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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA ALCINDO MARIANO DE SOUZA DESPERTANDO RESPONSABILIDADE SOCIAL NO ENSINO MÉDIO POR MEIO DE TEMÁTICAS ASSOCIADAS À FÍSICA NUCLEAR NATAL 2010 ALCINDO MARIANO DE SOUZA DESPERTANDO RESPONSABILIDADE SOCIAL NO ENSINO MÉDIO POR MEIO DE TEMÁTICAS ASSOCIADAS À FÍSICA NUCLEAR Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática do Centro de Ciências Exatas e da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática. Orientadora: Profa. Dra. Auta Stella de Medeiros Germano Natal 2010 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / SISBI / Biblioteca Setorial Especializada do Centro de Ciências Exatas e da Terra – CCET. Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / SISBI / Biblioteca Setorial Especializada do Centro de Ciências Exatas e da Terra – CCET. Souza, Alcindo Mariano de. Despertando responsabilidade social no ensino médio por meio de temáticas associadas à física nuclear. – Natal, 2010. 136 f. : il. Orientador: Profª Drª Auta Stella de Medeiros Germano. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Exatas e da Terra. Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática. 1. Física nuclear – Ensino - Dissertação. 2. Responsabilidade social – Dissertação. 3. Formação – Cidadania - Dissertação. I. Germano, Auta Stella de Medeiros. II. Título. RN/UF/BSE-CCET CDU 539.1:37 ALCINDO MARIANO DE SOUZA DESPERTANDO RESPONSABILIDADE SOCIAL NO ENSINO MÉDIO POR MEIO DE TEMÁTICAS ASSOCIADAS À FÍSICA NUCLEAR Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática do Centro de Ciências Exatas e da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática. Orientadora: Profa. Dra. Auta Stella de Medeiros Germano Banca examinadora _________________________________________________________ Profa. Dra. Auta Stella de M. Germano – UFRN Orientadora _________________________________________________________ Prof. Dr. Marcílio Colombo Oliveros – UFRN Examinador _________________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Antonio López Ruiz – UERN Examinador AGRADECIMENTOS Não há como começar os agradecimentos, sem falar na oportunidade de viver e na beleza de ser. Dádiva de Deus que nos é concebida no objetivo de a lapidarmos nessa existência. A minha família, minha esposa Peri, meus filhos Rafael e Leonardo, aos quais não apenas agradeço mas também dedico o fruto de um esforço conjunto, afinal, esta dissertação é o resultado do trabalho de todos nós. Seja nas horas de lazer, substituídas por horas de estudo, ou na impaciência que, em alguns momentos, imperava, contudo, nosso amor e amizade fortaleceram-se e possibilitaram a realização desta pesquisa. A minha amiga, professora Auta Stella. Alguém com quem, desde a minha graduação, despontava em afinidades profissionais e pessoais e que, na construção desta pesquisa, consolidaram-se em respeito, admiração e muito carinho. Á coordenadora do Ensino Médio no Instituto Maria Auxiliadora, na cidade de Natal, professora Helena, a qual sempre acreditou em nosso trabalho e que, por vezes, ajudou-nos a prosseguir nessa difícil, porém gratificante profissão, que é ser professor. A meu amigo de graduação, Ricardo, com o qual trilhei grande parte do caminho que nos trouxe a este projeto, tenho a certeza de que ele e sua mente brilhante ainda contribuirão para outros projetos que faremos em comum. Aos professores, aos coordenadores e a secretaria do Programa de Pós- Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Norte que possibilitaram meu crescimento profissional e permitiram uma nova leitura de meus objetivos no Ensino da Física. Aos alunos e a todos os que contribuíram com este projeto de forma direta ou indireta, e aos quais não tenho como nominar aqui. Meu muito obrigado! RESUMO Muitas discussões sobre o papel da escola estão em pauta, em uma sociedade cada vez mais complexa. Sociólogos, educadores, antropólogos, pesquisadores de diferentes áreas procuram estabelecer esse papel. O objetivo desta dissertação é contribuir com o que se pode considerar o papel central para o ensino da Física: a formação para cidadania. Foi elaborada uma proposta de intervenção visando a despertar o interesse de alunos do Ensino Médio para questões de relevância social e, por meio dela, estimular posturas e atitudes de responsabilidade social, potencializando a formação de um cidadão mais ativo política e socialmente. Nessa perspectiva, foram feitos estudos sobre formação para a cidadania e sobre mudanças de atitude, utilizando como principal referencial teórico a ênfase curricular Ciência, Tecnologia e Sociedade. O ensino da Física Nuclear foi integrado a essa proposta, em função de seu potencial pedagógico na discussão de questões sociais, políticas e econômicas, articulada com conceitos científicos e tecnologias associadas. A proposta de ensino foi aplicada em uma turma de Ensino Médio de escola particular da cidade de Natal-RN e fez uso da questão controversa que envolve a implantação das usinas nucleares no Nordeste. A metodologia de jogo de papéis propiciou aos alunos assumirem personagens sociais específicos e construírem conhecimentos para dar subsídios à realização de uma audiência pública e, posteriormente, de um plebiscito, ambos simulados. Na análise da implementação da proposta, ressaltam-se as dificuldades, mas também as possibilidades e a relevância do exercício de habilidades como as de argumentação, busca de informações, e discussão de problemas sociais. Os resultados da pesquisa mostraram a possibilidade de aprendizado significativo de conteúdos da Física Nuclear, por meio da atividade, que constituiu um exemplo de ensino de Física com contextualização social, política, econômica, científica e tecnológica, utilizando, no caso, uma questão controversa real associada a mecanismos que despertam para maior participação popular, como a audiência pública. Identificam-se também mudanças de postura por parte de alguns alunos em relação a assuntos referentes à Física Nuclear. Espera-se, com a dissertação, contribuir para a formação de futuros cidadãos bem como com a iniciativa de outros professores-pesquisadores que apresentem objetivos de ensino similares aos assumidos no trabalho. Palavras-chave: Formação para a cidadania. Responsabilidade social. Física Nuclear no Ensino Médio. Ciência, Tecnologia e Sociedade. ABSTRACT Many discussions about the role of the school are on the agenda, in an increasingly complex society. Sociologists, educators, anthropologists, researchers of different areas seek that role. The objective of this dissertation is to contribute what we can consider the central role for the physics teaching, citizenship training. We have elaborated adidactic proposal to increase the interest of high school students on issues of social relevance and, throughout it, to promote the formation of attitudes of social responsibility, enhancing the formation of a more politically and socially active citizen. For the preparation of the proposal, studies were made on education for citizenship and on attitudes change, using as its main theoretical foundation the researches on the Science, Technology and Society curricular emphasis. The teaching of Nuclear Physics was integrated to our proposal, due to its pedagogical potential for the discussion of social, political and economic subjects related to scientific concepts and associated technologies. The educational proposal we have produced was applied on a high school class of a private school at Natal-RN. It was composed from the controversial issue involving the installation of nuclear power plants in Brazilian northeast. The methodology of role playing, in which students assumed social roles and produced specific subsidies for a public hearing and a later referendum, both simulated. In the analysis of the implementation of the proposal, we highlighted the difficulties but also the possibilities and the relevance of exercising skills such as reasoning, finding information, and arguing about of social problems. The results of the research showed the possibility of meaningful learning on Nuclear Physics contents, through this social, political, economic, scientific and technological contextualization using a controversial and real issue together with mechanisms that trigger for greater popular participation, as public hearing. It has also been identified changes in attitude by some students about issues related to Nuclear Physics. We hope, through this dissertation, to contribute to the formation of future citizens as well as to the initiative of teachers-researchers with pedagogical aims similar to those in the present work. Keywords: Social responsibility. Nuclear Physics in High School. Science, Technology and Society. Curricular Emphasis. LISTA DE FIGURAS Figura 1.1 – Evolução das tendências do ensino .................................................... 32 Figura 2.1 – Modelo tradicional/linear de progresso ................................................ 47 Figura 2.2 – Componentes de ensino CTS ............................................................. 51 Figura 2.3 – Relações entre ciência, tecnologia e sociedade no ensino CTS .................................................................................... 