998). Ele traçou, portanto, as diretrizes para o planejamento de pesquisas que consideram a inter-relação dos fatores individuais, contextuais e temporais na promoção dos processos de desenvolvimento humano. 3.3 O Modelo (Bio)Ecológico de Urie Bronfenbrenne 40 O modelo ecológico, apresentado por Urie Bronfenbrenner em 1979, em seu livro "A ecologia do desenvolvimento humano", revisado e complementado em 1999, postula que, para compreender o desenvolvimento humano, é preciso incorporar, nas análises, não somente o indivíduo e as suas capacidades perceptuais, motoras ou cognitivas, mas também, as interações e os padrões relacionais que se estabelecem em diferentes contextos, ao longo do tempo. Isto significa analisar as influências múltiplas dos diferentes ambientes, diretos ou indiretos, ao ser humano (Bronfenbrenner, 1979/1996). Compreender o desenvolvimento humano com base neste modelo implica identificar quatro elementos básicos, inter-relacionados e dinâmicos: o processo (P), a pessoa (P), o contexto (C) e o tempo (T) (Bronfenbrenner & Morris, 1998). Ao longo do desenvolvimento, a pessoa (P) se envolve em processos (P) de interações recíprocas, com outras pessoas, objetos ou símbolos. Essas interações podem variar de acordo com as características das pessoas, dos contextos e do momento em que elas acontecem, podendo produzir tanto competências como disfunções no desenvolvimento (Bronfenbrenner & Evans, 2000). 41 Neste modelo, o adolescente, como qualquer pessoa, apresenta características próprias - individuais, psicológicas e biológicas - além de uma forma própria de lidar com suas experiências de vida. Ele é visto como um sujeito ativo, produto e produtor do seu desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1999), que ocorre na interação com o contexto (C). O contexto é definido por uma hierarquia de sistemas interdependentes - micro, meso, exo e macrossistemas - e é composto pelas atividades, papéis e relações interpessoais presentes, por exemplo, nas suas famílias, nos grupos de amigos, na vizinhança, na comunidade, e nas instituições educacionais e de saúde, sociais e políticas. Na adolescência, a família continua a ser considerada o principal microssistema do desenvolvimento, pois nela acontecem as interações mais diretas e as experiências mais significativas para a pessoa. Reconhecida na sua complexidade, a família é responsável por conduzir o adolescente à compreensão de conceitos e valores básicos, ao engajamento na realização de tarefas e papéis sociais cada vez mais diversificados e complexos, e ao desenvolvimento de competências sociais. Durante a adolescência, as interações no cotidiano da vida familiar, isto é, os processos proximais, continuam particularmente importantes, sobretudo no engajamento em práticas educativas e nos processos de comunicação, tais como diálogos, negociações e trocas de argumentos e de opiniões. Entretanto, o funcionamento interno do microssistema familiar, ou seja, o seu desenvolvimento, bem-estar e clima emocional, recebe influências também de outros contextos em que os familiares vivem e crescem. E, à medida que o adolescente passa a participar de outros microssistemas e a formar e ampliar sua rede de relações interpessoais, torna-se evidente a formação de novas relações e influências interdependentes entre a família, o adolescente e os demais contextos de interações proximais (mesossistema). Além disso, mesmo quando o adolescente não tem um papel diretamente ativo, como por exemplo, em decisões tomadas em contextos sociais do trabalho dos pais, por dirigentes da escola ou por agentes responsáveis pelo lazer e cultura (parques, jardins e bibliotecas), ele, indiretamente, recebe influências provenientes destes ambientes (exosistema). Por outro lado, decisões que são tomadas nas esferas 42 macrossistêmicas, tais como leis que regulam o sistema educacional e de saúde pública, interferem em sua vida e na vida de sua família, ao promoverem contextos mais ou menos favoráveis ao seu desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1979/1996). Na adolescência, pode-se reconhecer os efeitos diretos e indiretos gerados pelas mudanças e estabilidades sucessivas, que ocorrem não somente nas características