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GEOPOLITICA

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1 - O QUE É GEOPOLÍTICA? E GEOGRAFIA POLÍTICA?
Quando, como e por quem a Geografia Política e a Geopolítica foram fundadas? Qual a importância desses campos de conhecimento?
O ano de 1897 é o ponto de partida para a referência de nossos estudos. Nesse ano foi publicada Geografia Política, do alemão Friedrich Ratzel, obra que marca a fundação de dois campos: a Geografia Política e a Geopolítica. Além disso, Ratzel vai ser uma referência importante para muitos estudos políticos das mais diversas áreas do conhecimento.
De lá pra cá, essas disciplinas passaram por longas transformações até desembocarem nos estudos contemporâneos. O texto abaixo nos permitirá perceber qual a diferença entre elas, como se mantiveram tão atuais, como acompanharam os processos de mudança do mundo, ajudando na tarefa de compreender o mundo contemporâneo.
O QUE É GEOPOLÍTICA? E GEOGRAFIA POLÍTICA?
Por: José Wiliam Vesentini
 
É freqüente a confusão entre geografia política e geopolítica, que na verdade são imbricadas, se sobrepoem em grande parte, mas não se identificam totalmente. Existe uma história de cada um desses saberes que mostra suas origens, suas especificidades, embora em alguns momentos eles tenham se mesclado, se identificado.
 
A expressão geografia política existe há séculos. Há inúmeros livros dos séculos XVII, XVIII e XIX com esse título. Mas considera-se que geografia política moderna, pelo menos tal como a entendemos hoje -- isto é, como um estudo geográfico da política, ou como o estudo das relações entre espaço e poder -- nasceu com a obra Politische Geographie [Geografia Política], de Friedrich RATZEL, publicada em 1897. Ratzel, na verdade, não criou o rótulo "geografia política"; ela apenas redefiniu o seu conteúdo, apontando para o que seria um verdadeiro estudo geográfico da política, uma concepção de política que muito deve à leitura de Maquiavel. Antes dele era comum encontrar em obras com esse título a descrição dos rios ou montanhas de tal ou qual Estado - ou seja, qualquer fenômeno ligado ao Estado (o ser político por excelência) era tido como assunto de geografia política. Ratzel mostrou que o estudo da geografia política só vai se preocupar com o meio ambiente - as características "naturais" do território, por exemplo (localização, formato, proximidade do mar, etc.) - desde que isso tenha relações com a vida política. Ele procurou estabelecer uma série de temas pertinentes à geografia política, que continuam a ser atuais (embora outros tenham surgido posteriormente): o que é o Estado e quais as suas relações com o território, soberania e território, o que é política territorial (uma expressão criada por ele), a questão das fronteiras, o que significa uma grande potência mundial, etc.
 
Em síntese, esse geógrafo alemão não foi o primeiro autor a empregar esse rótulo, geografia política, nem mesmo o primeiro a escrever sobre o assunto - a questão do espaço geográfico na política. Essa análise a respeito da dimensão geográfica ou espacial da política é bastante antiga. Podemos encontrá-la em Aristóteles, em Maquiavel, em Montesquieu e em inúmeros outros filósolos da antiguidade, da Idade Média ou da época moderna. Mas normalmente essa preocupação com a dimensão espacial da política -- tal como, por exemplo, a respeito do tamanho e da localização do território de uma cidade-Estado, em Aristóteles; ou sobre a localização e a defesa da fortaleza do príncipe, em Maquiavel; ou a ênfase na importância da geografia (física e principalmente humana) para a compreensão do "espírito das Leis" de cada Estado, em Montesquieu -- era algo que surgia en passant, como um aspecto meio secundário da realidade, pois o essencial era entender a natureza do Estado ou das Leis, os tipos de governo ou as maneiras de alcançar e exercer eficazmente o poder. Com Ratzel inicia-se um estudo sistemático da dimensão geográfica da política, no qual a espacialidade ou a territorialidade do Estado era o principal objeto de preocupações. E com Ratzel a própria expressão "geografia política", que era comumente empregada nos estudos enciclopédicos dos séculos XVII, XVIII e mesmo XIX (as informações sobre tal ou qual Estado: sua população, contornos territoriais, rios, montanhas, climas, cidades principais, etc.), ganha um novo significado. Ela passa a ser entendida como o estudo geográfico ou espacial da política e não mais como um estudo genérico (em "todas" as suas características) dos Estados ou países.
 
A palavra geopolítica, por sua vez, foi criada no início do século XX, mais precisamente em 1905, num artigo denominado "As grandes potências", escrito pelo jurista sueco Rudolf KJELLÉN. (Mas atenção: a palavra geopolítica é que foi criada por Kjellén, pois não há dúvida que essa temática é bem mais antiga, ou seja, as grandes preocupações geopolíticas não surgiram no início do século XX (preocupações sobre o que é e quem é uma potência mundial, como se dá a disputa mundial pelo poder entre os Estados, que estratégias seriam adequadas para tal ou qual Estado tornar-se a potência regional nesta ou naquela parte do globo, etc.). Isto é, já existia anteriormente juízos ou análises a respeito do poderio de cada Estado, das grandes potências mundiais ou regionais, com a importância ou o uso do espaço geográfico na guerra ou no exercício do poder estatal.
 
Normalmente se afirma -- em quase todas as obras sobre "história da geopolítica" -- que os geopolíticos clássicos, ou os "grandes nomes da geopolítica", foram H.J. MacKinder, A.T. Mahan, R. Kjellén e K. Haushofer. Desses quatro nomes, dois deles (o geógrafo inglês Mackinder e o almirante norte-americano Mahan) tiveram as suas principais obras publicadas antesda criação dessa palavra geopolítica por Kjellén e, dessa forma, nunca fizeram uso dela. O outro autor, o general alemão Karl Haushofer, foi na realidade quem popularizou a geopolítica, devido às circunstâncias (ligações, embora problemáticas, com o nazismo e possível contribuição indireta para a obra Mein Kampf, de Hitler), tornando-a tristemente famosa nos anos 1930 e 40, em especial através da sua Revista de Geopolítica [Zeitschrift für Geopolitik], editada em Munique de 1924 a 44 e com uma tiragem mensal que começou com 3 mil e chegou a atingir a marca dos 30 mil exemplares, algo bastante expressivo para a época.
 
A geopolítica, enfim, conheceu um período de grande expansão no pré-guerra, na primeira metade do século XX, tendo se eclipsado -- ou melhor, ficado no ostracismo -- depois de 1945. Ela sempre se preocupou com a chamada escala macro ou continental/planetária: a questão da disputa do poder mundial, que Estado (e por quê) é uma grande potência, qual a melhor estratégia espacial para se atingir esse status, etc. Existiram "escolas (nacionais) de geopolítica", em especial dos anos 1920 até os anos 1970, em algumas partes do mundo, inclusive no Brasil. Não escola no sentido físico (prédio e salas de aula), mas sim no sentido de corrente de pensamento, de autores -- mesmo que um tenha vivido distante do outro, no espaço ou às vezes até no tempo -- com uma certa identificação: no caso da geopolítica brasileira, ela consistiu principalmente no desenvolvimento de um projeto ("Brasil, grande potência") que se expressa como uma estratégia (geo)política e militar com uma clara dimensão espacial. A natureza pragmática, utilitarista (e para o Estado, único agente visto como legítimo) ou de "saber aplicável" sempre foi uma tônica marcante na geopolítica. Ela nunca se preocupou em firmar-se como um (mero?) "conhecimento" da realidade e sim como um "instrumento de ação", um guia para a atuação de tal ou qual Estado.
 
A partir de meados dos anos 1970 a geopolítica sai do ostracismo. Ela volta a ser novamente estudada (a bem a verdade, ela nunca deixou de ser, mas de 1945 até por volta de 1975 esteve confinada em pequenos círculos, em especial militares). Só que agora, ao invés de ser vista como "uma ciência" (como pretendia Kjellén) ou como "uma técnica/arte a serviço do Estado" (como advogavam inúmeros geopolíticos,inclusive Haushofer), ela é cada vez mais entendida como "um campo de estudos", uma área interdisciplinar enfim (tal como, por exemplo, a questão ambiental). Em várias parte do globo criaram-se -- ou estão sendo criados -- institutos de estudos geopolíticos e/ou estratégicos, que via de regra congregam inúmeros especialistas: cientistas políticos, geógrafos, historiadores, militares ou teóricos estrategistas, sociólogos e, como não podia deixar de ser (na medida em que a "guerra" tecnológica-comercial hoje é mais importante que a militar) até mesmo economistas.
 
Enfim, a palavra geopolítica não é uma simples contração de geografia política, como pensam alguns, mas sim algo que diz respeito às disputas de poder no espaço mundial e que, como a noção de PODER já o diz (poder implica em dominação, via Estado ou não, em relações de assimetria enfim, que podem ser culturais, sexuais, econômicas, repressivas e/ou militares, etc.), não é exclusivo da geografia. (Embora também seja algo por ela estudado). A geografia política, dessa forma, também se ocupa da geopolítica, embora seja uma ciência (ou melhor, uma modalidade da ciência geográfica) que estuda vários outros temas ou problemas. Exemplificando, podemos lembrar que a geografia também leva em conta a questão ambiental, embora esta não seja uma temática exclusivamente geográfica (outras ciências -- tais como a biologia, a geologia, a antropologia, a história, etc. -- também abordam essa questão). Mas a geografia -- da mesma forma que as outras ciências mencionadas -- não se identifica exclusivamente com essa questão, pois ela também procura explicar outras temáticas que não são rigorosamente ambientais tais como, por exemplo, a história do pensamento geográfico, a geografia eleitoral, os métodos cartográficos, etc.
 
