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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES OCORRIDOS EM ACIDENTES DE TRÂNSITO ANDRÉ BERNARDO NASCIMENTO DA CUNHA Itajaí-SC, maio de 2009 I UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES OCORRIDOS EM ACIDENTES DE TRÂNSITO ANDRÉ BERNARDO NASCIMENTO DA CUNHA Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professora Aparecida Correia da Silva Itajaí - SC, maio de 2009 II AGRADECIMENTOS Á Deus principalmente, pela força pra seguir em frete. Aos meus pais, pelo tanto que me apoiaram no decorrer da faculdade. Á professora orientadora Aparecida que me ajudou neste trabalho, meus sinceros agradecimentos. E a todos que me apoiaram a seguir em frente. III DEDICO ESTE TRABALHO Aos meus pais, pelo apoio e para todos amigos, companheiros, que deram a maior força. Ao amigo Paulo Vitor Rudolf Machado, in memorian, que deixou muitas lembranças, dedico inteiramente este trabalho para este que foi uma grande pessoa. IV "Não há nada mais relevante para a vida social que a formação do sentimento da justiça. " ( Rui Barbosa ) V TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí - SC, maio de 2009. André Bernardo Nascimento da Cunha Graduando VI PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando André Bernardo Nascimento da Cunha, sob o título Dolo eventual e culpa consciente nos crimes ocorridos em acidentes de trânsito, foi submetida em [data] de 2009 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Professor Mestre Aparecida Correia da Silva, Professor Mestre Adilor Danieli e aprovada com a nota [nota]. Itajaí - SC, maio de 2009 Prof. Aparecida Correia da Silva Orientador e Presidente da Banca Prof. MSc Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia VII ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS CP Código Penal Brasileiro ART. Artigo de Lei CTB Código de Trânsito Brasileiro REL. Relator DES. Desembargador VIII ROL DE CATEGORIAS Automóvel Veículo automotor destinado ao transporte de passageiros, com capacidade para até oito pessoas, exclusive o condutor1. Crime no aspecto formal Formalmente, o crime é conceituado sob aspecto da técnica jurídica, adotando o elemento dogmático da conduta qualificada como crime por uma norma penal2. Crime no aspecto material Materialmente o crime é conceituado sob o ângulo ontológico, a conduta humana é tida como criminosa3. Culpa consciente O agente não quer o resultado, não assume o risco de produzi-lo e nem é tolerável ou indiferente, o evento lhe é representado(previsto), mas confia em sua não-produção4. Dolo eventual O sujeito tolera a produção do resultado, que lhe é indiferente, tanto faz que ocorra ou não, ele assume o risco de produzi-lo5. Homicídio culposo No delito de homicídio, o agente inobserva o cuidado objetivamente devido, a diligencia indispensável em face das circustancias e produz, de conseqüência, o resultado morte6. 1 BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro – lei 9.503/97 de 23 de setembro de 1997. São Paulo:Dialética, 1997. p. 73. 2 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1997 p. 79. 3 .JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1997 p. 79. 4 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1997 p. 282. 5 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1997 p. 282. IX Homicídio doloso É a vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal. Mais amplamente, é a vontade manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta7. Trânsito Um fenômeno mais amplo do que geralmente é compreendido, em razão de englobar todos os usuários das vias terrestres, mesmo que não se encontrem embarcados em veículos automotores, e mesmo que não se encontrem em deslocamento. Uma pessoa, caminhando ou sentada em um banco de praça, estará sujeita às normas impostas pelo Código de Trânsito Brasileiro8. Veículo automotor Todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico)9. 6 MIRABETE, Júlio fabbrini, Código Penal Interpretado, 5ed, São Paulo, Atlas, 2005. p.944. 7 JESUS, Damásio E., Direito Penal, vol.1 : parte geral, 28 ed. Ver. – São Paulo : Saraiva, 2005. p 287. 8 HONORATO, Cássio Mattos. Trânsito: infrações e crimes. Campinas: Millennium, 2000. p. 2. 9 BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro – lei 9.503/97 de 23 de setembro de 1997. São Paulo:Dialética, 1997. p. 78. X SUMÁRIO RESUMO........................................................................................ 12 INTRODUÇÃO............................................................................... 13 CAPÍTULO 1 – DO CRIME.............................................................15 1.1 CONCEITO.................................................................................................15 1.2 O CRIME CULPOSO...................................................................................17 1.3 ELEMENTOS DA CULPA...........................................................................171.3.1 Conduta..................................................................................................18 1.3.2 Dever do cuidado objetivo................................................................. 18 1.3.3 Resultado.............................................................................................. 19 1.3.4 Previsibilidade...................................................................................... 21 1.3.5 Tipicidade..............................................................................................22 1.4 MODALIDADES DA CULPA.......................................................................23 1.4.1 Negligência........................................................................................... 24 1.4.2 Imprudência........................ ................................................................. 25 1.4.3 Imperícia............................................................................................... 25 1.5 ESPÉCIES.................................................................................................. 27 1.5.1 Culpa consciente................................................................................. 27 1.5.2 Culpa inconsciente.............................................................................. 30 1.5.3 Culpa imprópria.................................................................................... 30 1.5.4 Culpa presumida.................................................................................. 31 1.5.5 Graus da culpa..................................................................................... 31 CAPÍTULO 2 – O CRIME DOLOSO.............................................. 33 2.1 CONCEITO................................................................................................. 33 2.2 TEORIAS DO DOLO.................................................................................. 35 2.2.1 Teoria da vontade................................................................................. 35 2.2.2 Teoria da representação...................................................................... 36 2.2.3 Teoria do assentimento ou consentimento....................................... 36 2.3 ELEMENTOS DO DOLO.......................................................................... 37 2.3.1 Elemento cognitivo.............................................................................. 