52 Figura 4.1 – Diagrama temático sobre energia elétrica, com base nas usinas termonucleares ................................................ 79 Figura 5.1 – Percentual de alunos favoráveis e contrários às usinas termonucleares ................................................................. 104 Figura 5.2 – Resultado percentual do plebiscito .....................................................107 LISTA DE QUADROS Quadro 1.1 – Finalidades do ensino de Ciências..................................................... 35 Quadro 2.1 – Categorias de ensino CTS ................................................................. 49 Quadro 4.1 – Propósito para discussões sociocientíficas: pontos fortes e fracos da estrutura de tomada de decisão......................................... 76 Quadro 4.2 – Etapas da Unidade Didática .............................................................. 82 Quadro 5.1 – Argumentos contrários e favoráveis às usinas termonucleares ...... 105 Quadro 5.2 – Pontos positivos da atividade de intervenção na opinião dos alunos entrevistados ................................................................ 108 Quadro 5.3 – Pontos menos interessantes da atividade de intervenção na opinião dos alunos entrevistados ............................................... 109 Quadro 5.4 – Conteúdos citados pelos alunos entrevistados................................ 110 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11 CAPÍTULO 1 – CIDADANIA, FORMAÇÃO DE ATITUDE E ÊNFASES CURRICULARES NO ENSINO DE CIÊNCIAS................................... 20 1.1 UMA VISÃO DE CIDADANIA......................................................................... 20 1.2 A FORMAÇÃO DE ATITUDE......................................................................... 25 1.3 ÊNFASES CURRICULARES NO ENSINO DE CIÊNCIAS............................ 31 CAPÍTULO 2 – MOVIMENTO CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE.......................................................................................................... 39 2.1 O MOVIMENTO CTS ..................................................................................... 40 2.2 RELAÇÃO ENTRE DESENVOLVIMENTO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA ....... 44 2.3 O ENSINO NA PERSPECTIVA CTS.............................................................. 48 CAPÍTULO 3: O ENSINO DA FÍSICA NUCLEAR NO ENSINO MÉDIO.................. 53 3.1 A PRÁTICA DOCENTE RELATIVA AO ENSINO DA FÍSICA NUCLEAR NO ENSINO MÉDIO EM NATAL ................................................................... 53 3.2 ABORDAGENS PARA A FÍSICA NUCLEAR EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO MÉDIO....................................................................................... 56 3.2.1 Quesitos............................................................................................ 57 3.2.1.1 Descrição dos quesitos de análise................................................ 58 3.2.2 Análise das obras............................................................................ 59 3.2.2.1 Livro 1................................................................................................ 59 3.2.2.2 Livro 2 ............................................................................................... 60 3.2.2.3 Livro 3 ............................................................................................... 62 3.2.2.4 Livro 4 ............................................................................................... 63 3.2.2.5 Livro 5 ............................................................................................... 65 3.2.3 Comentários gerais......................................................................... 66 3.3 O ENSINO DA FÍSICA NUCLEAR NAS PESQUISAS EM ENSINO DE FÍSICA........................................................................................ 67 3.3.1 Intervenção em sala de aula no Ensino Básico............................... 68 3.3.2 Instrumentação didática .................................................................... 69 3.3.3 Formação de professores ................................................................. 71 CAPÍTULO 4: UMA PROPOSTA DE ENSINO CTS: A PARTIR DAS USINAS TERMONUCLEARES NO NORDESTE................................................................... 73 4.1 ELEMENTOS CENTRAIS DA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO. ................ 73 4.1.1 Questões controversas...................................................................... 73 4.1.2 A controversa questão das usinas nucleares no Nordeste............................................................................................... 76 4.2 UNIDADE DE ENSINO: O BRASIL DEVE INSTALAR USINAS NUCLEARES NO NORDESTE?..................................................................... 81 4.2.1 Grupos sociais envolvidoscom a questão....................................... 87 4.2.2 Encontro de grupos: trabalhando a informação.............................. 95 4.2.3 Audiência pública................................................................................ 96 4.2.4 O plebiscito ......................................................................................... 98 CAPÍTULO 5: ANÁLISE DOS RESULTADOS........................................................ 99 5.1 OS INSTRUMENTOS USADOS NO LEVANTAMENTO DOS DADOS................................................................................................. 99 5.1.1 Os questionários................................................................................ 99 5.1.2 Sistematização: conhecimento em construção.............................. 100 5.1.3 Questões propostas na avaliação formal da escola...................... 101 5.1.4 As entrevistas.................................................................................... 101 5.2 DOS RESULTADOS......................................................................................... 103 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 114 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 116 APÊNDICE A.......................................................................................................... 123 APÊNDICE B.......................................................................................................... 124 APÊNDICE C.......................................................................................................... 125 APÊNDICE D.......................................................................................................... 126 APÊNDICE E.......................................................................................................... 128 APÊNDICE F.......................................................................................................... 131 11 INTRODUÇÃO Apresentamos, ao entrar no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática (PPGECNM) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a preocupação com a indiferença de nossos alunos do Ensino Médio frente a questões sociais, e sua aparente alienação quanto ao contexto político-econômico que os rodeia. Face a essa preocupação, buscamos a investigação e o desenvolvimento de uma proposta de ensino de Física capaz de despertar, nos alunos de Ensino Médio, uma postura que os levasse ao envolvimento com tais questões e em conseqüência, a uma maior responsabilidade social visando ao exercício pleno da cidadania por esses alunos. Lecionamos em uma escola particular da cidade de Natal, trabalhando com o ensino de Física, na 2ª série do Ensino Médio regular. Nossos alunos, em sua grande maioria, pertencem a classes sociais média e alta, e temos a certeza de que quase todos prosseguirão seus estudos para além do Ensino Médio, seja em uma universidade pública ou privada e, muito provavelmente, nas profissões que escolherem. Suas carreiras acadêmicas não se encerrarão na conclusão do ensino básico, como ocorre para a maioria da população em nosso país. Em virtude disso, salvo algumas propostas de ensino isoladas, o Ensino Médio dentro da escola particular acaba envolto por uma ênfase direcionada para que esse nível de ensino seja a base no ensino superior, não ocorrendo de forma diferente com o ensino da Física. Essa visão que é característica, principalmente, da escola particular, dificulta o trabalho com um ensino de Física mais contextualizado, situado numa perspectiva de atender a questões mais atuais em nossa sociedade, com o propósito de formação para a cidadania. Os documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), os Parâmetros Curriculares Nacionais em sua Edição Complementar (PCN+) e as Orientações Curriculares Nacionais (OCN), evidenciam, também, a preocupação com a formação dos estudantes inseridos no Ensino Médio. A discussão sobre os objetivos para o ensino de Física é objeto de estudo para muitos pesquisadores já há algumas décadas (MOREIRA, 1986; ACEVEDO, 2004) e é muito importante para a definição do programa de conteúdos e do currículo como um todo. 12 A escola particular é muito influenciada pelos processos seletivos para ingresso no ensino superior e, na maioria das vezes, os gestores e diretores dessas escolas preferem que o Ensino Médio seja estritamente voltado para o vestibular, visto que, como sabemos, o resultado alcançado nos processos seletivos pelas escolas é um fator comercial importante. Cria-se, assim, um elo – que se torna, extremamente, difícil de ser quebrado – entre os conteúdos desses processos seletivos com o currículo escolar. Também não podemos desprezar o fator social dentro da família, justamente, pela aprovação em um processo seletivo para a universidade pública. Esse fator não ratifica somente o desejo dos gestores, mas também exerce influência na maioria de nós, professores de Física, pois ainda trabalhamos no Ensino Médio com o objetivo de aprovar os alunos no vestibular, e, como bem sabemos, muitas vezes, recebemos destaque por isso. Lembro-me de que, quando comecei a lecionar, a atenção dos alunos era despertada por meio de frases prontas: “Anote esta questão! Caiu e todo ano cai algo semelhante no vestibular, preste atenção!”