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Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2006, 7(1): 27-40 JOGO DE AREIA: UMA DISCUSSÃO SOBRE CENAS ÚNICAS EM PROCESSOS PSICOTERÁPICOS Fernanda C. F. Ramires Letícia A. D. Cintra Prof. Dr. Paulo Afrânio Sant’Anna Universidade Presbiteriana Mackenzie Resumo: O jogo de areia (sandplay) é um recurso clínico baseado na psicologia analítica. Consiste na criação de cenários com o uso de miniaturas em um tabuleiro contendo areia. Estes, quando realizados em série, constituem um processo que é analisado e trabalhado com o paciente. Novas maneiras de inserção desse instrumento na clínica têm sido discutidas, entre elas, o seu uso como recurso auxiliar. O presente trabalho visa discutir a ocorrência de cenas isoladas em processos terapêuticos. Realiza um estudo documental de dois atendimentos realizados em clínica-escola, nos quais há o registro de uma única cena. Utiliza-se de um questionário para o levantamento de dados. A partir da análise, discute-se a possibilidade e a validade do uso do jogo de areia enquanto técnica auxiliar, o valor diagnóstico e prognóstico da cena, a necessidade de compreensão da cena no contexto geral das múltiplas formas de expressão da subjetividade e o valor da cena única no processo psicoterápico. Os resultados sugerem que mesmo não estando inserida dentro de uma série, a cena única pode ser compreendida em função do processo psíquico do paciente em conjunto com as outras manifestações do mesmo. Palavras Chave: Jogo de areia, técnica expressiva, processo psicoterapêutico. Fernanda C. F. Ramires, Letícia A. D. Cintra, Prof. Dr. Paulo Afrânio Sant’Anna Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2006, 7(1): 27-40 28 SANDPLAY: A DISCUSSION ABOUT SINGLE SCENERIES IN PSYCHOTERAPEUTICAL PROCESSES Abstract: The sandplay is a clinical instrument based on Analytical Psychology, which consists of sceneries construction with miniatures on a sand tray. When a series of sceneries is fulfilled it is analyzed as a process together with the patient. New ways of introducing this instrument in the clinical practice have been discussed, among then, its utilization as an adjutant instrument. This study aims to discuss the occurrence of isolated sceneries in psychotherapeutics processes. It realizes a documental research of two processes that took place in a clinic school, in which it was registered only a single scenery. It makes use of a questionnaire to identify significative data. Through the analyses it discuss the possibility and the validity of sandplay as an adjutant instrument, the scenery’s diagnostic and prognosis value, the need of scenery comprehension in the general context of the multiple ways of expression of the subjectivity and the significance of the single scenery into the psychotherapeutic process. The data indicates that in spite of not being included in a series, the single scenery can be understood in relation to the psychic process of the patient and its various ways of expression. Keywords: Sandplay, expressive technique, psychotherapeutic process. Introdução O jogo de areia, também conhecido como caixa de areia ou sandplay, é uma modalidade clínica lúdico-expressiva idealizada por Dora Maria Kalff em 1956, inspirada na “Técnica do Mundo” de Margaret Lowenfeld (WEINRIB, 1993). O paciente é convidado a construir um cenário em um tabuleiro contendo areia seca ou molhada, com o uso de miniaturas representativas de várias Jogo de areia: uma discussão s obre cenas únicas em processos psicoterápicos Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2006, 7(1): 27-40 29 dimensões da realidade: figuras humanas e fantásticas, animais, construções, plantas, meios de transporte, objetos etc. Lowenfeld acreditava que mesmo na idade adulta as idéias criativas poderiam emergir por meio do brincar. Constatou a limitação da linguagem verbal no processo terapêutico como recurso de