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Revista Brasileira de Orientação Profissional, 2006, 7 (1), pp. 45 - 55 45 RESUMO Discutem-se representações sociais enfocando a juventude rural num cursinho preparatório para vestibular, com base nos conceitos de ancoragem e objetivação de Moscovici. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semidiretivas e redações analisadas à luz da Teoria das Representações Sociais. Os resultados mostram a força do aspecto afetivo-cognitivo na expressão de algumas dessas representações percebidas como em formação. As representações sociais dos jovens rurais se formam diretamente ancoradas nas representações sociais da sociedade urbanizada e algumas apenas as repetem. Observaram-se contradições entre o universo consensual dos participantes e os estudos científicos sobre os temas propostos, o que não impediu intersecções entre eles. O exame vestibular nunca é representado como responsável pelo insucesso que é sempre explicado a partir das deficiências da escola pública. Considerando que estudantes do ensino médio particular também experimentam insucessos os resultados remetem à questão da Ideologia. Palavras-chaves: representações sociais; vestibulares; cursinho comunitário. ABSTRACT: Social Representations in Construction about University Entrance Exams by Students of a Rural Free Preparatory Course The study investigated the Social Representations by rural students from preparatory course university entrance exams, based on Moscovici’s concepts of anchorage and objectivation. The data were collected by means of semi-structured interviews and compositions, both analysed according to the Theory of Social Representations. The results highlighted the influence of the affective-cognitive factor in the expression of some of those representations, perceived by the authors as in process of construction. The representations of the young rural students were either directly anchored on the urbanized society’s social representations or only repeated them. Contradictions between the students’ social representations and scientific studies were observed, what did not prevent intersections between them. The type of university entrance examination was never represented as being responsible for the entrance failure, which was always attributed to public school deficiencies. Considering that students from private high schools also fail, the results address the ideological issue. Keywords: social representations; free preparatory course; university entrance exams. Representações Sociais em Formação Sobre os Vestibulares dos Estudantes de um Cursinho Comunitário na Zona Rural Dulce Consuelo Andreatta Whitaker Silvana Aparecida Onofre1 Universidade Estadual Paulista, Araraquara 1 Endereço para correspondência: Av. Espanha, 60, apto. 121, 14801-130, Araraquara, SP. Fone: (16) 3322 5764. E-mail: sil.onofre@uol.com.br Revista Brasileira de Orientação Profissional, 2006, 7 (1), pp. 45 - 55 46 Dulce Consuelo Andreatta Whitaker, Silvana Aparecida Onofre RESUMEN: Representaciones Sociales en Formación sobre los Cursos Preparatorios para el Examen de Ingreso de los Estudiantes de un Cursillo Comunitario en la Zona Rural Se discuten las representaciones sociales observando a la juventud rural en un cursillo preparatorio para examen de ingreso con base en los conceptos de fijación de Moscovici. Los datos se obtuvieron por medio de entrevistas semidirigidas y redacciones analizadas a la luz de la Teoría de las Representaciones Sociales. Los resultados muestran la fuerza del aspecto afectivo-cognitivo en la expresión de algunas de esas representaciones percibidas como en formación. Las representaciones sociales de los jóvenes rurales se forman directamente fijadas en las representaciones sociales de la sociedad urbana y algunas sólo las repiten. Se observaron contradicciones entre el universo consensual de los participantes y los estudios científicos sobre los temas propuestos, lo que no impidió intersecciones entre ellos. Al examen de ingreso nunca se lo presenta como responsable por el fracaso; a este último siempre se lo explica a partir de las deficiencias de la escuela pública. Considerando que estudiantes de la enseñanza media particular también sufren fracasos los resultados nos remiten a la cuestión de la ideología. Palabras claves: representaciones sociales; examen de ingreso; cursillo comunitario. Este texto discute representações sociais sobre o vestibular e sobre um cursinho comunitário instala- do na zona rural – representações essas expressas por diferentes agentes envolvidos no processo. Uti- liza-se aqui o referencial teórico de Moscovici (1978), o qual se mostrou um fértil recurso para com- preender principalmente como se formam represen- tações sobre um fato novo (neste caso o Cursinho Comunitário), ancoradas em representações sociais já “antigas” sobre o concurso vestibular e a escola pública de ensino médio no Brasil. Com efeito, os conceitos de ancoragem e obje- tivação foram recursos teóricos muito úteis para a compreensão dos fenômenos referentes a aspirações educacionais, auto-estima e sucesso/insucesso no vestibular que se nos apresentavam. Partimos de um ponto de vista sociológico – o jovem na perspectiva da Sociologia Rural1 e não cabe discutir aqui se foi a “nossa” Sociologia que se psicologizou ou se foi a Psicologia Social que se nos apresentou sociologi- zada. Vivemos uma época de derrubar barreiras en- tre as várias ciências e percebemos, ao desenvolver nossos estudos na zona rural que, sem o