37 2.3.2 Elemento volitivo...................................................................................38 2.4 ESPÉCIES DE DOLO..................................................................................38 2.4.1 Dolo natural e dolo normativo..............................................................38 2.4.2 Dolo direto..............................................................................................39 2.4.3 Dolo indireto...........................................................................................41 2.4.4 Dolo alternativo......................................................................................42 2.4.5 Dolo eventual.........................................................................................42 2.4.6 Dolo de dano ou de perigo....................................................................45 2.4.7 Dolo genérico ou específico.................................................................47 2.4.8 Dolo geral...............................................................................................48 2.4.9 Dolo e pena.............................................................................................50 XI CAPÍTULO 3 – CULPA CONSCIENTE E DOLO EVENTUAL NOS CRIMES DE TRÂNSITO.................................................................52 3.1 Trânsito e veículos...................................................................................52 3.2 DOS CRIMES EM ESPÉCIES.....................................................................55 3.2.1 Homicídio e lesão corporal culposa no trânsito.................................55 3.2.2 Omissão de socorro..............................................................................57 3.2.3 Fuga do local do acidente.....................................................................58 3.2.4 Embriaguez ao volante..........................................................................58 3.2.5 Violação da suspensão ou proibição imposta....................................59 3.2.6 Participação em competição não autorizada......................................60 3.2.7 Direção de veiculo sem permissão ou habilitação.............................60 3.2.8 Entrega de veiculo a pessoa não habilitada.......................................61 3.2.9 Excesso de velocidade em determinados locais...............................61 3.2.10 Fraude no procedimento apuratório.................................................62 3.3 DOLO EVENTUAL X CULPA CONSCIENTE............................................62 3.4 ELEMENTOS DE VERIFICAÇÃO DO DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE...................................................................................................69 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................74 REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS............................................76 12 RESUMO O presente trabalho monográfico tem por objetivo a análise do dolo eventual e da culpa consciente nos crimes ocorridos em acidente de trânsito. No primeiro momento conceitua-se o crime. Em seguida trabalha-se a culpa, abrangendo seus conceitos, elementos, espécies. Logo no segundo capitulo, trata-se do dolo em geral, conceitos, elementos e espécies. Por fim, no terceiro capitulo, tratou-se especificamente o dolo eventual e a culpa consciente, demonstrando a diferenciação e elementos em que ocorrem. 13 INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto analisar os casos em que ocorrem o dolo eventual e a culpa consciente nos crimes ocorridos em acidentes de transito. Esta pesquisa tem como objetivo institucional a produção de uma Monografia como requisito básico para a obtenção do título de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. O seu objetivo geral é a análise da culpa e do dolo e em que casos ocorrem nos acidentes de transito. Já o objetivo específico é pesquisar o entendimento da doutrina e dos tribunais, quanto ao dolo nos homicídios de trânsito, bem como analisar em que casos ocorrem a culpa consciente. Para tanto, principia–se, no primeiro Capítulo, tratando do conceito de crime, logo em seguida o crime culposo, tratando dos seus conceitos, elementos e espécies. No segundo capítulo, tratar-se-á sobre o dolo, abrangendo também seus conceitos, elemento e espécies. No segundo capitulo será tratado sobre a culpa consciente e o dolo eventual, entendendo sua diferenciação, e ainda os elementos que se verifica que ocorreu o dolo eventual e a culpa consciente. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre 14 Dolo eventual e culpa consciente nos acidentes ocorridos em acidentes de trânsito. Para a presente monografia foram levantadas as seguintes hipóteses: - Sempre será considerado culposo o homicídio no trânsito? - Em quaiscasos poderá ser considerado doloso o homicídio no trânsito. - Qual o entendimento dos Tribunais perante o Homicídio com culpa consciente e dolo eventual. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. 15 CAPÍTULO 1 O CRIME 1.1 CONCEITO “Crime” é espécie de “infração”, assim como “delito” é “contravenção”. O código Penal usa as três expressões. Para a conceituação de crime Damásio10 entende: Existem dois aspectos, o formal e o material. Formalmente, o crime é conceituado sob aspecto da técnica jurídica, adotando o elemento dogmático da conduta qualificada como crime por uma norma penal. Já materialmente o crime é conceituado sob o ângulo ontológico, a conduta humana é tida como criminosa. Para a teoria causalista crime é fato típico, antijurídico e culpável. Dolo e culpa estão incluídos na culpabilidade. Para a teoria finalista crime é fato típico e antijurídico = dolo e culpa estão no tipo. Culpabilidade é pressuposto da pena, já que faz um juízo de censurabilidade ou reprobabilidade. 1.2 O CRIME CULPOSO O cuidado exigível de uma pessoa prudente e de discernimento diante da situação concreta do sujeito encontraremos o cuidado objetivo necessário, fundado na previsibilidade. Esse cuidado com a conduta do sujeito, importa pelo dever de cuidado com o comportamento do sujeito. Se ele não se conduziu da forma imposta pelo cuidado, o fato é típico. 10 JESUS, Damásio Evangelista de . Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1997 p. 282 16 O crime culposo é a conduta voluntária (ação ou omissão) que produz um resultado antijurídico, não querido, mas previsível, e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado.11 No entendimento de Costa Jr12, o crime culposo tem a seguinte definição: No crime culposo, o agente não emprega a atenção ou diligencia de que era capaz, ou age apesar de não estar ainda dotado de capacidade profissional necessária, conduz-se o agente com imprudência(culpa ativa e militante), com negligencia(inação e inércia), ou com imperícia(culpa profissional, relacionada com a arte ou profissão). Também conceituando crime culposo Mirabete13 relata: O tipo injusto culposo, tem estrutura diversa do tipo doloso, posto que naquele é punido o comportamento mal dirigido a um fim irrelevante(ou ilícito). No delito de homicídio, o agente inobserva o cuidado objetivamente devido, a diligencia indispensável em face das circunstancias e produz, de conseqüência, o resultado morte. Assim, o agente não observando o cuidado necessário para que forme um elemento punível, produz sem prever o resultado, homicídio culposo. Todo homem tem o dever geral de tomar as necessárias cautelas para que seus atos não resultem em dano aos bens jurídicos tutelados. Ao violar esse dever geral, atuando sem as prevenções e cautelas exigíveis, põe o agente, de acordo com as circunstâncias do caso, no caminho do fato culposo. 11 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, São Paulo : Atlas, 2007. p.136. 12 COSTA JUNIOR, Paulo José, Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1999. p.84. 13 MIRABETE, Julio fabbrini, Código Penal Interpretado, 5ed, São Paulo, Atlas, 2005. p.944. 17 Nesse sentido Telles14 define estritamente a culpa: Pode –se definir culpa, stricto sensu, como a falta de cuidado do agente, numa situação em que poderia prever a causação de um resultado danoso, que ele não deseja, nem aceita, e as vezes nem prevê, mas que, com seu comportamento produz e que poderia ter sido evitado, portanto é a causação da morte previsível da vitima, por conduta voluntária de uma pessoa, que nas condições em que atuou, poderia com o cuidado devido, te-la evitado. Há na culpa, um primeiro momento em que se verifica a tipicidade da conduta: é típica toda conduta que infringe o “cuidado necessário objetivo”. Telles15 afirma que ao contrário do que ocorre em relação ao crime doloso de homicídio, em que é suficiente o processo de adequação típica para ser resolvido o problema da tipicidade do fato, no crime culposo de homicídio o tipo é aberto. 1.3 ELEMENTOS DA CULPA São assim elementos do crime culposo segundo Mirabete16: a) a conduta b) a inobservância do dever de cuidado objetivo; c) o resultado lesivo involuntário; d) a previsibilidade; e) a tipicidade. 14 TELES,Ney Moura, Direito Penal - parte especial, arts, 121 a 212, vol.2, São Paulo: Atlas, 2004.p 143 15 TELES,Ney Moura, Direito Penal - parte especial, arts, 121 a 212, vol.2, São Paulo: Atlas, 2004.p 143 16 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, São Paulo : Atlas, 2007. p.136 18 1.3.1 Conduta Na esfera do crime culposo, o importante para salientar é o modo e a forma imprópria em que o sujeito agiu para consumar o crime. O elemento importante para decidir sobre o fato lesivo não é propriamente o resultado, mas sim no desvalor da ação que praticou. Capez17 p.110 aduz: Conduta é a ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dolosa ou culposa, dirigida a uma finalidade, típica ou não, mas que produz ou tenta produzir um resultado previsto na lei penal como crime. Mirabete18 exemplifica: Se um motorista, dirige velozmente para chegar a tempo de assistir a missa domingueira e vem a atropelar um pedestre, o fim licito não importa, pois agiu ilicitamente ao não atender ao cuidado necessário a que estava obrigado em sua ação, dando causa ao resultado lesivo(lesão, morte), essa inobservância do dever de cuidado faz com que sua ação configure uma ação típica. A conduta culposa é, portanto, elemento do fato típico. Deixando claro o que se trata a conduta do agente que age com culpa, o dever do cuidado objetivo é a próxima etapa da culpa. 