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FUNDAMENTOS E TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO À IMAGEM Carlos Affonso Pereira de Souza Doutor e Mestre em Direito Civil na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Vice-Coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas/RJ (FGV Direito Rio). Professor dos cursos de graduação e pós-graduação da FGV Direito Rio e da PUC-Rio. Membro da Comissão de Direito Autoral, Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB/RJ. 1. Um direito da personalidade midiático: A tutela concedida pelo ordenamento jurídico aos direitos da personalidade procura resguardar alguns dos aspectos mais essenciais da condição humana, desde a própria vida até a autoria de obras intelectuais. A variedade de objetos de proteção tem levado a doutrina há mais de um século a debater sobre quais e quantos são os direitos da personalidade. De toda forma, se existe dúvida sobre a enumeração desses direitos, é certo que nenhum deles - dos mais usualmente consagrados até aqueles cujo trabalho de afirmação ainda está em curso - está à margem das transformações sociais, econômicas e tecnológicas. Especialmente no caso do direito à imagem, as transformações tecnológicas representam um fator notório de aceleração na complexidade das questões que são trazidas aos cuidados do ordenamento jurídico. O desenvolvimento das chamadas tecnologias de informação e comunicação (TICs) causam um impacto considerável na pesquisa e na aplicação desse direito, cujos próprios contornos vão se amoldando de acordo com as tendências do progresso tecnológico. A transmissão de informações através dessas tecnologias, por sua vez, tem sido crescentemente realizada através de imagens. Essa utilização da imagem como forma de comunicação direta, abrangente e que, em diversas vezes, chega a suplantar o poder informativo de textos escritos, traz a imagem para o centro das discussões sobre modernas tecnologias e a sua adaptação pelo direito. Seja estática ou em movimento, a imagem nunca esteve em tamanha evidência. Por isso podemos dizer que o direito à imagem é verdadeiramente o mais midiático dos direitos da personalidade. Ele caracteriza o momento em que se vive a crescente exploração (e porque não banalização?) da imagem como forma direta de comunicação. 2. Definição do direito à imagem: A imagem, objeto de proteção jurídica através do direito da personalidade aqui apontado, pode ser definida como a representação através da pintura, escultura, fotografia, filme e outras formas intelectuais de um tema qualquer, inclusive, da pessoa humana.1 1 CHAVES, Antonio. Tratado de Direito Civil, t. I. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1982; p. 536. A primeira, e mais conhecida, acepção do direito à imagem é justamente aquela que se vincula à retratação de alguém. Trata-se de uma definição atrelada à reprodução dos aspectos fisionômicos de outrem. Intimamente relacionado ao desenvolvimento da fotografia, essa acepção do direito à imagem ganhou importância no século passado, chegando mesmo a se confundir com a própria totalidade da esfera de proteção desse direito. Sendo assim, a proteção do direito à imagem residiria na possibilidade de alguém se opor à divulgação de retrato ou fotografia na qual a mesma figurasse sem a sua autorização. Caberia apenas à pessoa decidir se, como, quando e por quem a sua imagem seria capturada e divulgada para terceiros. Essa concepção de direito à imagem, todavia, não bastou para gerar a autonomia do direito. A independência do direito à imagem com relação ao direito à honra é uma conquista recente. Até o início dos anos oitenta do século passado a doutrina buscava uma definição sobre essa forma de proteção do aspecto plástico da pessoa, diferenciando tal tutela daquela que o ordenamento jurídico confere à honra. Em outras palavras, era comum se proteger a imagem da pessoa apenas quando a sua honra fosse afetada pela divulgação da fotografia sem a sua autorização ou de modo diverso daquele previamente contratado.2 Para além da fisionomia, um novo conceito de direito à imagem foi sendo engendrado pela doutrina3 e aplicado pela jurisprudência4 nos últimos anos. Trata-se da aplicação da tutela da imagem para aspectos que não são físicos da pessoa retratada, mas sim pertinentes ao seu comportamento em sociedade. Atributos da pessoa, como o seu jeito, modo, humor, elementos de difícil definição, mas de suma importância para a identificação da mesma, passaram a ser protegidos.5 2 Nesse sentido, afirmava Orlando Gomes: “Todo homem tem direito à própria imagem. Mas seria impraticável exigir a sua autorização prévia para a publicação. Além de constituir um estorvo, nenhum cabimento teria a exigência, uma vez que, a mais das vezes a reprodução é inofensiva. Inconveniente, portanto, estatuir que a publicação de sua imagem dependeria de sue consentimento. A tutela desse direito há de orientar-se no sentido de reprimir o abuso no seu exercício, permitindo-lhe que impeça a publicação, mas tão somente se, da reprodução, resultar atentado à sua honra, boa fama e respeitabilidade.” (in Código Civil – Projeto Orlando Gomes. Rio: Forense, 1985; p. 21). 3 Vide, nesse sentido: ARAÚJO, Luiz Alberto David. A Proteção Constitucional da Própria Imagem. Belo Horizonte: Del Rey, 1996; pp. 81 e ss, e TEPEDINO, Gustavo. BARBOZA, Heloisa Helena. MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado - Parte Geral e Obrigações. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, pp. 51/52. 4 Um dos casos mais comentados sobre a proteção da imagem fora do espectro dos aspectos fisionômicos pode ser encontrado na decisão do Tribunal do Estado do Rio de Janeiro que proibiu a veiculação de obra audiovisual na qual famosa apresentadora de programas infantis aparecia em cenas íntimas com um menor. A proteção da “imagem” da apresentadora foi um dos argumentos relevantes para obstar a exibição do referido filme. Conforme consta do voto do Desembargador Thiago Ribas Filho: “Após o lançamento da fita [no cinema], ocorrido em 1982, a 2ª Autora se projetou, nacional e internacionalmente, com programas infantis na televisão, criando uma imagem que muito justamente não quer ver atingida, cuja vulgarização atingiria não só ela própria como a das crianças que são o seu público, ao qual se apresenta como símbolo da liberdade infantil, de bons hábitos e costumes, e da responsabilidade das pessoas.” (TJRJ, Apelação Cível nº 3819/91, Des. Thiago Ribas Filho, j. em 27.02.92). 5 É importante diferenciar a proteção concedida à imagem, na sua acepção “atributo”, àquela concedida à honra. Se por um lado o direito à honra objetiva protege o bom conceito que terceiros têm da pessoa, a imagem-atributo protege aspectos comportamentais independentemente de uma análise sobre se esses aspectos favorecem ou desfavorecem o conceito que terceiros poderiam ter de seu titular. Esses comportamentos, na verdade, podem tanto aboná-la como desaboná-la, dependendo do avaliador, mas não é esse o foco da proteção, mas sim a tutela dos atributos enquanto comportamentos que se aderem ao Entende-se aqui que proteger apenas a imagem como fisionomia deixaria a descoberto uma série de hipóteses em que atributos de identificação relevantes são utilizados por terceiro para se aproveitar da vinculação que o público faria entre tais comportamentos e a pessoa da vítima. Para facilitar o tratamento encontrado nos tribunais nacionais, convencionou-se denominar a primeira acepção do direito à imagem de “imagem-retrato”, ao passo que a segunda, focada em aspectos comportamentais, recebeu a designação de “imagem- atributo”. Pode-se questionar se a proteção do comportamento, conformeacima desenhada, está mesmo bem enquadrada dentro da categoria chamada “imagem-atributo”. Se por um lado parece que o direito à identidade poderia também proteger esse objeto, é importante legitimar a construção da imagem-atributo. Essa construção possui a vantagem de se aproveitar da forma vulgar e usual de menção a essas características da pessoa (fala-se muito em manchar a “imagem” ou a “imagem” que alguém passa). Adicionalmente, vale destacar que é justamente essa faceta da imagem que tem recebido grande atenção por parte da doutrina e jurisprudência graças ao desenvolvimento tecnológico e à sua utilização para fins publicitários. 