auxílio de uma teoria como a das representações sociais, fica- ríamos na macroestrutura das desigualdades sociais que se aprofundam na falsa dicotomia rural-urbano e não chegaríamos à compreensão adequada dos sujeitos. A Sociologia é, como a maior parte das ci- ências, urbanocêntrica e ao explicar o rural cai, mui- tas vezes, nas armadilhas do preconceito contra os habitantes do campo (Whitaker, 2002). Nesse sen- tido, a Teoria das Representações Sociais enriquece o método da compreensão, proposto por Max Weber como o mais adequado à Sociologia, mas que mui- tas vezes esbarra no formalismo do conceito de ação social. Com Moscovici, encontramos o caminho para essa compreensão dos fenômenos humanos. Ao en- fatizar que as representações estão presentes, tanto na cultura quanto nas mentes, Moscovici nos ajuda a buscá-las nos dois contextos, sem dicotomias. Consideramos ainda, ser importante para a Orienta- ção Profissional, em muitos casos, compreender esse fenômeno. O Tema e a Origem da nossa Abordagem Para Moscovici só vale a pena estudar uma re- presentação social se ela estiver relativamente espa- lhada dentro da cultura na qual a pesquisa se desenvolve (Farr, 2002). Moscovici superou o con- ceito de Representação Coletiva, do qual partira ao “voltar” a Durkheim (sociologizando a Psicologia Social) e avançou, ao criar o conceito de Represen- tação Social, mais adequado às sociedades contem- porâneas, que além de pluralistas, são dinâmicas, tanto no sentido da mudança quanto no da mobilidade social. Ora, no Brasil, o fenômeno “vestibulares” é um dos mais importantes rituais de passagem2 que mar- ca o fim da adolescência e introduz parte da juven- tude nos espaços privilegiados da universidade. Representações sociais importantes envolvem esse fenômeno – ou porque se tem certeza que o jovem vai passar por ele (classes privilegiadas) ou porque se aspira fortemente alcançá-lo (classes exploradas) Revista Brasileira de Orientação Profissional, 2006, 7 (1), pp. 45 - 55 Representações sociais em formação sobre os vestibulares 47 – o que nem sempre é possível. Mas o vestibular, enquanto instituição, impulsiona e participa de um vigoroso complexo cultural no qual se entrelaçam imagens sobre as melhores escolas, desvalorização da escola pública, orientação profissional e os fa- mosos cursinhos preparatórios que foram até há pouco tempoatrás, altamente elitizados e elitizantes, não só pelos preços das mensalidades, como tam- bém pela presença de professores carismáticos, ca- pazes de ministrar aulas-show, utilizando, por exemplo, o rap ou o hip hop para memorização das leis da Físico-Química. A partir do ano 2000, um dado novo se apresenta. Com a avalanche de pre- feituras conquistadas por partidos mais à esquerda no espectro político, ampliou-se uma Política Públi- ca que já existia em algumas capitais. Paralelamente àquele complexo cultural, sem integrá-lo, mas tan- genciando-o, alastraram-se os cursinhos comunitá- rios – nas periferias ou para as periferias, alguns com professores voluntários, outros com estudantes lecio- nando em troca de bolsas ou pagamentos simbóli- cos, preocupados em ajudar os jovens das camadas vulneráveis a superar as barreiras que o sistema es- colar lhes opõe. Alguns desses jovens professores, segundo nossas pesquisas, afirmam que querem aju- dar os jovens pobres a superarem essas barreiras, porque também passaram pelos mesmos problemas e sabem dos sacrifícios que fizeram. Mais especificamente, no município de Arara- quara, dois desses cursinhos foram instalados na zona rural, em diferentes assentamentos de Reforma Agrá- ria. Num primeiro deles, na Fazenda Bela Vista, es- távamos justamente pesquisando o tema Juventude Rural. Resolvemos então realizar, em 2002, um tra- balho voluntário de Orientação Profissional que re- sultaria em dados interessantes para observar como se situam esses jovens diante das barreiras do vesti- bular. A experiência – narrada em Whitaker e Ono- fre (2003) – desvendou um mundo rico de possibilidades e de aspirações que as políticas pú- blicas deveriam levar em conta. Nossa proposta é de que esses jovens precisam de uma orientação específica para o vestibular, já que desconhecem as práticas e as estratégias que deveriam utilizar para superar os obstáculos que se antepõem às suas as- pirações por educação superior. Nosso trabalho de orientação acabaria se transformando numa quase pesquisa-ação, e à medida que conversávamos com esses jovens, suas representações (ora sociais, ora individuais) iam aflorando e estão anotadas em nos- sos registros, dos quais constam também cinco re- dações reveladoras de notável competência lingüística, considerando as condições nas quais vi- vem. Morando em lotes de Reforma Agrária, todos eram obrigados a caminhar no “chão da noite” para chegar à escola, na sede da antiga fazenda, e após exaustiva ajuda aos pais no trabalho da roça, assistir aulas até às 23 horas. Nosso trabalho foi apresentado no VI Simpósio da ABOP (Associação Brasileira de Orientação Pro- fissional) em 2003, e debatido com Psicólogos e Psi- copedagogos. Mas isso não nos era ainda suficiente. Tínhamos que compreender melhor o desalento que afasta esses jovens da universidade pública e as pres- sões sociais que os levam a prestar vestibular em uni- versidades particulares que – sabem de antemão – não vão poder cursar. Parecem ignorar que a Univer- sidade Pública, embora mais difícil de alcançar , ofe- rece cursos de baixa procura (Whitaker e Fiamengue, 1999, 2003) e que se insistirem em replicar os