1.3.2 Dever do cuidado objetivo No convívio social, é determinado a todos a obrigação de realizar condutas de forma a não causar a morte de um ser humano. É denominado cuidado objetivo. A conduta torna-se típica no momento em que o 17 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal:parte geral, vol.1: 7ª ed. Ver. E atual, São Paulo, Saraiva 2004.p.110 18 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, São Paulo : Atlas, 2007. p.136 19 sujeito realiza uma ação causadora do resultado morte sem o discernimento e prudência que uma pessoa normal deveria de ter. O fato se inicia com a realização voluntária de uma conduta de fazer ou não fazer. O agente não pretende praticar um crime nem quer expor interesses jurídicos de terceiros a perigo de dano. Falta, porém, com o dever de diligência exigido pela norma. Conforme Mirabete19 o dever do cuidado objetivo é: A cada homem, na comunidade social, incumbe o dever de praticar os atos da vida com as cautelas necessárias para que de seu atuar não resulte dano a bens jurídicos alheios. Quem vive em sociedade não deve, com uma ação irrefletida, causar dano a terceiro, sendo-lhe exigido o dever de cuidado indispensável a evitar tais lesões.Assim, se o agente não observa esses cuidados indispensáveis, causando com isso dano a bem jurídico alheio, responderá por ele. É a inobservância do cuidado objetivo exigível do agente que torna a conduta antijurídica. Muitos dos atos praticados pelo ser humano podem provocar perigo, sendo inerentes a eles um risco que não pode ser suprimido inteiramente sob pena de serem totalmente proibidas (dirigir um veículo, operar um maquinismo, lidar com substâncias tóxicas etc.). Procura a lei estabelecer quais os deveres e cuidados que o agente deve ter quando desempenha certas atividades (velocidade máxima permitida nas ruas e estradas, utilização de equipamento próprio em atividades industriais, exigência de autorização para exercer determinadas profissões etc.). É impossível, porém, uma regulamentação jurídica que esgote todas as possíveis violações de cuidados nas atividades humanas. Além disso, às vezes a violação de uma norma jurídica não significa que o agente tenha agido sem as cautelas exigíveis no caso concreto20. 19 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, São Paulo : Atlas, 2007. p.137 20 Nesse sentido, Prado afirma que “o desvalor da ação está representado pela inobservância do cuidado objetivamente devido e o desvalor do resultado pela lesão ou perigo concreto de lesão para o bem jurídico”21. Para Cezar Bitencourt22 “a observância do dever objetivo de cuidado, isto é, a diligência devida constitui o elemento fundamental do tipo de injusto culposo, cuja análise constitui uma questão preliminar no exame da culpa”. A inobservância do dever de cuidado não constitui conduta típica porque é necessário outro elemento do tipo culposo: o resultado. Só haverá ilícito penal culposo se da ação contrária ao cuidado resultar lesão a um bem jurídico. 1.3.3 Resultado Mirabete23 relata que o resultado é: Não deixa de ser um componente de azar da conduta humana no crime culposo (dirigir sem atenção pode ou não causar colisão e lesões em outra pessoa). Não existindo o resultado (não havendo a colisão), não se responsabilizará por crime culposo o agente que inobservou o cuidado necessário, ressalvada a hipótese em que a conduta constituir, por si mesma, um ilícito penal (a contravenção de direção perigosa de veículo, prevista no art. 34 da LCP, por exemplo). A exigência do resultado lesivo para a existência do crime culposo justifica-se pela função política garantidora que deve 20 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, São Paulo : Atlas, 2007. p.137 21 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro - Parte Geral. São Paulo: RT, 1999, p. 192 22 BITENCOURT, Cezar Roberto. Lições de Direito Penal. Parte Geral. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 246 23 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, São Paulo : Atlas, 2007. p.137 e 138 21 orientar o legislador na elaboração do tipo penal. Conforme a jurisprudência do STF24: Nos crimes culposos deve haver o nexo causal entre a conduta e o resultado, como este é reprovável pela desatenção do agente ao dever de cuidado para evitar o previsível, se o resultado estava fora da relação de causalidade, também estava fora da previsibilidade. Não haverá crime culposo mesmo que a conduta contrarie os cuidados objetivos e se verifica que o resultado se produziria da mesma forma, independentemente da ação descuidada do agente. Assim, se alguém se atira sob as rodas do veículo que é dirigido pelo motorista na contramão de direção, não se pode imputar a este o resultado (morte do suicida). Trata-se, no caso, de mero caso fortuito. Evidentemente, deve haver no crime culposo, como em todo fato típico, a relação de causalidade entre a ação e o resultado, obedecendo-se ao que dispõe a lei brasileira no art. 13 do CP. 1.3.4 Previsibilidade O sujeito não preveu a situação futura e incerta sobre o ilícito penal, construindo assim, um ilícito penal. Mirabete25 diz: Há na conduta não uma vontade dirigida à realização do tipo, mas apenas um conhecimento potencial de sua concretização, vale dizer, uma possibilidade de conhecimento de que o resultado lesivo pode ocorrer. Esse aspecto subjetivo da culpa é a possibilidade de conhecer o perigo que a conduta descuidada do sujeito cria para os bens jurídicos alheios, e a 24 STF, RTJ 111/ 619 25 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, São Paulo : Atlas, 2007. p.138 22 possibilidade de prever o resultado conforme o conhecimento do agente. A essa possibilidade de conhecimento e previsão dá-se o nome de previsibilidade. Damásio26 no mesmo pensamento anota: A previsibilidade é a possibilidade de ser antevisto o resultado, nas condições em que o sujeito se encontrava. Exige-se que o agente, nas circunstâncias em que se encontrava, pudesse prever o resultado de seu ato. Zaffaroni27 ainda: A previsibilidade deve ser estabelecida conforme a capacidade de previsão de cada indivíduo, sem que para isso se tenha de recorrer a nenhum "termo médio" ou "critério de normalidade" Conforme prelecionam Pires e Sheila Sales28: Tal juízo deve ser realizado ex ante, tomando por standart a diligência, a perícia e a prudência que seriam adotadas pelo ‘homem comum, normal’, e não pelo agente que atuou no ‘caso concreto’, segundo sua individual capacidade grau de instrução, profissão, conhecimentos especiais”. A previsibilidade conforme os doutrinadores, seria a imaginação futura do resultado, então o agente teria que ter a precaução para que o fato típico não ocorresse. 1.3.5 Tipicidade A tipicidade, não é suficiente o processo de adequação típica, uma vez que o tipo não é precisamente definido em face da diversidade 26 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. v.1. p. 283 27 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 369 28 PIRES, Ariosvaldo de Campos, SALES, Sheila Jorge Selim de. Direito Penal, São Paulo. Atlas, 1997, p. 68-69. 23 imensa das formas de conduta. O juiz, então, tem que estabelecer um critério para considerar típica a conduta. Para saber se o sujeito deixou de observar o cuidado necessário é preciso comparar a sua conduta com o comportamento que teria uma pessoa normal. Para Mirabete29 “a tipicidade nos crimes culposos determina-se através da comparação entre a conduta do agente e o comportamento presumível que, nas circunstâncias, teria uma pessoa de discernimento e prudência ordinários”. Para Fragoso30 “é típica a ação que provocou o resultado quando se observa que não atendeu o agente ao cuidado e à atenção adequados às circunstâncias”. Em suma, a culpa, à semelhança do dolo, é uma atitude contrária ao dever, portanto, reprovável da vontade. Conhecer as modalidades de culpa é fundamental para a o estudo do crime culposo, que será tratado logo em diante. 