comunicação o que levou a desenvolver uma técnica facilitadora da comunicação, a “Técnica do Mundo”. Em 1956, Kalff entrou em contato com a “Técnica do Mundo” numa conferência de psiquiatria. Incentivada por Jung, passa um período em Londres estudando com a própria Lowenfeld, após o qual propôs adaptações que favorecessem o seu uso como facilitador do processo terapêutico no contexto da psicologia analítica (MITCHELL; FRIEDMAN, 1994 apud FRANCO, 2003). À união da “Técnica do Mundo” com a teoria Junguiana, Kalff denominou de Sandplay (Jogo de Areia). Duas correntes surgiram a partir das idéias de Kalff: a escola européia e a escola americana. A européia é conhecida como a escola clássica, na qual o procedimento de aplicação se mantém fiel às propostas iniciais de Kalff, ou seja, a técnica é o próprio processo terapêutico, estabelecendo-se de forma não verbal, não interpretativa e não diretiva. Os principais representantes desta vertente são Ruth Ammann e Martin Kalff. Já a escola Americana admite variações no que se refere ao procedimento, sendo utilizado como um recurso terapêutico e seus principais representantes são Weinrib e Bradway (SANT’ANNA, 2001). A plasticidade da areia favorece uma imensa possibilidade de expressões o que faz dela um importante recurso terapêutico. (WEINRIB, 1993). A areia em seu estado seco oferece um toque macio e pode transmitir a sensação de fluidez e de instabilidade. Devido a sua leveza, pode ser modelada por um pequeno toque ou sopro, porém é difícil controlá-la ou fixá-la em formas muito delimitadas. É esta propriedade da areia que facilita o rompimento do controle egóico e dá abertura para o fluxo de imagens e fantasias. Já Fernanda C. F. Ramires, Letícia A. D. Cintra, Prof. Dr. Paulo Afrânio Sant’Anna Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2006, 7(1): 27-40 30 quando misturada à água, a areia pode ser modelada de forma mais precisa e ganha certa estabilidade. Nesse estado, a areia favorece mais a organização e estruturação do pensamento, pois é mais facilmente controlada pela intenção do consciente. As medidas do tabuleiro com areia (L-57 cm, C-72 cm, A-7cm) permitem a total visualização da cena tanto para o paciente como para o terapeuta. O tabuleiro delimita um espaço lúdico- representacional que é livre e protegido, uma vez que visa estimular a expressão espontânea e, ao mesmo tempo, contê-la em um campo que possibilite uma ação construtiva. Segundo Ammann (2002), a forma retangular gera inquietação devido à desigualdade das medidas, o que leva o indivíduo a buscar seu próprio centro dentro da caixa. O tabuleiro é apresentado ao paciente completamente neutro, apenas com o fundo azul e a areia, seca ou molhada. Ammann (2002) aponta que este espaço neutro “vazio” leva o paciente a preenchê-lo de vida, deixando fluir as fantasias e criando imagens internas, o que leva tanto as crianças quanto os adultos a serem atraídos espontaneamente para a caixa de areia. No processo de construção da cena, também fazem parte as miniaturas. Estas são dispostas em prateleiras para que o indivíduo possa utilizá-las à vontade na construção do cenário. As miniaturas são materiais simbólicos que constituem possibilidades de representação do imaginário, consciente e inconsciente (WEINRIB, 1993). Nesse sentido, é importante que existam miniaturas representativas das mais diversas formas do universo e que remetam a sensações positivas, como objetos belos e atraentes, como também a sensações negativas, como figuras feias e assustadoras (AMMANN, 2002). Ao paciente é dada plena liberdade para construir a cena que desejar, o que possibilitadar forma às suas fantasias e a expressar aspectos de sua subjetividade. Nesse sentido o simples ato da Jogo de areia: uma discussão s obre cenas únicas em processos psicoterápicos Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2006, 7(1): 27-40 31 construção da cena é considerado terapêutico, uma vez que por