exa- mes ano após ano, como fazem os jovens das cama- das mais elevadas que cursam Medicina3, por exemplo, poderão realizar parte de suas aspirações. Nossa primeira evidência foi de que suas repre- sentações sociais negativas em relação à escola pú- blica de Ensino Médio encontravam ancoragem em preconceitos que a sociedade desenvolve, e a mídia se encarrega de magnificar. Para estes preconceitos, a passagem pela escola pública seria empecilho à aprovação no vestibular da Universidade Pública. Esquecendo-se todos de que estudantes egressos do ensino médio particular também são barrados nesses vestibulares e acabam indo para o sistema particular de ensino superior, cujas mensalidades podem pagar. Ou seja, se o jovem cursou a escola pública e fracassa no vestibular, a culpa é da escola e de seus professores “despreparados”. Mas quan- do o jovem cursou a escola particular do ensino médio, atribui-se a ele a culpa do fracasso, isentan- do-se a escola particular de responsabilidade. É as- sim que funciona a ideologia. Mas não estávamos preocupadas em estudar o processo ideológico que Revista Brasileira de Orientação Profissional, 2006, 7 (1), pp. 45 - 55 48 Dulce Consuelo Andreatta Whitaker, Silvana Aparecida Onofre encobre as verdadeiras funções do vestibular. Esse já é velho conhecido (Whitaker, 1985) e não explica tudo. Resolvemos estudar a formação das represen- tações sociais que acompanhavam o desenvolvimento desses novos cursinhos, já que podíamos contar com jovens que pela primeira vez eram convidados a uma prática há mais de 50 anos oferecida neste país ape- nas aos bem situados socialmente. Pressupostos Teórico-Metodológicos O embasamento teórico desta interpretação dos fenômenos está presente ao longo do texto, mas en- tendemos que devemos aprofundá-lo neste momen- to, preparando o leitor para o encontro com os conceitos no decorrer da leitura. Para Wolfgang Wagner o conceito de representações sociais é mul- tifacetado (Wagner, 1999). É por isso, um conceito extremamente aberto, dando margem a interpreta- ções nem sempre compatíveis entre si. No entanto, quando vamos a Moscovici (2004) compreendemos essa contraditoriedade, já que percebemos o pro- cesso histórico através dos qual se forma e se apre- senta esse fenômeno. Moscovici elaborou teoria de grande comple- xidade, que nos permite analisar as representações sociais ocorrendo na dinâmica histórica dos dife- rentes grupos, como um processo de comunicação através do qual são construídos e elaborados signifi- cados que – em forma icônica, simbólica, imagina- tiva – dão sentido às interações entre os indivíduos e entre os grupos, conferindo ordem à vida social e orientando os indivíduos para atuarem em relação ao mundo material e à esfera dos valores (Mosco- vici, 1978). Para Moscovici as representações sociais não são apenas coletivas “elas formam estruturas indivi- duais de conhecimentos e afetos que justificam, in- formam, orientam os membros de um grupo”. (Moscovici, 2004, p. 54). Assim, podemos dizer que elas facilitam a comunicação e ao mesmo tempo bro- tam das conversações do cotidiano, em cada grupo social. Registrar a conversação seria, para esse teóri- co, a melhor estratégia para investigar a representa- ções sociais (Moscovici, 2004). Boa parte dos autores que se aprofundam no estudo da sua teoria apontam o fato de que Mosco- vici não se preocupou em definir de maneira formal o conceito de representação social, o que foi lem- brado entre outros, por Oliveira e Werba (1998). Com efeito, a proposta de Moscovici (2004, p. 45) é que se deve considerar as representações sociais como fenômenos (analisando-as) e não simplesmente como um conceito a ser aplicado sem preocupação com a sua complexidade. As investigações sobre as representações sociais confirmam suas importantes funções “algumas, cognitivas, já que estabelecem li- gações entre o senso comum e a esfera científica”, conforme observamos também nesta pesquisa. Afi- nal, a ciência do tipo que praticamos tem raízes na própria sociedade e sofre processos de divulgação, que facilitam assimilação pelo homem comum. Para Moscovici, nessa função cognitiva, as representa- ções sociais vão “ancorando significados, estabili- zando ou desestabilizando as situações evocadas”, enquanto na sua função social, elas vão “mantendo e criando identidades e equilíbrios coletivos”. Assim, as representações sociais observadas entre diferentes agentes envolvidos foram trabalha- das à luz dos conceitos de: ancoragem e objetiva- ção; universo científico x universo consensual. Com o conceito de ancoragem, procuramos compreen- der representações em formação e percebê-las em processo de assimilaçãoaos conteúdos cognitivo- emocionais pré-existentes. E com o conceito de ob- jetivação registramos o fortalecimento da representação, à medida que referências abstratas iam se transformando em “algo tangível” (Sawaia, 1993). Os dois conceitos nos remetem à ideologia. Mas é preciso primeiro adiantar o uso que faremos dos conceitos de científico x consensual. Não faltam estudos científicos sobre vestibula- res e acesso à universidade no Brasil. Tornou-se então imperioso para nós, confrontarmos o que se desvela na esfera científica sobre esse tema e a forma como os diferentes agentes pensam (consensualmente) so- bre os seus problemas, diante dessa formidável bar- reira do sistema educacional, e sobre os outros “fatos sociais”, como diria o velho Durkheim, que partici- pam do complexo cultural em questão. Metodologia A coleta de dados para apreender as represen- tações