1.4 MODALIDADES DA CULPA As modalidades de culpa, ou formas de manifestação da falta do cuidado objetivo, estão discriminadas no art. 18 do Código Penal Brasileiro, inciso II: imprudência, negligência ou imperícia. Art. 18 - Diz-se o crime: (...) II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.29 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, São Paulo : Atlas, 2007. p.140 30 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral. 4 ed. Rio de janeiro: forense. 1980. p. 226 – 227. 24 As modalidades de culpa será apreciada passo a passo. 1.4.1 Negligência A negligência é a inércia psíquica, a indiferença do agente que, podendo tomar as devidas cautelas exigíveis, não o faz por displicência, relaxamento ou preguiça mental, resumindo, o sujeito deixa de fazer alguma coisa que a prudência impõe. Nas palavras de Damásio31 a negligência “é a ausência de precaução ou indiferença em relação ao ato realizado. Ex.: deixar arma de fogo ao alcance de uma criança”. No mesmo pensamento, comenta Capez32: Negligência: é a culpa na sua forma omissiva. Implica, pois, a abstenção de um comportamento que era devido. O negligente deixa de tomar, antes de agir, as cautelas que deveria. Desse modo , ao contrario da imprudência, que ocorre durante a ação, a negligencia dá-se sempre antes do inicio da conduta. Noronha33 aduz: Consigna-se primeiramente que para muitos a negligência é a expressão ampla em que cabe todo conteúdo da culpa. A rigor, seria suficiente para ministrar todo o substrato da culpa, podendo, assim, as idéias de imprudência e imperícia caber dentro da correspondente da negligencia. Noronha34 ainda diz que a “negligência é vinculada a um comportamento negativo do agente, ou seja, á inércia, inação, e passividade, basicamente trata-se de uma inatividade material ou subjetiva”. 31 JESUS, Damásio Ev., Direito Penal. São Paulo: saraiva, 2004. p. 80 32 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal:parte geral, vol.1: 7ª ed. Ver. E atual, São Paulo, Saraiva 2004.p.113 33 NORONHA, Edgard Magalhães, Do Crime Culposo. 2.ed. São Paulo. Saraiva 1966.p.91 25 Não tendo o devido cuidado para que o resultado morte ocorresse, torna-se o agente, um negligente. 1.4.2 Imprudência A imprudência é a atitude precipitada do agente, que age com afoiteza, sem cautelas, segundo Mirabete35, não usando de seus poderes inibidores, é a criação desnecessária de um perigo. Damásio36 explica que “imprudência é a pratica de um fato perigoso.ex.: realizar uma cirurgia sem conhecimento medico”. Capez37 relata: Consiste na violação das regras de conduta ensinadas pela experiência. É o atuar sem precaução, precipitado, imponderado. Uma característica fundamental da imprudência é que nela a culpa se desenvolve paralelamente a ação. Desse modo, enquanto o agente pratica a conduta comissiva, vai ocorrendo simultaneamente a imprudência. Noronha38 leciona que a imprudência esta ligada a idéia de comportamento ativo, um agir afoito, sem cautela, precipitado. O agente descuidando do seu dever de zelar pela vida de terceiros, age sem pensar no resultado futuro, gerando resultado típico. 1.4.3 Imperícia 34 NORONHA, Edgard Magalhães, Do Crime Culposo. 2.ed. São Paulo. Saraiva 1966.p.91 35 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, São Paulo : Atlas, 2007. p.140 36 JESUS, Damásio Ev., Direito Penal. São Paulo: saraiva, 2004. p. 81e 82 37 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal:parte geral, vol.1: 7ª ed. Ver. E atual, São Paulo, Saraiva 2004.p.113 38 NORONHA, Edgard Magalhães, Do Crime Culposo. 2.ed. São Paulo. Saraiva, 1966. p. 96 26 É a incapacidade, a falta de habilidade específica para a realização de uma atividade técnica ou científica, não levando, o agente, em consideração o que sabe ou deveria saber. Damásio39 conceitua que imperícia é: A imperícia é a falta de aptidão para o exercício de arte ou profissão. O químico, o eletricista, o medico, o engenheiro, o farmacêutico, necessidade de aptidão teórica e pratica para o exercício de suas atividades. Nesse sentido Capez40 diz: A imperícia consiste na falta de conhecimento técnico ou habilitação para o exercício de arte ou profissão. É a pratica de certa atividade, de modo omissivo(negligente) ou insensato(imprudente), por alguém incapacitado para tanto, quer pela falta de conhecimento, quer pela falta de pratica. Alimentando mais ainda o conceito de imperícia Noronha41 aduz: A imperícia é a falta de determinado conhecimento ou habilitação, para o exercício de determinada função, arte ou profissão, pode ser oriunda da falta de pratica ou ausência de conhecimentos técnicos de dado mister que lhe seriam efetivamente exigíveis. Além de serem imprecisos os limites que distinguem essas modalidades de culpa, podem elas coexistir no mesmo fato. Mirabete42 leciona que “poderá haver imprudência e negligência (pneus gastos que não 39 JESUS, Damásio Ev., Direito Penal, São Paulo: Saraiva, 2004p. 80 e 81 40 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, São Paulo: Saraiva, 2005. 41 NORONHA, Edgard Magalhães, Do Crime Culposo. 2.ed. São Paulo. Saraiva, 1966. p. 90- 96 42 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal. São Paulo : Atlas, 2007. p.141 27 foram trocados e excesso de velocidade), a negligência e a imperícia (profissional incompetente que age sem providências específicas), a imperícia e a imprudência”. 1.5 ESPÉCIES 1.5.1 Culpa consciente Na culpa consciente o resultado é previsto pelo sujeito, que espera levianamente que não ocorra ou que possa evitá-lo. É também chamada culpa com previsão, ele confia em que sua ação conduzirá tão- somente ao resultado que pretende, o que só não ocorre por erro no cálculo ou erro na execução. O agente tem o defeito de querer, uma vez que o ele realiza a conduta, embora haja previsto a possibilidade do resultado ao passo que, na culpa inconsciente, há um defeito de representação de vontade, pois o agente atua sem ao menos prever a ocorrência de evento típico. Benfica43, relata que “quando o agente tem consciência da violação do cuidado objetivo, mas age confiante de que nada vai acontecer”. Bitencourt44 afirma que: Há culpa consciente, também chamada culpa com previsão, quando o agente, deixando de observar a diligência a que estava obrigado, prevê um resultado, possível, mas confia convictamente que ele não ocorra. No mesmo pensamento D’avila45: 43 BEMFICA, Francisco Veni. Da Teoria do Crime. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 87. 44 BITENCOURT, César Roberto, Lições de Direito Penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p. 250 45 D’AVILLA Fabio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2001. p. 104 28 Ocorre na hipótese em que o agente embora prevendo a possibilidade da ocorrência de um resultado típico, decorre de sua atitude descuidada, acreditar sinceramente que tal situação não ocorrerá. Callegari46 relata que: A culpa consciente ocorre quando o agente prevê o resultado, mas espera, sinceramente, que não ocorrerá. Há no agente a representação da possibilidade do resultado, mas ele a afasta por entender que o evitará, que sua habilidade impedirá o evento lesivo que está dentro de sua previsão. Damásio47: exemplifica na sua obra que: Numa caçada, o sujeito vê um animal nas proximidades de seu companheiro, percebe que, atirando na caça, poderá acertar o companheiro, confia, porem, em sua pontaria, acreditando que não vira a matá-lo, atira e mata-o. nãoresponde por homicídio doloso, mas sim por homicídio culposo( CP, art.121, §3º) Entretanto, a simples previsão do resultado, por si só, não caracteriza que o agente agiu com culpa consciente, faz-se necessário que ele tenha possuído também, a consciência acerca da infração ao dever de cuidado. A principal característica é a confiança que o agente possui quanto à inexistência do resultado desfavorável, não se devendo confundi-la com uma mera esperança em fatores aleatórios. O agente, mesmo prevendo o resultado, não o aceita, não assume o risco de produzi-lo, nem permanece indiferente a ele, o resultado danoso. Apesar de prevê-lo, confia o agente em sua não-produção. 46CALLEGARI, André Luís. Dolo eventual, culpa consciente e acidente de trânsito. 1995. p.516 47 JESUS, Damásio Ev., Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 81e 82. 29 O Código Penal pátrio equipara a culpa consciente à inconsciente, designando a mesma pena abstrata para ambos os casos. No entanto a distinção entre culpa consciente e inconsciente é pelo fato de elas serem puníveis, perde muito de sua relevância jurídica, com exceção de dois aspectos fundamentais: o primeiro diz respeito ao grau de censurabilidade da culpa consciente e a da inconsciente, o segundo a distinção entre culpa consciente e dolo eventual. 