individuais, mas, sobretudo, nas transformações histórico- culturais, sociais, políticas e econômicas, atribuídas à época em que ela é vivida (Bronfenbrenner, 1999). Algumas dessas transições são esperadas ou normativas (namoro, entrada em novo ciclo escolar), enquanto outras são imprevistas ou não-normativas (guerras mundiais, queda do muro de Berlim, atentado às Torres Gêmeas); porém, ambas devem ser vistas nos níveis do micro, meso e macrotempo que compõem o cronossistema (T). Consequentemente, as influências bidirecionais entre a pessoa e os contextos - sistemas ideológicos de crenças e valores, sistemas governamentais e políticas públicas, aspectos étnicos e religiosos, família de origem e disponibilidade de recursos e oportunidades - devem ser consideradas ao longo do tempo (Bronfenbrenner, 1979/1996). 43 À parte as dificuldades na operacionalização integral do modelo, em um único projeto de pesquisa, sua adoção parcial em estudos sobre a adolescência tem sido especialmente útil. O modelo auxilia a investigação da forma como os adolescentes estão situados em seus contextos específicos, como esses contextos influenciam o curso do seu desenvolvimento e, ao mesmo tempo, como os adolescentes influenciam esses contextos direta ou indiretamente. Estes conhecimentos têm permitido avanços no sentido de ultrapassar a visão inicial de adolescência como um período de turbulência e instabilidade, para incorporar uma visão mais positiva do desenvolvimento do adolescente. 3.4 Tendências Atuais: a Visão do Desenvolvimento Positivo Problemas inter-relacionados, referentes ao desenvolvimento econômico e tecnológico; à qualidade ambiental, à saúde e aos cuidados ao próximo; à pobreza, ao crime e à violência; às drogas, aos abusos, ao sexo inseguro e ao fracasso escolar, resultaram em efeitos desastrosos em todo o mundo (Lerner, Wertlieb & Jacobs, 2005). Assim, a chegada do século XXI foi marcada por um contexto de rápidas mudanças que estimularam o interesseconjunto de 44 pesquisadores, políticos e profissionais para a condução de pesquisas voltadas para questões sociais e para a aplicação e utilização dos resultados em direção ao progresso da sociedade. Foi somente na última década, que o foco científico no discurso coletivo orientado para a "falta" começou a ser paulatinamente substituído por uma mentalidade mais positiva, associada ao desenvolvimento de recursos do indivíduo e do ecossistema (Theokas et al., 2005). Conforme afirmou Bronfenbrenner (1979/1996), ainda na década de 1970, a colaboração mútua entre produtores e consumidores do conhecimento científico, entre teoria e prática, torna-se essencial para a legitimação da visão otimista do potencial para intervenções no curso de vida, e para o fortalecimento da ideia do desenvolvimento positivo (Lerner, Fisher & Weinberg, 2000). Do ponto de vista do desenvolvimento positivo do jovem, tem-se buscado ultrapassar uma visão negativa e deficitária que, no século XX, dominou os campos da ciência do desenvolvimento, da psicologia, da sociologia, da educação, entre outros. Esta nova perspectiva originou-se não só dos modelos dinâmicos do comportamento e desenvolvimento humanos, da compreensão da plasticidade e da importância das relações entre indivíduos e contextos ecológicos do mundo real; mas também, das intervenções feitas nas comunidades, por meio de programas dirigidos aos jovens com comportamentos de risco (Lerner, Phelps, Forman & Powers, 2009). 45 Embasada na concordância de cientistas, terapeutas e educadores, a visão positiva preconiza que tanto os jovens são fontes de recursos e forças internas a serem desenvolvidos, como todas as famílias, escolas e comunidades têm 'nutrientes' que, alinhados, podem promover o 'florescimento' saudável desses jovens (Benson, 2003; Lerner et al., 2009). Neste contexto, além dos recursos e das mudanças pertinentes aos jovens, é preciso, também, identificar os recursos de suas famílias, instituições e comunidades, com a finalidade de fortalecer conexões entre eles. Tais conexões dependem de um compromisso mútuo, no qual o jovem tanto pode exercer um papel pró-ativo no seu desenvolvimento como atuar em parceria com sua família e com a comunidade, da mesma maneira que a