Esquematizando, podemos dizer que existiram ou existem várias interpretações diferentes sobre o que é geopolítica e as suas relações com a geografia política. Vamos resumir essas interpretações, que variaram muito no espaço e no tempo, em quatro visões:
 
1. "A geopolítica seria dinâmica (como um filme) e a geografia política estática (como uma fotografia)". Esta foi a interpretação de inúmeros geopolíticos anteriores à Segunda Guerra Mundial, dentre os quais, podemos mencionar Kjellén, Haushofer e vários outros colaboradores da Revista de Geopolítica, além do general Golbery do Couto e Silva e inúmeros outros militares no Brasil. Segundo eles, a geopolítica seria uma "nova ciência" (ou técnica, ou arte) que se ocuparia da política ao nível geográfico, mas com uma abordagem diferente da geografia: ela seria "mais dinâmica" e voltada principalmente para a ação. Eles viam a geografia como uma disciplina tradicional e descritiva e diziam que nela apenas colhiam algumas informações (sobre relevo, distâncias, latitude e longitude, características territoriais ou marítimas, populações e economias, etc.), mas que fundamentalmente estavam construindo um outro saber, que na realidade seria mais do que uma ciência ou um mero saber, seria um instrumento imprescindível para a estratégia, a atuação político/espacial do Estado. Como se percebe, foi uma visão adequada ao seu momento histórico -- não podemos esquecer que o mundo na primeira metade do século XX, antes da Grande Guerra, vivia uma ordem multipolar conflituosa, com uma situação de guerra latente entre as grandes potências mundiais -- e à legitimação da prática de quem fazia geopolítica naquele momento. Ela também foi coeva e tributária de todo um clima intelectual europeu -- especialmente alemão -- da época, que fustigava o conhecimento científico ( a "ciência real", que era contraposta a uma "ciência ideal" ou "novo saber", que deveria contribuir para um "mundo melhor") pela sua pretensa "desconsideração pela vida concreta, pelas emoções, pelos sentimentos".
 
2. "A geopolítica seria ideológica (um instrumento do nazi-fascismo ou dos Estados totalitários) e a geografia política seria uma ciência". Esta foi a interpretação de alguns poucos geógrafos nos anos 1930 e 40 (por exemplo: A. Hettner e Leo Waibel) e da quase totalidade deles (e também de inúmeros outros cientistas sociais) no pós-guerra. Um nome bastante representativo desta visão foi Pierre George, talvez o geógrafo francês mais conhecido dos anos 50 aos 70, que afirmava que a geopolítica seria uma "pseudo-ciência", uma caricatura da geografia política. Esta visão foi praticamente uma reação àquela anterior, que predominou anteriormente, no período pré-Segunda Guerra Mundial. Como toda forte reação, ela caminhou para o lado extremo do pêndulo, desclassificando completamente a geopolítica (da qual "nada se aproveita", nos dizeres de inúmeros autores dos anos 50 e 60) e até mesmo se recusando a explicá-la de forma mais rigorosa.
 
3. "A geopolítica seria a verdadeira (ou fundamental) geografia". Esta foi a interpretação que Yves Lacoste inaugurou com o seu famoso livro-panfleto A Geografia - isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, de 1976, e que serviu como ideário para a revista Hérodote - revue de géographie et de géopolitique. Nessa visão, a geografia de verdade (a "essencial" ou fundamental) não teria surgido no século XIX com Humboldt e Ritter, mas sim na antiguidade, junto com o advento dos primeiro mapas. O que teria surgido no século XIX seria apenas a "geografia dos professores", a geografia acadêmica e que basicamente estaria preocupada em esconder ou encobrir, como uma "cortina de fumaça", a importância estratégica da verdadeira geografia, da geopolítica enfim. A geopolítica -- ou geografia dos Estados maiores, ou geografia fundamental -- existiria desde a antiguidade na estratégia espacial das cidades-Estado, de Alexandre o Grande, por exemplo, de Heródoto com os seus escritos (obra e autor que, nessa leitura enviesada, teria sido um "representante do imperialismo ateniense"). Esta interpretação teve um certo fôlego -- ou melhor, foi reproduzida, normalmente por estudantes e de forma acrítica -- no final dos anos 1970 e nos anos 80, mas acabou ficando confinada a um pequeno grupo de geógrafos franceses que, inclusive, em grande parte se afastaram do restante da comunidade geográfica (ou mesmo científica) daquele país. Existe uma visível falta de evidências nessa tese -- de comprovações, e mesmo de possibilidade de ser testada empiricamente (inclusive via documentos históricos) -- e, na realidade, ela surgiu mais como uma forma de revalorizar a geografia, tão questionada pelos revoltosos do maio de 1968, tentando mostrar a sua importância estratégica e militar.
 
4. "A geopolítica (hoje) seria uma área ou campo de estudos interdisciplinar". Esta interpretação começa a predominar a partir do final dos anos 1980, sendo quase um consenso nos dias atuais. Não se trata tanto do que foi a geopolítica e sim do que ela representa atualmente. E mesmo se analisarmos quem fez geopolítica, os "grandes nomes" que teriam contribuido para desenvolver esse saber, vamos concluir que eles nunca provieram de uma única área do conhecimento: houve juristas (por exemplo, Kjellén), geógrafos (Mackinder), militares (Mahan, Haushofer) e vários outros oriundos da história, da ciência política, da economia, da engenharia, etc. Não tem nenhum sentido advogar o monopólio desse tipo de estudo -- seria o mesmo que pretender deter a exclusividade das pesquisas ambientais! --, já que com isso estaríamos desconhecendo a realidade, o que já se fez e o que vem sendo feito na prática. Existem trabalhos recentes sobre geopolítica, alguns ótimos, oriundos de geógrafos, de cientistas políticos (Luttuak...), de historiadores (H. Kissinger, P. Kennedy...), de sociólogos (Huntington...)de militares, etc. E ninguém pode imaginar seriamente que num instituto ou centro de estudos estratégicos e/ou geopolíticos -- onde se pesquise os rumos do Brasil (ou de qualquer outro Estado-nação, ou mesmo de um partido político) no século XXI, as possibilidades de confrontos ou de crises político-diplomáticas ou econômicas, as estratégias para se tornarhegemônico no (sub)continente, para ocupar racionalmente a Amazônia, etc. -- devam existir apenas geógrafos, ou apenas militares, ou apenas economistas ou juristas. Mais uma vez podemos fazer aqui uma ligação com o nosso tempo, com o clima intelectual do final do século XX e inícios do XXI. A palavra de ordem hoje é interdisciplinariedade (ou até transdisciplinariedade), pois o real nunca é convenientemente explicado por apenas uma abordagem ou uma ciência específica. O conhecimento da realidade, enfim, e mesmo a atuação nela com vistas a um mundo mais justo, é algo muito mais importante do que as disputas corporativistas.
 
Fonte: http://www.geocritica.com.br/geopolitica.htm
As relações entre sociedade, estado, território e poder
 
A geopolítica é um tema contemporâneo que surgiu após o período da Guerra Fria e da subsequente transformação do paradigma das relações internacionais – de bipolaridade para multilateralidade. Ele trouxe um impacto nas interfaces sociais, políticas e econômicas. Todavia, para compreender esse fenômeno, que está intrinsecamente ligado ao processo de globalização, torna-se essencial compreender três elementos básicos de uma nação e sua inter-relação, são eles: sociedade, espaço e poder.
Dentre diversos pensadores das ciências sociais e da política, como Hobbes, Locke e Rousseau, a sociedade era definida e associada à criação do Estado, visto que suas concepções advinham do pensamento e reflexão da natureza humana. Com sua obra Leviatã, Thomas Hobbes foi possivelmente um dos primeiros dentre os demais filósofos políticos a enfatizar de uma maneira sistemática as questões relativas à origem da sociedade. Entretanto, era fundamental distinguir o estado de natureza e a sociedade, isso para que se justificasse a livre associação entre os homens em uma espécie de “acordo artificial”. Hobbes afirma que:
 
O maior dos poderes humanos é aquele que é composto pelos poderes de vários homens, unidos por consentimento numa só pessoa, natural ou civil, que tem o uso de todos os poderes na dependência de sua vontade: é o caso do poder de um Estado (HOBBES, 1988, p. 53).
 