1.5.2 Culpa inconsciente A culpa inconsciente quando o agente realizar a conduta descuidada, sem sequer prever a previsibilidade do resultado típico, ou seja, ignorando, por completo a sua possível ocorrência, embora se fosse possível chegar a esse conhecimento. A culpa inconsciente, segundo Bittencourt48 caracteriza- se “pela ausência absoluta de nexo psicológico entre o autor e o resultado de sua ação (não há a imprevisibilidade, caso contrário haveria caso fortuito ou força maior)”. Mirabete49 no mesmo entendimento: A culpa inconsciente existe quando o agente não prevê o resultado que é previsível. Não há no agente o conhecimento efetivo do perigo que sua conduta provoca para o bem jurídico alheio. Uma das classificações básicas das espécies de culpa é a distinção entre culpa consciente e inconsciente.Na culpainconsciente,também denominada culpa ex ignorantia, o resultado, embora previsível, não é previsto pelo agente. São os casos de negligência, imperícia e imprudência, em que 48 BITENCOURT, César Roberto, Lições de Direito Penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p. 251. 49 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal. São Paulo : Atlas, 2007. p.141. 30 não houve a previsão do resultado por descuido, desatenção ou desinteresse do agente. Em suma, a culpa inconsciente diz respeito às situações em que o agente deveria agir com previsibilidade e não o faz, ocasionando um resultado que ele não desejava e nem previu, quando deveria estar alerta - ou seja, as situações em que o resultado danoso ocorreu devido à imprudência, imperícia e negligência do agente. Portanto, a culpa inconsciente diz respeito às situações em que o agente deveria agir com previsibilidade (objetiva e subjetiva) e não o faz, ocasionando, assim, um resultado que ele não desejava e nem previu. Em outras palavras, ocorre nas situações em que o resultado danoso adveio de um comportamento imprudente, imperito ou negligente do agente. O agente acredita ter o domínio da conduta e não tem, e isto faz com que os riscos inerentes à atividade sejam acrescidos dos riscos da conduta viciada, sem que o agente disto se a perceba. Logo, se vem a ocorrer algum resultado por conta do acréscimo dos riscos, tal resultado [típico] pode ser atribuído ao agente, não somente pela cadeia causal natural [o que seria objetivo], mas pela cadeia causal anímica ou psicológica que o levou a se conduzir alheio aos bens jurídicos próprios, de outrem, comuns ou públicos. 1.5.3 Culpa imprópria Para Mirabete50 “a culpa imprópria deriva esta do erro de tipo inescusável, nas descriminantes putativas ou do excesso nas causas justificativas. Nessas hipóteses, o sujeito quer o resultado, mas sua vontade está viciada por um erro que poderia, com o cuidado necessário, ter evitado”. 50 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal. São Paulo : Atlas, 2007. p.142 31 Damásio51 acredita que “a denominação é incorreta, uma vez que na chamada culpa imprópria se tem, na verdade, um crime doloso e que o legislador aplica a pena de crime culposo”. 1.5.4 Culpa presumida Mirabete52 diz que é culpa presumida quando, “não se indagando se no caso concreto estão presentes os elementos da conduta culposa, o agente é punido por determinação legal, que presume a ocorrência dela”. Na legislação anterior ocorria punição por crime culposo quando o agente causasse o resultado apenas por ter infringido uma disposição regulamentar (dirigir sem habilitação legal, acima do limite estabelecido na rodovia etc.), ainda que não houvesse imprudência, negligência ou imperícia. Exemplificando, Willian Wanderley Jorge53 relata: Não se pode considerar alguém culpado simplesmente por haver aquiescido em conduzir passageiros em veículos inadequados, como são os caminhões e os tratores. Exige-se a prova da imprudência ou negligência ou imperícia, pois o agente nessa conduta apenas desrespeitou regra de trânsito. O próximo passo do crime culposo será o grau da culpa que será tratado logo em diante 1.5.5 Graus da culpa A doutrina trás 3 diferentes tipos de culpa: a – grave b – leve 51 JESUS, Damásio E. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1983. v.1. p. 287 52 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal. São Paulo : Atlas, 2007. p.142 53 JORGE, Wilian Wanderley. Curso de Direito Penal. Vol. I, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 341. 32 c – levíssima Para Mirabete54 “o grau da culpa varia de acordo com a maior ou menor possibilidade de previsão do resultado e mesmo dos cuidados objetivos tomados ou não pelo sujeito”. Garcia55 entende que “está isento de responsabilidade o agente que dá causa ao resultado com culpa levíssima”. José Salgado Martins56 fala que tal distinção é fundada na afirmação de que o evento, na hipótese de culpa levíssima, só poderia ser evitado se seu causador atuasse com atenção extraordinária, o que equivaleria praticamente ao caso fortuito. Devidamente analisado o crime culposo, far-se necessário analisar o tipo penal quanto ao dolo, o que far-se-á no capítulo seguinte. 54 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, São Paulo : Atlas, 2007. p.143 55 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 5. ed. São Paulo : Max limonad, 1980 vol. 1. p. 297 56 MARTINS, José Salgado. Direito Penal. São Paulo : saraiva, 1974. p. 233. 33 CAPÍTULO 2 DO CRIME DOLOSO 2.1 CONCEITO Conforme Capez57 o dolo é o elemento psicológico da conduta e que a conduta é um dos elementos do fato típico, logo o dolo é um dos elementos do fato típico. Damásio58 entende que dolo, de acordo com a teoria finalista da ação, “é elemento subjetivo do tipo, integra a conduta, pelo que a ação e a omissão não constituem simples formas naturalísticas de comportamento, masações ou omissões dolosas”. Damásio59 ainda em sua obra conceitua o dolo dizendo que “é a vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal. Mais amplamente, é a vontade manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta”. Fragoso60 diz que o dolo “é a consciência e a vontade na realização da conduta típica, compreende elementos cognitivos( conhecimento do fato que constitui a ação típica) e um elemento volitivo ( vontade de realizá- la)”. Nesse sentido o dolo é o elemento nuclear e primordial do tipo subjetivo e, frequentemente, o único do tipo objetivo, o dolo é o querer do resultado típico, a vontade do tipo subjetivo. 57 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, São Paulo : Saraiva, 2005. p. 198. 58 JESUS, Damásio E., Direito penal, São Paulo : Saraiva, 2005. p 287 59 JESUS, Damásio E., Direito penal, São Paulo : Saraiva, 2005. p 287 60 FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de direito penal, ed. Forense. p.175 34 O dolo é a vontade de concretizar as características objetivas do tipo, constitui elemento subjetivo do tipo. O tipo objetivo representa a exteriorização da vontade(aspecto externo-objetivo) que concretiza o tipo subjetivo. O fundamento material do todo crime é a concretização da vontade num fato externo, pois crime não é somente a vontade má concretizada num fato.61 A carga subjetiva é denominada de tipo subjetivo e se esgota apenas no dolo quando o tipo penal contem apenas elementos objetivos e normativos, mas, naqueles em que existem elementos subjetivos, deve abranger estes. Por isso, Mirabete62 diz que “pode-se dizer que o tipo subjetivo é o dolo e eventualmente o dolo e outros elementos subjetivos inscritos ou implícitos no tipo penal abstrato”. Isso não quer dizer, porém, que o tipo objetivo não abranja os aspectos subjetivos, indispensáveis na configuração de determinados delitos, como são chamados elementos subjetivos do injusto. Como sustenta Welzel63, “o tipo objetivo não é objetivo no sentido de alheio ao subjetivo, mas no sentido de objetivado. Compreende aquilo do tipo que tem de se encontrar objetivado no mundo exterior”. Bitencourt64 sustenta que “o tipo objetivo é composto de por um núcleo, representado por um verbo (ação ou omissão), e por elementos secundários, tais como objeto da ação, resultado, nexo causal, autor etc”. Marques65 leciona que: 61 WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán. Trad. Juan Bustos Ramirez e Sergio Yánez Pérez. Santiago, Ed. Jurídica do Chile, 1970. p. 93 62 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, São Paulo, Atlas, 2007. p.133 63 WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán. Trad. Juan Bustos Ramirez e Sergio Yánez Pérez. Santiago, Ed. Jurídica do Chile, 1970. p. 93 64 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal : parte geral, vol.1 – 10 ed. – São Paulo : Saraiva, 2006. p.330 65 MARQUES, José Frederico, Tratado de Direito Penal, vol.2, Campinas : Millennium, 2002. p.224 35 Quando o sujeito ativo “quer” é a ação ou omissão, nem sempre, quando produz o evento, subsiste a vontade de produzi-lo. nos crimes a distancia, o resultado pode ocorrer em momento em que a vontade do agente esteja inerte, como, por exemplo, na hipótese de uma bomba de retardamento que explode no instante em que esteja sob a ação do sono aquele que preparou para explosão. Substancial, por isso, no crime doloso com ação e evento, é que se verifique consoante a intenção do agente, entendendo-se esta como a vontade que se projeta sobre o resultado dependente da conduta. Tendo em vista os conceitos do dolo, fica evidente o estudo das teorias do dolo. 2.2 TEORIAS DO DOLO Há três teorias a respeito do dolo: A teoria da vontade, a teoria da representação e a teoria do assentimento. 