3. O uso autorizado da imagem A imagem pode ser utilizada com ou sem consentimento de seu titular. Embora nem sempre o seu uso inconsentido vá representar uma afronta a interesse juridicamente protegido, legitimando uma eventual ação indenizatória, cumpre explicitar algumas questões concernentes à autorização do uso de imagem propriamente dita. O direito à imagem encontra-se tutelado no Código Civil no artigo 20. O dispositivo, que afirma a possibilidade de autorização do uso da imagem, além de estabelecer algumas hipóteses nas quais a mesma poderá ser utilizada sem o consentimento de seu titular, está assim redigido: “Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.” É importante destacar que a autorização para uso de imagem deve ser interpretada restritivamente. Dessa forma, a autorização para a publicação da imagem que comumente se chama de “imagem” da pessoa (ou a “imagem” que alguém passa, em sentido leigo). Tais aspectos podem até ser, em geral, pouco abonadores da pessoa, como o fato dela ser agressiva, insensível ou rabugenta. A pessoa pode ainda, e a prática é cada vez mais comum no que diz respeito a pessoas notórias, se valer desses atributos para fins publicitários. Esse comportamento em nada se confunde com o direito à honra. Sobre a extensão da imagem-atributo e seu uso publicitário, seja permitido fazer referência a SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. “Contornos Atuais do Direito à Imagem.” Revista Trimestral de Direito Civil v.13 (jan-mar/2003). Rio de Janeiro: Padma; pp. 38/44. Em outro sentido, entendendo que esse uso da palavra “imagem” na verdade oculta uma referência apenas à reputação da pessoa, vide GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002; p. 112. por um meio não pressupõe a sua divulgação por outro que não aquele contratado. Nesse particular a autorização para a utilização da imagem se assemelha deveras com a proteção outorgada ao direito autoral, sendo, conforme comanda a legislação, restritiva a interpretação dos negócios envolvendo tal categoria de direitos.6 Uma parte substancial dos conflitos envolvendo direito à imagem decorre não do uso inconsentido de todo da imagem alheia, mas sim do uso para finalidades e de formas distintas daquelas contratadas. A imagem envolve aspectos da personalidade que o seu titular pode não querer que sejam expostos de modo não previamente avençado. Por esse motivo faz-se necessário ater-se à regra da interpretação restritiva dos contratos envolvendo direito à imagem, justamente para tutelar uma forma relevante de expressão da personalidade através de sua própria imagem. A interpretação restritiva dos contratos envolvendo direito à imagem, todavia, não amarra o julgador de eventual conflito apenas à letra do termo assinado entre as partes. É importante aqui perceber como a informalidade do trato social e o avanço das tecnologias contribuem para modificar a dinâmica e a evolução do próprio direito. Nesse particular, não raramente a autorização para uso da imagem se dá de forma apenas verbal, ou mesmo de forma tácita. No caso da fotografia, pode-se afirmar que o consentimento obtido através de forma tácita é quase tão usual quanto a celebração de termos por escrito, uma vez que a simples pose para foto já pode consistir em concordância para a sua captura. Mas se a pose para foto pode ser considerada como consentimento tácito para a sua captura, a destinação dessa fotografia pode ser objeto de grande controvérsia. Hipóteses como essas demonstram como o julgador não pode ficar preso a eventuais acertos verbais e deve sim levar todas as circunstâncias do caso em consideração para decidir sobre a existência de dano indenizável ou, ao contrário, que a pretensa vítima é que deveria ter sido mais cautelosa na exposição de sua imagem.7 Fotógrafos que tiram fotos em festas e eventos vestindo uniforme ou roupas que identificam o periódico, revista ou website para o qual trabalham podem ser um bom indicador sobre o uso para o qual se destinará aquela foto. Mas apenas essa informação pode não ser o bastante. A forma através da qual a fotografia será exibida pode ser fonte de danos em si. Por isso é importante ressaltar que mesmo imagens autorizadas para certo veículo de comunicação podem ensejar ações indenizatórias se a sua exposição lesionar interesses legítimos da pessoa retratada. Esses são os casos de legendas8 ou inserção da 6 Lei nº 9610/98, art. 4º “Interpretam-se restritivamente os negócios jurídicos sobre os direitos autorais”. 7 Um exemplo sobre como o conjunto probatório deve ir além do termo assinado, ou dos testemunhos sobre o acerto verbal, celebrados entre as partes pode ser retirado do caso apreciado pelo STJ de modelo que alegava ter sofrido danos morais pela publicação em revista de ensaio fotográfico no qual aparecia nua. Foi determinante para a decisão de improcedência do pedido o fato de ter-se provado que a mesma havia pedido aos fotógrafos e redatores que fossem tiradas as fotos “mais ousadas possíveis” e que fossem escritas “as coisas mais absurdas para chocar todo mundo” (STJ, Resp nº 230306/RJ, Min. Sálvio Figueiredo Teixeira; j. em 18.05.2000). 8 O STJ já apreciou e condenou a empresa responsável pela publicação de jornal quando tal veículo publicou “sem autorização, uma foto da recorrente ao lado de um ex-namorado com a notícia de que se casariam naquele dia, quando na verdade, o homem da foto se casaria com outra mulher. O fato veio a imagem em contextos que constrangem a pessoa retratada sem que a mesma pudesse inferir que tal uso seria realizado.9 4. O uso indevido da imagem e suas repercussões O uso indevido da imagem alheia pode originar danos de natureza material ou moral. A Constituição, no art. 5º, V, afirma que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Essa expressão poderia gerar alguma confusão ao dar a entender que o chamado “dano à imagem” seria uma terceira espécie de reparação dos danos sofridos, em adição ao dano material e moral. Não parece ser esse o caso. Por mais que a expressão tenha se tornado popular em contratos e em ações judiciais, para fins de quantificação do dano causado não existe uma categoria autônoma, distinta do dano material e moral, denominada “dano à imagem”.10 Essa percepção em nada enfraquece a indenização buscada pela vítima dado que, lesionado o seu direito à imagem, caberá à mesma obter a competente reparação pelosdanos materiais e morais sofridos. O enquadramento do dano moral por lesão à imagem historicamente tem encontrado nos tribunais superiores um entendimento que o identifica com a regra do chamado dano moral in re ipsa. Segundo esse entendimento, o dano moral existiria a partir do momento em que tal direito da personalidade é utilizado de forma indevida, não cabendo a discussão sobre o grau de sofrimento experimentado pela vítima na afirmação do dever de indenizar (an debeatur). A intensidade do sofrimento seria apenas uma questão de quantificação (quantum debeatur). O direito à imagem foi inclusive um dos principais vetores para se aplicar a compreensão do dano moral in re ipsa no Superior Tribunal de Justiça durante os anos noventa do século passado e desse ponto em diante. Algumas decisões emblemáticas foram determinantes nessa trajetória, chegando-se mesmo a se identificar a construção do dano moral in re ipsa com a evolução da jurisprudência sobre direito à imagem no referido tribunal. Nesse sentido, decidiu o STJ: “Cuidando-se de direito à imagem, o ressarcimento se impõe pela só constatação de ter havido a utilização sem a devida autorização. O dano está na utilização indevida para fins lucrativos, não cabendo a demonstração do prejuízo material ou moral. O dano, neste caso, é a própria utilização para que a parte aufira lucro com a imagem não autorizada de outra pessoa. Já o colendo Supremo Tribunal Federal indicou que a ‘divulgação da imagem da pessoa, sem o seu consentimento, para fins de causar grande constrangimento moral, pois, segundo narra o julgado, a recorrente estava noiva e com casamento marcado com outro homem.” (Resp nº 1.053.534/RN, Min. Fernando Gonçalves; j. em 23.09.2008). 