. Chavões como esses são comuns nas escolas particulares, e os professores alcançam com eles a preferência de muitos alunos. Dessa forma, o ensino de Física na escola particular fica sujeito tanto aos gestores quanto aos professores, que preferem que nada mude, pois o sucesso profissional pode vir da especialização na resolução de questões de vestibular e na aprovação de seus alunos. Nessa visão, preparar os alunos para a aprovação nos processos seletivos das universidades torna-se a principal função do professor dentro da escola particular, no Ensino Médio, e é indiscutível que isso o descaracteriza como educador. Infelizmente, é uma condição que satisfaz aos clientes, que são os alunos, e as suas famílias também. Entendemos que quando a escola de Ensino Médio possui uma ênfase voltada para o ensino superior e para os processos seletivos, que envolvam o ingresso nessa etapa do ensino, deixa as discussões mais aprofundadas sobre questões sociais, ambientais, políticas e econômicas para outras fases do ensino, ou para outras instituições de formação, que não a escola. Faz-se necessário que nossos alunos, ainda no Ensino Médio, possam desenvolver uma visão mais crítica e reflexiva, por meio de um ensino que procure fornecer subsídios em conhecimentos e informações que lhes permitam participar dessas questões, desenvolvendo competências que lhes possibilitem argumentar, opinar, decidir e 13 questionar. Também, os alunos devem receber estímulos quanto à conscientização e à sensibilidade para com os problemas sociais e ambientais. Os alunos da escola particular poderão ter um grande poder de decisão, em virtude da classe social a que pertencem. Alguns serão políticos, outros empresários, agentes formadores de opinião, enfim, pessoas que se destacarão, devido à influência que seus cargos ou suas funções possam lhes conferir, na sociedade. Assim, temos grande preocupação quando tentamos discutir em sala de aula problemas de relevância social e vemos os alunos indiferentes a isso. Nossa experiência nos faz constatar que há muito pouco interesse em assuntos relacionadoscom questões sociais, embora os alunos, em sala de aulas, não sejam sempre os mesmos, a indiferença, no que se refere aos problemas sociais permanece. Claro que, às vezes, um ou outro aluno mostra alguma sensibilidade, porém, de maneira geral, o comportamento e a postura frente aos problemas sociais e ambientais continuam os mesmos. Os alunos passam a impressão de que tais problemas não os atingem, é como se vivessem em um mundo à parte. Essa postura indiferente ou passiva talvez resulte do fato de estarem numa classe social privilegiada, comparando-a com a maior parte da população. São alunos que têm valores moldados em um ambiente de disponibilidade de recursos materiais, com metas bem estabelecidas e que, muito provavelmente, serão atingidas. São alunos a quem, praticamente nada lhes falta e, mesmo sem ainda estarem participando da sociedade como cidadãos produtivos, já fazem parte da elite social, possuindo um status que muitos nunca atingirão. Em uma realidade que os favorece socialmente, esses futuros cidadãos terão, muito provavelmente, a tendência a manter as mesmas condições sociais em que vivem; no entanto, mesmo que tenham a oportunidade de contribuir na solução de problemas sociais, poderão não fazê-lo. Desejamos que a escola possa influenciar positivamente esses alunos e que as aulas de Física também contribuam para isso, fugindo do objetivo exclusivo da preparação para o vestibular ou como base para o nível superior, e adentrando em ênfases curriculares que possam nos auxiliar a formar seres humanos mais conscientes, mais participativos em questões sociais e solidários, com o ensino de Física voltado para uma cidadania plena. 14 Acreditamos que para desenvolvermos um ensino de Física mais contextualizado e relacionado com as questões sociais e ambientais na escola particular, evitando o ensino conteudista, seja preciso um diálogo com todos os setores dessa escola e sejam necessárias propostas plausíveis dentro do plano pedagógico da instituição. Tentar radicalizar e romper completamente com o ensino voltado para o vestibular, certamente, não será uma postura aceita, ao menos na situação em que a escola particular vive atualmente. Isso é algo que sabemos e devemos considerar, portanto, talvez melhor do que tentar retirar o obstáculo, seja contorná-lo ou procurar estabelecer alguma relação com ele. Uma alternativa para implementar uma proposta pedagógica contextualizada e fora do ensino voltado exclusivamente para o vestibular, dentro da escola particular, pode estar no diálogo com a escola, focalizando-se o fato de que um ensino de Física contextualizado também pode levar ao acesso à universidade. Nesse aspecto, destacamos características do vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Desde o ano de 1997, o vestibular da UFRN vem sofrendo alterações, tanto no sentido de assumir um tratamento mais conceitual para a Física, priorizando a compreensão dos fenômenos fundamentais em sua avaliação, como na inserção da Física Moderna (JAFELICE et al., 1999). O processo seletivo nessa instituição faz uso de questões que costumam favorecer a contextualização, os problemas que se relacionam com o meio ambiente, a tecnologia e o cotidiano, além de aspectos históricos e da construção da ciência. Em 2009, o ENEM, que passou a ser conhecido como Novo ENEM, teve sua Matriz de Referência baseada nas mesmas habilidades e competências do Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA). O Novo ENEM foi utilizado como processo seletivo para muitas universidades em todo o país, tanto públicas como privadas. Para muitas, foi a única forma de seleção e, para outras, constitui uma das etapas do processo seletivo. Permitir a contextualização dos conteúdos é um dos objetivos do Novo ENEM, mas é preciso reafirmar efetivamente este objetivo e, embora se tenha na pauta mudanças interessantes, principalmente, no que se refere à reestruturação dos currículos de Ensino Médio, a matriz do ano de 2009 esteve muito aquém do que se esperava. O programa de conteúdos presente na matriz consistia de um sumário, que mais parecia um índice de um livro didático tradicional. 15 Os eixos temáticos presentes nos PCN+ e OCN não foram contemplados, mas sim uma listagem com os conteúdos tradicionais do Ensino Médio, enfim um programa tão extenso quanto aqueles de exames em vestibulares tradicionais. Mesmo assim, aguardamos melhoras, visto que, o Novo ENEM deverá ser aprimorado com os anos, segundo o Comitê de Governança: Estabelecida a Matriz de Referência, os objetos de conhecimento associados poderão ser aprimorados, nas edições seguintes do ENEM, de modo a consagrar o papel do Exame de orientar a melhoria do Ensino Médio em harmonia com os processos de seleção para o acesso à Educação Superior. (BRASIL, MEC, 2009). Nessa perspectiva, a oportunidade que o Novo ENEM abre para a contextualização dos conteúdos é, certamente, um fator importante nesse diálogo com a escola para que implementemos propostas de ensino na escola particular que sejam mais compatíveis com a formação para a cidadania, possibilitando aos alunos adquirirem as competências e habilidades como aquelas sugeridas nos documentos oficiais. Infelizmente, ainda trata-se de mudanças que são direcionadas para a adaptação ao processo seletivo, mas esperemos que um dia possamos ter um ensino médio diferente, assumindo ênfases curriculares que viabilizem formar cidadãos plenos. Outro fator importante para promover a inserção de propostas que visem à formação para a cidadania é a crescente pressão do Estado para que a escola adote, efetivamente, os direcionamentos dos atuais documentos oficiais da educação, tanto a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) como também os PCN+ e as OCN. Tal pressão foi reforçada com o processo seletivo de vagas para ingresso em muitas universidades, por meio de um cadastro único, baseado no desempenho do ENEM. Os PCN+ e as OCN são documentos que ainda estão longe de serem aplicados por muitas escolas e, embora haja um esforço para isso, sua influência faz-se muito mais presente na escola pública. Entendemos a carência do ensino público em muitos aspectos e também a urgência de sua melhoria, mas a busca de uma sociedade mais democrática deve visar, também, à formação dos jovens da escola particular. Atender as diretrizes oficiais também auxilia para que tenhamos um ensino voltado para a cidadania. 