intermédio da cena pode-se estabelecer uma ponte entre o consciente e o inconsciente, ou entre o que é externo e o que é interno (WEINRIB, 1993). Segundo Ammann (2002), as cenas criadas na areia, por serem imagens internas que devem permanecer ativas na memória do paciente, não podem ser duradouras no meio externo. Dessa forma, ao término da sessão na qual ocorreu a realização de uma cena, o terapeuta não deve desmontá-la na frente do paciente já que este deve carregar consigo as imagens por ele produzidas. Antes de desmanchá-la, fotografa-se a cena para que ao final do processo, paciente e terapeuta, realizem conjuntamente a interpretação de todas as cenas produzidas (WEINRIB, 1993). Nesse sentido, Ammann (2002) afirma que o jogo de areia tem o intuito de favorecer a expressão concreta de aspectos subjetivos, para depois transformá-los novamente em imagens internas. Estas, porém, se apresentam com uma nova forma e a foto é um meio do paciente perceber esta nova forma. Nesse sentido, deve-se prestar atenção nos cenários, para que os elementos externamente representados possam ser psiquicamente conscientizados. Na postura clássica, o terapeuta deve adotar uma postura mais passiva e não interpretativa. Observa atentamente o desenrolar do processo de construção da cena, as reações e comportamentos do paciente e faz um esquema dos objetos e suas posições para estudos futuros, estabelecendo, assim, uma comunicação não-verbal e profunda com o paciente (WEINRIB, 1993). Em contextos clínicos atuais, como em atendimentos breves ou psicodiagnósticos, o jogo de areia tem sido utilizado de forma mais interventiva e interativa, na qual o terapeuta se utiliza da cena como mediador da comunicação entre ele e o paciente; faz perguntas, solicita relatos e associações, propõe movimentos e alterações nas cenas etc. Nesse caso, prioriza-se a conscientização dos conteúdos Fernanda C. F. Ramires, Letícia A. D. Cintra, Prof. Dr. Paulo Afrânio Sant’Anna Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2006, 7(1): 27-40 32 que emergem em cada cena, visando uma apropriação imediata dos mesmos pelo ego. No Brasil vários estudos foram realizados com o intuito de investigar novas possibilidades de aplicação e de adaptação do jogo de areia à realidade brasileira. Gimenez (1998) introduziu o jogo de areia como instrumento facilitador no processo de orientação vocacional. Baseia-se na estratégia de Bohoslavsky em orientação vocacional e na teoria de desenvolvimento Junguiana, tendo como enfoque a adolescência e a sua escolha. Carvalho e Sant’Anna (2000) realizaram um estudo de caso em que o jogo de areia foi utilizado como mobilizador e catalizador da comunicação não verbal em terapia conjugal. Verificaram que tal instrumento viabiliza uma interação entre o casal e promove uma conscientização de aspectos desconhecidos da relação, promovendo novas percepções sobre a dinâmica do casal. Chagas e Forgione (2002) propõem a possibilidade do uso do jogo de areia como processo terapêutico para pacientes portadores de hemiplegia com distúrbios de comunicação, em programa de reabilitação em instituição hospitalar. Esta possibilidade é apresentada, uma vez que se trata de um instrumento não verbal que possibilitaria uma nova forma de comunicação que coloque estes pacientes em contato com o mundo de forma mais ativa. Franco (2003), a partir da análise dos cenários no jogo de areia, propõe a investigação dos mecanismos psíquicos que estariam sendo empregados. O Jogo de Areia foi apresentado como instrumento e objeto de pesquisa. A autora discute a sua eficácia como procedimento de investigação, facilitador da expressão e da elaboração de conflitos psíquicos. A autora discute também a validade da aplicação do jogo de areia em serviços públicos de saúde e enfatiza a importância da ampliação do jogo em pesquisas acadêmicas, dando ênfase nos aspectos projetivos e diagnósticos. Jogo de areia: uma discussão s obre cenas