9 Nesse sentido veja-se o caso apreciado pelo STJ envolvendo uma colônia de naturistas que contratou a exibição de imagens de sua comunidade em certo programa de televisão de cunho jornalístico e terminou por ver as mesmas imagens sendo utilizadas pela emissora também para aumentar a audiência de popular programa de auditório. STJ, Resp nº 838.550/RS, Ministro Cesar Asfor Rocha; j. em 13.02.2007. 10 E a própria Constituição Federal auxilia a resolver essa questão ao afirmar no artigo 5º, X, que “[s]ão invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” publicidade comercial, implica em locupletamento ilícito à custa de outrem, que impõe a reparação do dano.’”11 Mais recentemente os tribunais tem definido o dano moral como aquele dano à dignidade da pessoa humana. Nessa esteira, o filtro para se evitar a banalização da indenização não seria a verificação de lesão a direito da personalidade, mas sim a violação da dignidade que, em si, guarda uma medida, ainda que elástica, de restrição a demandas frívolas ou nas quais exista pouca lesividade dos interesses em questão.12 Embora o Código Civil não avance na matéria, a prática jurisprudencial dos últimos anos consolidou uma metodologia que não é típica do direito à imagem, mas que nele encontra forte aplicação: trata-se da ponderação de interesses em casos de conflitos entre direitos fundamentais. A colisão entre direitos fundamentais não é rara. Usualmente adversários de uma ação judicial invocam, cada um do seu lado, direitos fundamentais que legitimam o seu pleito. Caberá ao magistrado ponderar os interesses em jogo e decidir qual direito será prestigiado no caso concreto em detrimento do outro. No caso do direito à imagem, usualmente a liberdade de expressão entra em rota de colisão com a sua tutela. De um lado têm-se um terceiro que busca divulgar uma foto ou de certa forma se utilizar da imagem (mesmo que na concepção de “atributo”) de alguém. Essa manifestação do pensamento poderia ser protegida pela liberdade de expressão. De outro lado da contenda encontra-se justamente o titular do direito à imagem que busca impedir essa utilização ou ser indenizado pelo dano que a mesma causou. É relevante lembrar que nos casos clássicos de conflito entre liberdade de expressão e direito à imagem, não é apenas a vontade de se expressar que está em jogo por parte do suposto ofensor. O direito à informação do público que veria a foto ou o vídeo é preciso sempre ser levado em consideração. Nessas hipóteses, não raramente o 11 Resp nº 138.883/PE, Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 04.08.1998. Em sede doutrinária a tese do dano moral in re ipsa também encontrou boa recepção. Nesse sentido, afirma Sergio Cavalieri Filho: “Nesse ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. (...) Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum; provado que a vítima teve o seu nome aviltado, ou a sua imagem vilipendiada, nada mais ser-lhe-á exigido provar, por isso que o dano moral está in re ipsa; decorre inexoravelmente da gravidade do próprio fato ofensivo, de sorte que, provado o fato, provado está o dano moral.” (in Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2008; p. 86). 12 Nesse sentido veja-se a seguinte decisão do STJ, que justamente utiliza a dignidade como filtro para medir se críticas feitas por um advogado a certo magistrado poderiam gerar dano moral à imagem e à honra: RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ENTREVISTA DE ADVOGADO. REFERÊNCIA A JULGADOS. 1. O dano moral deve ser visto como violação do direito à dignidade, estando nela inseridos a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem. Dessa forma, havendo agressão à honra da vítima, é cabível indenização. 2. Críticas à atividade desenvolvida pelo homem público, in casu, o magistrado, são decorrência natural da atividade por ele desenvolvida e não ensejam indenização por danos morais quando baseadas em fatos reais, aferíveis concretamente.3. Respaldado nas disposições do § 2º do art. 7º da Lei n. 8.906/94, pode o advogado manifestar-se, quando no exercício profissional, sobre decisões judiciais, mesmo que seja para criticá-las. O que não se permite, até porque nenhum proveito advém para as partes representadas pelo advogado, é crítica pessoal ao Juiz.” (STJ, Resp nº 531353/MT, Ministra Nancy Andrighi; j. em 02.09.2008). Sobre a vinculação entre dignidade da pessoa humana e dano moral na perspectiva civil- constitucional, vide MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003; pp. 182/192. Poder Judiciário tem prestigiado o direito à informação mesmo que a pessoa retratada venha a ter a sua imagem explorada sem consentimento. Entende-se que um motivo de ordem pública suplanta a tutela da imagem. O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de apreciar decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que condenou revista especializada em fofocas por publicar, com grande destaque, foto na qual famoso ator de novelas, casado, beijava uma figurante no estacionamento da locação. Reconheceu-se no caso que houve abuso por parte do veículo de imprensa. É de se destacar nesse caso que o TJRJ já havia reduzido em oito vezes a indenização concedida em primeira instância por compreender que o ator, dada a sua notoriedade, sofre uma redução na esfera de proteção de alguns direitosda personalidade como a imagem e a privacidade. Segundo consta do voto da Ministra Nancy Andrighi: “Doutrina e jurisprudência são pacíficas no entendimento de que pessoas públicas e/ou notórias têm seu direito de imagem mais restrito que pessoas que não ostentem tal característica. (...) Não se desconhece, inclusive, que em certas profissões – por exemplo atores e atrizes de televisão, músicos, dançarinas, jogadores de futebol – a divulgação das chamadas "fofocas" chegam, em certos casos, até mesmo a beneficiar-lhes, contribuindo com a idéia de glamour que ronda tais carreiras. (...) A situação do recorrido é especial, pois se trata de pessoa pública, por isso os critérios para caracterizar violação da privacidade são distintos daqueles desenhados para uma pessoa cuja profissão não lhe expõe. Assim, o direito de informar sobre a vida íntima de uma pessoa pública é mais amplo, o que, contudo, não permite tolerar abusos.” 