sociais foi feita a partir de entrevistas semidi- retivas, durante as quais procuramos obter Revista Brasileira de Orientação Profissional, 2006, 7 (1), pp. 45 - 55 Representações sociais em formação sobre os vestibulares 49 depoimentos expressando opiniões dos agentes so- bre: vestibulares e a necessidade dos cursinhos para o acesso à universidade; probabilidade de acesso à universidade pública e/ou à particular; possibilida- des para estudantes da zona rural em contraposição aos da urbana no que se refere a esse acesso; opi- niões sobre o cursinho da zona rural que freqüenta- ram; explicações para o sucesso/insucesso que alcançaram; aspirações e escolha do curso superior desejado. Estes foram, portanto, os temas previa- mente definidos. Os dois últimos temas foram abordados só em relação aos estudantes, já que entrevistamos tam- bém o ex-coordenador dos cursinhos comunitários e a ex-Secretária da Educação. Este material permi- te observar como as representações sociais realmen- te “implicam num intercâmbio entre intersubjetividade e o coletivo na construção do saber que não se dá apenas como processo cognitivo, mas que contém aspectos emocionais e afetivos...” (Lane, 1993). Para enriquecer nossas fontes contamos com as cinco redações extremamente bem elaboradas pe- los estudantes que investigamos, as quais fornece- ram elementos afetivos interessantes para pensar as aspirações e a maneira como são representadas. Conforme se pode observar, a metodologia foi ba- seada em técnicas de pesquisa qualitativa (entrevis- tas semi-diretivas e coleta de redações) com os temas previamente definidos propostos no roteiro das en- trevistas. Este, embora flexível, foi planejado de for- ma a apresentar questões que levantassem os referidos temas. Foram entrevistados nove estudan- tes que freqüentaram, em 2002 e 2003, o cursinho comunitário da zona rural, alvo da pesquisa. Foram entrevistados ainda o ex-coordenador e a ex-Se- cretária da Educação, durante cuja gestão foram im- plantados estes cursinhos. As idades dos estudantes variavam entre 18 e 23 anos – sendo o grupo composto de quatro jo- vens do sexo masculino e cinco do sexo feminino, mas há que ressaltar a presença, no cursinho, do pai de um dos estudantes, que contava à época 39 anos e se dispôs a participar das entrevistas. Elevou-se então para dez o número de participantes, um nú- mero bastante adequado ao tipo de análise propos- to pela pesquisa. Mas apenas cinco nos forneceram redações, abordando temas relativos à infância e às aspirações por escolarização em nível superior. A cuidadosa análise de conteúdo desse material nos forneceu dados que permitiram desvelar as re- presentações por nós elencadas neste artigo. Impor- tante ressaltar que nem todos os depoimentos contemplaram todos os temas propostos pelo nosso roteiro de entrevista. Já que as representações so- ciais contém aspectos emocionais e afetivos, opta- mos por deixar o entrevistado à vontade para que pudesse expressar suas “teorias” justificadoras ou explicatórias, sem inibições ou coerções que desvir- tuassem suas opiniões ou que os forçassem a falar sobre temas que evitavam. Para tanto, utilizamos a entrevista semidiretiva (Thiollent, 1980). ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DO MATERIAL OBTIDO a) Representações sociais sobre o vestibular e a necessidade de freqüentar cursinhos para obter sucesso O vestibular não aparece, ou melhor, não é posto em julgamento pelos diferentes agentes em nenhum momento das entrevistas realizadas. Devemos pen- sar que isto significa uma representação positiva? Evidentemente não: em primeiro lugar porque ela não foi enunciada e em segundo lugar porque esse con- curso está de tal maneira “naturalizado” pelo seu quase um século de existência que já não ocorre, às pessoas comuns, avaliarem sua necessidade/desne- cessidade. É óbvio que se tivéssemos forçado, as representações teriam ao menos se esboçado. Mas nossa opção metodológica foi de “colher” apenas o espontâneo. Quanto à necessidade de freqüentar cursinhos, ela aparece com unanimidade no discurso de todos. O cursinho é representado positivamente e como se fosse um degrau inserido no sistema escolar. A nin- guém ocorreu lembrar que o cursinho não faz parte do sistema e significa uma estratégia para-escolar para ajudar a tornar o estudante mais competitivo no momento da seleção. Sendo assim, o ex-coor- denador dos cursinhos se orgulha de ter sido o autor do projeto que o prefeito encampou (logo após elei- to) enquanto a Secretária da Educação esclarece que Revista Brasileira de Orientação Profissional, 2006, 7 (1), pp. 45 - 55 50 Dulce Consuelo Andreatta Whitaker, Silvana Aparecida Onofre foi uma promessa de campanha e os estudantes se regozijam por terem oportunidade de freqüentar um cursinho pelo qual não precisam pagar. O consenso é geral sobre os seus benefícios, o que leva partidos a transformarem projetos dessa ordem em promes- sas de campanha (esfera consensual). Enquanto no plano científico, os pedagogos, psicólogos e sociólogos da educação apontam o caráter antipedagógico das práticas dos cursinhos (esfera científica) e consideram-no sintoma grave da falta de eficiência do sistema escolar, as representa- ções sociais são unânimes: oferecer cursinho gratui- tos às camadas pobres é democratizar uma prática elitista que “garante o acesso” (assim se acredita). Mas cuidado! As esferas do consensual e do cientí- fico não estão tão distantes umas das outras. É nes- sa mesma esfera da pesquisa que vamos encontrar a descoberta