únicas em processos psicoterápicos Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2006, 7(1): 27-40 33 Sant’Anna, Giovanetti, Castanho, Bazhuni e La Selva (2003) apresentam um estudo de caso, em que uma paciente portadora de Vitiligo é submetida a um atendimento clínico breve com o uso de jogo de areia. Sendo o vitiligo uma enfermidade de base psicossomática, buscou-se oferecer um campo representacional concreto, a partir do qual pudesse ocorrer a transferência da expressão do conflito da esfera corporal para a esfera psíquica. Por meio das cenas, a paciente pôde configurar conflitos ainda inconscientes e reconhecê-los no plano consciente. Observou-se no término das sessões a interrupção do desenvolvimento das manchas de vitiligo. Sant’Anna e Giovanetti (2005) utilizaram o jogo de areia no psicodiagnóstico interventivo e de apoio frente a situações adaptativas. Aplicado em conjunto com a EDAO1 o jogo de areia, além de favorecer a ident ificação de constelações arquetípicas, possibilitou também a elaboração das situações conflitivas que estavam presentes na crise adaptativa. Grande parte da literatura sobre o jogo de areia enfatiza o seu aspecto processual e apresenta estudos de caso nos quais a compreensão clínica se dá por meio da análise de uma seqüência de cenas que configuram um determinado desenvolvimento. A partir dessa constatação, coloca-se a questão se o jogo de areia não pode ser inserido de forma significativa no atendimento clínico, sem que ocorra um processo com o mesmo. Ou seja, se a realização de uma cena isolada durante um processo terapêutico pode ser significativa. Partindo da hipótese de que o processo de desenvolvimento psíquico ocorre na psique do paciente e não no instrumento, buscou- se verificar, em um atendimento no qual ocorreu a realização de uma única cena, de que modo esta se insere no movimento terapêutico, como se articula com os outros recursos utilizados e sua relevância para o processo como um todo. 1 Escala diagnóstica adaptativa operacionalizada de Ryad Simon Fernanda C. F. Ramires, Letícia A. D. Cintra, Prof. Dr. Paulo Afrânio Sant’Anna Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2006, 7(1): 27-40 34 Metodologia O presente trabalho é um estudo documental tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética da UPM.2 Realizou-se um levantamento nos prontuários dos atendimentos de abordagem analítica, realizados entre 1998 e 2003, em uma clínica-escola da cidade de São Paulo. Localizaram-se 18 prontuários em cujos atendimentos utilizaram-se o jogo de areia, sendo: 6 de crianças com até 12 anos, 4 de adolescentes entre 13 e 18 anos, 8 de adultos acima de 18 anos. Desses, 4 com o registro de 1 cena, 4 com 2 cenas, 1 com 3, 1 com 4, 1 com 7, 1 com 9, 2 com 10, 1 com 12, 1 com 14, 1 com 15 e 1 com 19 cenas. A partir deste universo, foram selecionados dois prontuários que apresentaram um único cenário ao longo do processo terapêutico e que forneciam dados complementares necessários à discussão das questões propostas pelo estudo. Tabela 1: Amostra 2 Protocolo número CEP/UPM nº474/03/04 Prontuário Técnicas Utilizadas N. de Atendimen tos Idade Sexo Queixa N. deCenas 1 Jogo de areia, desenho, trabalho com sonho 8 Diagnóstico 13 Clínica I 16 Clínica II 16 a M Desejo de se conhecer melhor, vontade de fazer testes de QI e de personalidade. Conflito com a figura paterna e com a constituição da identidade. 1 2 Jogo de areia, desenho, letra de música, sonhos 15 Clínica I 11 Clínica II 17 a F Depressão e tentativa de suicídio. Desejo de parar de tomar remédio e de fumar. Diminuir comportamentos agressivos. 