13 Casos como o narrado tratam da delicada fronteira entre o privado e o público, além de explicitar que o regime de proteção dos direitos da personalidade, mais notadamente da imagem e da privacidade, de pessoas notórias sofre uma redução dada a sua condição. Essas pessoas, conforme Prosser e Keaton, “podem ser definidas como aquelas que, por suas conquistas, modo de vida, ou mesmo pela profissão ou ofício 13 Resp nº 1082878/RJ, Min. Nancy Andrighi; j. em 14.10.2008. O referido acórdão está assim ementado: RESPONSABILIDADE CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. EXISTÊNCIA DO ILÍCITO, COMPROVAÇÃO DO DANO E OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. PESSOA PÚBLICA. ARTISTA DE TELEVISÃO. LIMITAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. JUROS MORATÓRIOS. INCIDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E CUSTAS PROCESSUAIS. REPARTIÇÃO. - Ator de TV, casado, fotografado em local aberto, sem autorização, beijando mulher que não era sua cônjuge. Publicação em diversas edições de revista de “fofocas”; - A existência do ato ilícito, a comprovação dos danos e a obrigação de indenizar foram decididas, nas instâncias ordinárias, com base no conteúdo fático-probatório dos autos, cuja reapreciação, em sede de recurso especial, esbarra na Súmula 7/STJ; - Por ser ator de televisão que participou de inúmeras novelas (pessoa pública e/ou notória) e estar em local aberto (estacionamento de veículos), o recorrido possui direito de imagem mais restrito, mas não afastado; - Na espécie, restou caracterizada a abusividade do uso da imagem do recorrido na reportagem, realizado com nítido propósito de incrementar as vendas da publicação; - A simples publicação da revista atinge a imagem do recorrido, artista conhecido, até porque a fotografia o retrata beijando mulher que não era sua cônjuge;” adotado, que fazem gerar interesse público sobre suas atividades, negócios e caráter, tornam-se personalidades públicas. Em outras palavras, são celebridades.”14 Vale lembrar que a eventual restrição do direito à imagem em nome da liberdade de expressão, ou mesmo da liberdade de imprensa, não legitima que o jornalista publique matéria sem o necessário apuro investigativo e de forma que possa confundir o destinatário da comunicação. Em tais casos, os tribunais já condenaram empresas jornalísticas por matérias que se mostraram tendenciosas ou nas quais não se narrou o acontecido com a exatidão que a ética jornalística demanda.15 Da mesma forma, se é verdade que o direito à imagem não é um direito inabalável, que obste a tutela de outros direitos da personalidade, a própria liberdade de expressão também pode ser objeto de abusos. Dentre os vários casos envolvendo campanhas eleitorais, vale lembrar que o direito de resposta, tradicionalmente concedido quando um candidato é atacado por outro, não pode se constituir em arma para, como que na Lei de Talião, venha-se a ferir com igual gravidade aquele ofensor original.16 14 DOBBS, Dan, KEETON, Robert e OWEN, David. Prosser and Keeton on Torts. St. Paul: WestGroup, 2004; pp. 859/860. 15 Nesse sentido, vide STJ, Agr. Reg. Em Agr. Instr. nº 1029932/RJ; Min. Fernando Gonçalves; j. em 21.08.2008. Seguindo consta da ementa do referido acórdão: “APELAÇÃO. PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA IMPUTANDO AO AUTOR A PRÁTICA DE CRIME. INFORMAÇÃO DESTORCIDA E INCOMPATÍVEL COM A VERDADE DOS FATOS. DANO MORAL CONFIGURADO. 1. A natural diminuição dos limites da privacidade de homens e vida pública não autoriza o abuso de direito, consubstanciado na divulgação tendenciosa ou manipulada de fatos que não reflitam com exatidão os acontecimentos e, muito menos, permite a divulgação de versões truncadas de fatos sem relação direta com a realidade. (...)” 16 Nesse sentido, o STJ apreciou caso em que dois políticos trocaram exaltadas manifestações em época eleitoral, sendo curioso o fato de que a indenização recaiu inclusive sobre aquele que, uma vez atacado e obtendo direito de resposta, abusou desse direito e proferiu, de sua própria parte, outras ofensas contra o ofensor original: “Posto seja livre a manifestação do pensamento - mormente em épocas eleitorais, em que as críticas e os debates relativos a programas políticos e problemas sociais são de suma importância, até para a formação da convicção do eleitorado -, tal direito não é absoluto. Ao contrário, encontra rédeas tão robustas e profícuas para a consolidação do Estado Democrático de Direito quanto o direito à livre manifestação do pensamento: trata-se dos direitos à honra e à imagem, ambos condensados na máxima constitucional da dignidade da pessoa humana. 3. Na espécie, é incontroverso que o ora recorrente imputou ao recorrido a criação, no Estado do Rio de Janeiro, de associação alcunhada "fetranscoca", que consistiria em suposta ligação entre o recorrente e seus co-partidários com o tráfico ilícito de entorpecentes, com o escopo de "manipular e influenciar as eleições, inclusive financiando e elegendo candidatos, tudo com o dinheiro circulante no tráfico de drogas". Salta aos olhos, portanto, que não se trata de "simples manifestação do seu pensamento e do exercício de seu legítimo direito de crítica ", como pretende demostrar o recorrente. Ao reverso, as afirmações de que o recorrido teria se associado ao tráfico de drogas carioca, com vistas a obter proveito eleitoral, revela ofensa direta à sua pessoa, pois se trata de prática cuja reprovabilidade é evidente. (...) 4. O pedido reconvencional, por outro lado, também deve ser julgado procedente. Isso porque as declarações verberadas pelo ora recorrido, segundo as quais o recorrente seria "pessoa sem caráter, que foi puxada pelos fundilhos das calças, um 'desequilibrado', 'traidor' e 'fascista'" transbordam os limites dos direitos de resposta e manifestação do pensamento, igualmente, garantidos constitucionalmente. Isso decorre do fato de que os predicados irrogados à pessoa do recorrente não revelam qualquer intuito de resposta à acusação anterior - de que haveria uma 'fetranscoca' arquitetada pelo recorrido. Em realidade, a pretexto de responder às agressões anteriormente sofridas, utiliza-se do mesmo instrumento de que fez uso seu adversário político: ofensas diretas à honra do ora recorrente. 5. Não se há confundir direito de resposta com direito de vingança, porquanto aquele não constitui crédito ao ofendido para que possa injuriar ou difamar o seu ofensor. (STJ, Resp nº 296391/RJ, Ministro Luis Felipe Salomão; j. em 19.02.2009). Os limites entre imagem e liberdade de expressão podem ser encontrados na proibição do abuso de ambos os lados. Conforme explicitado pelo Ministro Jorge Scartezzini em acórdão sobre a matéria: “A responsabilidade civil decorrente de abusos perpetrados por meio da imprensa abrangea colisão de dois direitos fundamentais: a liberdade de informação e a tutela dos direitos da personalidade (honra, imagem e vida privada). A atividade jornalística deve ser livre para informar a sociedade acerca de fatos cotidianos de interesse público, em observância ao princípio constitucional do Estado Democrático de Direito; contudo, o direito de informação não é absoluto, vedando- se a divulgação de notícias falaciosas, que exponham indevidamente a intimidade ou acarretem danos à honra e à imagem dos indivíduos, em ofensa ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.”17 Uma limitação freqüentemente encontrada pelo direito à imagem é a preservação do debate público, fomentado até mesmo através de charges e caricaturas. Por mais que o Direito não necessariamente tenha os mecanismos adequados para medir a fronteira entre o humor crítico e a ofensa à honra e à imagem de terceiro, os magistrados não raramente são chamados a buscar esse equilíbrio. O Superior Tribunal de Justiça, a analisar caso que envolvia uma série de críticas feitas à famosa organização não governamental, entendeu que a criação de uma charge que se valia do símbolo original da entidade criticada não feria o direito à imagem, não gerando dano moral indenizável.18 Casos como esses demonstram como a tutela do direito à imagem conforme prevista no artigo 20 do Código Civil é insuficiente para tratar da diversidade de situações que a realidade dos meios de comunicação coloca ao Direito. Notoriedade da pessoa retratada, a sua presença em local público, a utilização da imagem para fins humorísticos ou de crítica, dentre outras hipóteses desafiam o dispositivo do Código Civil a uma leitura constitucional que possa garantir o equilíbrio entre a tutela da imagem e demais interesses. 