de um “efeito cursinho”, afetando resul- tados dos vestibulares, tanto para os jovens privile- giados que gozaram das benesses da escolaridade bem paga, quanto para os jovens pobres que passa- ram pelo ensino médio da escola pública4. Assim sendo, as representações sociais sobre os benefícios do cursinho encontram sua intersecção na esfera científica e não raro um dos pesquisadores dessa esfera acaba indo trabalhar na coordenação de cursi- nhos. Afinal, se o cursinho é útil aos bem situados, seria antidemocrático continuar privando dele os mais necessitados [de reforço escolar]. b) Probabilidade de acesso à universidade públi- ca ou particular No âmbito das representações sociais em for- mação, os jovens entrevistados acreditam ser mais fácil entrar na universidade particular. O coordena- dor e a ex-secretária pensam da mesma forma, o que está corroborado pelos dados da procura (rela- ção candidato/vaga). Ou seja, os estudantes entram em processo de desalento diante desse quadro es- tatístico adverso; é óbvio que haja mais procura por um “serviço” que além de gratuito é melhor. Assim, estão formando suas representações sobre o aces- so, “ancorados” nas opiniões dos técnicos e na mí- dia e muitos nem prestam vestibular na universidade pública porque a consideram inacessível. A ancora- gem aqui é clara. Vejamos agora o que nos diz a pesquisa científi- ca. Na verdade é muito difícil entrar na universidadepública, para os cursos de prestígio (relação candida- to/vaga muito alta) que são em geral elitizados5. Mas há licenciaturas e cursos noturnos de baixo prestígio (medido pela relação candidato/vaga) que não seriam tão inacessíveis. Nesse mesmo assentamento – onde está o cursinho pesquisado – temos dois casos de jovens que fizeram o curso de Pedagogia Noturno da UNESP em Araraquara e hoje trabalham nas escolas do assentamento, o que aconteceu bem antes da ins- talação dos cursinhos comunitários. A pesquisa científica mostra que toda dicotomia é simplificadora. É difícil passar em qualquer vesti- bular de medicina, seja público ou privado. Ou seja, para cursos de prestígio o acesso é difícil em qual- quer universidade enquanto para cursos de baixa procura ele será mais fácil em qualquer universi- dade. Para a pesquisa científica há complexidade e heterogeneidade entre os cursos (Whitaker & Fia- mengue, 2003). Se considerarmos que os relatórios sobre vesti- bulares que a ciência divulga cheios de dados quan- titativos não constituem ciência, mas apenas aquilo que Bourdieu chama de “doxa” (Bourdieu, 2001) então aqui não há intersecção entre o universo do consensual e o universo científico. Não há lugar nas representações sociais e na mídia para dados cientí- ficos que desvelam as possibilidades democratizan- tes da universidade pública. A idéia das universidades públicas como reduto das elites é uma Representa- ção Social tão forte, que acaba se objetivando mes- mo para aqueles estudantes pobres – e não são poucos – que a partir de cursos universitários de ciência básica seguem a carreira acadêmica e aca- bam se tornando cientistas e/ou intelectuais. Mesmo ganhando pouco e participando de greves como qualquer outro segmento da classe trabalhadora, to- dos continuam achando que fazem parte da elite do país, tal a força de certas representações sociais! (Fiamengue, 2002). c) Possibilidades dos estudantes da zona rural em contraposição aos da urbana no que se refere ao acesso ao ensino superior As dificuldades dos estudantes da zona rural são evocadas pelo coordenador e tocadas levemente pela Revista Brasileira de Orientação Profissional, 2006, 7 (1), pp. 45 - 55 Representações sociais em formação sobre os vestibulares 51 ex-secretária, que as relativiza. Os estudantes evi- tam o tema, mas deixam escapar as dificuldades que enfrentam. Somente o coordenador diz com todas as letras que estudantes da cidade – mesmo os das periferias mais problemáticas – têm mais chances (possibilidades portanto) de se classificar num vesti- bular. As pessoas não precisam falar muito: a repre- sentação social aqui já está objetivada – é quase tangível. É que encontra sua ancoragem ideal – o preconceito contra o rural que atravessa toda a so- ciedade (Martins, 1974; Whitaker, 2002). Mas consultemos o universo científico. Todos os críticos da universidade apontam apenas seu ca- ráter urbanocentrado e os sociólogos, inspirados em Bourdieu, sabem que o Capital Cultural essencial ao sucesso escolar é urbano (Todorov, 1977; Whitaker, 1981; Oliveira, 1976). Estudos recentes desvelam a ruralidade como obstáculo ao sucesso no vestibular (Whitaker & Fiamengue, 1999; 2003). No entanto, há outros obstáculos: a classe social / a etnia / os espaços periferizados das metrópoles (Oliveira, 1976; Whitaker, 1981) quase nunca mencionados. Assim, as representações sociais sobre suas possi- bilidades, embora por “linhas tortas”, digamos as- sim, encontram respaldo no universo científico que denuncia os preconceitos, mas ainda não possui ins- trumentos para corrigi-los. No entanto, estamos diante de outra dicotomia simplificadora. Os espaços humanos não se dividem somente em rural e urbano, que aliás, segundo Mar- tins (1974) já foram unificados pelo capital. As cida- des, por exemplo, são formadas de bairros, com diferentes funções e diferentes formas de morar, e as periferias estão entre as zonas mais desamparadas pelo poder público. Mas no caso de Araraquara, foi da periferia mais distante e mal vista da cidade, na qual a prefeitura nem queria instalar o cursinho, que saiu o caso mais