sociedade pode oferecer suporte ao desenvolvimento dos seus cidadãos (Lerner, Wertlieb & Jacobs, 2005). Logo, não se pode negligenciar os recursos provenientes de diferentes ambientes, já que eles exercem influência crescente e decisiva no período da adolescência (Theokas & Lerner, 2006). Entretanto, não são apenas as condições estabelecidas pelos contextos, mas o tempo que o jovem despende com adultos cuidadores e com pares, em atividades que reforçam valores associados à saúde e ao bem-estar comum, que asseguram seu sucesso escolar, e garantem o desenvolvimento de valores e comportamentos relativos à consciência social, liderança, solidariedade e valorização da diversidade (Benson, 2003; Roth & Brooks-Guhn, 2003; Theokas et al., 2005). 46 Assim sendo, a promoção do desenvolvimento positivo do jovem vai exigir, primeiramente, a identificação de seus recursos pessoais - talentos, energias e interesses construtivos - e, depois, a elaboração de programas específicos de estimulação desses talentos. De acordo com Lerner (2004), o sucesso desses programas depende de três fatores preponderantes: (a) uma relação positiva e sustentável com adultos; (b) atividades dirigidas ao desenvolvimento de suas habilidades; e (c) a participação do jovem em todas as decisões e vertentes do programa. Em geral, eles propõem ações efetivas com base, por exemplo, no desenvolvimento de características tais como os cinco "Cs" - caráter, cuidado, confiança, conexão e compaixão (Lerner, Almerigi, Theokas & Lerner, 2006; Lerner et al., 2000) - e em ideologias de compromisso moral, dever de cidadão e saúde do jovem e da sociedade (Lerner & Steinberg, 2004; Theokas et al., 2005). Não se pode negar, entretanto, o quanto, nos tempos atuais, os adolescentes se deparam com mais chances e com mais desafios do que os das gerações precedentes. Muitas vezes, diante dos desafios contemporâneos, a adesão a escolhas negativas e destrutivas acaba por comprometer seu desenvolvimento saudável. Porém, a promoção do desenvolvimento positivo não significa, apenas, a prevenção de comportamentos de risco; tampouco significa que manter o adolescente livre de problemas é certificar-se que ele esteja preparado ou engajado com seu próprio desenvolvimento e o desenvolvimento da sociedade (Benson, 2003; Theokas et al., 2005). É preciso que ele seja acompanhado e estimulado, além de reconhecido nas suas peculiaridades, estabilidades e mudanças sistemáticas, que ocorrem concomitantes às transições dos seus contextos. Neste movimento, emerge uma nova proposta de estudo, denominada a ciência aplicada do desenvolvimento, visando compartilhar conhecimentos científicos com a comunidade e propondo aprimoramentos nas chances de vida de crianças, adolescentes, famílias e comunidades, isto é, nas suas trajetórias no curso de vida (Lerner, Wertlieb & Jacobs, 2005). Por meio da descrição e explicação dos processos normativos e da ênfase nos aspectos saudáveis, esta ciência norteia intervenções no sentido de prevenir riscos e otimizar sucessos, 47 ao invés de remediar problemas, deficiências ou fraquezas dos indivíduos e dos contextos (Lerner et al., 2000). As ações propostas reforçam as diferenças interindividuais (diversidade de raça, etnia, classe social e gênero) e intraindividuais (como aquelas esperadas pelas transições da puberdade), bem como a centralidade do contexto e das relações bidirecionais entre os diferentes níveis ecológicos do desenvolvimento. Como a pesquisa em processos relacionais básicos de desenvolvimento e suas aplicações caminham na mesma direção (Lerner, Wertlieb & Jacobs, 2005), as teorias científicas da atualidade devem: (a) estudar o indivíduo e seus múltiplos contextos, de modo integrativo, relacional e temporal, como prescreve as teorias contextualistas e o próprio Bronfenbrenner (1979/1996); e (b) adotar seus conceitos em programas de educação e intervenção, e em políticas públicas dirigidas aos cidadãos. Nesse continuum entre a geração e a aplicação do conhecimento, atualmente, são propostas pesquisas que envolvam contextos naturais, ecologicamente válidos, e a avaliação de intervenções e programas, por meio da construção e do uso de delineamentos e instrumentos sensíveis ao desenvolvimento