Não obstante, observa-se a importância do território como expressão legal e moral de um Estado, sendo a união entre o solo e o povo que ali habita a constituição de uma sociedade. Essa definição, dada por Friedrich Ratzel, refere-se à associação da territorialidade a uma identidade específica – seja de cunho cultural ou referente à proximidade geográfica –, de forma a não haver, teoricamente, contradições internas a um determinado Estado, que seria fixo em tempo e espaço, características que só seriam alteradas por meio do uso da força (RATZEL, 1990).
Contudo, no decorrer dos últimos 20 anos, essa concepção de território recebeu um sentido diferente, mais amplo, e abordou uma vasta gama de questões pertinentes ao domínio físico e/ou simbólico de determinada área. Atualmente, denota-se que as fronteiras que separam os indivíduos no século XXI revelam uma pluralidade de diferenças que se estendem nas vertentes culturais, no alinhamento político e nas associações regionais entre as nações. Assim, o estudo dos territórios ganhou novamente importância devido ao fim da bipolarização, tanto do ponto de vista militar quanto econômico, e deu espaço para o desenvolvimento de novos acordos federativos que legitimam as novas políticas e as chamadas áreas de influência. Dessa forma, o estudo dos territórios serve como base para o entendimento de fenômenos do mundo moderno, como a fragmentação e a regionalização.
No decorrer das décadas, nota-se que esses conceitos foram se adaptando à realidade das nações e do mundo e deram origem à ideia de Estado-nação – apesar da diferença entre esses dois conceitos – e seu respectivo papel no ordenamento político, econômico e cultural na conjuntura global. Assim, segue-se ainda a premissa de que um Estado, para ser reconhecido como tal, deve cumprir quatro condições básicas: ter uma base territorial, ter fronteiras definidas geograficamente, ter uma população e ter um governo reconhecido por essa população e pelos demais Estados independentes. A diferença crucial entre o conceito de Estado e nação, portanto, recai sob o fato de que a nação é representada por um grupo de indivíduos que compartilham do mesmo conjunto de características, ou seja, costumes, linguagem e história (MINGST, 2009).
A denominação Estado-nação se torna uma ferramenta de autodeterminação e criação da identidade nacional, ferramenta esta soberana e que possui o poder de decidir as condições e ideais aos quais se deve ou não submeter. Entretanto, os Estados estão constantemente envolvidos em conflitos para (re)definirem questões territoriais, seja por litígios oriundos de problemas históricos, por tentativa de expansão territorial de seus domínios ou por interesses econômicos e estratégicos.
Dessa forma, é possível dizer que: 
 
Entre outros conceitos de Estado, figuram: o Estado é uma ordem normativa, um símbolo para uma sociedade particular e as crenças que unem o povo que vive dentro de suas fronteiras. Também é a entidade que tem o monopólio legítimo do uso da violência dentro de uma sociedade. O Estado é uma unidade funcional que assume várias responsabilidades importantes, centralizando-as e unificando-as [...] (MINGST, 2009, p. 96).
 
No entanto, numa perspectiva mais ampla, é possível reconhecer que a nova geopolítica das nações na virada do século XXI tem demonstrado um grande movimento de mobilização social e política a favor de transformações sociais e igualitárias de sociedades afetadas por alterações no sistema mundial.
Depois dos anos 1990, o mundo passou por uma era de conflitos ideológicos seguidos de uma reafirmação do ideal liberal, aprofundando-se cada vez mais em debates que envolvem, implicitamente ou explicitamente, temas como poder e manutenção do status quo (nas relações internacionais entre os Estados, o status quo define a manutenção da situação natural e/ou da posição favorável na qual uma nação se encontra naquele período)  e da situação do sistema internacional.
Portanto, o cenário global vivencia uma constante redefinição e reposicionamento dos players no contexto socioeconômico e torna-se impossível compreender essas relações de poder sem ter conhecimento do real significado da palavra poder e de sua aplicação na geopolítica contemporânea. Dessa forma, deve-se ressaltar, a priori, a relevância dos pensadores clássicos e sua abordagem no campo da ciência política, juntamente com o entendimento dos conceitos de realismo e idealismo, utilizados constantemente para explicar os acontecimentos e a dinâmica internacional. 
O estudo da geopolítica e das relações internacionais inevitavelmente envolve o estudo das relações de poder entre os Estados. Todavia, poder é uma palavra que pode ser usada em diversos contextos e de formas distintas. No campo geopolítico internacional, o mais importante a se compreender é que a quantidade de poder que uma nação possui não representa, necessariamente, sua política ou comportamento no cenário global.
Quando nações agem e fazem uso do poder para impor seus interesses – a exemplo de medidas coercitivas – ou simplesmente se deixam ser influenciadas pelas outras, há uma instabilidade e surgem descontinuidades na política entre os Estados. Há um confronto entre a manutenção do poder e o uso efetivo da força. Uma das abordagens que define as questões de poder nas relações internacionais é a descrita como realismo defensivo, caracterizado por Kenneth Waltz como a tendência que as nações possuem de buscar o equilíbrio, dando origem ao termo balança de poder (VESENTINI, 2007).
Assim, a balança de poder, seja ela regional, global ou sistêmica, pode ser também unipolar, bipolar, multipolar equilibrada ou multipolar desequilibrada:
 
·         unipolar: quando uma potência hegemônica está presente, ou seja, quando um Estado possui mais poder perante os demais que compõem o sistema;
·         bipolar: dois Estados detêm a mesma quantidade de poder,mas são superiores aos demais que compõem o sistema;
·         multipolaridade equilibrada: três ou mais Estados dentro da balança de poder possuem poder relativamente semelhante;
·         multipolaridade desequilibrada: há três ou mais Estados dentro da balança de Poder, mas somente um deles possui mais poder que os demais.
 
Em um mundo globalizado, a balança de poder funciona como um eixo que norteia as decisões. Esse eixo é composto por diversos países com pesos diferentes na política internacional. Em conjunto, esses países conseguem fazer frente ou ao menos se destacar perante os chamados hegemons. O poder na geopolítica é designado por meio de diversas interfaces, sejam elas econômicas, políticas ou bélicas. Conjugadas, elas representam uma liderança, como a que há décadas é sustentada pelos Estados Unidos.
Contudo, para John Mearsheimer, em sua obra The tragedy of great power politics (2001), o poder ou a falta dele determina tanto a habilidade de influenciar quanto de ser influenciado. Essas demonstrações de poder podem ser diferenciadas entre duas vertentes. A primeira é relacionada ao poder potencial, que leva em conta os tamanhos da população e da riqueza do Estado em questão, que vêm a ser os fatores que sustentarão as forças. A segunda, relacionada ao poder concreto, ilustra o panorama contemporâneo repleto de intervenções militares e guerras regionais, no qual se destaca o poderio bélico. Aqui, a ênfase é dada às forças armadas e às forças terrestres, navais e aeronáuticas, sendo a principal delas a terrestre, visto que, no caso de uma conquista territorial, é ela que controlará e ocupará a região.
Desse modo, pode-se dizer que o realismo e a estrutura de poder do sistema internacional contemporâneo são vistos como fenômenos e conceitos relativos aos interesses individuais de um determinado Estado-nação. Por sua vez, esses interesses estão diretamente interligados às relações de poder. Na geopolítica das nações, não há espaço somente para alianças baseadas em médias estatísticas, semelhanças culturais/sociais ou analogias históricas. As questões ideológicas e relacionadas ao poder só se fazem eficazes quando coincidem com as necessidades e interesses dos países do ponto de vista da segurança nacional e, principalmente, do desenvolvimento econômico/social. Devido às circunstâncias, na geopolítica atual a expansão territorial e o imperialismo dos séculos anteriores perdem lugar para o desenvolvimento intensivo da economia, visto que novos investimentos na indústria aumentam o poder de barganha do Estado e elevam seu status.
Logo, uma economia forte não investe necessariamente apenas em armamentos e desenvolvimento de tecnologias bélicas, mas sim sustenta e expande sua indústria para abranger e competir no mercado internacional. Ao valer-se dos recursos minerais e naturais, do petróleo e da tecnologia – grande potencial e diferencial entre as nações que a detêm ou não –, a economia se torna uma das principais fontes de poder e sinônimo de liderança global.
 
Bibliografia do módulo:
HOBBES, T. Levitã. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
RATZEL, F. Geografia do homem (antropogeografia). In: MORAES, A. C. R. (org.). Ratzel. Trad. Fátima Murad. São Paulo: Ática, 1990.
MINGST, K. A. Princípios de Relações Internacionais. 4. ed. Trad. Arlete Simille Marques. Rio de Janeiro:Elsevier, 2009.
VESENTINI, W. J. Novas geopolíticas. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2007
A evolução do pensamento em geopolítica
 