expressivo de sucesso no vestibular, entre os estu- dantes dos cursinhos comunitários, segundo nos in- formou o ex-coordenador dos cursinhos. d) Qualidade do ensino médio público x particular As representações sobre a escola pública fun- damental e de ensino médio acompanham as re- presentações que foram construídas nas últimas décadas e que a mídia, principalmente a escrita, não se cansa de divulgar. Tais representações, em for- mação entre os estudantes, ancoram diretamente numa representação que “durkheimeanamente” po- deríamos até chamar de coletiva. O discurso sobre a decadência da escola pública é constante no país há mais de três décadas. O ex-coordenador dos cur- sinhos declara que é quase impossível a esses jo- vens entrarem numa universidade pública porque cursaram essa escola pública em decadência (na mesma entrevista em que nos conta o sucesso da aluna da periferia que cursou escola pública e foi aprovada no vestibular da UNESP). Mas “se es- quece” desse dado e afirma a impossibilidade de um aluno de escola pública ter sucesso num vestibular da Universidade Pública). A objetivação da má fama da escola pública é inegável e encontra respaldo em pesquisas científicas que há mais de 40 anos têm acompanhado as “grandezas e misérias do ensino brasileiro” (Werebe, 1968) e sabem que ela vem de longa data. No entanto, sabem também os pesqui- sadores que a escola particular não é assim tão dife- rente, a não ser pela classe social dos alunos. Estes porém, também necessitam do “efeito cursinho”. Pes- quisas com dados dos vestibulares da UNESP apre- sentam resultados que desmistificam essa absoluta melhor qualidade do sistema particular de ensino, já que: 1) há cursos, na UNESP, nos quais a maioria dos classificados tiveram toda sua escolaridade no siste- ma público de ensino (são em geral cursos de pouco prestígio, mas nos cursos de alto prestígio também encontramos contingentes expressivos desse tipo de estudante) (Whitaker & Fiamengue, 2003); 2) estudantes aprovados nos vestibulares de alto prestígio como Medicina e Direito, em sua maioria, são aqueles que prestam vestibular pela segunda e/ ou terceira vez. O efeito cursinho é claro (Whitaker & Fiamengue, 1999). Ora, se essa escola particular é assim tão mais eficiente do que a pública, por que não põe imediata- mente seus egressos na universidade pública? Mais uma dicotomia abalada pelas pesquisas científicas quando tomam os fenômenos em sua complexidade. e) Opinião sobre o cursinho da zona rural que frequentaram Revista Brasileira de Orientação Profissional, 2006, 7 (1), pp. 45 - 55 52 Dulce Consuelo Andreatta Whitaker, Silvana Aparecida Onofre Neste momento as emoções positivas afloram. A gratidão que sentem por ter tido acesso a essa prática escolar elitizada é imensa. As representações em formação são ainda vacilantes mas amparam-se umas nas outras e seus agentes uns nos outros. Em- bora entrevistado num momento quente6, o ex-co- ordenador faz boas referências ao cursinho e a ex-secretária evita entrar nesse mérito. Para os alu- nos, o cursinho é maravilhoso, os professores são todos ótimos e as condições do prédio em que fun- cionou são as melhores possíveis. A ancoragem dessas representações ainda não está clara, mas os dados sugerem que o afeto e va- lor simbólico da assistência que tiveram é fundamental na formação dessas representações, ainda não ob- jetivadas (hesitações no discurso são sintomas des- sa não objetivação). Por outro lado, colhemos alguns desses depoimentos quando se anunciava a extin- ção dos cursinhos da zona rural e todos estavam pesarosos com essa perda. Os políticos ainda não se deram conta do caráter simbólico do espaço es- colar (ou são insensíveis a isso?).Toda vez que se extingue um curso ou se fecha uma escola, os envol- vidos sofrem emoções ligadas às perdas. E isso não é por acaso. Por menos que se goste de estudar e por mais que os sociólogos proclamem o caráter reprodutivista da educação escolar, o espaço no qual professores se encontram com seus alunos para par- tilhar a busca do conhecimento se reveste de emo- ções contraditórias, porém positivas: afeto, críticas, esperança e expectativas para o futuro, aspirações, modelos a serem seguidos. Quem teria coragem de apontar defeitos no espaço de uma experiência co- munitária tão cheia de afeto? Um dos entrevistados, quando lhe perguntamos porque falhara em seu vesti- bular, disse que o cursinho era ótimo e os professores também. Os livros não eram atualizados e neles colo- cava a culpa do seu insucesso. Os “livros” são as apos- tilas, fornecidas à Prefeitura por uma das maiores e melhores editoras de didáticos e paradidáticos do país. O jovem procurou jogar a culpa no elemento mais distante de seus afetos e gratidões. Com essa repre- sentação, aliás bem individual, compõe certa raciona- lização com a qual se ajusta à situação de reprovado: não é sua a culpa por ter sido reprovado, mas tam- bém não é dos professores ou do cursinho. “Os ‘li- vros’ é que não estavam atualizados”. f) Explicações para o sucesso/insucesso que al- cançaram As representações sobre o insucesso já estão delineadas pelos outros temas. A culpa é da má es- cola pública nos níveis anteriores à Universidade. Estas representações ocorrem para todos os agen- tes entrevistados e como vimos anteriormente têm muito de verdadeiro. Há uma ancoragem clara entre o que a sociedade considera a decadência da escola pública e as justificativas do insucesso no vestibular. Como a maioria não consegue aprovação em vesti- bulares da Universidade pública (à exceção dos pou- cos casos apontados) a representação social se objetiva. E embora possa lhes diminuir a auto-esti- ma, contribui para ajustá-los às condições adversas que enfrentam. “Afinal a culpa não é minha. Com esse tipo de ensino médio, nem o cursinho nos pode salvar”. g) Aspirações e escolha Este é o ponto mais difícil de avaliar em termos de Representação Social. E não só porque aspira- ção e escolha da carreira são fenômenos bastante subjetivos embora multideterminados, mas também porque, segundo Bourdieu (1966), as aspirações subjetivas dos indivíduos esbarram e se complicam diante das condições objetivas que enfrentam. Ora, os jovens entrevistados têm pouquíssima informa- ção sobre os espaços acadêmicos: questão de Ca- pital Cultural, o que nos leva novamente a Bourdieu (1966). É difícil saber se quando anunciam as suas aspirações ou escolhas estão realmente elaborando representações sociais ou estão apenas atirando no escuro, influenciados pela mídia ou pelo professor mais admirado. Façamos um pequeno balanço do que decla- ram, para ver se tiramos algumas constantes do dis- curso sobre as escolhas. Bem, uma constante no depoimento desses jo- vens é o amor à natureza. Todos, sem exceção, gos- tam de morar no assentamento e preferem uma profissão que lhes permita trabalhar em locais aber- tos. Alguns chegaram a afirmar que não gostavam de trabalhar em lugares fechados e que o ideal, se tiverem que trabalhar na cidade, seria continuar mo- rando no assentamento. No entanto, quando expli- Revista Brasileira de Orientação Profissional, 2006, 7 (1), pp. 45 - 55 Representações sociais em formação sobre os vestibulares 53 citam suas escolhas, surge o paradoxo. Com exce- ção de um rapaz que joga futebol e quer fazer Educa- ção Física, temos as seguintes escolhas: Odontologia – profissão exercida em salas fechadas; Fisioterapia – que prepara para clínicas e consultórios (fecha- dos portanto); Pedagogia – que prepara para tarefas burocráticas do ensino7; Medicina – e o entrevistado se imagina dentro de um hospital cuidando de doen- tes; Engenharia Aeronáutica – escolha de um jovem que faz poesias e deseja ser piloto. Quando explica- mos que ser piloto e ser engenheiro aeronáutico são coisas diferentes, fica embaraçado. Dizemos também que para um poeta talvez não seja satisfatório lidar com máquinas. Mas resolve a contradição afirmando que “poderá trabalhar rodeado de gente”. O mais dramático, no entanto, é o caso de um estudante que já está na Universidade particular, cur- sando Matemática porque foi o curso que conseguiu aderindo ao programa Família-Escola. Como os bom- beiros, com os quais estagiara, também carregam a Representação Social que o desqualifica para o vesti- bular da Universidade pública, foi em busca desse caminho. O problema é que aspirava ao curso de Agronomia ou ao de Administração [porque fez o téc- nico de Contabilidade e tem facilidade para lidar com papéis e documentos]. Mas suas aspirações subjeti- vas naufragaram diante das condições objetivas e das representações sociais sobre suas capacidades. Em termos de representações sociais o que nos dizem essas escolhas tão individuais? Elas nos dizem exatamente que as representações sociais sobre os cursos universitários atravessam todas as classes sociais, e objetivadas, se instauram facilmente mes- mo entre aqueles que desconhecem o espaço aca- dêmico. Desconhecem o espaço acadêmico mas conhecem o prestígio das profissões. Medicina e Engenharia não estão entre as estrelas das carrei- ras? Fisioterapia não é carreira em alta? Administra- ção não é o sonho da burguesia? Odontologia não é a “última” das profissões liberais? CONSIDERAÇÕES FINAIS Tratamos as representações sociais que garim- pamos no universo das nossas pesquisas com gran- de respeito. E principalmente, quando revestidas de muito afeto e emoções positivas, foram por nós va- lorizadas e em alguns momentos chegamos também a nos emocionar com elas. Entendemos que quando os sujeitos se ajustam às suas condições objetivas apoiados em representações sociais, em nenhum momento devemos discuti-las. No entanto, a pes- quisa científica existe para benefício dos seres hu- manos. Ou pelo menos assim deveria ser. Nosso próximo passo será desmistificar, para esses jovens, apenas aquelas representações que os impedem de ir em busca do sonho. Essas fazem parte do proces- so ideológico que justifica barreiras sociais como por exemplo, o exame vestibular. A ideologia ficará en- tão desfetichizada como diria Sawaia (1993). Ao invés da “fantasmagoria” que brota das estruturas materiais, envolvendo sujeitos passivos que apenas as reproduzem sem crítica (como quer o “marxismo vulgarizado”) a ideologia é o resultado das repre- sentações e ações contraditórias dos sujeitos, os quais, ao mesmo tempo que a confirmam, a ela re- sistem, lutando com suas parcas armas, pelo sonho e/ou por suas aspirações. Acreditamos que conhecer as representações sociais sobre o “complexo vestibulares”, o qual conforme sugerimos envolve entrelaçamento entre várias instâncias (ensino público x privado, escolha, orientação, efeito cursinho, etc.) pode contribuir para o trabalho do Orientador Profissional, em qualquer circunstância, mas especialmente quando lidando com jovens das camadas vulneráveis. A Orientação Ocupacional é hoje um campo atra- vessado por mudanças profundas. E o debate sobre a direção que devem tomar estas mudanças é tema hoje de congressos e de importantes publicações8. Segundo Rascovan (2004) La tarea específica em Orientación