1 Jogo de areia: uma discussão s obre cenas únicas em processos psicoterápicos Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2006, 7(1): 27-40 35 A análise dos prontuários foi realizada por meio de um questionário buscando identificar: o momento em que essa cena foi construída, os elementos e temas que aparecem na cena, outros procedimentos de investigação utilizados nos atendimentos, além de explorar mais detalhadamente a queixa, hipóteses diagnósticas e prognóstico. Este questionário foi dividido em cinco campos: 1) Identificação do prontuário, 2) Identificação do paciente, 3) Processo diagnóstico, 4) Processo terapêutico e 5) Cena do jogo de Areia. Tabela 2: Estrutura do Questionário Identificação do Prontuário Identificação do Paciente Processo Diagnóstico Processo Terapêutico Cena do Jogo de Areia Número do prontuário Iniciais Queixa inicial Número de atendimentos Momento em que foi realizada a cena Caixa / Ano Sexo Dados relevantes Tempo de duração Elementos usados pelo paciente Nome do estagiário Idade Queixa secundária Queixa inicial Título da cena Sexo do estagiário Grau de Escolaridade Número de atendimentos Queixa secundária Foto da cena Mês / Ano do atendimento Técnicas utilizadas Técnicas utilizadas A cena faz menção a um tema específico Síntese do histórico do paciente Síntese diagnóstica Hipóteses diagnósticas Descrição da cena Encaminhamento Sonhos Existe alguma região do tabuleiro que é mais utilizada Clínica I Associações Clínica II História Desenvolvimento Símbolos presentes Encerramento Relação da cena com a queixa inicial Relação da cena com a queixa secundária Fernanda C. F. Ramires, Letícia A. D. Cintra, Prof. Dr. Paulo Afrânio Sant’Anna Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2006, 7(1): 27-40 36 Relação da cena com a hipótese diagnóstica Relação da cena com o desfecho do processo Relação da cena com a dinâmica dos sonhos Relação da cena com outras técnicas expressivas Papel da cena na elaboração Foi oferecido o jogo de areia para o paciente fazer outra cena Porque paciente não fez outra cena? Resultados e Discussão Os dados encontrados nos prontuários analisados foram transpostos para uma tabela em que as várias questões que o pesquisador coloca ao olhar a cena orientam a análise do material. A tabela 3 apresenta os dados mais expressivos para a discussão da relevância da cena única em um processo psicoterápico. Em ambos os atendimentos o jogo de areia foi utilizado como técnica auxiliar, no P1 na última sessão antes da interrupção do processo por parte do paciente, e no P2 na 5ª sessão, portanto ainda em um momento exploratório do processo psicoterápico. Jogo de areia: uma discussão s obre cenas únicas em processos psicoterápicos Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2006, 7(1): 27-40 37 Tabela 3: de Dados dos Atendimentos Prontuário 1 Prontuário 2 N. sessões? 37 26 N. Sessão onde foi realizada da cena? 37 5 Valor diagnóstico da cena? Sim, sinaliza impasse no conflito e na relação terapêutica Sim, falta de solução para conflito, faz referência ao estupro, tema não trazido anteriormente Valor prognóstico da cena? Sim, sinaliza a interrupção do processo. Não, o desenvolvimento da cena não correspondeu ao desfecho do processo Relação da cena com a queixa inicial? Sim, conflito com a figura paterna Sim, agressividade, sofrimento e falta de perspectivas. Relação da cena com a queixa secundária? Sim, conflito de identidade Sim, referência ao abuso sexual e violência doméstica Cena traz temas inter-relacionados com os que emergiram em outras técnicas? Sim, movimento Sim, isolamento, falta de solução para conflito, estupro Cena traz temas inter-relacionados com os que apareceram nos sonhos? Sim, polarizações e movimento Sim, violência, falta de solução para conflito, persecutoriedade Os temas que surgiram na cena foram trabalhos nas sessões subseqüentes? Não, o processo foi interrompido. Sim, violência doméstica, estupro Foi oferecida a possibilidade de realizar outra cena? Não, o processo foi interrompido Não Em ambos os atendimentos o jogo de areia foi utilizado como técnica auxiliar, no P1 na última sessão antes da interrupção do processo por parte do paciente, e no P2 na 5ª sessão, portanto ainda em um momento exploratório do processo