17 Resp nº 818764/ES, Min. Jorge Scartezzini; j. em 15.02.2007. 18 Resp nº 744.537/RJ, Min. Nancy Andrighi; j. em 13.05.2009. O referido acórdão foi assim ementado: “DANO MORAL - INDENIZAÇÃO - AÇÃO MOVIDA POR ONG - ENTIDADE NÃO GOVERNAMENTAL - CONTRA OUTRA ONG E SEUS DIRIGENTES - ALEGAÇÃO DE QUE VEM SENDO DIFAMADA EM DIVERSAS ATIVIDADES E PUBLICAÇÕES, INCLUSIVE MEDIANTE A DISTRIBUIÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL DE APOSTILA CUJA CAPA OSTENTARIA 'CHARGE' OFENSIVA DO SÍMBOLO DA ENTIDADE AUTORA - LIBERDADE DE EXPRESSÃO RECONHECIDA - MERO DEBATE DE COMUNICAÇÃO ENTRE ENTIDADES ANTAGÔNICAS - EXISTÊNCIA DE DANO MORAL AFASTADA - RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. Não se configura dano moral indenizável, mas mero debate de comunicação na realização de atividade e publicações, por parte de ONG - Entidade Não Governamental - contra ONG que lhe seja adversa, ainda que ocorra divulgação de 'charge' da imagem símbolo da autora em publicação distribuída.” É importante perceber que, no caso, foi-se levado em conta não apenas o aspecto de crítica realizado através da charge, mas também a notoriedade das atividades desempenhadas pela ONG, o que naturalmente atrairia a atenção de terceiros. Segundo consta do voto do Ministro Castro Filho: “A Constituição Federal (artigos 5º, incisos IV e XIV) assegura a plena liberdade de informação e opinião, possibilitando a quem lê ou participa de palestras ou debates, questionar os pontos controvertidos. Da mesma forma, pode-se reconhecer não revelar a charge bom gosto visual. Entretanto, revela cunho irônico e cômico. Se assim não fosse, não seria uma charge. Em suma, as publicações e a exposição de opiniões dos réus recorridos devem ser encaradas como critica ao comportamento de uma figura pública. Refletem o pensamento de oposição ao comportamento de uma ONG, que recebe doações de centenas de milhares de pessoas de todo o mundo. E é justamente esse fato público e notório que está sendo retratado de forma crítica pelos réus.” 5. Uma interpretação constitucional para o artigo 20 do Código Civil Existe uma inquietação nítida com a interpretação literal do artigo 20 do Código Civil. Se lido em sua literalidade ele submeteria os veículos de comunicação cuja atividade pudesse ser enquadrada como sendo de finalidade comercial a apenas duas possibilidades nas quais a imagem de terceiro poderia ser utilizada: ou essa imagem seria devidamente autorizada, ou a sua publicação se daria se assim fosse necessário à manutenção da ordem pública ou administração da Justiça.19 Esse apertado rol de possibilidades mostra o descompasso do dispositivo perante as complexidades trazidas pela ponderação entre direitos fundamentais e o desenvolvimento tecnológico. Caso fosse efetivamente aplicado conforme disposto, o artigo 20 do Código Civil tornaria o direito à imagem verdadeiramente superior aos demais interesses que podem ser tutelados através de outros direitos fundamentais, notadamente no que diz respeito ao direito à informação e o exercício da liberdade de expressão. Essa ponderação prévia, feita fora dos ditames constitucionais, não pode ser aceita. Nesse sentido é preciso construir uma interpretação constitucional para o artigo 20. Essa interpretação deve assegurar um locus para o direito à imagem que não elimine a liberdade de expressão alheia, mas que possa sopesar os direitos em jogo, garantindo a competente reparação quando a imagem for lesionada. No intuito de se garantir certa prevenção de danos, e ao mesmo tempo prestigiar o direito à imagem, decisões judiciais têm impedido a publicação de livros, filmes e demais obras intelectuais que eventualmente utilizem a imagem alheia sem autorização. Esse sopesamento nunca é fácil, mas é importante compreender que, se por um lado é verdade que a imagem da pessoa retratada poderá ser afetada com a publicação, o direito possui mecanismos em sede de responsabilidade civil para compensar o dano causado. Ao contrário, caso a publicação venha a ser obstada no seu nascedouro, é importante que o magistrado observe o impacto que essa restrição causa na construção do direito à informação e da liberdade de expressão, notadamente em um País que viveu há poucas décadas um explícito e severo regime de censura, com restrições estatais à livre manifestação do pensamento. Nessa direção, Luis Roberto Barroso afirma que a proibição de uma publicação para que se tutele a imagem deve ser “providência inteiramente excepcional”. Segundo o autor, poderiam ser definidos alguns parâmetros constitucionais para guiar o magistrado em casos de colisão entre direitos fundamentais como os aqui analisados. Tais parâmetros seriam: (i) a veracidade do fato narrado; (ii) a licitude do meio empregado na obtenção da informação; (iii) a verificação se a pessoa retratada é personalidade pública ou estritamente privada; (iv) o local do fato; (v) a natureza do fato; (vi) a existência de interesse público na divulgação em tese; (vii) a existência de 19 Adicionalmente, o referido dispositivo ainda vincula, em certa medida, a indenização por lesão à imagem à lesão à honra, em conformidade com o antigo Projeto Orlando Gomes de Código Civil. Para uma crítica à essa vinculação vide JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de Pensamento e Direito à Vida Privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000; pp. 126/127 e SAHM, Regina. Direito à Imagem no Direito Civil Contemporâneo. São Paulo, Atlas, 2002; p. 236. interesse público na divulgação de fatos relacionados com a atuação de órgãos públicos; e (viii) a preferência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da publicação.20 Percebendo a insuficiência das limitações impostas ao direito à imagem na redação do artigo 20, e compreendendo a necessidade de sua ponderação com outros direitos fundamentais, a IV Jornada de Direito Civil aprovou o enunciado nº 279, que assim dispõe: “a proteçãoda imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.” Em caso de uso efetivamente indevido, como visto no item anterior, os tribunais vem construindo ao longo das últimas décadas uma jurisprudência que prestigia a tutela da imagem e garante ao lesado a competente indenização. 6. Legitimidade para a tutela da imagem de pessoa falecida: O já referido artigo 20, além de tutelar o direito à imagem e à honra, apresenta em seu parágrafo único um comando que disciplina a legitimação para a defesa desses direitos de pessoa falecida. O mencionado dispositivo assim está redigido: “Art. 20. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.” Uma vez morto ou ausente o seu titular, o dispositivo determina quem terá legitimidade para requerer as medidas de proteção da imagem e da honra do de cujus, transferindo-se essa caracterização de pleno direito para o cônjuge, os ascendentes e os descendentes. Conforme salienta Caio Mario da Silva Pereira, esta faculdade é exercida cumulativamente, e não sucessivamente, o que significa que todos esses indivíduos possuem a referida legitimidade.21 Deve-se ressaltar que o fato dessa legitimidade não ser sucessiva, mas sim cumulativa, não significa que todos vão exercê-la nas mesmas condições e obter resultados idênticos em suas demandas. O grau de ligação afetiva e de proximidade com a pessoa falecida será determinante para o deslinde dessas ações. Embora exista certa controvérsia sobre o fundamento da ação proposta pelos legitimados do parágrafo único do artigo 20, doutrina e jurisprudência tem comentado e aplicado o dispositivo, tornando efetiva a tutela da imagem após a morte de seu titular. Se, por um lado, o dispositivo acima estende, de certo modo, a legitimidade quanto à defesa da imagem e da honra para além da figura do lesado, não se quer com 20 BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional, v.III. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; pp. 113/117. 21 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Editora Forense, p. 259. isso negar a intransmissibilidade própria dos atributos da personalidade.22 Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Os direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, guardam como principal característica a sua intransmissibilidade. Nem por isso, contudo, deixa de merecer proteção a imagem de quem falece, como se fosse coisa de ninguém, porque ela permanece perenemente lembrada nas memórias, como bem imortal que se prolonga para muito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou Ariosto. Daí porque não se pode subtrair da mãe o direito de defender a imagem de sua falecida filha, pois são os pais aqueles que, em linha de normalidade, mais se desvanecem com a exaltação feita à memória e à imagem de falecida filha, como são os que mais se abatem e se deprimem por qualquer agressão que possa lhes trazer mácula. Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além de sua morte, pelo que os seus sucessores passam a ter, por direito próprio, legitimidade para postularem indenização em juízo.”23 É importante destacar ainda que o parágrafo único do art. 20 deve ser lido em consonância com o artigo 12 do Código Civil, considerada norma de caráter geral, conforme propõe o enunciado nº 5 da I Jornada de Direito Civil (2002), promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: “1) as disposições do art. 12 têm caráter geral e aplicam-se, inclusive, às situações previstas no art. 20, excepcionados os casos expressos de legitimidade para requerer as medidas nele estabelecidas; 2) as disposições do art. 20 do novo Código Civil têm a finalidade específica de regrar a projeção dos bens personalíssimos nas situações nele enumeradas. Com exceção dos casos expressos de legitimação que se conformem com a tipificação preconizada nessa norma, a ela podem ser aplicadas subsidiariamente as regras instituídas no art. 12.”24 O STJ, vale lembrar, já decidiu que o espólio não é legitimado para pleitear a competente ação indenizatória por lesão à imagem “em nome próprio”.25 O mesmo tribunal, mais recentemente, afirmou que, a partir da interpretação sistemática dos artigos 12 e 943 do Código Civil, pode-se perceber que o direito à indenização, seja de ordem material como moral, foi assegurado pelo Código Civil aos sucessores do lesado, transmitindo-se com a herança. Essa construção leva em conta que o objeto da sucessão é o direito de ação, o qual possui natureza patrimonial, e não o direito moral que, por ser de natureza personalíssima, não poderia ser transmitido.26 7. O direito à imagem na Internet O aspecto midiático do direito à imagem pode ser comprovado pelas inúmeras decisões judiciais que tratam da sua aplicação em obras audiovisuais veiculadas através da televisão e do cinema. Mas é com o aumento exponencial do uso da Internet no 22 TEPEDINO, Gustavo. BARBOZA, Heloisa Helena. MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado - Parte Geral e Obrigações. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 20. 23 STJ, REsp. nº 268.660, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julg. 21.11.2000. 24 http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf, acessado em 19.07.2010. 25 STJ, Resp nº 913.131/BA, Min. Carlos Fernando Mathias; j. em 16.10.2008. “4. Tratando-se de feito ajuizado pelo espólio conjuntamente com os herdeiros, sendo evidente que o dano moral pleiteado pela família da falecida constitui direito pessoal deles, não por herança mas por direito próprio, carece de legitimidade, consequentemente, o espólio, para pleitear indenização em nome próprio.” 26 STJ, Resp nº 978.651/SP, Min. Denise Arruda; j. 17.02.2009. Brasil que esse aspecto ganha ainda maior evidência, enfatizando como é mediante a exploração da imagem que boa parte da comunicação nos tempos atuais tem se desenvolvido. Se por um lado pode-se questionar se o advento da Internet está fazendo com que os seus usuários leiam menos, por outro é bastante claro que o poder de transmissão de uma mensagem através de uma simples imagem tem alcançado contornos inesperados na rede dada a facilidade de tratamento e difusão de tais imagens. Dois são os principais problemas na afirmação da tutela da imagem na Internet: (i) a adequação dos remédios oferecidos pelo Direito à vítima de tal dano, uma vez que a informação na rede se propaga e perdura de forma inédita na história dos meios de comunicação; e (ii) o efetivo regime de responsabilização dos agentes do dano, residindo aqui o problema da responsabilização de provedores e daqueles que realizam a utilização indevida da imagem. Com relação ao primeiro problema é importante ressaltar que a função precípua da responsabilidade civil é compensar a vítima do dano. Essa compensação é constantemente desafiada pelo simples fato da lesão à imagem na Internet se perpetuar indefinidamente através da veiculação da foto, vídeo ou texto que causou originalmente o dano. A facilidade com que informações são trocadas na rede trazem duas questões adicionais, pois, de um lado dificulta a quantificaçãodo dano e, por outro, coloca em pauta a existência de um eventual “direito ao esquecimento”. Sobre a questão da efetiva compensação do dano causado, em situações em que a imagem foi amplamente divulgada na rede, é comum que a vítima selecione certo número de provedores que hospedaram ou divulgaram a sua imagem de forma lesiva. Pode causar perplexidade essa discricionária opção por um ou outro veículo de comunicação na rede, mas deve-se também ponderar que não seria possível à vitima ingressar com ações judiciais contra absolutamente todos os responsáveis por websites que divulgaram a imagem lesiva em casos de grande repercussão. De toda forma, não se deve deixar de perseguir o responsável original pelo dano causado. Antes de se responsabilizar os provedores que hospedaram a foto ou o texto, ou ainda aqueles que exibiram o vídeo, é relevante não perder de vista que alguém, em primeiro lugar, é o responsável original pela veiculação desse conteúdo. Em tempos de internet colaborativa, ou seja, de websites cujo conteúdo não é criado pelas empresas que operam essas ferramentas, mas sim pelos seus próprios usuários que escrevem textos e inserem fotos e vídeos, é preciso não perder de vista a conduta desse usuário e buscar a sua responsabilização caso o dano seja constatado. Essa medida de responsabilização do agente do dano original possui ainda um efeito didático na rede uma vez que reforça a compreensão básica de que nem tudo é permitido no ambiente online, ao mesmo tempo em que afasta a premissa de que os provedores, por simplesmente difundirem a imagem que gera dano, seriam sempre responsabilizados por esse fato, conforme se verá logo em seguida. É relevante destacar, em termos mais práticos, que se a lesão ao direito à imagem é contínua, isso significa que o prazo prescricional para a promoção da ação indenizatória conta-se do último ato praticado. Nesse sentido já decidiu