Voca- cional, debería tender a facilitar la cons- trucción de recorridos abiertos al cambio. Propiciar uma construcción subjetiva que no se amolde estrictamente a las estructuras de títulos y carreras sino que se organice dina- micamente como uma subjetividade dispu- esta a enfrentar problemas. (p.8). Ora, para propiciar “a construção de uma sub- jetividade que não se amolde às estruturas” é preci- Revista Brasileira de Orientação Profissional, 2006,7 (1), pp. 45 - 55 54 Dulce Consuelo Andreatta Whitaker, Silvana Aparecida Onofre so criar condições através das quais o jogo entre as representações coletivas e as individuais possa ser “aberto” à compreensão crítica. Escapar às ar- madilhas sócio-históricas (Whitaker, 1985) que as- sombram os seres humanos em busca de realização pessoal torna-se mais fácil quando esse jogo é des- velado. Trabalhar com representações sociais pode acrescentar complexidade às tarefas de orientador. Mas certamente pode torná-las ainda mais fasci- nantes. REFERÊNCIAS Alunos de baixa renda crescem 70% na Unicamp. (2004, 06 de junho). Folha de S.Paulo, Folha Campinas, 4. Bourdieu, P. (1966). L’école conservatrice: les inegalités devant l’école et devant la culture. Revue Française du Sociologie, 7 (3). Bourdieu, P. (2001). Meditações pascalinas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Crivelaro Bezzon, L. (1995). Análise do perfil sócio-econômico cultural ingressantes na UNICAMP (1987- 1994): Democratização ou elitização? Dissertação de Mestrado não-publicada. Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Campinas, SP. Farr, R. M. (2002). As raízes da psicologia social moderna. Petrópolis-RJ: Vozes. Fiamengue, E. C. (2002). Mas afinal, que elite é essa? Elitização e deselitização nos vestibulares da UNESP. Tese de Doutorado não-publicada. Curso de Pós-graduação em Sociologia, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP. Lane, S. T. M. (1993). 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É pesquisadora do CNPq e professora vinculada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Unesp (Araraquara – SP). Autora de diversos livros. Silvana Aparecida Onofre é socióloga, estudante de Psicologia e bolsista do CNPq junto ao NUPE- DOR – Núcleo de Pesquisa e Documentação Rural – Unesp (Araraquara – SP). Desenvolveu estudos sobre consórcios de meio ambiente no interior do Estado de São Paulo pelo CEPAM. Recebimento: 20/12/05 1ª Revisão: 12/03/06 Aceite final: 08/05/06 Notas 1 Juventude rural é hoje tema de ponta na Sociologia. Os sociólogos em geral estudaram muito os problemas da juventude nas cidades, preocupados, ora com o acesso à universidade e à profissionalização ora com a delinqüência e outros desvios. O jovem rural permanecia “escondido” dentro dos problemas gerais do campo. A esse respeito ver Whitaker (2002). 2 Para a abordagem do vestibular como ritual de passagem ver Whitaker, 1985. 3 Whitaker e Fiamengue, estudando os vestibulares da UNESP, encontraram nos dados dos classificados e matriculados, que as maiores porcentagens de aprovados para os cursos de prestígio são para candidatos que estão concorrendo pela segunda e/ou terceira vez (Whitaker & Fiamengue, 1999). 4 Whitaker criou a expressão “efeito cursinho” ao constatar o fenômeno em pesquisas realizadas em 1988. Sobre o “efeito cursinho” ver Whitaker, 1989 e Whitaker e Fiamengue, 1999. Também Miranda dos Santos observou o fenômeno em sua dissertação de Mestrado (Miranda dos Santos, 1996). 5 Há uma diferença entre prestígio e elitização – dois processos que em geral coincidem. O prestígio se mede pela relação candidato/vaga e a elitização pelos indicadores de classe social e capital social dos matriculados. Ver Crivelaro Bezzon, 1996. 6 O ex-coordenador perdera seu cargo a partir dos acordos políticos para a reeleição do prefeito e estava revoltado com a notícia do fechamento dos cursinhos da zona rural. Para as características de um momento quente ver Thiollent, 1980. 7 A lei 9394/96 criou outros caminhos para formar professores, profissão que pode gerar belo trabalho aberto na zona rural. O Curso Normal Superior, criado por essa LDB, ainda não esta consolidado e a idéia de que o Curso de Pedagogia passou a formar pesquisadores e Administradores também continua em polêmica. Diríamos que são informações ainda não objetivadas como representação social. 8 Veja-se, por exemplo, como Melo-Silva, Lassance e Penna Soares situam as “tendências de evolução e necessidades” do contexto educacional no que se refere ao campo da Orientação (Melo-Silva; Lassance; Penna-Soares, 2004). Whitaker, D. C. A. (Org.) (2002). Sociologia rural: Questões metodológicas emergentes. Presidente Venceslau- SP/Brasília: Editora Letras a Margem / CNPq. Whitaker, D. C. A. & Fiamengue, E. C. (1999). UNESP: Dez anos depois: Diferentes perfis de candidatos para diferentes cursos (estudo de variáveis de capital cultural) (Série Pesquisa VUNESP, n. 11). São Paulo: Fundação VUNESP. Whitaker, D. C. A. & Fiamengue, E. C. (2003). A heterogeneidade socioeconômica dos vestibulandos dos diferentes cursos da UNESP a partir de algumas variáveis de capital cultural (Série Pesquisa VUNESP, n. 17). São Paulo: Fundação VUNESP. Whitaker, D. C. A. & Onofre, S. A. (2003). Orientação para o vestibular: Ensaio sobre uma experiência realizada com jovens rurais. Em L. L. Melo-Silva, M. A. dos Santos, J. T. Simões, M. C. Avi (Orgs.), Arquitetura de uma ocupação:Orientação profissional: Teoria e técnica (pp. 291-312). São Paulo: Vetor.
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