Com o fim da Guerra Fria, há um processo de globalização e multipolarização política que fez com que o hiato no debate geopolítico decorrente do fim da Segunda Guerra Mundial acabasse. Assim, teve início uma fase de compreensão da conjuntura e de redefinição da política internacional. O processo de descolonização de países africanos, as revoluções no Leste europeu, a entrada de nações emergentes no contexto internacional e a mudança no paradigma das relações internacionais alteraram o pensamento geopolítico contemporâneo. O mundo não era mais regido somente pelo poderio econômico ou militar das superpotências, mas por aproximações e afinidades culturais, sociais, étnicas e regionais, ocasionando uma perspectiva ainda mais para a análise do sistema internacional.
Podemos divir a evolução do pensamento geopolítico em grandes ondas. A atual, seria a terceira onda, chamada de geopolítica crítica. Vejamos, pois, a primeira e a segunda onda. Na 1a. onda há um predomínio da "ideologia geopolítica". E na 2a. onda, um predomínio do "discurso geopolítico".
A Ideologia Geopolítica
A “primeira onda” (FERNANDES, 2010) da Geopolítica é extremamente ideológica. Damos esse nome ao período que vai de seu surgimento até a chegada das chamadas “novas Geopolíticas, que surgem, com certa imprecisão, entre os anos 1970-1990. Mas o auge da primeira onda da Geopolítica está no movimento que se inicia com Kjellén e desemboca em Haushofer.
O sueco Rudolf Kjéllen (1864-1922), pioneiro na Geopolítica, era professor de Direito Político nas Universidades de Gotemburgo e Upsala. Ao conceituar a Geopolítica, apontava-a como ramo autônomo da ciência política, e necessariamente distinto da Geografia Política, que para ele era um sub-ramo da Geografia.
Pragmático, ele via na aplicabilidade da Geopolítica sua maior valia. Sua concepção da “ciência Geopolítica” era aplicada aos Estados-Maiores, impérios centrais da Europa, especialmente a Alemanha. Defendia que a Europa deveria se unir sob o domínio do império germânico.
Sua “ideia de que os “Estados-Maiores deveriam transformar-se em ‘academias científicas’, já que as situações de guerra eram as ideias para as análises dos fenômenos geopolíticos”, contaminou os círculos de poder de diversos países.
Na Alemanha, isso ocorreu com as atividades do general-geógrafo Karl Haushofer. Na Itália de Mussolini, no Centro de Geopolítica da Universidade de Trieste. Na América Latina, com os estudos do coronel Benjamin Rattenbach, na Argentina, e do general Augusto Pinochet, no Chile.
No caso do Brasil, os militares da época da Ditadura (1964-1985) estão entre os maiores geopolíticos do país, casos dos generais Mario Travassos, Meira Mattos e Golbery do Couto e Silva, do brigadeiro Lysias Rodrigues e do coronel Octavio Tosta.
Ainda hoje, centros militares como a Escola Superior de Guerra (ESG) possuem importante papel na produção e difusão do conhecimento geopolítico, embora a Geopolítica volte a ter espaço crescente na academia.
Costa (2008, p. 58) chama a atenção para o fato de que todos esses estudos convergem na evocação de Kjéllen como o gênio que teve o mérito de operacionalizar os fundamentos criados por Ratzel, obtendo então uma “nova ciência”, dinâmica (em contraposição à Geografia Política, que seria estática) e mais adequada aos “homens de governo”. 
E o ponto onde essa adequação teve maior efeito foi com a Geopolitik alemã, que teve como principal protagonista o supracitado militar Karl Haushofer (1869-1946).
Haushofer nasceu em uma família de tradição militar da região alemã da Bavária. Chegando a general na hierarquia militar, teve uma vida bastante movimentada, o que lhe valeu a projeção e, segundo Font; Rufí (2006), “custou-lhe a vida”.
Entre suas atividades destacam-se o magistério na Academia Militar, a criação do Instituto de Geopolítica da Universidade de Munique, e, junto com Ernest Obts, a fundação da Zeitschrift für Geopolitik (ZFG), ou, em português, Revista de Geopolítica.
Dos seus livros destacam-se “O Desenvolvimento Geopolítico do Império Japonês (1921)” e “Geopolítica das Panregiões (1931)”, de um total de seis obras escritas entre o período de 1913 e 1939. Nessas obras e nos artigos da ZFG desenvolveu a maior parte de suas ideias.
Em uma delas defendia que havia quatro grandes potências mundiais destinadas a responsabilidades internas (satisfazer a necessidade de seus habitantes) e externas – dominar e organizar o mundo. Essas quatro potências estavam organizadas em “panregiões”: a Americana, sob responsabilidade dos EUA; a Euro-Asiática,liderada pela Rússia; a Leste-Asiática, comandada pelo Japão, e a Euro-Africana, obviamente regida pela Alemanha.
De Ratzel havia tomado como lei duas ideias: a do lebensraum (espaço vital) e o organicismo, que vai aplicar na relação indissociável que cria entre território e raça – é preciso ter nascido naquele território para ter o sentimento de pertencimento. Por isso era contrário a migrações.
Nesses aspectos suas ideias também se aproximam da leitura que Kjellén fez de Ratzel. Mas o pior já podemos imaginar: esse ideário também se aproxima bastante da ideologia nazista. Haushofer tinha grande amizade com Rudolph Hess, segundo homem de confiança de Hitler. Por intermédio de Hess, Haushofer conheceu Hitler, em 1921, encontro que teve papel providencial no amálgama entre a Geopolitik e o nazismo.
O final de vida de Haushofer e sua família foi extremamente trágico. Seu filho Albrecht morreu aos 42 anos, assassinado pelos próprios nazistas, em uma prisão de Berlim, suspeito de participar de uma conspiração para matar Adolf Hitler.
Haushofer foi acusado pela comunidade internacional de ser “o cérebro territorial do nazismo, ou o primeiro dos ‘mil cientistas’ por trás de Hitler (FONT; RUFÍ, p. 64). Chegou a ser cogitada sua ida ao tribunal de Nuremberg, onde foram julgados os nazistas. Terminou suicidando-se com a mulher em 1946, ela envenenando-se, e ele praticando o seppuku (ou haraquiri), ritual suicida dos guerreiros japoneses realizado enfiando uma espada em seu próprio ventre.
A ideologia se voltou contra o próprio Haushofer, e arrastou ainda, de roldão, o nome de Ratzel e da Geografia Política. Que por conta disso ficaram, Ratzel, Geografia Política e a Geopolítica, marginalizados na academia durante um bom tempo, a partir do pós-2ª. Guerra Mundial.
Entretanto, analisando o discurso geopolítico dos outros países, como faremos a seguir, perceberemos que os temas principais como nacionalismo e imperialismo (presentes desde a Geografia Política de Ratzel), estavam presentes também na Geopolítica realizada em outros países. O que diferenciou a Geopolitik foi a violência: ideológica, terminológica e praticada.
 
O Discurso Geopolítico
 
O discurso geopolítico que emergiu na virada do século XIX para o século XX tratava de buscar as justificativas teóricas para as estratégias das grandes potências mundiais. 
Nesse momento histórico surge o imperialismo como forma de relacionamento internacional. E as grandes potências históricas irão se dedicar à tarefa de tentar dominar a maior parte possível do mundo, criando um discurso que justifique esse expansionismo.
Como podemos perceber, Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Rússia e Japão farão sua produção Geopolítica de modo a sustentarem suas aspirações internacionais. Entretanto, a partir de 1890, essas aspirações passam a estar menos ligadas às conquistas territoriais-militares, e mais a uma fase específica do capitalismo, de conquistas econômico-territoriais.
Portanto, o que difere esse conjunto de países da Alemanha? Como já sugerido, apenas a violência da ação alemã, que ao sustentar tão claramente uma forma de eugenia (limpeza étnica) se posicionou muito claramente “contra tudo e contra todos”. Ultrapassou o mero discurso, partindo para a ideologia.
Voltando ao discurso, cabe ressaltar de que forma se produziu em dois países: Inglaterra e Estados Unidos. A escolha dos dois países para exemplificação não é fortuita: a Inglaterra foi a potência hegemônica do século XIX, entrando em decadência após a 1ª. Guerra Mundial (1914-1918) e passando o bastão para os Estados Unidos, que manteve o posto do século XX aos dias atuais.
Nos Estados Unidos o discurso geopolítico aparece na obra do almirante Alfred Thayer Mahan (1840-1914), autor de “A Influência do Poder Marítimo na História. 1660-1783”, livro publicado em 1890.
Nesse livro, Mahan tenta demonstrar historicamente o papel decisivo que o poder naval exerceu para o domínio do mundo. Sua tese alcançou incrível projeção internacional, “a ponto de se converter em uma das referências do próprio Ratzel em seu apoio ao poder naval alemão” (FONT; RUFÍ, p. 67).
A relevância de Mahan se nota ainda na política norte-americana. Sob sua influência os Estados Unidos abandonaram um preceito básico de sua política no século XIX: o isolacionismo. O isolacionismo era de certa forma respaldado pela Doutrina Monroe, de 1823, que propunha que os Estados Unidos deveriam limitar seus interesses internacionais ao continente americano.
Para justificar o fim do isolamento americano, Mahan postula dois motivos: a insegurança diante da expansão dos seus adversários e uma obrigação civilizatória.
A possibilidade de expansão das outras potências fazia com que os Estados Unidos tivessem que se posicionar, sob o risco de perder espaço. E a obrigação civilizatória combinava perfeitamente com a ideologia norte-americana: os Estados Unidos tinham que difundir seus valores e sua democracia pelo mundo, para iluminar as sociedades bárbaras, como buscam fazer até os dias de hoje.
A proposta de Mahan de “uma nova política exterior norte-americana se fará sentir durante a presidência de Theodore Roosevelt, e tomará corpo na guerra contra a Espanha, de 1898” (FONT; RUFÍ, p. 68).
Além de ter influenciado o expansionismo americano, Mahan também teve seguidores ao redor do mundo, como Ratzel e o grande geopolítico original, Mackinder.
Halford John Mackinder (1861-1947) foi um dos responsáveis pela institucionalização da Geografia na Inglaterra, criando a Royal Geographic Society e fundando os estudos de Geografia na Universidade de Oxford e na London School of Economics.
Em 1904 lançou “O Pivô Geográfico da História”, sua primeira importante obra. Sua tese principal é a de que existe um espaço determinante para o domínio do planeta, que o país que o conquistar, conquistará o mundo: a área pivô.
Essa área estaria situada no centro do continente asiático, na chamada world island (ilha mundial), e quem detivesse seu controle, controlaria o mundo.  O balanço de poder se completaria com outras duas áreas: o innner of marginal crescent (arco ou crescente interior) e as lands of outer or insular crescent (terras ou ilhas do arco ou crescente exterior).
Em obra posterior, “Ideais Democráticos e Realidade”, de 1919, Mackinder aprimora seu argumento, substituindo a noção de área pivô por “heartland” (coração da Terra). Países não dotados dessa área continental deveria focar seus esforços em se tornarem potências marítimas. Nesse ponto, Mackinder aclara seu discurso, convergindo sua teoria com o status de potência marítima de que sua Inglaterra já gozava.
Pela descrição de Mackinder, a Rússia seria o país a deter o controle da área pivô/ heartland. E a Inglaterra e as outras potências – Alemanha, França e Estados Unidos – precisavam estabelecer alianças para deter o avanço da possível potência do heartland. “As potências do mar” deveriam se unir contra “as potências da terra”.
Talvez o medo das potências ocidentais tivesse relação com a ideia de Mackinder, pois, para ele, “Quem domina o a Europa oriental comando o heartland, quem domina o herartland comanda o world-island, quem domina o world island comanda o mundo” (COSTA, 2008, p. 89).
É interessante notarmos que o arranjo concebido por Mackinder acabou se concretizando na Guerra Fria, período em que houve uma “aliança atlântica” (Estados Unidos e Europa Ocidental) se contrapondo à potência do heartland, a União Soviética.
Nesse texto buscamos debater o que se fez com a Geopolítica, que evolui de um discurso aplicado à estratégia internacional de alguns países para a justificação teórica de uma ideologia terrível, que foi o nazismo.
Se a Geopolítica pode servir naquele momento para "causar a guerra", nada impede que utilizemos nossos conhecimentos com sabedoria para também evitá-la.
Lacoste, Haushofer, Mahan e Mackinder foram os principais nomes citados. Tente lembrar a contribuição de cada um deles. Assim, estamos convictos de que irá, por associação, recordara diversidade de conteúdos que vimos.
Lembre-se de como o conhecimento foi utilizado para dominar e absorva conhecimento para ser dono do seu próprio mundo!
 