2.2.1 teoria da vontade Dolo é a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado. Damásio de Jesus66 relata em sua obra sobre a teoria da vontade: Dolo é a intenção mais ou menos perfeita de praticar um fato que se conhece contrário à lei. Para os partidários dessa teoria, o dolo exige os seguintes requisitos: a) quem realiza o ato deve conhecer os atos e sua significação; b) o autor deve estar disposto a produzir o resultado. Assim, para a teoria da vontade, é preciso que o agente tenha a representação do fato (consciência do fato) e a vontade de causar o resultado. Mirabete67 entende que quem age dolosamente é quem pratica a ação consciente e voluntariamente. É necessário para sua existência, 66 JESUS, Damásio E., Direito Penal, São Paulo: Saraiva, 2005. p 287-288 36 portanto, a consciência da conduta e do resultado e que o agente a pratique voluntariamente. 2.2.2 teoria da representação Para a teoria da representação, dolo é a previsão do resultado. É suficiente que o resultado seja previsto pelo sujeito. Mirabete68 explica que: Dolo é a simples previsão do resultado. Embora não se negue a existência da vontade na ação, o que importa para essa posição é a consciência de que a conduta provocará o resultado. Argumenta-se, contudo, que a simples previsão do resultado, sem a vontade efetivamente exercida na ação, nada representa e que, alem disso, quem tem vontade de causar o resultado evidentemente tem a representação deste. Neste termos, a representação já está prevista na teoria da vontade. Feita as considerações acerca da teoria da representação, fica claro o estudo da teoria do assentimento. 2.2.3 teoria do assentimento ou consentimento Para a teoria do assentimento ou consentimento, também é dolo a vontade que, embora não dirigida diretamente ao resultado previsto como provável ou possível, consente na sua ocorrência ou, o que da no mesmo, assume o risco de produzi-lo. A representação é necessária mas não suficiente à existência do dolo, e consentir na ocorrência do resultado é uma forma de querê-lo. Explica Mirabete69 acerca do tema que segue: 67 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, São Paulo, Atlas, 2007. p.129 68 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal,. São Paulo, Atlas, 2007. p.129 69 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal,. São Paulo, Atlas, 2007. p.129 37 A teoria do consentimento faz parte do dolo a previsão do resultado a que o agente adere, não sendo necessário que ele o queira. Para a teoria em apreço, portanto, existe dolo simplesmente quando o agente consente em causar o resultado ao praticar a conduta. Portanto a previsão ou representação do resultado como certo, provável ou possível, não exigindo que o sujeito queira produzi-lo. é suficiente seu assentimento. 2.3 ELEMENTOS DO DOLO Para a definição dos elementos do dolo, existem dois elementos principais: o elemento cognitivo ou intelectual e o elemento volitivo(vontade). 2.3.1 elemento cognitivo Para a configuração do dolo exige-se a consciência daquilo que se pretende praticar. Essa consciência deve ser atual, isto é deve estar presente no momento da ação, quando ela esta sendo realizada. A consciência do autor, segundo Mirabete70 é: Deve referir-se a todos os elementos do tipo, prevendo ele os dados essenciais dos elementos típicos futuros em especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todos os elementos objetivosconhecidos pelo autor que servem de base a sua decisão em pratica - lá. Feitas as considerações acerca do elemento cognitivo, o elemento volitivo é a próxima etapa dos elementos do dolo. 70 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo, Atlas, 2007. p.130 38 2.3.2 Elemento volitivo Noronha71 entende que: a vontade incondicionada deve abranger a ação ou omissão (conduta), o resultado e o nexo causal. A vontade pressupõe a previsão, isto é, a representação, na medida em que é impossível querer algo conscientemente senão aquilo que se previu ou representou na nossa mente, pelo menos, parcialmente. A vontade de realização do tipo objetivo pressupõe a possibilidade de influir no curso causal, bitencourt entende que: Tudo o que estiver fora da possibilidade de influencia concreta do agente pode ser desejado ou esperado, mas não significa querer realizá-lo. Somente pode ser objeto da norma jurídica algo que o agente possa realizar ou omitir.72 2.4 ESPÉCIES DE DOLO O surgimento das diferentes espécies de dolo é ocasionado pela necessidade de a vontade abranger o objetivo pretendido pelo agente, o meio utilizado, a relação de causalidade, bem como o resultado. 2.4.1 Dolo natural e dolo normativo Segundo a lição de Capez73: Dolo natural é aquele concebido como um elemento puramente psicológico, desprovido de qualquer juízo de valor. Trata-se de um simples querer, independentemente de o objeto da vontade ser licito ou ilícito, certo ou errado. 71 NORONHA, Edgard Magalhães, Direito Penal. São Paulo, Saraiva, 1985, vol.1, p.132 72 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, vol.1 – 10 ed. – São Paulo : Saraiva, 2006. p.336 73 CAPEZ, Fernando, Curso de direito penal. São Paulo : Saraiva, 2005. p. 201 39 Damásio74 complementa que “dolo natural é a simples vontade de fazer alguma coisa, não contendo a consciência da ilicitude. Para nós, o dolo é sempre natural.” Esse dolo compõe-se apenas de consciência e vontade, sem a necessidade de que haja também consciência de que o fato praticado é ilícito, injusto ou errado. Dessa forma, qualquer vontade é considerada dolo, tanto a de beber água, andar, estudar, quanto a praticar um crime. Afasta-se a antiga concepção de “dolus malus” do direito romano. Capez75 elucida que Sendo uma simples vontade, ou esta presente ou não, dispensando qualquer analise valorativa ou opinativa. Foi concebido pela doutrina finalista, integra a conduta e, por conseguinte, o fato típico. Não é elemento da culpabilidade, nem tem a consciência da ilicitude como seu oponente. O dolo normativo não é um simples querer, mas um querer algo errado, ilícito. Capez76 comenta ainda que “deixa de ser um elemento puramente psicológico (um simples querer), para ser um fenômeno normativo, que exige juízo de valoração ( um querer algo errado)”. 2.4.2 Dolo direto Varias tem sido as distinções sugeridas para o dolo. Uma divisão tradicional distingue-se em dolo direto e dolo indireto. O chamado dolo direto é o dolo propriamente dito, aquela forma em que concorrem a previsão e 74 JESUS, Damásio Ev., Direito penal, São Paulo : Saraiva, 2005. p 294, 295 75 CAPEZ Fernando, Curso de Direito Penal, volume 1: parte geral – 9.ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2005. p. 201 76 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, volume 1: parte geral – 9.ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2005. p. 201. 40 a vontade. Segundo a intensidade do querer em relação ao resultado, divide-se o dolo determinado e dolo indeterminado. Determinado diz-se o dolo em que o resultado corresponde perfeitamente à previsão e a vontade. O agente previu e quis o resultado que realmente ocorreu: quis matar e matou. O resultado é, então, o fim realmente visado pelo agente. É a forma que se exprime na primeira parte do art. 15, nº I, em que o nosso código define o crime doloso – “quando o agente quis o resultado”. Aníbal Bruno77 afirma que: o dolo indeterminado, o querer do agente se degrada, não é tão definido em relação ao resultado como determinado, ou direto propriamente dito. Não há então uma direção segura da vontade. O agente prevê e admite a ocorrência eventual de um resultado, ou quer um outro entre vários previstos. Não quer dizer, portanto, que a vontade se dirija indiferentemente a qualquer fato punível, mas apenas que a determinação não se faz de maneira precisa e exclusiva como no dolo determinado. É a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado (teoria da vontade). Ocorre quando o agente quer diretamente o resultado. Segundo a lição de Marques78: Diz-se o dolo direto quando o resultado no mundo exterior corresponde perfeitamente à intenção e vontade do agente. O objetivo por ele representado e a direção da vontade se coadunam com o resultado do fato praticado. Ns mesma obra na página 228 o autor exemplifica: “Ticio atira contra o desafeto para matá-lo e o atinge tirando-lhe a vida. No caso, o dolo é direto”. 