psicoterápico. Devido à diferença do momento de realização da cena, percebe- se que no primeiro caso ela enfatiza mais os aspectos prognósticos e no segundo os aspectos diagnósticos. Nas duas cenas, porém, foram Fernanda C. F. Ramires, Letícia A. D. Cintra, Prof. Dr. Paulo Afrânio Sant’Anna Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2006, 7(1): 27-40 38 reconhecidos os dois aspectos. No P1, observa-se que a cena apresenta um impasse na resolução do conflito, o que reflete na aliança terapêutica. Este impasse, além de indicar uma situação presente, sinaliza também que o paciente ainda não tinha desenvolvido recursos para lidar com a situação conflituosa, para a qual a saída parece ter sido o abandono da terapia. No P2 a cena tem um importante valor diagnóstico ao insinuar temas que ainda não tinham sido explicitados, como a questão da violência doméstica e a situação de estupro, assim como a falta de perspectiva em relação a estas experiências. Apresenta também um quadro da situação psíquica geral da paciente, marcada pelo sofrimento, solidão, estado regressivo e paralisação. A resolução para o conflito ainda não está configurada o que em princípio poderia sugerir um mau prognóstico, entretanto, este não foi confirmado com o desenvolvimento do processo. Levanta-se a hipótese de que isso se deve ao fato da cena ter sido realizada ainda no início do processo. Outro aspecto que se destaca é o fato de as queixas iniciais e secundárias estarem representadas nas cenas, embora em momentos tão distintos do processo terapêutico. No caso do P1, cuja cena foi realizada no final do processo, este dado assume uma significação especial sugerindo que estas queixas não puderam ser elaboradas satisfatoriamente. Considerando todas as técnicas expressivas utilizadas e o trabalho com os sonhos, foi possível estabelecer uma relação entre os temas, a dinâmica e as situações representadas nos mesmos com os temas, a dinâmica e as situações representadas na cena única. Este dado sugere que em um processo psicoterápico as diversas formas de expressão da subjetividade estão interligadas pelo processo de desenvolvimento psíquico do paciente. Nesse sentido, os recursos utilizados em terapia são facilitadores da expressão desse processo e não determinantes dele, o que de certa forma contraria posições mais Jogo de areia:uma discussão s obre cenas únicas em processos psicoterápicos Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2006, 7(1): 27-40 39 radicais, que afirmam que o jogo de areia é um determinante do processo psicoterápico (AMMANN, 2002). As relações encontradas entre os temas apresentados nos diversos materiais expressivos e nos sonhos pode ser um indicador que corrobora a idéia de Jung de um processo autônomo em desenvolvimento na psique. Nesse caso, o papel da psicoterapia (com os recursos que utiliza) é levar o paciente a se conectar conscientemente com esse processo. Embora esse estudo tenha trabalhado com uma amostragem muito reduzida, acreditamos que ele pode contribuir com reflexões importantes para a ampliação do uso do jogo de areia na clínica contemporânea. Entre elas, a possibilidade e a validade do uso do jogo de areia enquanto técnica auxiliar e não principal no processo psicoterápico, o valor diagnóstico e prognóstico da cena, a possibilidade de compreensão da cena única no contexto geral das múltiplas formas de expressão da subjetividade e o valor da cena única no processo psicoterápico. Referências Bibliográficas AMMANN, R. A Terapia do Jogo de Areia: imagens que curam a alma e desenvolvem a personalidade. São Paulo: Paulus, 2002. CARVALHO, L. A. P. P.; SANT’ANNA, P. A. O jogo de areia em terapia conjugal: Uma proposta de intervenção. Boletim de Iniciação Científica em Psicologia. São Paulo, v. 1, n. 1, 2000. CHAGAS, M. I. O.; FORGIONE, M. C. R. O paciente hemiplégico e o sandplay: uma possibilidade de expressão. 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