Fontes:
COSTA, Wanderley Messias da. Geografia Política e Geopolítica: discursos sobre o território e o poder. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. 2ª. Ed.
FERNANDES, José Pedro Teixeira. Da Geopolítica Clássica à Geopolítica Pós-Moderna: entre a ruptura e a continuidade. In: PENNAFORTE, Charles; LUIGI; Ricardo (orgs.). Perspectivas Geopolíticas: uma abordagem contemporânea. Rio de Janeiro: Cenegri, 2010.
FONT, Joan Nogué; RUFÍ, Joan Vicente. Geopolítica, identidade e globalização. São Paulo: Annablume, 2006.
LACOSTE, Yves. A Geografia – isso serve, em primeiro lugar para fazer a guerra. Campinas: Papirus, 1988.
PENNAFORTE, Charles (org.). Panorama Contemporâneo: Geopolítica e Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Cenegri, 2008.
PENNAFORTE, Charles; LUIGI; Ricardo (orgs.). Perspectivas Geopolíticas: uma abordagem contemporânea. Rio de Janeiro: Cenegri, 2010.
Geopolítica clássica
 
O termo geopolítica adveio de um neologismo utilizado por Rudolf Kjellén e se tornou uma expressão comum para explicar e sistematizar o pensamento contemporâneo relativo às relações entre os Estados e a relevância do território-nação. Apesar de haver uma incerteza quanto à época de utilização desse termo, é fácil notar que o neologismo geopolítica é um produto direto do contexto histórico do período de transição entre os séculos XIX e XX, vivido por Rudolf Kjéllen.
 Na época, a Suécia via-se dividida no debate referente à dissolução da União de Estados Suécia-Noruega, fato que acabou ocorrendo em 1905. Kjéllen representava um forte opositor da independência da Noruega. Ele redigiu vários manuscritos (entre eles aquele no qual foi utilizada pela primeira vez a palavra geopolítica, chamado Inledning till Sveriges Geografi) e praticou diversas intervenções políticas contra a dissolução em questão (VESENTINI, 2007).
A repercussão do discurso conservador/autoritário/imperialista e do neologismo de Kjellén foi significativa não somente na Suécia, mas também entre o público alemão e o público austríaco. As ideias de Kjellén se tornaram mais populares principalmente no território germânico, visto que o neologismo criado foi lá introduzido pelos trabalhos de Robert Sieger no início do século XX. A germanização da geopolítica deveu-se ainda ao fato de que Kjéllen tinha uma intensa admiração pelo modelo imperial da Alemanha e, dessa forma, constituiria junto ao francês Joseph-Arthur e ao britânico Stewart Chamberlain o trio de pensadores não alemães que possuíam um alinhamento ao ideal  (VESENTINI, 2007).
No entanto, a explicação do significado de geopolítica e de seu objeto de estudo foi elaborada por Kjellén em sua obra mais notável, Staten som Lifsform ou O Estado como forma e vida, escrita em 1916. Nela, a geopolítica é apresentada como uma forma de ciência do Estado, que é visto da perspectiva de um organismo geográfico e analisado a partir de sua manifestação e interação como país, território ou até mesmo como império. Contudo, essa nova “ciência” tinha como objeto de estudo constante o Estado unificado e almejava contribuir para o entendimento profundo de sua estrutura. Para Kjellén, a geopolítica não era, portanto, um simples neologismo de compreensão subjetiva e de interpretação duvidosa, como o era para muitos detratores e críticos, a geopolítica representa, antes, uma verdadeira ciência autônoma que se utilizava de um objeto de estudo novo, diferentemente da geografia política, criada por Ratzel no século XIX.
Assim, ligada diretamente à tradição novecentista alemã de estudos geográficos e também à tradição histórica e nacionalista de Heinrich von Treitschke e Leopold Von Ranke, a geopolítica surgiu na Alemanha no decorrer da segunda década do século XX, no que ficou conhecido como Escola Alemã de Geopolítica ou até mesmo Escola de Munique.
Em 1924, foi fundada a Zeitschrift für Geopolitik ou Revista de Geopolítica, destinada diretamente aos geógrafos profissionais e tendo em vista também a divulgação dos conteúdos escritos por diplomatas, políticos, jornalistas e industriais. Porém, a principal contribuição e personalidade da revista era Karl Haushofer, que possuía características de um militar acadêmico, ou seja, além dos conhecimentos estratégicos inerentes à sua formação militar, também detinha credenciais acadêmicas significativas, o que fez seus livros e publicações de artigos tornarem-se populares no mundo rapidamente. Percebe-se ainda que seu sucesso deve-se à sua experiência no exercício da carreira militar e do conhecimento prático de diversas regiões da Ásia e do Pacífico, especialmente de países como o Japão, onde já havia desempenhado funções de adido militar (VESENTINI, 2007).
Para compreender a ideia expressa nos trabalhos de Haushofer, faz-se necessário compreender o contexto histórico da época e perceber que o período era de redefinição política, econômica e social, uma época extremamente conturbada na Alemanha do século XX. Contudo, a criação da Revista de Geopolítica dinamizava e disseminava o tema, resultado esse obtido pelo esforço e união de competências entre vários pensadores e importantes profissionais da área de política e geografia, especialistas em relações internacionais e analistas do cenário global da época (VESENTINI, 2007).
É ainda relevante ressaltar que os trabalhos de Haushofer também foram influenciados pelo grande debate que teve início nos anos de 1924 e 1925 entre os geógrafos alemães e os defensores da geografia política clássica, na linha de Ratzel. Karl Haushofer foi um dos principais protagonistas desse debate e publicou um famoso artigo intitulado Politische Erdkunde und Geopolitik, ou Geografia política e geopolítica, em 1925, que sustentava a necessidade de difundir o conhecimento da geopolítica como um saber estratégico tanto para a elite alemã e mundial quanto para a população. Entretanto, para tal fazia-se necessário romper com a tradição da geografia clássica anteriormente proposta, pois, em sua essência, embora o dualismo da geografia e os conceitos de Ratzel fossem estritamente importantes, eles se tornavam ultrapassados para a época. Assim, traçou-se uma distinção entre a geografia política, que estuda a distribuição do poder estatal à superfície dos continentes e suas condições (solo, configuração, clima e recursos) e a geopolítica em si, que tem como objetivo principal a atividade política de um determinado Estado num espaço natural (VESENTINI, 2007).
Além desse posicionamento liderado por Kjellén, que resultou no debate entre geógrafos e geopolíticos, pode-se encontrar ainda ideias e teses geopolíticas nos vastos trabalhos e publicações que auxiliam na compreensão do pensamento e contextualizam todas as questões relevantes da época, desde os problemas territoriais de expansionismo – principalmente alemão – até as zonas de influência das grandes potências. O debate teve seu início principalmente por duas razões:
 
·         primeira: a partir de questões acadêmicas, afirmavam e criticavam Kjellén por simplesmente ter adaptado parte da obra de Ratzel e a chamada antropogeografia para uma perspectiva mais ampla e adequada à realidade, sem, no entanto, ter criado uma “ciência” nova que merecesse uma desvinculação total da geografia já conhecida ou da geografia política;
·         segunda: recaía sobre questões políticas e era reflexo do ambiente global conturbado e dos problemas internos da Alemanha, que possuía uma visão equivocada da perspectiva de Kjellén e afirmava que esta havia influenciado e causado parte da derrocada alemã por não contribuir nos assuntos relacionados à definição das fronteiras nacionais (TUNADER, 2011).
 