77 BRUNO, Aníbal. Direito Penal, Parte Geral, Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 46 78 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, Campinas : Millennium, 2002. p.228 41 Bitencourt79 relata que “o objeto do dolo direto é o fim proposto, os meios escolhidos e os efeitos colaterais representados como necessários à realização do fim pretendido”. Ainda diz que o dolo se divide em 3 aspectos: a) a representação do resultado, dos meios necessários e das conseqüências secundarias; b) o querer o resultado, bem como os meios escolhidos para sua consecução; c) o anuir na realização das conseqüências previstas como certas, necessárias ou possíveis, decorrentes do uso dos meios escolhidos para o fim proposto ou da forma de utilização desses meios. No dolo direto, o agente age com a vontade intencionada de produzir o resultado morte, ele tem a noção do ilícito e mesmo assim pratica a conduta dolosa. 2.4.3 Dolo indireto Aníbal Bruno80 comenta que no dolo indireto, “não há propriamente dolo, porque não existe a concorrência da vontade. A sua construção remonta ao direito e à doutrina dos práticos”. A principio foi-lhe dada a maior elasticidade, quem praticava um ato ilícito devia responder penalmente por todas as suas conseqüências, mesmo as não previsíveis. A tal amplitude de conceito pôs termo, por fim, a doutrina, que reconduziu a matéria à concepção subjetiva da culpabilidade. Só pelos resultados previsíveis do seu ato deveria responder o agente. Essa forma de dolo, em que não concorre a vontade, e que não é, portanto, verdadeiramente dolo, é hoje repudiada pela ciência. 79 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de Direito Penal, vol.1 – 10 ed. – São Paulo : Saraiva, 2006. p.337 80 BRUNO, Aníbal. Direito Penal, Parte Geral, Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 46 42 O agente neste caso não quer diretamente o resultado, mas arrisca a possibilidade de produzí-lo. Existem duas formas de dolo indireto, o dolo alternativo e o dolo eventual. 2.4.4 Dolo alternativo Noronha81 entende que “quando o agente deseja qualquer dos eventos possíveis”, por exemplo: a namorada ciumenta surpreende seu amado conversando com outra e, revoltada, joga uma granada no casal, querendo matá-los ou feri-los, ela quis produzir um resultado e não “o”resultado. Segundo Damásio82 “há dolo alternativo quando a vontade do sujeito se dirige a um ou outro resultado. Ex: o agente desfere golpes de faca na vitima com intenção alternativa: ferir ou matar”. Portanto, o agente tem a vontade de praticar o ato, sabendo que poderá matá-lo ou feri-lo, mesmo assim pratica o evento denominado dolo alternativo. 2.4.5 Dolo eventual No dolo eventual, o agente mesmo não querendo diretamente a realização do ato típico, assume o risco de produzi-lo. 81 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal, 30. ed., São Paulo, Saraiva, v.1, p. 135. 82 JESUS, Damásio E., Direito penal, vol.1 : parte geral, 28 ed. Ver. – São Paulo : Saraiva, 2005. p 290-291. 43 Bruno83 comenta que “o agente prevê o resultado como provável ou ao menos, como possível, mas apesar de prevê-lo, age aceitando o risco de produzi-lo”. Complementa no mesmo pensamento Hungria84: “assumir o risco é alguma coisa mais que ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso este venha efetivamente a ocorrer”. Assumindo tal risco, o agente não se importa com o resultado futuro, para ele tanto faz se acontecer um resultado típico. Segundo Damásio85 ocorre o dolo eventual quando: O sujeito assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. ele não quer o resultado, pois se assim fosse haveria dolo direto. Ele antevê o resultado e age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas assim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Também no mesmo pensamento, Bitencourt86 acrescenta que dolo eventual é quando o agente não quer diretamente o resultado, mas aceita a possibilidade de produzi-lo, ou não se importa em produzir este ou aquele resultado (dolo alternativo). Na lição de Noronha87: “é indireto quando, apesar de querer o resultado, a vontade não se manifesta de modo único e seguro em direção a ele, ao contrario do que sucede com o dolo direto”. Ainda relata na 83BRUNO, Aníbal, Direito Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1967. p.73. 84 HUNGRIA, Nelson, Comentários ao Código Penal, vol.1,Rio de Janeiro, Forense, 1978. p.122. 85 JESUS, Damásio E., Direito penal, vol.1 : parte geral, 28 ed. Ver. – São Paulo : Saraiva, 2005. p 290-291. 86 JESUS, Damásio E., Direito penal, vol.1 : parte geral, 28 ed. Ver. – São Paulo : Saraiva, 2005. p 290-291 87 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal, São Paulo: Saraiva, 1983. V.1, P.135 44 mesma obra que comporta duas formas: o alternativo e o eventual. Dá-se o primeiro quando o agente deseja qualquer um dos eventos possíveis. Por exemplo: a namorada ciumenta surpreende seu amado conversando com outra e, revoltada, joga uma granada no casal, querendo matá-los ou feri-los. Ela quer produzir um resultado e não “o” resultado. No dolo eventual, o sujeito prevê o resultado e, embora não queira propriamente atingi-lo, pouco se importa com a sua ocorrência (“eu não quero, mas se acontecer, para mim tudo bem, não é por causa desse risco que vou parar de praticar minha conduta – não quero, mas também não me importo com a sua ocorrência”). É o caso do motorista que conduz em velocidade incompatível com o local e realizando manobras arriscadas. Mesmo prevendo que pode perder o controle do veiculo, atropelar e matar alguém, não se importa, pois é melhor correr esse risco do que interromper o prazer de dirigir (“não quero, mas se acontecer, tanto faz”). É também o caso do chefer que, em desabalada corrida para chegar a determinado ponto, aceita de antemão o resultado de atropelar uma pessoa. Nelson Hungria88 lembra a formula de Frank para explicar o dolo eventual: “Seja como for, dê no que der, em qualquer caso não deixo de agir”. Observa-se que age também com o dolo eventual o agente que, na duvida a respeito de um dos elementos do tipo, arrisca-se em concretizá-lo. São também casos de dolo eventual: praticar roleta russa, acionando o revolver por varias vezes carregando com um cartucho só e apontando-o sucessivamente contra outra pessoa, para testar sua sorte, e participar de inaceitável disputa automobilística realizada em via publica (racha), ocasionando morte. 88 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3.ed.Rio de Janeiro: Forense, 1955. vol.1. p.289 45 Há certos tipos penais que não admitem o dolo eventual, pois a descrição da conduta impõe um conhecimento especial da circunstancia, por exemplo, ser a coisa produto de crime, no delito de receptação. 2.4.6 Dolo de dano e dolo de perigo Remonta a classificação dos delitos em: a) crimes de dano; e b) crimes de perigo. No dolo de dano o sujeito quer o dano ou assume o risco de produzi-lo (dolo direto ou eventual). Ex.: crime de homicídio doloso, em que o sujeito quer a morte (dano) ou assume o risco de produzi-lo. No dolo de perigo o agente não quer o dano nem assume o risco de produzi-lo, desejando ou assumindo o risco de produzir um resultado de perigo (o perigo constitui resultado). Ele quer ou assume o risco de expor o bem jurídico a perigo de dano (dolo de perigo direto ou dolo de perigo eventual). Pode acontecer que, já estando presente o perigo ao bem jurídico, o agente consente em sua continuidade. Neste caso, há também dolo de perigo. Enquanto no dolo de dano o elemento subjetivo se refere ao dano, no dolo de perigo se dirige ao perigo. Damásio89 exemplifica dolo de perigo: O art. 130 do Código Penal define o crime de “perigo de contagio venéreo”, com a seguinte proposição: “Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contagio de moléstias venérea, de que sabe ou deve saber que esta contaminado”. Neste crime, levando-se em conta a 89 JESUS, Damásio E., Direito penal, vol.1 : parte geral, 28 ed. Ver. – São Paulo : Saraiva, 2005. p. 292 46 expressão “de que sabe”, o sujeito deve agir com dolo de perigo, isto é, ele quer ou assume o risco de produzir o perigo de dano (dano é o contagio). Ele não quer o contagio, pois, se assim fosse, haveria dolo de dano, hipótese prevista no § 1º (“se a intençao do agente