e aos contextos, tal qual apontado pelos teóricos, na segunda metade do século XX. A ênfase dada aos aspectos relacionais, à plasticidade e à diversidade, à metodologia longitudinal e à aplicação das teorias do desenvolvimento, que 48 foram cristalizados e integrados na segunda fase dos estudos científicos do desenvolvimento do adolescente, vem se expandindo gradualmente, tanto qualitativa como quantitativamente (Lerner & Steinberg, 2009). No âmbito internacional, pode-se observar um grande avanço nos trabalhos sobre a genética do comportamento que, em muito, tem ampliado a visão do desenvolvimento e contribuído para a compreensão da influência conjunta entre a biologia e o ambiente (Plomin, 2000), e entre os fatores biológicos e neuropsicológicos do desenvolvimento cerebral na adolescência (Dahl & Hariri, 2005). Nesses estudos, o desafio se traduz na integração de diversos conhecimentos a respeito de uma só pessoa (no caso, o adolescente), sobre as mudanças biológicas na puberdade, o desenvolvimento do cérebro, as influências genéticas, ritmos de sono, saúde física, transições sociais, influências religiosas, educacionais e culturais, típicas desta fase. Ultrapassar esse desafio conduzirá a uma compreensão melhor dos ajustamentos positivos na adolescência; ao reconhecimento dos aspectos ditosnormativos, necessários ao desenvolvimento; e a possibilidade de oferta de contextos de relações mais positivas, sustentadoras e contínuas, de proximidade e aceitação, que dão a tônica da adolescência saudável (Theokas et al., 2005). Considerando os jovens como empreendedores vitais para o futuro, tanto da ciência como da sociedade, Lerner e Overton (2008) reforçam a necessidade de compreendê-los melhor, fornecendo-lhes suporte e mais oportunidades de maximizarem suas chances de desenvolvimento saudável e positivo. Afinal, "eles representam, em qualquer ponto da história, aqueles que vão assumir a liderança nas famílias, comunidades e sociedades, e manter e trazer progressos à vida humana" (p. 252). 4.0 ADOLESCENTES E ADOLESCÊNCIAS O objetivo deste tópico é levantar questões sobre o adolescente e as adolescências vividas na atualidade. Não cabe aqui definir ou conceitualizar, mas inquietar, instigar reflexões em todos os interessados sobre essa fase cronológica do ciclo vital. O questionamento de tais conceituações parte da ideia 49 básica de que a adolescência deve estar mais relacionada a uma fase social e psicológica do ciclo vital do que propriamente vinculada e definida por idades numéricas. Os aspectos contextuais sobre o surgimento da adolescência na psicologia e a sua inserção nos estudos da psicologia do desenvolvimento, especialmente com temas polêmicos, como a precocidade do desenvolvimento biológico e da iniciação sexual, são desafios teórico- -práticos para psicólogos e outros profissionais que trabalham com adolescentes. 4.1 Quem são os adolescentes? O que é adolescência? O ciclo vital humano é composto por fases, como infância (período gestacional, primeira infância, segunda infância); adolescência (puberdade, adolescência média e final); adultez (jovem, maduro e final) e velhice. A adolescência tem sido definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um período biológico, psicológico e social compreendido entre os 10 e os 19 anos (World Health Organization [WHO], 2011). Esse critério cronológico também tem sido adotado pelo Ministério da Saúde do Brasil (Brasil, 2010a, 2010b) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1997). Já para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o período da adolescência 50 compreende dos 12 aos 18 anos (Brasil, 1990). Tais tentativas de definição apenas estabelecem parâmetros numéricos específicos, afinal, o ciclo vital do ser humano está em constante processo de mudança, independentemente da idade que a pessoa tenha. Isso fragiliza o estabelecimento de um limite desenvolvimental por ter como base apenas um parâmetro etário. No Brasil, a população adolescente tem cerca de 35 milhões de representantes (IBGE, 1997). No mundo, existe aproximadamente 1 bilhão de pessoas nessa faixa etária, representando mais ou menos 20% da população de todo o planeta (Nery, Mendonça, Gomes, Fernandes, & Oliveira, 2011). Por representar uma parcela volumosa da população e apresentar especificidades, a psicologia também tem se dedicado a aprimorar a qualidade dos conheci mentos e de trabalhos profissionais para o público adolescente. Inúmeras publicações têm sido produzidas para proporcionar à sociedade um saber mais técnico sobre a adolescência, fornecendo ferramentas para que os interessados possam lidar de modo mais eficaz com as questões relacionadas a esse período de suas vidas e aqueles com os quais se relacionam em seus contextos e histórias (ver, p. ex., Dell’Aglio e Koller [2011] e Libório e Koller [2009]). 