Juntamente a esse intenso debate, surgem duas publicações de Haushofer, uma delas é Grenzen in iher Geographischen und Politischen Bedeutung, ou As fronteiras e o seu significado geográfico e político, e a outra é Geopolitik der Pan-Ideen,ou Geopolítica das ideais continentalistas. Esta definiu um novo conceito chamado pan-região, que se referia às quatro grandes regiões mundiais: a Euro-África (toda a Europa, o Médio-Oriente e todo o continente africano), a Pan-Rússia (a generalidade da ex-União Soviética, o subcontinente indiano e o leste do Irã); a Área de Co-prosperidade da grande Ásia (toda a área costeira da Índia e sudeste asiático, o Japão, as Filipinas, a Indonésia, a Austrália e a generalidade das ilhas do Pacífico) e a Pan-América (todo o território desde o Alasca à Patagônia e algumas ilhas próximas do Atlântico e do Pacífico).
Estreitamente ligada à tese das pan-regiões está a ideia dos Estados-diretores, que consistia na liderança de cada uma dessas áreas por um Estado forte, dinâmico, com grande população e recursos, dotado de altos padrões econômicos e industriais e de uma posição geográfica que lhe permitisse exercer um efetivo domínio sobre os demais. Os Estados melhores posicionados para exercerem essa liderança seriam, segundo Haushofer, a Alemanha (Euro-África), a Rússia (Pan-Rússia), o Japão (Área de Co-prosperidade da grande Ásia) e os EUA (Pan-América) (VESENTINI, 2007). 
 
Apesar desse pensamento de zonas de influência, ao final da Segunda Guerra Mundial Halford Mackinder criou o discurso geopolítico em sua publicação chamada The Geographical Pivot of History. Embora sem mencionar a palavra geopolítica – vista por ele como um pensamento germânico –, o estudioso analisava os acontecimentos históricos das principais áreas do mundo e afirmava que os mais decisivos e importantes da história universal haviam ocorrido na planície asiática, ou seja, na Eurásia da Antiguidade. A partir desse pressuposto, desenvolveu-se uma designação para essa área – Heartland (coração da Terra) ou Pivot Area (região pivô) – e sua inter-relação com a dominação e/ou desequilíbrio de poder no continente euroasiático. A teoria do Heartland provocaria uma transformação das relações de poder no mundo.
Mackinder pronunciou em 1904, durante a conferência na Real Sociedade Geográfica de Londres, que o poderio naval começaria a ser ameaçado pelo poderio terrestre, visto que os territórios da Alemanha e da Rússia eram invulneráveis a uma invasão marítima. Segundo seu discurso, o domínio dessa região representaria o domínio do mundo. Mackinder utilizava-se do seguinte raciocínio: “quem controla a Europa Oriental, domina a Terra Central; quem controla a Terra Central, domina a Ilha Mundial; e quem controla a Ilha Mundial, domina o mundo” (A tradução da conferência de Mackinder para o castelhano está presente em RATTENBACH, A. B. Antología geopolítica. Buenos Aires: Pleamar, 1975, pp. 65-81).
No decorrer das décadas, essa concepção permeou o pensamento das nações vencedoras da Segunda Guerra Mundial de tal modo que se buscou o equilíbrio de poder no continente por meio do isolamento da Alemanha e da Rússia e da vigília constante das ações desses dois países.
Esse conceito de divisão do espaço geográfico e de influência das potências em territórios específicos começa a ser ainda mais estudado no decorrer dos anos 1950 e 1960, a partir da concepção de Mackinder. Assim, a teoria geopolítica contemporânea vem ao encontro do conceito de globalização e está interligada aos acontecimentos e jogos de poder entre os players que compõem o sistema internacional. 
Fontes:
Figura 1
FERNANDES, J. P. T. A geopolítica clássica revisitada. Nação & Defesa, Brasília, Instituto de Defesa
Nacional, n. 105, 2003, p. 232. Disponível em: <http://www.jptfernandes.com/docs/art_acad_
geopolitica_rev.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2012.
 
Figura 2
MACKINDER, H. T. The geographical pivot of history. Geographical Journal, n. 23, 1904, p. 421-437.
Livros
TUNADER, O. Swedish geopolitics from Rudolf Kjellén to a swedish “dual state”. Noruega: International
Peace Research Institute, 2011.
VESENTINI, W. J. Novas geopolíticas. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2007
 
Geopolítica contemporânea
 
Durante a Guerra Fria, a geopolítica desempenhou um papel central não somente no âmbito acadêmico, mas também na esfera político-militar. A formulação da política de contenção e da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) ao final da década de 1940 – e seu desenvolvimento nas últimas décadas – ao lado do desenvolvimento de novas tecnologias e da corrida armamentista nas décadas de 1970 e 1980 foram reflexos da estratégia adotada pelas potências por meio do estudo da geopolítica clássica e do desenvolvimento de uma análise complexa.
Tais argumentos e concepções foram fundamentados por estudiosos como Halford Mackinder, Nicholas Spykman, Colin Cinza e Zbigniew Brzezinski, no entanto, ao contrário do pensamento norte-americano, Kjellén e os geopolíticos alemães ressaltaram não somente as relações entre o desenvolvimento tecnológico e seu impacto na geografia, mas também a conexão com as questões étnicas e políticas que impactavam no ambiente global. A ciência política americana sem dúvidas herdou conceitos importantes da tradição alemã, particularmente de Hans Morgenthau, assim como de Max Weber e Carl Schmitt, mas os norte-americanos possuíam também uma estratégia política individual e construída em bases sólidas (VESENTINI, 2007).
O universalismo americano se opunha em termos ao culturalismo alemão ou contextualismo – visto da perspectiva de que o contexto ou a época influencia diretamente na construção do pensamento – e se mostrava mais voltado para a área estratégica. Contudo, atualmente não se pode desvincular a análise geopolítica da interface étnica e cultural, já que a análise geopolítica tem um profundo impacto nas decisões das nações. Apesar disso, Samuel Huntington debate o choque das civilizações e afirma que a política se tornou muito mais próxima às ideias de Kjellén. A linha de divisão geográfica que Huntington criou entre as civilizações do leste e do oeste é praticamente idêntica a que Kjellén, 80 anos antes, havia ressaltado ser a grande linha cultural entre a Rússia e a Europa (VESENTINI, 2007).
Entretanto, foi a geopolítica sueco-alemã cosmopolita que provou ser precisa na descrição do futuro da Europa contemporânea, principalmente nos anos de reestruturação e redefinição do paradigma das relações internacionais. No período pós Segunda Guerra Mundial, o mundo presenciava uma luta incessante pelo domínio ideológico e político de duas grandes potências, Estados Unidos e URSS (União das Repúblicas Soviéticas), que utilizavam as zonas de influência como forma de proteção e disseminação de seus respectivos ideais.
Com uma situação desfavorável e com a economia em ruínas, a Europa necessitava de capital externo e investimentos que auxiliassem em sua reestruturação política e econômica, bem como na reintegração com os demais países. Tendo em vista a ameaça soviética e a possível aliança com os países do ocidente europeu – o que fortaleceria, por conseguinte, os conceitos do capitalismo –, os Estados Unidos da América idealizaram um plano capaz de suprir as necessidades das nações devastadas na Segunda Guerra Mundial: o Plano Marshall. Inicialmente, os EUA pretendiam abranger com o plano não só o ocidente europeu, mas também a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que necessitava igualmente do auxílio. Contudo, as divergências ideológicas não permitiram um acordo, o que determinou que o crédito seria concedido somente aos países europeus que compactuavam com as políticas americanas e com a Doutrina Truman.
Em contrapartida, a URSS utilizou uma política de isolamento semelhante para aproximar as nações comunistas e protegê-las da invasão ideológica do capitalismo ocidental: era a Cortina de Ferro. Como afirma Huntington (1997):
   
[...] Em sua competição entre si, os Estados-núcleos tentam congregar suas legiões civilizacionais, fazer alianças com Estados de terceiras civilizações, promover a divisão e defecções nas civilizações adversárias e empregar a combinação apropriada de ações diplomáticas, políticas, econômicas e clandestinas, bemcomo instigações por propaganda e forma de coerção, para atingir seus objetivos [...] (HUNTINGTON, 1997, p. 261).
 
No entanto, a peculiaridade da Guerra Fria – ainda que houvesse o desentendimento entre as potências e a divisão do mundo – residia no fato de que não existia um perigo iminente ou uma ameaça definitiva de uma Terceira Guerra Mundial. Havia, na verdade, uma subdivisão advinda do final da Segunda Guerra Mundial e do acordo entre Estados Unidos da América e URSS. Essa subdivisão apontava que esses países exerceriam influência sob suas respectivas áreas sem utilizar a força militar. Segundo Hobsbawn (1995):
 
[...] A situação mundial se tornou razoavelmente estável pouco depois da guerra e permaneceu assim até meados da década de 1970, quando o sistema internacional e as unidades que o compunham entraram em outro período de extensa crise política e econômica [...] as duas superpotências aceitavam a divisão desigual do mundo, faziam todo esforço para resolver disputas de demarcação sem um choque aberto entre suas Forças Armadas [...] (HOBSBAWN, 1995, p. 225).
 