tranmitir a moléstia”). Apenas deseja ou assume o risco de submeter a vitima ao perigo de ser contaminada. Bitencourt90 leciona que “o dolo de dano é a vontade de produzir uma lesão efetiva a um bem jurídico, e dolo de perigo é a mera vontade de expor o bem a um perigo de lesão”. Bruno91 relata que: O dolo de dano é a consciência e a vontade que concorrem no sentido do resultado danoso. O dano é previsto e querido. No dolo de perigo, a vontade consciente se dirige só a um resultado de perigo. O agente quer apenas pôr em perigo um bem jurídico penalmente tutelado. O resultado de dano deve ser previsto, mas o agente não quer e mesmo, em vez de aceitar o risco de produzi-lo, espera que ele não ocorra. Nisso se distingue do dolo eventual. Difere ainda da chamada culpa com previsão, porque nesta nem o resultado de perigo é querido pelo agente. O chamado dolo de perigo é a situação psíquica do sujeito nos crimes de perigo, nos crimes, por exemplo, de perigo de contagio venéreo, ou de perigo para a vida ou a saúde de outrem, casos em que o crime se consuma com a simples exposição a perigo do bem jurídico tutelado. Pode ocorrer ainda o que se chama crime de dano com dolo de perigo. É o caso em que, para configurar a espécie delituosa, é suficiente o dolo que visa o perigo,mas o crime só se faz punível com o resultado de dano. Então o agente não quis o dano, só o perigo, mas para a punição se exige que o dano realmente ocorra. No caso, o resultado danoso, é, na realidade, simples condição de punibilidade. 90 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, vol.1 – 10 ed. – São Paulo : Saraiva, 2006. p.337 91 BRUNO, Aníbal. Direito Penal, parte geral, Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 50 47 Bruno92 ainda fala que Assim, no código italiano, a acertada construção do crime de contagio venéreo, que se consuma com a simples exposição de outra pessoa a perigo de contagio, mas só se torna punível se o contagio realmente ocorre. Algumas vezes, mesmo, temos um dolo de dano informando um simples crime de perigo. É o que acontece no nosso Código com o crime de perigo de contagio de doença grave, em que o agente “ com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que esta contaminado” pratica ato capaz de produzir o contagio. 2.4.7 Dolo genérico e dolo específico Dolo genérico, de acordo com a parte da doutrina, é a vontade de realizar fato descrito na norma penal incriminadora; dolo especifico é a vontade de praticar o fato e produzir um fim especial (especifico). Assim, no homicídio, é suficiente o dolo genérico, uma vez que o tipo do art.121, caput, não menciona nenhuma finalidade especial do sujeito; ele quer somente matar a vitima, não matá-la para alguma coisa. Já no crime do art. 133, a conduta de expor ou abandonar recém-nascido é realizado “para ocultar desonra própria” (fim especial – dolo especifico). A distinção que os autores fazem a respeito deve ser apreciada em face do fato material (conduta, resultado e nexo causal). Quando a intenção do sujeito se esgota na produção do fato material, fala-se em dolo genérico. Ex.: o crime de aborto é composto da conduta de provocar e da interrupção da gravidez com a morte do feto (resultado naturalístico), ligados pelo nexo de causalidade objetiva. O dolo é genérico, uma vez que a vontade do agente não vai alem do fato material. O crime de rapto é composto de fato material, que é o seguinte: “raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude”. 92 BRUNO, Aníbal. Direito Penal, parte geral, Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 50 48 Aí se encontram a conduta e o resultado. O agente, porem, pretende outro resultado: “para fim libidinoso”. Então, de acordo com a doutrina, o crime exige dolo especifico, que pressupõe o genérico (a existência do dolo especifico não exclui a exigência do genérico). Então, no dolo especifico, o agente quer um resultado que se encontra fora do fato material. 2.4.8 Dolo geral Não se confunde com o chamado dolo genérico. Para conceituar Damásio explica: Ocorre quando o agente, com a intenção de praticar determinado fato, realiza uma conduta capaz de produzir o efeito desejado, e, logo depois, na crença de um evento já se produziu, empreende nova ação com finalidade diversa, ocorrendo que o segundo comportamento é que causa o resultado denominado “erro sucessivo”(dolo geral). Também leciona Bitencourt93que “quando o agente, após realizar a conduta, supondo já ter produzido o resultado, pratica o que entende ser um exaurimento e nesse momento atinge a consumação”. Há um fato dividido em duas fases segundo Bitencourt94: 1- realização de uma conduta tendente à produção de determinado resultado; 2 – crendo que o evento desejado em face do primeiro comportamento já ocorreu, o agente passa a realizar uma segunda conduta com finalidade diferente, verificando-se que 93 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de Direito Penal, vol.1 – 10 ed. – São Paulo : Saraiva, 2006. p.339 94 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de Direito Penal, vol.1 – 10 ed. – São Paulo : Saraiva, 2006. p.339 49 o resultado querido na primeira fase só acontece por causa da ação concretizada na segunda. Exs.: o sujeito apunhala a vitima e, acreditando que já se encontra morta, pretende cometer ocultação de cadáver, jogando-a nas águas de um rio, vindo ela a falecer em conseqüência de asfixia por afogamento; o agente, após disparar tiros de revolver na vitima e acreditando que já esta morta, pendura-a numa arvore pelo pescoço para simular suicídio por enforcamento, ocorrendo a morte por asfixia. Há três orientações conforme Bitencourt95: 1- o sujeito responde por homicídio doloso consumado. Para essa corrente, não é necessário que o dolo persista durante todo o fato, sendo suficiente que a conduta desencadeante do processo causal seja dolosa. O dolo é “geral”, abrangendo todo o acontecimento. É a orientação da quase unanimidade dos autores brasileiros. 2- Há dois crimes em concurso material:tentativa de homicídio na primeira fase e homicídio culposo, na segunda. 3- Existe somente uma tentativa de homicídio (nossa atual posição). Ocorre um desvio essencial do rumo causal, excludente da imputação objetiva do resultado. A adotar-se a tese de que existe homicídio culposo na segunda fase, de se questionar: e se a vitima vem a ser salva da morte por um terceiro, haveria tentativa de homicídio culposo? Se a vitima morre há homicídio culposo; se não morre por circunstancias estranhas ao agente, deveria este responder por tentativa de homicídio culposo. Estaríamos diante de uma “tentativa de homicídio doloso” em relação à primeira fase, e uma “tentativa de homicídio culposo” na segunda etapa. 95 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de Direito Penal, vol.1 – 10 ed. – São Paulo : Saraiva, 2006. p.340 50 Pretende-se, por aplicação da teoria finalista da ação, responsabilizar os autores com fundamento nem suposto “dolo geral”, em que o elemento subjetivo do tipo abrangeria o evento independentemente da real causa objetiva desencadeada por eles (argumento do quis matar e matou). De observar-se, porém, que a admissão de um dolo de tal amplitude significa punir agentes em casos totalmente inaceitáveis. Bitencourt96 relata que Tal erro é irrelevante para o direito penal, pois o que importa é que o agente quis praticar o homicídio e, de um modo ou de outro, acabou por fazê-lo. O dolo é geral e abrange toda a situação, desde as facadas até o resultado morte, devendo o sujeito ser responsabilizado por homicídio doloso, desprezando-se o erro incidente sobre o nexo causal (achou que matou a facadas, mas acabou matando por afogamento, fato sem importância para o ordenamento jurídico). Entendido o dolo geral, far-se necessário o estudo do dolo e da pena. 2.4.9 Dolo e pena A quantidade da pena abstratamente cominada no tipo não varia de acordo com a espécie de dolo; contudo, o juiz deverá levá-la em consideração no momento da dosimetria penal, pois, quando o art.59, caput, do CP manda dosar a pena de acordo com o grau de culpabilidade, esta se referindo à intensidade do dolo e ao grau de culpa, circunstancias judiciais a serem levadas em conta na primeira fase de fixação. Não devemos confundir culpabilidade, que é o juízo de reprovação do autor da conduta, com grau de culpabilidade, circunstancia a ser aferida no momento da dosagem da pena e dentro da qual se encontram a espécie de dolo e o grau de culpa. 96 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de Direito Penal, vol.1 – 10 ed. – São Paulo : Saraiva, 2006. p.341 51 Devidamente analisado o crime
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