51 As mudanças biológicas do período inicial da adolescência, denominado puberdade, são universais e visíveis, alterando características como altura, forma e desenvolvimento sexual, os quais levam os jovens para o que é esperado na idade adulta. No entanto, os critérios que definem essa etapa vão além do desenvolvimento físico visível e estão claramente relacionados a aspectos sociopsicológicos. Durante muito tempo, a psicologia descreveu a adolescência como um período de mudanças corporais desde a puberdade até a idade em que a pessoa alcançava a inserção social, profissional e econômica na sociedade adulta (Formigli, Costa, & Porto, 2000). São dois critérios distintos para definir o começo (biológico) e o final de uma fase da vida humana (social) e que, certamente, não se configuram universalmente. A conpreensão da adolescência não se restringe a esses aspectos e deve considerar as diferentes culturas. A adolescência, em primeira análise, apresenta-se vinculada à idade, à biologia, ao estado e à capacidade do corpo (Santos, 2005). Essas mudanças, entretanto, não transformam, por si sós, a pessoa em um adulto. São necessárias outras transformações para alcançar a maturidade (Berger & Thompson, 1997) – mudanças e adaptações que conduzem os indivíduos para a vida adulta (Araújo & Costa, 2009). Dessas mudanças, fazem parte as 52 alterações cognitivas, sociais e de perspectiva sobre a vida (Mar tins, Trindade, & Almeida, 2003; Santos, 2005). Mais recentemente, Arnett (2004, 2006) propôs o construto “adultez emergente”, como uma fase do desenvolvimento no final da adolescência caracterizada pela exploração da identidade, pela instabilidade, pelo autofocus, pela vivência do sentimento de “in-between” (“estar entre”) e pela percepção de inúmeras possibilidades. Durante muito tempo, a adolescência foi concebida como uma etapa natural do desenvolvimento, tendo um caráter universal e abstrato. Em uma síntese de estudos sobre a adolescência, Aguiar, Bock e Ozella (2002) reafirmaram a importância de diversas abordagens, ressaltando as mudanças históricas e as diferentes perspectivas em psicologia sobre a adolescência. Segundo os autores, desde o início do século passado, Stanley Hall, considerado o “pai” da psicologia da adolescência, já afirmava que essa etapa da vida dos seres humanos (descrita por eles como na faixa dos 12 aos 25 anos) era marcada por tormentos e conturbações. Tais inquietações estariam vinculadas à emergência da sexualidade. Segundo Sprinthall e Collins (2003), Stanley Hall considerou a adolescência como um novo nascimento, um período dramático marcado por fortes conflitos e tensões; ele propunha que a adolescência era um estágio no 53 qual cada pessoa experimentava todas as etapas anteriores de seu desenvolvimento pela segunda vez. Ou seja, adolescentes experimentariam de novo a infância, mas em um nível mais complexo. Diversos autores além de Hall, como Sprinthall e Collins (2003) e, no Brasil, Campos (1987) e Pfromm Neto (1976) fortaleceram a concepção de fase conturbada, descrevendo-a como universal para a sociedade ocidental. Essa foi uma perspectiva assimilada como natural pela sociedade e pelos meios de comunicação social e reafirmada pela Psicologia tradicional (Aguiar et al., 2002). Adolescência não foi só naturalizada, mas também percebida como uma fase difícil do desenvolvimento, algumas vezes sendo até mesmo definida como semipatológica e carregada de conflitos “naturais”, ou seja, um período de crise e desequilíbrio (Bock, 2007). Certamente, essa não deve ser uma descrição assumida sem questionamentos. Há adolescências e