O termo coexistência pacífica definia esse período de incertezas e de redefinições do sistema internacional, no qual uma ainda frágil potência, a URSS – se vista por meio das mazelas sociais e das revoluções internas –, via uma vasta oportunidade de manter sua hegemonia e domínio territorial, ao mesmo tempo em que seus problemas econômicos, cada vez mais evidentes, aproximavam-na mais de seu fim.
Entretanto, as mudanças políticas no contexto da Guerra Fria transformaram o panorama internacional, visto que não havia mais uma rivalidade entre a maioria das grandes potências – principalmente entre as que foram derrotadas na Segunda Guerra Mundial. A maior parte delas se encontrava em processo de reconstrução de sua política e economia. Pode-se afirmar, assim, que houve um congelamento da política internacional e que as questões levantadas em épocas de guerra se viam abrandadas e inviáveis para serem colocadas em pauta novamente (HUNTINGTON, 1997).
Porém, no decorrer das relações da Rússia com os países contíguos após a “desestalinização”, houve um constante desentendimento, o que fez com que a então imponência do exército vermelho tivesse de ser mostrada novamente para que sua hegemonia regional fosse mantida. As divergências políticas, diplomáticas e culturais eram fatores indispensáveis para analisar esses conflitos e conseguir compreender a estrutura de cada província. Contudo, não somente o leste-europeu, mas a África, marcada por uma grande miscigenação e com mais de 50 países, sofreu com a dificuldade de abranger politicamente todas as diferenças étnicas e culturais dentro de uma só nação. Como afirmou Huntington (1997):
 
A política mundial está sendo reconfigurada seguindo linhas culturais e civilizacionais. Nesse mundo, os conflitos mais abrangentes, importantes e perigosos não se darão entre classes sociais, ricos e pobres, ou entre outros grupos definidos em termos econômicos, mas sim entre povos pertencentes a diferentes entidades culturais. As guerras tribais e os conflitos étnicos irão ocorrer no seio das civilizações [...] (HUNTINGTON, 1997, p. 21).
 
Durante a Guerra Fria, a teoria de Huntington foi comprovada especialmente com relação às nações recém-independentes do continente africano – Saara Ocidental e Somália – e com nações comunistas do leste europeu. Entretanto, essa nova era da geopolítica mundial, que perdurou de 1947 a 1991, foi marcada por um hiato ou crise da produção e discussão acadêmica referente aos temas geopolíticos. Devido à dissolução da União Soviética e à crise do comunismo no mundo, o processo de desenvolvimento, a predominância do capitalismo como modelo econômico e a conjuntura internacional reacenderam o debate entre a década de 1980 e 1990.
Desse modo, as mudanças provocadas pelas constantes evoluções tecnológicas se tornaram cada vez mais visíveis nas relações internacionais (como a Terceira Revolução Industrial). A superação de distâncias geográficas e temporais e a troca de informações e de conteúdo em tempo real permitiram o aprofundamento da globalização, a interdependência da economia mundial e a integração de várias esferas da sociedade, o que intensificou os processos e modificou a geopolítica global.
Diante dessa crescente conectividade, verifica-se a emergência de um sistema internacional cada vez mais complexo, juntamente com uma economia global dinâmica e a subsequente ascensão de novos atores (Estados e não Estados). A globalização, portanto, está fundamentada nos conceitos de intercâmbio e interdependência entre as nações em aspectos mais abrangentes do que o econômico, como os aspectos culturais, políticos e sociais.
Desde Ratzel, a geopolítica utiliza como ferramenta de estudo essas interfaces, a fim de conseguir compreender e analisar as relações entre os Estados e as questões referentes ao expansionismo, à distribuição dos territórios e aos conceitos de regionalização e de integração política, econômica e cultural, que permeiam o estudo das relações internacionais. A lógica das disputas está submetida hoje não somente às questões do comércio, mas principalmente às questões geoestratégicas, como a influência ideológica e a utilização do soft power, essenciais para a manutenção da hegemonia das grandes potências.
 
Fonte:
HOBSBAWM, E. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
HUNTINGTON, S. P. O choque de civilizações. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
VESENTINI, W. J. Novas geopolíticas. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2007. 
A NOVA GEOPOLÍTICA DAS NAÇÕES: e o lugar da China, Índia, Brasil e África do Sul.
 “Foi a necessidade de financiamento das guerras que esteve na origem desta convergência entre o poder e a riqueza. Mas desta vez, o encontro dos “príncipes” com os “banqueiros” produziu um fenômeno absolutamente novo e revolucionário: o nascimento dos “estados-economias nacionais”. Verdadeiras máquinas de acumulação de poder e riqueza que se expandiram a partir da Europa e através do mundo, numa velocidade e numa escala que permitem falar de um novo universo, com relação ao que havia acontecido nos séculos anteriores”
*FIORI, JOSÉ LUIS. O Poder Americano. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2004, p: 34
 
 
1.     O FATO E A TEORIA
 
Toda análise do sistema internacional supõe alguma visão teórica, a respeito do tempo, do espaço e do movimento da sua “massa histórica”. Sem a teoria é impossível interpretar a conjuntura, e identificar os movimentos cíclicos e as “longas durações” estruturais, que se escondem e desvelam, ao mesmo tempo, através dos acontecimentos imediatos do sistema mundial. Só tem sentido falar de “grandes crises”, “inflexões” e “tendências” a partir de uma teoria que relacione e hierarquize fatos e conflitos locais, regionais e globais, dentro de um mesmo esquema de interpretação. Além disto, é a teoria que define o “foco central” da análise e a sua “linha do tempo”. Por exemplo, com relação às transformações mundiais das últimas décadas, é muito comum falar de uma “crise da hegemonia americana”, na década de 70, e reconhecer que depois disto, houve duas inflexões históricas muito importantes, em 1991 e 2001. Mas por trás deste consenso aparente, podem esconder-se interpretações completamente diferentes, dependendo do ponto de partida teórico de cada analista. Por isto, essa nossa análise da conjuntura internacional começa expondo, de forma sintética, o seu foco de observação, a sua tese central e suas principais premissas teóricas, para só depois analisar as mudanças recentes do sistema mundial, e discutir o novo lugar da China, Índia, Brasil e África do Sul.
 