16 Esses fatores podem influenciar na argumentação com a escola para a implantação de propostas contextualizadas, permitindo uma formação que visualize algo além de um ensino conteudista. Nesse sentido, será necessário deixar claro para a escola, os alunos e seus familiares que contextualizar o ensino não é eximi-lo dos conteúdos, mas sim rever o seu sentido e a sua oportunidade, ajudando os alunos a compreender melhor o mundo e a própria sociedade em que vivem, tornando o ensino-aprendizagem mais interessante e relevante para todas as etapas da vida. O presente trabalho é um esforço no sentido de contribuir para esse ensino que almejamos, contextualizado e relacionado com as questões sociais, deslocado de um foco estrito nos vestibulares, como ocorre, atualmente, sobretudo, na escola particular. Entre as ênfases curriculares que favorecem essa perspectiva no Ensino de Física destaca-se aquela voltada para as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), por meio do destaque que dá a formação dos alunos para que sejam cidadãos participantes em uma sociedade democrática. Pesquisadoresque trabalham na perspectiva CTS para o ensino ressaltam o potencial dessa ênfase para formar cidadãos mais participativos, mais responsáveis socialmente e democráticos, na medida em que ela busca a preparação para a tomada de decisões em relação às questões sociais que envolvem C&T e à formação de atitudes que favoreçam à população exercer influência nos processos decisórios concernentes à gestão pública. Reconhecendo, portanto, que grande parte dos problemas sociais podem estar relacionados com a C&T, entendemos que os estudos desenvolvidos na perspectiva da ênfase curricular CTS focalizam objetivos que se articulam com nossas preocupações, razão pela qual buscamos, nesses estudos, uma referência para a construção do nosso trabalho. Tomando como base a ênfase curricular CTS, o ensino de Física deve envolver a seleção e a abordagem de conteúdos de ensino contextualizados e vinculados a questões de relevância social e ambiental que tenham relação com a tecnologia, seja em âmbito global, regional ou local. Na identificação de conteúdos que atendessem a essas características, decidimos contemplar também o desejo e a necessidade de inserção de conteúdos da Física Moderna e Contemporânea (FMC) no Ensino Médio, visto que esses conteúdos estão ainda muito ausentes da sala de aula apesar de sua relevância e de gerarem mais interesse nos alunos 17 (OSTERMANN; MOREIRA, 2000). A demanda por um ensino de Física contextualizado e que trate de questões do nosso cotidiano, tem sido uma das justificativas para se alertar sobre a inserção dos conteúdos da FMC no Ensino Médio, pois seus conceitos estão muito presentes na compreensão e na fundamentação de grande parte dos artefatos tecnológicos contemporâneos e, em virtude disso, acabam gerando mais interesse. Entendemos que dentre muitos conteúdos da Física Moderna, que favorecem uma investigação na perspectiva que defendemos, está a Física Nuclear, podendo ser relacionada com questões sociais e ambientais relevantes, envolvendo aspectos políticos, científicos, culturais e econômicos. É o caso da discussão sobre a obtenção de energia elétrica a partir de fontes nucleares, da produção e do desenvolvimento de armas nucleares e das atividades ligadas à Medicina Nuclear. Quando analisamos o cenário nacional e internacional, a relevância dessas discussões na atualidade apresenta-se bastante evidenciado na mídia. A obtenção de energia elétrica a partir de usinas termonucleares traz muitas questões de relevância social tais como o que fazer com o lixo nuclear; qual seria a possibilidade de acidentes e quais seriam os danos causados; e como seria a análise da relação custo-benefício das usinas. Com a possibilidade de expansão do parque nuclear brasileiro, intenção presente no Programa Nacional de Energia para 2030, do Ministério das Minas e Energia, temos a discussão em torno de como se dará tal expansão e se esse caminho é realmente a melhor solução para o nosso problema energético. Esse processo envolve muitos aspectos, e entendemos que seria um dos temas ideais para que o ensino da Física possa ser contextualizado com assuntos atuais e concatenado com a formação para a cidadania. Portanto, podemos, a partir de uma temática, contextualizar os conteúdos. Nosso trabalho envolveu a elaboração, implementação e análise numa perspectiva CTS de uma Unidade Didática, tendo como tema principal a obtenção da energia elétrica a partir de usinas termonucleares, utilizando em seu desenvolvimento a problematização da implantação de usinas termonucleares no Nordeste brasileiro. Essa Unidade Didática foi implementada em três turmas de Ensino Médio, explorando essa questão, que é relevante para nossa sociedade, de modo que, por meio dessa intervenção, busquemos despertar uma postura de responsabilidade social em nossos alunos. 18 Estruturamos o texto desta dissertação em capítulos e neles apresentamos os referenciais teóricos que apoiaram esta pesquisa, a construção da Unidade Didática, descrevendo desde seu planejamento até a análise dos seus resultados. Integram também esta dissertação estudos sobre o conceito de cidadania em uma sociedade democrática, sobre a formação de atitudes e ênfases curriculares, sobre o movimento CTS e metodologias de ensino ligadas a ele. O primeiro capítulo traz um estudo sobre cidadania, conceituando a cidadania no ocidente em uma sociedade democrática, inclusive, o próprio conceito de democracia é um pouco discutido dentro desse estudo. Ainda nesse capítulo, procuramos entender um pouco sobre atitudes, buscando a compreensão sobre os fatores que influenciam tanto o interesse dos alunos nas aulas de Física e Ciências como a formação de suas atitudes. Procurando situar o objetivo de nossa pesquisa, quanto à formação de atitudes e à formação para a cidadania, com relação aos objetivos no ensino de Física dentro das áreas de pesquisa em ensino de Ciências e Física, também elaboramos um estudo sobre as ênfases curriculares nesse capítulo. Após esses estudos, entendemos que um capítulo sobre a ênfase em CTS seja apresentado, para que o leitor conheça um pouco desse movimento, caso não esteja familiarizado. No segundo capítulo, tratamos do desenvolvimento e do histórico do movimento CTS e das relações entre ciência, tecnologia e sociedade, por meio da discussão do modelo de desenvolvimento de nossa sociedade que é baseado no desenvolvimento científico e tecnológico. Também nesse capítulo, apresentamos a metodologia de ensino com base em CTS e divulgada por pesquisadores como Aikenhead (1994) e Acevedo (1996). Com base na ênfase curricular CTS e em sua metodologia, buscamos adequar conteúdos que viabilizassem nossa proposta de intervenção e encontramos na Física Nuclear uma boa resposta. No capítulo três, trataremos da motivação que nos levou à escolha de conteúdos relacionados à Física Nuclear para compor a nossa Unidade Didática. Com os referenciais sobre cidadania, atitude e CTS em mente fizemos uma pesquisa procurando propostas de intervenção e outros trabalhos na área de ensino que sugerissem ou apontassem na direção de uma metodologia para a proposta de intervenção, que compõe a Unidade Didática. Em virtude disso, esse capítulo traz também: uma sondagem sobre o ensino de Física Nuclear na cidade de Natal; análise de livros didáticos que trazem conteúdos da Física Nuclear; e um 19 levantamento bibliográfico em periódicos de ensino na área de Ciências e Física, além de anais de encontros, teses e dissertações. A proposta para intervenção está no capítulo quatro, no qual delineamos sua construção, sistematizando o seu planejamento e as suas etapas. Descrevemos, também, nesse capítulo, a metodologia utilizada na proposta de intervenção, como se deu a sua aplicação em três turmas de segunda série do Ensino Médio e indicamos os conteúdos de Física Nuclear trabalhados com os alunos. O capítulo cinco é destinado à apresentação e discussão dos resultados obtidos com a proposta de intervenção, isso ocorreu por meio da análise dos dados obtidos nos questionários, em observações ocorridas durante a proposta de intervenção, nas entrevistas com os alunos e nas avaliações de aprendizagem. 20 CAPÍTULO 1 CIDADANIA, FORMAÇÃO DE ATITUDE E ÊNFASES CURRICULARES NO ENSINO DE CIÊNCIAS A elaboração da proposta de intervenção que consta neste trabalho baseia-se em uma das ênfases curriculares que seja diferente do objetivo de ser base para prosseguimento dos estudos no nível universitário ou de aprovaçãoem processos seletivos para ingresso nas universidades. Neste capítulo, queremos deixar claro qual ênfase curricular está presente em nossa Unidade Didática e que elementos foram incorporados em sua construção. Para isso buscamos mais clareza sobre o conceito de cidadania, conhecendo melhor o significado de um cidadão pleno em uma sociedade democrática, e também compreendermos melhor a postura dos alunos frente às aulas de Ciências, de tal sorte que nos ajudou muito conhecer um pouco da teoria sobre atitudes. O estudo dos três pontos abordados neste capítulo: cidadania, atitudes e ênfases curriculares buscam estruturar nosso conhecimento e consolidar a base teórica da Unidade Didática. 