adolescências, e as conturbações, as tempestades e os tormentos não são e não devem ser regra geral para pessoas nessa faixa etária. A cultura tem aparecido como um “molde” da expressão de uma adolescência naturalizada pela pressão recebida no contexto de desenvolvimento atual ocidentalizado e globalizado. Os adolescentes têm sido cada vez mais definidos por suas características sociais e econômicas e menos 54 por sua aparência ou seu funcionamento físico e hormonal. Como apontou Bock (2007), as dificuldades, os desafios e o tempo para ingressar no mundo do trabalho submetem as pessoas a uma moratória, que estabelecenovos determinantes históricos para a adolescência e o questionamento de seu caráter universal, biológico e natural. Portanto, como cabe aos profissionais da psicologia e a todos aqueles que convivem com pessoas na chamada fase vital da adolescência, é necessário despojar-se da visão preconceituosa incrustada de que se trata de um período conturbado, crítico e violento. A psicologia precisa revisar essa perspectiva, pois ela pode representar riscos potenciais. Na verdade, esses riscos têm duas faces, ou seja, se a pessoa tem entre 10 e 25 anos e está atravessando algum desafio psicológico ou social, deve ser definida como adolescente e apenas encarada como tal. Em contrapartida, se a pessoa está nessa faixa etária e não apresenta nenhuma tempestade e tormenta em sua vida, não pode ser encarada como um ser em desenvolvimento na adolescência. Nenhum dos extremos apresentará consequências favoráveis para o acompanhamento, o atendimento ou a simples convivência com a pessoa em questão. Clímaco (1991) apresentou alguns riscos de se adotar tal visão de crise e seu consequente desequilíbrio. O primeiro seria rotular de patológicos aqueles adolescentes “não rebeldes” ou que não aparentem as dificuldades contidas no que alguns teóricos chamam de síndrome normal da adolescência (Aberastury & Knobel, 1992). O segundo risco seria o 55 fato de que, ao se considerar saudável uma pessoa que está apresentando comportamentos não habituais, apenas descrevendo-a como adolescente, é possível que problemas sérios não sejam reconhecidos como tal. Dessa forma, algumas alterações de comportamento que surjam nessa fase podem ser minimizadas. Para Aguiar e colaboradores (2002, p. 165), ao supor uma igualdade de oportunidades entre todos os adolescentes [...] a Psicologia que se encontra nos manuais de Psicologia do Desenvolvimento dissimula, oculta e legitima as desigualdades presentes nas relações sociais, situa a responsabilidade de suas ações no próprio jovem: se ideologiza [...]. É possível apontar também como um elemento importante de crítica o fato de a adolescência, para a psicologia, estar fundamentada em um único ícone, como apontou Santos (1996): “homem-branco-burguês-racional-ocidental”, europeu ou norte-americano. Os estudos, em grande parte, são feitos a partir desse modelo, sem buscar em outros grupos suas próprias idiossincrasias. Em uma análise das características de uma amostra nas revistas mais influentes em seis subdisciplinas de psicologia de 2003 a 2007, 96% dos participantes da pesquisa eram de países ocidentais industrializados, sendo 68% dos Estados 56 Unidos (Arnett, 2008). Isso significa que 96% dos participantes da pesquisa eram de países com apenas 12% da população do mundo. Ocidentais, educados, amostras industrializadas, ricos e democráticos, em que a maior parte das pesquisas psicológicas tem sido realizada, podem ser discrepantes com relação a uma série de características psicológicas quando comparadas com amostras diversas de todo o mundo, tornando potencialmente impreciso tirar conclusões universais sobre o comportamento, a motivação e outros aspectos do funcionamento psicológico com base em estudos que usam amostras limitadas (Henrich, Heine, & Norenzayan, 2010). Além de expandir a base de participantes para que seja mais representativa da população mundial, os profissionais que trabalham com adolescentes devem se tornar sensíveis ao valor de compreender novas questões de pesquisa que podem surgir a partir de diferentes origens culturais em todo o mundo. A psicologia, portanto, precisa avançar com posições e pesquisas críticas, subsidiando políticas adequadas para a adolescência. A conceituação da adolescência, como se observa, não é fácil. Há muito, diversos estudos são feitos sem que seja apresentada uma nova versão ou conceituação de adolescência capaz de superar a visão naturalizante. Adolescere é uma palavra latina que significa crescer, desenvolver-se, tornar-se jovem. O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Houaiss, 2000, p. 24), por exemplo, define que a palavra “adolescência” significa “[...] crescer até a maturidade, resultando em transformações de ordem social, psicológica e fisiológica [...]”