o STJ que a pessoa retratada em foto original de 1969, que constou de forma não autorizada de capa de disco, ainda poderia ingressar com ação indenizatória depois do relançamento do disco, agora em formato de CD, no ano de 2002. Isso se dá porque, em tais situações, o termo a quo envolvendo violação continuada da imagem contar-se-ia do último ato praticado.27 Uma segunda questão derivada da perpetuação das informações na rede é o debate sobre o chamado direito ao esquecimento. A sua aplicação é especialmente problemática no que diz respeito ao direito à imagem tendo em vista a facilidade com que uma foto ou vídeo são publicados online. Se o ditado afirma que a rede nunca esquece, o Direito poderia, através de uma ordem judicial, obrigar determinado website a apagar certa informação, foto ou vídeo que revelasse eventual condenação judicial de um terceiro? Especialmente controvertido no que diz respeito à sua fronteira com a proteção da imagem na acepção de “imagem- atributo”, o direito ao esquecimento já foi aplicado pelos tribunais nacionais sobre informação existente na rede mundial de computadores. Um cirurgião plástico, condenado por negligência na prestação de sua atividade em 2002, obteve uma decisão judicial na 2ª Turma Recursal do Juizado Especial de Belo Horizonte que lhe garantiu a retirada de matéria jornalística sobre a referida condenação de um website de notícias jurídicas.28 O segundo problema principal para a reparação do dano causado à imagem na Internet é a indefinição sobre o regime e a forma de responsabilização dos provedores de serviços que hospedam e divulgam essa imagem. O caso paradigmático no direito brasileiro foi a condenação dos provedores que divulgaram um vídeo no qual a modelo Daniela Cicarelli aparecia em cenas íntimas com o seu namorado em local público. O Juízo da 23ª Vara Cível da Capital/SP, ao apreciar o caso em primeira instância, indeferiu a tutela antecipada e negou o pedido de retirada do vídeo dos websites operados pelas empresas-ré, entendendo, a partir das peculiaridades do caso concreto, que não havia violação aos direitos da personalidade uma vez que os autores se expuseram por livre e espontânea vontade em local público. O referido juízo ponderou as alegações das partes, mitigando o disposto no artigo 20 do Código Civil ao restringir o direito à imagem em uma situação em que os autores, sendo pessoas notórias, expuseram em local público um momento “não- corriqueiro” que sabidamente despertaria a atenção de terceiros. 27 STJ, Resp nº 1014624/RJ, Ministro Vasco Della Giustina; j. Em 10.03.2009. 28 A referida decisão afirma que "a primazia conferida pela Constituição ao interesse coletivo, realiza-se pela proteção à necessidade dos indivíduos de receberem informações verdadeiras e capazes de bem expressar o pensamento de quem as produziu, o que não autoriza, contudo, qualquer violação à intimidade ou à privacidade, direitos da personalidade, considerados hierarquicamente superiores a outros direitos" (2ª Turma Recursal do Juizado Especial de Belo Horizonte, Recurso 0024.2009.381.956-3; j. em 30.10.2009). Parece controvertida a afirmação de primazia dos direitos da personalidade sobre os demais, mas o fato é que a decisão carece, como muitas outras que tratam de informações divulgadas na rede, de maior efetividade. Isso ocorre porque, em 19.07.2010, ao se procurar na Internet pelo nome do cirurgião não se encontra mais a notícia sobre a sua condenação no website jurídico, mas logo em seguida estão, nos resultados da chave de busca, o link para a decisão que o condena por negligência no website do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, além de outras matérias repercutindo tanto a condenação original como a ordem para retirada de conteúdo do website jurídico. Fundamentando a sua decisão nos limites do direito à intimidade, o juiz Gustavo Santini reconheceu que o mesmo não é absoluto, podendo sofrer restrições que levem em consideração as circunstâncias e peculiaridades do caso. Nesse sentido: “[A] proteção à intimidade não pode ser exaltada a ponto de conferir imunidade contra toda e qualquer veiculação de imagem de uma pessoa, constituindo uma redoma protetora só superada pelo expresso consentimento, mas encontra limites de acordo com as circunstâncias e peculiaridades em que ocorrida a captação.”29 Nas razões de mérito, o magistrado de primeiro grau levou em consideração uma informação concedida pelo paparazzo a uma revista masculina, de que havia mais de 200 pessoas na praia no momento da filmagem, denotando uma conduta negligente por parte dos autores, especialmente se for levada em consideração a facilidade com a qual tais imagens poderiam ser capturadas. Sendo assim: “(...) o estrépito resultou da conduta (casal conhecido, trocando carícias íntimas na praia), e não propriamente da divulgação do vídeo no site do co-réu Youtube e das fotos e links nos sites dos co-réus Globo e IG. (...) com os recursos atuais da tecnologia, os autores deveriam saber que suas imagens poderiam ser captadas por qualquer um e colocadas na internet. Deixaram que sua intimidade fosse observada em local público, razão pela qual não podem argumentar com violação da privacidade, honra ou imagem para cominar polpudas multas justamente aos co- réus.”30 O juízo a quo indeferiu o pedido entendendo que os autores deveriam ter maturidade suficiente para suportar as conseqüências de seus atos, acatando, ainda, o argumento de que a conduta dos autores viola o princípio da boa-fé objetiva, tendo em vista que os autores expuseram em público e voluntariamente a troca de carícias, alegando posteriormente que este momento não poderia ser veiculado publicamente. Em sede de agravo de instrumento, após o indeferimento da tutela antecipada,o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu liminar determinando a retirada do vídeo dos websites das empresas-ré, sob pena de multa diária de R$ 250 mil. A decisão do Tribunal de Justiça determinou que as empresas operadoras dos blackbones da internet brasileira, providenciassem filtros que inviabilizassem o acesso, pelos brasileiros, ao filme do casal. Contudo, por conta da redação dúbia da decisão, a determinação acabou provocando o bloqueio integral do site YouTube, tornando-o inacessível, temporariamente, para milhões de usuários, despertando ainda mais o interesse público pelo caso e transparecendo a falta de conhecimento dos aplicadores do direito em questões relacionadas à internet. Em junho de 2008, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reformou a sentença a quo, julgando procedente a ação e determinando a remoção dos filmes e fotografias do casal, bem como dos links que remetem a este conteúdo. 29 Íntegra da decisão disponível em: www.terra.com.br/noticias/Cicarelli_Youtube.doc, acessado em 19.07.2010. 