1.1 UMA VISÃO DE CIDADANIA Uma das preocupações que temos no delineamento de nossa Unidade Didática diz respeito ao conceito de cidadania, mais especificamente, ao que entendemos por cidadania plena. Essa preocupação justifica-se na medida em que cada vez mais trabalhos abordam a formação para a cidadania, no entanto, fazem- no a partir de diferentes perspectivas ou prioridades, sugerindo compreensões distintas para esse conceito. Ao buscarmos posturas de responsabilidade social por parte de nossos alunos, torna-se inevitável discutir a ideia sobre formação para a cidadania, como parte deste trabalho. Incluindo a discussão sobre o que dizem os textos oficiais a respeito da formação para a cidadania no ensino da Física. Para instigar e direcionar nosso estudo, levantamos alguns questionamentos: O que é cidadania? Um cidadão responsável socialmente seria um cidadão que cumpre um papel social pré-definido? Qual seria o “cidadão pleno” que mencionamos em nossa proposta? 21 Para começar a responder esses questionamentos, procuramos conhecer um pouco sobre o conceito de cidadania, que, embora não seja novo, é bem complexo, em virtude, principalmente, de estar associado ao regime político e a questões culturais de cada sociedade. Assim, direcionamos a compreensão do conceito de cidadania para as sociedades ocidentais e buscamos sua identificação em contextos que defendem vivenciar uma democracia. Atualmente, o conceito clássico ocidental de cidadania baseia-se na definição de Thomas Humphrey Marshall, apresentado na década de 1940. Segundo Marshall, a cidadania teria como base dois direitos fundamentais: os direitos civis e políticos. Os direitos civis têm como base os ideais do século XVIII e correspondem aos direitos individuais de liberdade, igualdade, propriedade, direito à vida. Já os direitos políticos, alcançados no século XIX, dentro da Idade Moderna, dizem respeito à liberdade de associação em reunião, de organização política e sindical, à participação política e eleitoral (VIEIRA, 2005). Reinhart Bendix é um sociólogo que amplia o conceito de cidadania, incorporando aos direitos civis e políticos, os direitos sociais. Ele afirmou que os direitos sociais seriam aqueles resultantes da luta de classes, algo discutível pela visão de Marshall (LAVALLE, 2003). Os direitos sociais começam a ser conquistados no século XX e obtidos a partir de lutas dos movimentos operário e sindical, como o direito ao trabalho, à saúde e à educação. Ainda no século XX, surgem os direitos de minorias que também são obtidos a partir de movimentos sociais, são os direitos das mulheres, da criança e do adolescente, dos idosos, das minorias étnicas (VIEIRA, 2005). O cidadão de hoje é um indivíduo que possui direitos civis, políticos e sociais e que também acarreta deveres, na medida em que se exige o respeito aos direitos dos outros. A necessidade de garantia dos direitos e cumprimento dos deveres levou o estado a controlar judicialmente tais questões, e a sociedade a estabelecer e inserir padrões éticos para tal. Coube ao Estado de Direito a garantia dos direitos dos cidadãos, baseados em leis, padrões éticos e morais. Essa relação do cidadão com o estado tem vários padrões históricos, mas queremos comentar um pouco essa relação, especificamente, em um Estado de Direito como sendo democrático. Isso é um pouco complicado já que uma sociedade plenamente democrática não existe, é algo utópico. Nas democracias modernas, as oligarquias ainda governam e há minorias 22 elitistas que possuem grande influência nas decisões no âmbito das áreas públicas e privadas. Os indivíduos não possuem a mesma condição de participação política e não têm garantidos muitos dos direitos sociais ou mesmo civis que possam lhes conferir as condições de cidadania. Uma sociedade, verdadeiramente, democrática é aquela em que todos os cidadãos possuem os mesmos direitos e deveres, tendo acesso as mesmas oportunidades e condições dignas de vida. Não há como ter uma sociedade, realmente, democrática enquanto houver exclusão social, civil ou política. A formação de um cidadão pleno em uma sociedade democrática parte de uma utopia, de um conceito ideal, porém esse conceito nos dá uma direção a ser seguida e nos leva a reflexões e ações, que possam nos aproximar dessa direção. É certo que não conseguiremos formar um cidadão para uma sociedade democrática apenas na escola, muito menos com a aplicação de uma única proposta de ensino, pois essa formação deve dar-se em muitos momentos e por isso depende de muitos fatores e setores sociais, como podemos exemplificar por meio da afirmação de Arminda e Mateus: O exercício pleno da cidadania pressupõe uma intervenção cívica consciente e construtiva, relacionando-se, consequentemente, com processos formativos a que os cidadãos acedem e em que se envolvem ao longo da vida, e não apenas na infância e juventude, designadamente enquanto estudantes. (ARMINDA; MATEUS, 2001, p. 142). Acreditamos, contudo, que a escola possa contribuir muito para isso, desde que assuma um papel ativo, e não de neutralidade, nas questões políticas, civis e sociais. Isso pode ocorrer trazendo-se para a escola questões socialmente relevantes, estimulando-se e desenvolvendo-se a capacidade de participação social, trazendo-se conhecimento contextualizado e inserido culturalmente, estimulando-se uma visão crítica e, ao mesmo tempo, propiciando-se a inserção de valores e de respeito aos deveres. Não podemos negar que são muitos os avanços no que tange à formação para a cidadania, pois há pouco tempo visava-se apenas à inserção no mercado de trabalho, à preparação técnica e de mão de obra qualificada. Os documentos oficiais citam tal formação, por isso queremos discutir um pouco sobre a posição desses documentos no que se refere à formação para a cidadania, no Brasil. 23 Sentimos a necessidade dessa discussão por entendermos que há pouca clareza quanto ao conceito de formação da cidadania em nosso país. A ideia de formar para a cidadania não é nova, tendo aparecido pela primeira vez, ainda, no governo militar, conforme consta na Lei 7.044 citada por Machado: Art. 1° – O ensino de 1° e 2° graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto- realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania. (MACHADO, 2008, p. 3). Desde então, a educação com o intuito de formar para a cidadania esteve presente nos documentos oficiais, mesmo que revestida de propósito político e quase sempre voltada para a manutenção do modelo de desenvolvimento vigente, como foi o caso, no regime militar. Podemos afirmar que o conceito de cidadania por parte do Estado acaba adequando-se a interesses diversos, como os de mercado ou de capital. A LDB, de 1996, sofreu críticas quanto ao seu texto sobrea formação para a cidadania, bem como as bases legais dos PCNEM, alegando tratar-se de uma afirmação do modelo neoliberal de desenvolvimento (KUENZER, 2000). Segundo as bases legais da LDB de 1996: [...] o Ensino Médio passa a integrar a etapa do processo educacional que a Nação considera básica para o exercício da cidadania, base para o acesso às atividades produtivas, para o prosseguimento nos níveis mais elevados e complexos de educação e para o desenvolvimento pessoal, referido à sua interação com a sociedade e sua plena inserção nela, ou seja, que „tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores‟. (BRASIL, MEC, 1996, Art. 22, Lei nº 9.394). Concordamos em parte com tal objetivo, no entanto, queremos acrescentar que o cidadão deve também ser ativo e possuir instrumentos que lhe possibilitem intervir na realidade social. Não apenas para o mundo do trabalho ou para níveis posteriores de ensino, mas também nos aspectos que envolvem a sociedade como um todo, inclusive com relação ao meio ambiente e às divergências em relação aos modelos de desenvolvimento social. Embora saibamos que o contexto histórico 24 envolvendo fatores econômicos, sociais e políticos em sua época determine muito do processo educacional, devemos estar atentos para contribuir na formação de um cidadão concatenado com as questões de seu tempo, ativo socialmente e capaz de agir criticamente na sociedade. As OCN e os PCN+ estão mais próximos do que se discute sobre a formação para a cidadania plena no Ensino de Ciências. Escrito sob influências mais atuais, como o Plano Nacional de Educação, aprovado em 2001, e as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, esses documentos constituem uma base importante para os educadores, pois elucidam o propósito de formação para a cidadania. Discutindo os objetivos do ensino de Ciências em torno de perspectivas democráticas, de igualdade social com relação aos direitos e deveres dos cidadãos, conforme: Ao se discutirem aspectos sociocientíficos [...] Esse diálogo cria condições para a difusão de valores assumidos como fundamentais ao interesse social, aos direitos e aos deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática. É necessário considerar, nesse sentido, que a abordagem de aspectos sociocientíficos, na base comum da área e do componente curricular, tem a função de desenvolver capacidades formativas específicas, aliadas aos conteúdos e aos conceitos, no tocante ao domínio da contextualização sociocultural. (BRASIL, OCN, 2006, p. 119). Entendemos que o cidadão pleno é aquele que contribui para que a nossa sociedade seja melhor, almejando uma democracia verdadeira, mesmo que para isso tenha que influenciar mudanças nessa mesma sociedade. Assim, esse cidadão pleno, possui qualidades importantes para a convivência na coletividade, baseadas no respeito aos direitos individuais e coletivos. Para que haja uma participação ativa na democracia, com visão crítica, é necessário que esse cidadão seja capaz de buscar subsídios e informações para analisar e influenciar decisões tanto governamentais, como de empresas e organizações, possibilitando uma atuação com responsabilidade social e de modo a exercer plenamente seus direitos civis, sociais e políticos. Portanto, quando pensamos no cidadão em exercício pleno de sua cidadania, pensamos em um cidadão que possa estar inserido na sociedade, refletindo e agindo sobre ela; que seja capaz de questionar, de argumentar e de agir sempre com o intuito de contribuir para a igualdade e o desenvolvimento social; e que mesmo em decisões pessoais possa pensar sobre o coletivo, mostrando 25 autonomia e, ainda assim, sendo um cidadão socialmente responsável em suas decisões. Como foi dito, essa formação depende de muitos outros fatores alheios à escola e ao ensino de Ciências ou da Física, no entanto, sabemos da contribuição que pode ser prestada pela comunidade educativa formal e que isso certamente não é uma visão ingênua. Para construção de nossa Unidade Didática e assim contribuir com a formação dos alunos, entendemos ser necessário compreender melhor como se comportam diante de situações com problemas de relevância social, e procurar despertar seu interesse por tais questões, na expectativa de que isso possa gerar uma postura comprometida com a responsabilidade social, buscando, assim, uma formação que ajude no desenvolvimento de uma cidadania plena. Nessa perspectiva, faremos uma discussão sobre os fatores que podem influenciar na formação dos alunos e na mudança de suas atitudes. 1.2 A FORMAÇÃO DE ATITUDES A preocupação em despertar, nos nossos alunos, maior interesse por questões de relevância social, levou-nos a buscar entender mais sobre o conceito de atitude e a evidenciar os fatores que influenciam em sua construção ou mudança. Ao examinarmos os documentos oficiais como a LDB, de 1996, os PCN+ e as OCN, percebemos, entre eles, uma notória diferença no tratamento dado à atitude e postura dos alunos. A LDB, de 1996, faz apenas uma menção sobre atitude e de forma muito vaga, isso ocorre em seu art. 32 no parágrafo 3º: Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: [...] III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores. (BRASIL, MEC, 1996, cap. 2, seção 3, grifo do doc. original) Nesse texto da LDB, fica sugerido que a formação de atitudes é um dos objetivos no desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, isto é, a escola deve 26 desenvolver também a formação de atitudes além de conhecimentos, entretanto, estudos como os trabalhos de Talim (2004) e Vázquez e Massanero (1995) têm evidenciado que esse processo é bastente complexo e que depende de muitos fatores, alguns, inclusive, alheios à escola. Acreditamos que a escola possa colaborar na formação de atitudes e posturas positivas frente às questões sociais bem como em relação ao ensino de Física e Ciências. Nos PCN+ vemos menção à necessidade de atitudes específicas dos professores frente ao desafio de um Ensino Médio que complete a educação básica e que deva preparar para a vida, indo além das visões tradicionais que são a propedêutica e a profissionalizante. A preocupação com a mudança de postura docente é bem clara e são feitas sugestões de trabalho que estimulem novas ações dos professores. Com relação aos alunos há pouca mudança comparada à LDB/96, embora mais citada, a atitude dos alunos continua tendo um sentido amplo e sem muita discussão a respeito, sugerindo algo quase que trivial: Assim, as escolhas sobre o que ensinar devem se pautar pela seleção de conteúdos e temas relevantes que favoreçam a compreensão do mundo natural, social, político e econômico. E, para isso, a forma de tratamento desses temas e conteúdos é determinante e deve contemplar o desenvolvimento de procedimentos, atitudes e valores. (BRASIL, PCN+, 2003, p. 85). Os PCN+ continuam orientando que sejam buscadas atividades que possam construir ou desenvolver atitudes nos alunos, entretanto, parece-nos haver ainda um tratamento que subestima a formação de atitudes pressupondo-se quase que ela ocorra como uma conseqüência natural da compreensão dos temas relevantes, isto é, se o aluno entende as relações do tema com a sociedade,isso deve gerar a formação de atitudes. Ao aprofundarmos o estudo sobre a formação ou mudança de atitude dos alunos vemos, contudo, que a compreensão das relações do tema com a sociedade, normalmente, não é suficiente. Assim, identificamos avanços nos PCN+, em relação às orientações para os professores trabalharem a aquisição de habilidades e competências pelos alunos, entretanto, entendemos que a formação de atitudes dos alunos continua sendo tratada sem a complexidade que lhe exige. 27 Nas OCN, vemos uma mudança no tratamento dado à formação de atitude dos alunos, principalmente, no livro destinado à Química. As atitudes dos alunos começam a aparecer de forma mais clara, ganhando mais sentido e argumentos em sua proposição: A discussão de aspectos sócio-científicos articuladamente aos conteúdos químicos e aos contextos é fundamental, pois propicia que os alunos compreendam o mundo social em que estão inseridos e desenvolvam a capacidade de tomada de decisão com maior responsabilidade, na qualidade de cidadãos, sobre questões relativas à Química e à Tecnologia, e desenvolvam também atitudes e valores comprometidos com a cidadania planetária em busca da preservação ambiental e da diminuição das desigualdades econômicas, sociais, culturais e étnicas. (BRASIL, OCN, 2006, p. 119). Assim, as preocupações com o comprometimento dos alunos frente às questões sociais e em relação à valorização da vida no planeta mostram um avanço dado no tratamento da atitude e da postura dos alunos, pois sugere direcionamento para a formação das atitudes pelos alunos, na medida em que, ações visando à responsabilidade social, são apontadas. Mesmo assim, entendemos que a aquisição de atitudes pelos alunos no aspecto citado nas OCN, ainda está sugerida como fruto da compreensão dos contextos articulados com os conteúdos. Dessa forma, constatamos que os documentos oficiais estão longe de permitir aos professores uma melhor visão sobre esse tema no sentido de fundamentar ou sugerir como agir para desenvolver posturas positivas em nossos alunos. É preciso conhecer mais sobre o conceito de atitude, além do que os documentos oficiais nos fornecem. Ao buscarmos o aprofundamento do conceito de atitude, percebemos que é um conceito complexo, que muitos autores definem de forma um pouco diferente. Vázquez e Massanero (1995) realizaram uma revisão sobre os trabalhos referentes às atitudes relativas ao ensino de Ciências e constataram mais de 500 definições de atitude em 200 trabalhos, sendo que, nestes, mais de 70% continham uma definição distinta para atitude. Apesar dessa diversidade de conceitos, Talin (2004), Massanero, Vásquez e Acevedo (2003) mostram que há certo consenso, na literatura, de que uma atitude, em relação a um dado objeto ou situação social possui três elementos básicos: 28 Cognitivo: formado por convicções, conceitos e crenças pessoais, que geram normas ou preceitos a serem seguidos. Emocional: reflete os valores que são formados por reações afetivas favoráveis ou desfavoráveis; Comportamental: faz com que o indivíduo possua certa conduta, agindo de uma determinada maneira. Como exemplo, citamos a definição de Talin (2004), envolvendo os três elementos básicos, enunciada da seguinte forma: A atitude é melhor vista como um conjunto de reações afetivas (emocional) em relação a um objeto atitudinal, derivada a partir de conceitos e crenças que a pessoa possui sobre o dado objeto (cognitivo), e predispondo o indivíduo a se comportar de uma certa maneira em relação ao referido objeto (comportamental).