. 57 As mudanças biológicas – como alteração da voz e da estatura, crescimento de pelos, seios, pênis e testículos, pomo-de- -adão, alargamento dos quadris, primeira ejaculação e início da menstruação (menarca) – ajudam a visualizar fisicamente o início da adolescência (puberdade). No entanto, delimitar o término dessa fase é uma tarefa difícil, sobretudo pela falta de marcadores físicos visíveis que identifiquem a passagem para a idade adulta e que possam abranger de maneira satisfatória a população dessa faixa etária. Dessa forma, a ciência que procura sempre dimensões críticas para fazer suas definições, procura meios de suprir a ausência de parâmetros globais, focando em aspectos sócio-psicológicos, como a forma de pensar e agir, e no desempenho dos papéis sociais, afetivos e econômicos. Obviamente, as transformações físicas, emocionais e sociais provocam mudanças importantes nas relações dos adolescentes com suas famílias, seus amigos e seus companheiros, bem como na maneira como eles próprios se percebem como seres humanos. 4.2 Ser adolescente ao longo da história da Psicologia A ideia de que a adolescência é uma fase qualitativamente diferente da infância e da idade adulta tem sua origem já na Antiguidade Greco-romana (Aguiar et al., 2002). A base sociopolítica dessa diferenciação só surgiu, no entanto, com a transformação das estruturas sociais nos fins do século XIX que permitiram que os adolescentes fossem retirados do mercado de trabalho para 58 frequentarem a escola e outras instituições educacionais. Com o tempo, a adolescência passou a representar, para a sociedade, o início do processo de distanciamento de comportamentos e privilégios típicos da infância, bem como a aquisição de características e competências que capacitem essas pessoas a assumirem os deveres e papéis sociais de adulto (Felício, 2010). Na contramão da indefinição conceitual, a adolescência tem sido definida ao longo da história da psicologia em termos de processos psicológicos e fisiológicos, principalmente pela dificuldade que há no emprego de outros elementos como parâmetros. Ao que parece, sempre houve consenso de que a adolescência começaria com as reações psicológicas da pessoa em desenvolvimento às suas mudanças físicas, que caracterizam a fase da puberdade, e se prolongaria até uma razoável resolução de sua identidade pessoal. Os processos de maturação sexual, formação de identidade de gênero, identidade sexual, entre outros, variam para cada pessoa e se expressam no contexto no qual o indivíduo se desenvolve. Portanto, essa constatação só reforça a dificuldade em estabelecer fronteiras psicológicas claras sobre o que é a adolescência (Campos, 2002). Adotando um enfoque mais sociocultural e menos biológico, Muuss (1969) afirmou que, sociologicamente, a adolescência seria o período de transição da 59 dependência infantil para a autossuficiência adulta. Esse período configura-se, do ponto de vista psicológico, uma “situação marginal”, na qual novos ajustes, que diferenciam o comportamento infantil do comportamento adulto em determinada sociedade, têm que ser realizados. Fisiologicamente, ocorreria no momento em que as funções reprodutivas amadurecem. No Brasil, Pfromm Neto (1976), em seu livro clássico Psicologia da adolescência, já criticava Stanley Hall sobre a tormenta da adolescência e adotava uma atitude menos extremista, se valendo menos de expressões carregadas de ideias negativas, como “idade de crises”, “fase inquieta e transtornada” e “idade ingrata”, para caracterizar de modo geral a adolescência na sociedade daquela
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