30 Idem. Conforme se extrai do acórdão, o colegiado atribuiu maior peso aos direitos da personalidade, concluindo que “a reserva da vida privada é absoluta” e, portanto, pouco suscetível a restrições: “(...) a ingerência popular que se alardeou a partir da comercialização do vídeo produzido de forma ilícita pelo paparazzo espanhol, afronta o princípio de que a reserva da vida privada é absoluta, somente cedendo por intromissões lícitas. A notícia do fato escandaloso ainda pode ser admitida como lícita em homenagem da liberdade de informação e comunicação, o que não se dá com a incessante exibição do filme, como se fosse normal ou moralmente aceito a sua manutenção em sites de acesso livre. Há de ser o Judiciário intransigente quando em pauta a tutela da esfera íntima das pessoas que não autorizaram a gravação das cenas e a transmissão delas.”31 O referido acórdão demonstra a dificuldade do regime de ponderação entre direitos fundamentais e como o desenvolvimento tecnológico coloca em xeque as fronteiras do direito à imagem, especialmente no que diz respeito à veiculação da mesma na rede. Cumpre destacar que como alguns dos websites mais populares no Brasil são, na verdade, operações de empresas que prestam o mesmo serviço no exterior, os tribunais já decidiram que não compete à vítima do dano ter que processar a matriz, ou principal empresa do grupo econômico, no exterior, podendo a competente ação indenizatória ser movida no Brasil.32 O regime de responsabilização dos provedores de serviços na rede foi um dos temas mais debatidos no processo colaborativo de criação de um Marco Civil para a Internet no Brasil. Esse processo, ocorrido no primeiro semestre de 2010, consistiu no desenvolvimento de uma plataforma através da qual foram debatidos os princípios e a efetiva redação de um anteprojeto de lei que viesse a tratar dos direitos fundamentais na rede.33 De forma majoritária, os usuários que participaram do processo apontaram que os provedores não deveriam ser responsabilizados, de antemão, pelo conteúdo exibido em suas páginas, afastando assim o regime de responsabilização objetiva em prol de um 31 Íntegra da decisão disponível em http://s.conjur.com.br/dl/acordao_cicarelli.pdf, acessado em 19.07.2010. 32 Nesse sentido, vide: “RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. RETIRADA DE PÁGINA DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES. CONTEÚDO OFENSIVO À HONRA E À IMAGEM. ALEGADA RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE CONTROLADORA, DE ORIGEM ESTRANGEIRA. POSSIBILIDADE DA ORDEM SER CUMPRIDA PELA EMPRESA NACIONAL. 1. A matéria relativa a não aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie não foi objeto de decisão pelo aresto recorrido, ressentindo-se o recurso especial, no particular, do necessário prequestionamento. Incidência da súmula 211/STJ. 2. Se empresa brasileira aufere diversos benefícios quando se apresenta ao mercado de forma tão semelhante a sua controladora americana, deve também, responder pelos riscos de tal conduta. 3. Recurso especial não conhecido.” (STJ, Resp nº 1.021.987/RN, Min. Fernando Gonçalves; j. em 07.10.2008.) 33 A plataforma do Marco Civil da Internet e seus comentários podem ser visualizados em www.culturadigital.br/marcocivil, acessado em 19.07.2010. Esse processo foi desenvolvido através de uma parceria entre o Ministério da Justiça e o Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação Getulio Vargas/RJ. mecanismo que ponderasse a liberdade e a diversidade de conteúdo encontrado na rede.34 Em seguida, para não criar um sistema que simplesmente não responsabilizasse o provedor pelo conteúdo gerado por seu usuário, determinou-se que a responsabilidade por conteúdos publicados por terceiros ficaria condicionada ao recebimento e descumprimento de ordem judicial específica, ou seja, somente após decisão judicial, os provedores ou equivalentes seriam obrigados a remover conteúdos de terceiros, tais como comentários anônimos em um blog, entradas de fóruns ou vídeos postados pelos usuários. O artigo 20 da minuta do Marco Civil da Internet brasileira, conforme constante do encerramento das discussões online, assim está redigido: “Art.20. O provedor de serviço de internet somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após intimado para cumprir ordem judicial a respeito, não tomar as providências para, no âmbito do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.” Percebe-se então que, seja por conta da perpetuação das informações no ambiente da Internet, seja pela indefinição na forma pela qual provedores e usuários devem ser responsabilizados, o direito à imagem atravessa um período de grande evidência nos debates jurídicos relacionados com a regulação da rede mundial de computadores. O assunto não é novo, mas certamente os últimos anos têm apontado para a formação de interessantes contornos na definição do lugar da tutela da imagem com relação ao progresso tecnológico. Referências: ARAÚJO, Luiz Alberto David. A Proteção Constitucional da Própria Imagem. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional, v.III. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. CHAVES, Antonio. Tratado de Direito Civil, t. I. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1982. DOBBS, Dan, KEETON, Robert e OWEN, David. Prosser and Keeton on Torts. St. Paul: WestGroup, 2004. FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2008. 34 Nesse sentido, afirma Ronaldo Lemos sobre a responsabilidade civil na Internet: “O que chama a atenção quanto à responsabilidade do intermediário no Brasil, é que, diferentemente de outros países, não foi estabelecido nenhum critério legal para isenção ou atribuição de responsabilidade ao intermediário, mediante o recebimento de notificação. Dessa forma, o provedor de acesso à Internet por temor e incerteza quanto ao resultado de uma eventual decisão judicial, fica propenso a efetivamente retirar o conteúdo, sem qualquer verificação de sua legitimidade, não tendo, ao contrário, nenhum incentivo para fazer de modo diferente. Note-se que não há qualquer regime de previsão de ‘porto seguro’ no país que especificamente isentem o provedor de responsabilidade, caso ele cumpra determinados requisitos.” (in Direito, Tecnologia e Cultura. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005; p. 125). GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação. São Paulo: Juarez de Oliveira,2002. GOMES, Orlando. Código Civil – Projeto Orlando Gomes. Rio: Forense, 1985. JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de Pensamento e Direito à Vida Privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000 LEMOS, Ronaldo. Direito, Tecnologia e Cultura. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003; pp. 182/192. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. SAHM, Regina. Direito à Imagem no Direito Civil Contemporâneo. São Paulo, Atlas, 2002. SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. “Contornos Atuais do Direito à Imagem.” Revista Trimestral de Direito Civil v.13 (jan-mar/2003). Rio de Janeiro: Padma; pp. 33/72. TEPEDINO, Gustavo. BARBOZA, Heloisa Helena. MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado - Parte Geral e Obrigações. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. STJ, Resp nº 230306/RJ, Min. Sálvio Figueiredo Teixeira; j. em 18.05.2000. STJ, Resp nº 1.053.534/RN, Min. Fernando Gonçalves; j. em 23.09.2008. STJ, Resp nº 838.550/RS, Min. Cesar Asfor Rocha; j. em 13.02.2007. STJ, Resp nº 138.883/PE, Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 04.08.1998. STJ, Resp nº 531353/MT, Min. Nancy Andrighi; j. em 02.09.2008 STJ, Resp nº 1082878/RJ, Min. Nancy Andrighi; j. em 14.10.2008. STJ, Agr. Reg. Em Agr. Instr. nº 1029932/RJ; Min. Fernando Gonçalves; j. em 21.08.2008. STJ, Resp nº 296391/RJ, Min. Luis Felipe Salomão; j. em 19.02.2009. STJ, Resp nº 818764/ES, Min. Jorge Scartezzini; j. em 15.02.2007. STJ, Resp nº 744.537/RJ, Min. Nancy Andrighi; j. em 13.05.2009. STJ, REsp. nº 268.660, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julg. 21.11.2000. STJ, Resp nº 913.131/BA, Min. Carlos Fernando Mathias; j. em 16.10.2008. STJ, Resp nº 978.651/SP, Min. Denise Arruda; j. 17.02.2009. STJ, Resp nº 1014624/RJ, Min. Vasco Della Giustina; j. Em 10.03.2009. STJ, Resp nº 1.021.987/RN, Min. Fernando Gonçalves; j. em 07.10.2008. TJRJ, Apelação Cível nº 3819/91, Des. Thiago Ribas Filho, j. em 27.02.92. 2ª Turma Recursal do Juizado Especial de Belo Horizonte, Recurso 0024.2009.381.956- 3; j. em 30.10.2009.
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