(TALIM, 2004, p. 315). Vemos nessa definição uma relação de causalidade, em que a atitude é, sobretudo, um elemento emocional e que este advém dos conceitos e das crenças pessoais, levando a um dado comportamento. O grau com que cada elemento compõe uma atitude incorpora-se a ela, certamente, diverge entre autores e entre objetos e situações sociais. Isso mostra como é difícil o processo de aprendizagem com o foco na mudança de atitudes, pois os elementos essenciais que a compõem nem sempre são considerados, mesmo porque os professores podem não ter respaldo teórico suficiente para isso. Ainda argumentando sobre a complexidade do conceito de atitudes e, agora, enfocando as atitudes dentro do contexto escolar, relatamos uma metáfora utilizada por Pozo e Gomes Crespo (1998) para exemplificar a complexidade das atitudes. Eles propõem uma comparação dos conteúdos que compõem a aprendizagem, com os estados físicos da matéria: os conteúdos conceituais seriam sólidos, pois são mais concretos; os conteúdos procedimentais seriam líquidos, embora menos concretos que os conceituais, ainda podem ser avaliados e observados; já os conteúdos atitudinais seriam comparados a um gás, pois se estendem em muitas dimensões. Isso significa que são muitas as relações dos conteúdos atitudinais com a aprendizagem, desde influências advindas da observação que o aluno faz do comportamento do educador, até aquelas dos diversos grupos de que o aluno participa. 29 Concordamos com Pozo e Gomes Crespo (1998), ao percebemos que os conteúdos atitudinais também dependem diretamente desses três fatores e que um ensino o qual objetiva a formação para a cidadania não pode desprezá-los, pois esse objetivo também implica em formação de atitudes. Quando pensamos nas discussões propostas em sala de aula, com relação às questões sociais, percebemos que, no trabalho do professor, falta levar em consideração todos esses fatores, e isso ocorre em muitas outras salas de aula e escolas também. Sem um contexto escolar que favoreça a discussão de tais questões sociais, cremos que não há como o aluno envolver-se, emocionalmente, ou mesmo colocar à prova suas próprias convicções. Precisamos refletir sobre o próprio contexto dessas discussões, pois os problemas de relevância social são trazidos à tona em sala de aula de forma esporádica e, na maioria das vezes, como um parêntese, sem relação com o conteúdo de ensino. Observamos em nossa sala de aula que mesmo em se tratando de questões que, como sabemos, afetam a todos nós, como a poluição ambiental, a situação política do país ou a exclusão social, a sua inserção em sala de aula acaba ocorrendo sem continuidade ou a partir de elementos desconexos, sem aprofundamento. Geralmente, sua abordagem se limita à menção dos problemas relacionados a elas, a comentários por parte do professor e a uma reação apática por parte da maioria dos alunos. Assim, para trabalhar questões sociais e despertar uma atitude positiva dos alunos é necessário um contexto em que se possam evidenciar as relações entre os diversos setores da sociedade envolvidos, permitir a exposição das concepções dos alunos, envolvê-los nas questões, imergi-los nos temas a serem discutidos, sejam estes de enfoque local, regional ou global. É preciso incluir, nesse contexto, a possibilidade de trabalhar os três elementos constituintes dos conteúdos atitudinais para que assim possamos ter a possibilidade real de despertar um maior interesse e participação dos alunos, obtendo uma postura positiva em sala de aula frente a esses temas. Em um ensino conteudista, é muito difícil tratar os conteúdos atitudinais, pois o misto de ensino propedêutico com preparação para vestibulares em que se tem resumido o ensino de muitas escolas, prolonga a grade de conteúdos no Ensino Médio, tornando quase impossível uma contextualização consistente dos conteúdos. Uma mudança curricular no Ensino Médio faz-se necessária e urgente, de modo a 30 viabilizar mais tempo para as contextualizações e discussões. Semisso, é muito difícil envolver os alunos. Segundo Massanero, Vásquez e Acevedo (2003), os alunos desenvolvem melhora em sua atitude, inclusive, frente a questões sociais, quando os programas de ensino contemplam as seguintes condições: o tratamento dado aos conteúdos não se limita a uma mera inclusão esporádica para motivar os estudantes; a aula dispõe de materiais adequados para os conteúdos adequados; há sintonia do professor com o enfoque dado às questões; as questões devem ser incluídas nos exames oficiais. Para entendermos e tratarmos a postura dos alunos frente às questões sociais é necessário considerarmos também sua notória indiferença em relação às discussões em sala de aula; é necessário compreender se essa atitude ocorre apenas frente às aulas de Ciências ou se encontra-se estendida para a vida do aluno além da sala de aula, isto é, será que frente a um problema real, analisado fora da sala de aula, os alunos teriam a mesma postura indiferente? Ainda segundo Massanero, Vásquez e Acevedo (2003), os alunos possuem certas atitudes de desinteresse no ensino das Ciências por acreditarem que não há como a Ciência vista em sala de aula contribuir para a solução ou mesmo para a discussão de questões do cotidiano. Há uma divisão entre o mundo da Ciência ensinado nas salas de aula e o do cotidiano. Argumentando sobre essa divisão, os autores comentam que pesquisas revelaram a maior valorização, por parte dos alunos, da Ciência divulgada nos meios de comunicação – como a televisão –, do que na Ciência vista e discutida em sala de aula. Aparentemente, os alunos tenderiam a uma postura diferente frente a um problema real, quando abordado pela mídia. Meios de comunicação como a televisão, a imprensa e a internet, são formadores de opinião e também de atitudes, e quando o aluno está muito sujeito a essa influência, ela torna-se preocupante. Podemos citar algumas problemas com a formação de atitudes por parte dos alunos, advindas da influência da mídia, pois: os problemas sociais relevantes podem ser tratados sob uma ótica tendenciosa e uma visão reducionista, atendendo a diversos interesses; a preocupação com os valores, 31 nem sempre está presente; há um grande incentivo ao consumismo e aos modismos. Ao contrário das escolas e dos educadores, a mídia utiliza bem os elementos constituintes da atitude, argumentando, emocionando, envolvendo. Isso mostra que mudar a postura dos alunos frente às discussões em sala de aula é possibilitar maior criticidade diante dos meios de comunicação, fornecendo-lhes informações, competências, habilidades. Nesse sentido, ele tornar-se-á mais capacitado para lidar com os problemas reais e também para ser reflexivo e questionador com relação aos meios de comunicação, inclusive à divulgação científica que, na mídia, pode servir a propósitos ideológicos ou de mercado, por exemplo. A importância da escola e dos educadores trabalharem conteúdos atitudinais articulados com contextualizações é evidente, sobretudo, no intuito de formar cidadãos capazes de contribuir para um ideal democrático. 1.3 ÊNFASES CURRICULARES NO ENSINO DE CIÊNCIAS Entendemos a necessidade de conhecer um pouco sobre as finalidades do ensino de Ciências para assim termos mais subsídios na construção de nossa pesquisa e também na busca de referenciais teóricos, nos quais possamos basear a metodologia da proposta de intervenção que pretendemos aplicar no Ensino Médio, como parte integrante dessa pesquisa. Ao mesmo tempo, buscamos conciliar os objetivos de nosso trabalho com as linhas de pesquisa sobre ênfases curriculares dentro do ensino de Ciências. Muitos professores e escolas de Ensino Médio ainda adéquam seus objetivos de ensino para ser uma base que servirá ao curso universitário ou abordam os conteúdos de modo que visem à preparação de processos seletivos para ingresso às universidades, principalmente, as públicas. Esses objetos acabam sendo conteudistas, dificultando a contextualização e, por conseguinte, a formação de atitudes ou que visem também à formação para a cidadania. Nessa perspectiva, faz-se pertinente questionarmos: se não concordamos com uma ênfase curricular propedêutica ou voltada, exclusivamente, para o vestibular, com o que concordamos? Qual ou quais ênfases curriculares que mais se 32 adéquam ao que pretendemos, que seja uma mudança de postura de nossos alunos frente às questões sociais? Para respondermos a isso recorremos ao estudo das ênfases curriculares a fim de identificarmos aquelas que estão mais propensas a nos auxiliar na elaboração de nossa proposta de intervenção. Destacamos a importância desse estudo, pois, segundo Moreira (1986), as ênfases curriculares dão objetivo ao ensino e à aprendizagem das Ciências, procurando responder ao estudante a pergunta: Por que estudar ciência?. Para Azevedo (2004), as finalidades do ensino influenciam no que será definido como conteúdo. Entendemos que ambos os pesquisadores focalizam que a definição dos conteúdos abordados é influenciada pelos objetivos de estudar ou ensinar Ciências. Os objetivos para o ensino de Ciências sofreram e sofrem influências diversas e muitas mudanças são provocadas pelo contexto social, político ou cultural, que se faz presente. Para demonstrar isso, Krasilchik (2000) resume as influências e mudanças sofridas pelos objetivos do ensino de Ciências, por meio de uma cronologia que as situa no contexto mundial preponderante em cada época, conforme demonstramos na Figura 1. Essa autora não trata das ênfases curriculares claramente. Sua análise, embora discuta influências e objetivos no ensino de Ciências, é mais voltada às metodologias e às influências políticas nas tendências de ensino. Vejamos o resumo que se encontra em Krasilchik (2000): Figura 1.1 – Evolução das tendências de ensino Fonte: Krasilchik, 2000 33 A Figura 1.1 mostra como os documentos oficiais no Brasil que se referem ao ensino de Ciências têm sido influenciados pela situação política internacional. É interessante perceber como as implicações sociais das Ciências são importantes atualmente, e que as relações com tais questões devem estar presentes nos currículos e, por conseguinte, nas escolas. A autora organiza os objetivos do ensino de Ciências com a situação mundial, relacionando a formação da elite, incluindo os cientistas, durante a Guerra Fria; a formação de cidadãos trabalhadores e, posteriormente cidadãos trabalhadores e estudantes na conjectura de globalização. Atualmente, com a globalização, o cidadão trabalhador precisa ser capaz de adequar-se às constantes mudanças sociais, principalmente, provocadas pelos avanços tecnológicos. Ao estudarmos as ênfases no ensino de Ciências, buscamos a identificação com aquela que nos permita maior adequação na proposta de intervenção, pois entendemos ser importante ter clareza nos objetivos de se ensinar Ciências. Chamamos a atenção para ratificar que a ênfase curricular possui um conjunto de mensagens que se deseja passar, juntamente ao conteúdo, e não uma relação de tópicos. Nessa linha de pensamento, verificamos o que nos afirma Moreira (1986, p. 76): “Uma coisa é o elenco de tópicos indispensáveis para se compreender o conteúdo e outra é a mensagem que se pretende veicular concomitantemente com ele”. Assim, como mostra o contexto histórico, tanto a ênfase curricular como a mensagem que se passa ao elencar conteúdos e objetivos sofrem influências ideológicas. Por isso é importante compreendermos quais os objetivos de ensinar Ciências de acordo com os documentos oficiais. Os PCNEMsugerem a aquisição de habilidades e competências visando à formação para a cidadania e para o mundo do trabalho. Isso é buscado com uma organização curricular por meio de temas estruturadores, no entanto, esses objetivos são pouco explorados no texto e a discussão de tais finalidades passa a ser mais aprofundada com os PCN+ e as OCN. Também direcionados pela proposta de formação para a cidadania, esses documentos ratificam a necessidade de um currículo que possa estar adequado ao contexto de cada região, sendo as prioridades de conteúdos direcionadas pelo Projeto Político Pedagógico de cada escola. Os PCN+ deixam mais clara a finalidade desse ensino, na medida em que as sugestões sobre os temas estruturadores são mais articulados. Com as OCN, os 34 temas estruturadores tornam-se ainda mais diretos, pois metodologias são sugeridas e exemplos são incorporados. Como já foi afirmado, a ênfase curricular vai além, é preciso ter certeza das mensagens que se deseja passar junto aos componentes curriculares. Mesmo com os avanços dos PCN+ e das OCN, esses documentos oficiais ainda generalizam a finalidade de formação para a cidadania, portanto as mensagens que deveriam ser passadas, juntamente com os temas estruturadores, como a formação de atitudes e valores, por exemplo, deixam a desejar. Mesmo após refletirmos sobre esses documentos, sentimos a necessidade de incorporar ênfases curriculares convergentes. Uma ênfase curricular não existe, necessariamente, sozinha em uma época ou contexto, podemos ter mais de uma coexistindo e suas finalidades podem adicionar-se com alguma sintonia. Segundo Moreira (1986), utilizar uma única ênfase pode significar deformar a visão de Ciências. Entendemos que, embora Moreira não tenha delineado exatamente, as mesmas ênfases que Acevedo, ambos convergem para os mesmos pontos, conforme podemos inferir de acordo com o Quadro 1.1, que demonstra as ênfases, consoante Acevedo (2004) . Finalidades no ensino de Ciências Algumas características 1. Ciência para prosseguir os estudos científicos Concentra-se em conteúdos mais tradicionais da ciência. É apoiada por muitos cientistas e acadêmicos e por uma grande parte dos professores de ciências em todos os níveis. Muitas vezes também tem apoio das políticas educativas. 2. Ciência para tomar decisões nos assuntos públicos tecno-científicos Prestam especial atenção ao exercício da cidadania em uma sociedade democrática. Prepara para enfrentar a vida real e muitas questões de interesse social relacionadas com a ciência e a tecnologia e tomar decisões sobre elas. É apoiada por quem defende uma educação científica para a ação social. 3. Ciência funcional para trabalhar nas empresas Não se ignoram os conteúdos tradicionais, porém estes estão subordinados a aquisição de atividades 35 mais gerais. É o ponto de vista preferido por empresários, profissionais da ciência e da tecnologia. 4. Ciência para seduzir os alunos Habitual em meios de comunicação de massa: documentários de televisão, revistas de divulgação científica, internet, etc. As vezes se prefere mostrar os conteúdos e situações mais espetaculares e sensacionalistas, o que contribui para dar uma imagem falsa e estereotipada da ciência e da tecnologia. Esta perspectiva só interessa aos divulgadores da ciência e periodicistas. 5. Ciência útil para o cotidiano Inclui muitos conteúdos chamados de transversais, como saúde e higiene, consumo, educação sexual, etc. Decisões sobre quais conteúdos abordados devem ser o resultado da interação entre especialistas e os cidadãos. 6. Ciência para satisfação de curiosidades pessoais Dedica atenção especial aos temas científicos que mais podem interessar aos próprios estudantes, pois são estes que decidem o que é relevante. Por suas distintas culturas podem aparecer importantes diferenças entre países. 7. Ciência como cultura Promovem-se conteúdos globais, mais centrados na cultura da sociedade que nas disciplinas científicas. A cultura e a sociedade em que vivem os alunos é o que permite decidir o que é relevante para o ensino de ciências. É uma visão cultural que vai mais além da visão cultural popular. Quadro 1.1 – Finalidades no ensino de Ciências Fonte: Acevedo, 2004, p. 6. (Tradução livre). Não queremos discutir todas as ênfases, queremos sim identificar e argumentar sobre aquelas que convergem para o nosso interesse com relação à proposta de intervenção. Dessa forma, acompanhando o Quadro 1, chamamos a atenção para as ênfases: 2 (sobre as decisões relativas a assuntos públicos); 5 (cotidiano); 6 (curiosidades pessoais); e 7 (cultural). Essas quatro ênfases envolvem 36 questões que trazem afinidades, ao nosso entendimento, para um ensino de Ciências que pretende mudar a atitude frente às aulas de Ciências, e a postura dos alunos frente às questões sociais. Na ênfase sobre as decisões públicas, entendemos que os cidadãos devam ser ativos socialmente, como por exemplo, influenciando os processos de decisões sobre a elaboração e aplicação de projetos sociais, bem como no acompanhamento de sua execução. A responsabilidade social está inserida nesse contexto, portanto, a formação dos alunos e de um futuro cidadão, socialmente, ativo passa por essa ênfase. É preciso pensar na metodologia e nos instrumentos que permitam tal ênfase. Neste momento, cremos caber um comentário sobre uma diferença marcante entre os trabalhos de Acevedo e Moreira. Esta diferença acontece, pois para o segundo autor há uma definição para a ênfase curricular Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), como focalizando as limitações da ciência para a resolução de problemas práticos e a tomada de decisão, visto que tais problemas envolvem também questões políticas e sociais e não apenas científicas, estando com essa definição inserindo CTS, tão somente, no item 2 desse Quadro. Para Acevedo, o CTS engloba outras ênfases também, principalmente, os itens 2, 5 e 7, assim a ênfase CTS não está aparente nesse Quadro, já que para este último autor há uma visão ampliada dessa ênfase, vendo-a como um conjunto de finalidades em se ensinar Ciências. O ensino de Ciências, mencionado no item 5 do Quadro, deve estar relacionado com o cotidiano dos alunos, não é mais concebível um ensino que aumente a separação entre o conhecimento escolar e o mundo em que as pessoas vivem. Entendemos que os temas que envolvem o cotidiano podem ser relacionados também com a tecnologia, usando eixos como consumo, energia, poluição ambiental, saúde e a violência. É pensando nas tecnologias as quais percebemos estarem mais presentes a cada dia em nossa vida, que, particularmente, o ensino da Física também deve estar mais atualizado com relação aos conceitos e às aplicações da Física Moderna. No nosso cotidiano e de nossos alunos, conteúdos como a Relatividade, a Física de Partículas, a Física Quântica e a Física Nuclear estão presentes, seja na geração de energia elétrica, nos Sistema de Posicionamentos, nos celulares e computadores, na mídia e em muitos outros lugares. 37 Entendemos, comentando o item 6 do Quadro 1, que a Física deva privilegiar conteúdos, os quais elegemos relevantes para os objetivos de se ensinar Ciências, mas entendemos, também, que o prazer em aprender deva estar relacionado a eles. Nesse aspecto, consideramos importante conciliar assuntos de interesse dos alunos com os objetivos traçados pelo professor. Não desprezar o que os alunos têm curiosidade em saber e tornar essas questões presentes, fazendo-as parte do objetivo em se ensinar e aprender Física, porém
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