1.1.        O foco da análise e a sua tese central
 
O foco da nossa análise se concentra no movimento de expansão, e nas transformações estratégicas do poder global dos Estados Unidos, sobretudo depois da sua “crise” dos anos 70, e da sua vitória dos anos 90. Quando os Estados Unidos assumiram, explicitamente, o projetode construção de um império global. Mas, logo em seguida, este projeto atingiu seu limite teórico de expansão, e abriu portas – dialeticamente – para o reaparecimento e a universalização dos estados nacionais, e do seu cálculo geopolítico, que agora atinge todos os tabuleiros regionais do sistema mundial. Muitos analistas confundiram esta mudança com uma “crise terminal” do poder americano, ou do “sistema mundial moderno”, sem perceber que neste início do século XXI, este sistema moderno de “estados-economias nacionais” alcançou sua máxima extensão e universalidade, globalizando a competição político-econômica das nações, e permitindo, desta forma, um novo ciclo de crescimento da economia internacional.
·        as premissas teóricas
Por trás da nossa hipótese, existe uma teoria e algumas generalizações históricas, acerca da formação, expansão e mudanças do sistema mundial que se formou no século XVI, e se consolidou nos séculos XVII e XVIII, a partir da Europa. De forma sintética, e por ordem, vejamos as suas teses principais:
·O atual “sistema político mundial” que nasceu na Europa, no século XVI, e se universalizou nos últimos 500 anos, não foi uma obra espontânea, nem diplomática. Foi uma criação do poder, do poder conquistador de alguns estados territoriais europeus, que definiram suas fronteiras nacionais no mesmo momento em que se expandiram - simultaneamente - para fora da Europa, e se transformaram em impérios globais.
·Da mesma forma que o “sistema econômico mundial” que também se constituiu, neste mesmo período, a partir da Europa, não foi uma obra exclusiva dos “mercados” ou do “capital em geral”. Foi um subproduto da expansão competitiva e conquistadora de algumas economias nacionais europeias que se internacionalizaram junto com seus respectivos “estados-economias“, que se transformaram, imediatamente, em impérios coloniais.
·Duas características distinguem a originalidade e explicam a força vitoriosa destes poderes europeus: primeiro, a maneira como os estados territoriais criaram, e se articularam, com suas economias nacionais, produzindo uma “máquina de acumulação” de poder e riqueza, absolutamente nova e explosiva - os “estados-economias nacionais”; e segundo, a maneira em que estes “estados-economias nacionais” nasceram, em conjunto, e numa situação de permanente competição e guerra, entre si, e com os poderes imperiais, de fora da Europa.
·Desde o início desse sistema, segundo o sociólogo alemão Norbert Elias, nessa competição permanente, “quem não sobe, cai”. Por isto, as guerras se transformaram na atividade principal dos primeiros poderes territoriais europeus, e depois seguiram sendo a atividade básica dos estados nacionais. E, com isso, as guerras acabaram cumprindo na Europa, um papel contraditório, atuando, simultaneamente, como uma força destrutiva e integradora, e promovendo uma espécie de “integração destrutiva”, de territórios e regiões que tinham se mantido distantes e separadas, até os séculos XVI e XVII, e que só passaram a fazer parte de uma mesma unidade, ou de um mesmo sistema político, depois da Guerra dos 30 anos, e da Paz de Westfália, em 1648, e das Guerras do Norte, no início do século XVIII.
·Dentro desse novo sistema político, todos os seus estados estavam obrigados a se expandir, para poder sobreviver. Por isto se pode falar de uma “compulsão expansiva” de todo o sistema, e de cada um de seus estados territoriais, e da sua necessidade de conquista permanente, de novas posições monopólicas de poder e de acumulação de riqueza. É neste sentido que se pode dizer que, desde a formação mais incipiente do novo sistema, suas unidades competidoras tinham que se propor, em última instância, à conquista de um poder cada vez mais global, sobre territórios e populações cada vez mais amplos e unificados, até o limite teórico da monopolização absoluta e da constituição de um império político e econômico que teria uma abrangência mundial.
·Mas, essa tendência à centralização e à monopolização do poder e da riqueza, que nasce da competição dentro do sistema mundial nunca se realizou plenamente, nestes últimos 500 anos. E não se realizou, porque as mesmas forças que atuam na direção do poder global, atuam, também, na direção do fortalecimento do poder e dos capitais nacionais. Para ser mais preciso: a vitória e a constituição de um império mundial seria a vitória de algum estado nacional específico. Daquele que tivesse sido capaz de monopolizar o poder, até o limite do desaparecimento dos seus competidores. Mas ao mesmo tempo, sem o prosseguimento da competição, o estado ganhador não teria como seguir aumentando o seu próprio poder, como no caso da competição intercapitalista. E, nesse sentido, se pode concluir que a vitória hipotética de um único “estado-economia nacional” significaria, ao mesmo tempo, a destruição do mecanismo de acumulação de poder e riqueza que mantém o sistema mundial em estado de expansão desordenada, desequilibrada e contínua.
·Essa contradição do sistema mundial, impediu o nascimento de um império global, mas não impediu a oligopolização precoce do controle do poder e da propriedade da riqueza, nas mãos de um pequeno grupo de estados que se transformaram nas Grandes Potências, com capacidade de imposição da sua soberania e do seu poder muito além de suas fronteiras nacionais. Uma espécie de núcleo central do sistema, que nunca teve mais do que seis ou sete “sócios”, todos eles europeus, até o início do século XX, quando os Estados Unidos e o Japão ingressaram no “círculo governante” do mundo. Além disto, estes estados sempre colocaram barreiras à entrada de novos “sócios” e, apesar de suas relações competitivas e bélicas, sempre mantiveram entre si relações complementares.
·Os estados e seus capitais nacionais nem sempre andaram juntos nas suas competições econômicas e político-militares, mas na hora da escassez de recursos essenciais aos estados e aos capitais privados, sua aliança nacional se estreitou até o limite do enfrentamento conjunto das guerras. Por sua vez, também entre os estados e os capitais nacionais competidores, houve sempre convivência, complementaridade e até alianças e fusões, ao lado da competição, dos conflitos e das guerras. Às vezes predominou o conflito, às vezes a complementaridade, mas foi esta “dialética” que permitiu a existência de períodos mais ou menos prolongados de paz e crescimento econômico convergente entre as Grandes Potências. E só em alguns momentos excepcionais, em geral depois de grandes guerras, é que a potência vencedora pôde exercer uma “hegemonia benevolente”, dentro do grupo das Grandes Potências, e com relação ao resto do mundo, graças ao interesse comum na reconstrução do sistema recém-destruído.
·Até o fim do século XVIII, o “sistema político mundial” se restringia aos estados europeus e seus impérios, aos quais se agregaram no século XIX, os estados americanos, e depois, no século XX, os novos estados africanos e asiáticos. Algo diferente aconteceu com o “sistema econômico mundial” que sempre incluiu as economias coloniais dentro da divisão internacional do trabalho definida pelas necessidades das metrópoles.
·Foi só no final do século XX, que o sistema mundial universalizou, definitivamente, a grande invenção dos europeus que foram os seus “estados-economias nacionais”. Mas com isto, também, o sistema mundial se fragmentou, dando origem a várias estruturas políticas e econômicas regionais, e a multiplicação das lutas pela liderança ou hegemonia dentro destes subsistemas. Uma espécie de etapa prévia indispensável aos candidatos à luta pelo poder global.
·Concluindo, do nosso ponto de vista, qualquer discussão sobre o futuro do atual sistema mundial, e sobre as perspectivas dos seus estados ou “potências emergentes”, deve partir de três convicções preliminares: i) no “universo em expansão” dos “estados-economias nacionais”, não há possibilidade lógica de uma “paz perpétua”, nem tampouco de mercados equilibrados e estáveis; ii) não existe a possibilidade de que as Grandes Potênciaspossam praticar, de forma permanente, uma política só voltada para a preservação do status quo, isto é, elas serão sempre expansionistas, mesmo quando já tenham conquistado e se mantenham no topo das hierarquias de poder e riqueza do sistema mundial; iii) por isto, o líder ou hegemon, é sempre desestabilizador da sua própria situação hegemônica, porque, “quem não sobe, permanentemente, cai”, dentro deste sistema mundial; e, finalmente, iv) não existe a menor possibilidade de que a liderança da expansão econômica do capitalismo, saia - alguma vez - das mãos dos “estados-economias nacionais” expansivos e conquistadores.
2. O PODER GLOBAL DOS ESTADOS UNIDOS
2.1. expansão, hegemonia e projeto imperial
 
Os Estados Unidos foram o primeiro estado nacional que se formou fora da Europa. Mas sua conquista e colonização foi uma obra do expansionismo europeu, assim como sua guerra de independência foi uma “guerra europeia”. E seu nascimento foi – ao mesmo tempo – o primeiro passo do processo de universalização do sistema político interestatal, inventado pelos europeus, e que só se completaria, no final do século XX. Além disso, depois da independência das 13 Colônias, em 1776, os Estados Unidos se expandiram de forma contínua, como aconteceu com todos os estados nacionais que já se haviam transformado em Grandes Potências, e em Impérios Coloniais.
Pelo caminho das guerras ou dos mercados, os Estados Unidos anexaram a Flórida em 1819, o Texas em 1835, o Oregon em 1846, e o Novo México e a Califórnia em 1848. E no início do século XIX, o governo dos Estados Unidos já havia ordenado duas “expedições punitivas”, de tipo colonial, no norte da África, onde seus navios bombardearam as cidades de Trípoli e Argel, em 1801 e 1815. Por outro lado, em 1784, um ano apenas depois da assinatura do Tratado de Paz com a Grã Bretanha, já chegavam aos portos asiáticos os primeiros navios comerciais norte-americanos, e meio século depois, os Estados Unidos, ao lado das Grandes Potencias econômicas europeias, já assinavam ou impunham Tratados Comerciais, à China, em 1844, e ao Japão, em 1854. Por fim, na própria América, quatro décadas depois da sua independência, os Estados Unidos já se consideravam com direito à hegemonia exclusiva em todo continente, e executaram sua Doutrina Monroe intervindo em Santo Domingo, em 1861, no México, em 1867, na Venezuela, em 1887, e no Brasil, em 1893. E, finalmente, declararam e venceram a guerra com a Espanha, em 1898, conquistando Cuba, Guam, Porto Rico e Filipinas, para logo depois intervir no Haiti, em 1902, no Panamá, em 1903, na República Dominicana, em 1905, em Cuba, em 1906, e, de novo, no Haiti, em 1912. Por fim, entre 1900 e 1914, o governo norte-americano decidiu assumir plenamente o protetorado militar e financeiro da República Dominicana, do Haiti, da Nicarágua, do Panamá e de Cuba, e confirmou a situação do Caribe e da América Central como sua “zona de influência” imediata e incontestável.
Na 1ª. Guerra Mundial, os Estados Unidos tiveram uma participação decisiva para a vitória da Grã Bretanha e da França, na Europa, e nas decisões da Conferência de Paz de Versalhes, em 1917. Mas foi só depois da 2ª. Grande Guerra que os norte-americanos ocuparam o lugar da Grã Bretanha dentro do sistema mundial, impondo sua hegemonia na Europa e na Ásia, e um pouco mais a frente, no Oriente Médio, depois da Crise de Suez, em 1956. Foi neste período de reconstrução da Europa, da Ásia e do próprio sistema político e econômico mundial, que os Estados Unidos lideraram - até a década de 70 - uma experiência sem precedentes de “governança mundial” baseada em “regimes internacionais” e “instituições multilaterais”, tuteladas pelos norte-americanos. A engenharia deste novo sistema apoiou-se na bipolarização geopolítica do mundo, com a União Soviética, e numa relação privilegiada dos Estados Unidos com a Grã Bretanha, e com os “povos de língua inglesa”. Mas além disto, tiveram papel decisivo no funcionamento dessa nova “ordem regulada”: a unificação europeia, sob proteção militar da OTAN, e a articulação econômica – original e virtuosa - dos Estados Unidos com o Japão e a Alemanha, que foram transformados em “protetorados militares” norte-americanos e em líderes regionais do processo de acumulação capitalista, na Europa e no Sudeste Asiático.
Esse período de reconstrução do sistema mundial, e de “hegemonia benevolente” dos Estados Unidos, durou até a década 70, quando os Estados Unidos perderam a Guerra do Vietnã e abandonaram o regime monetário e financeiro internacional, criado sob sua liderança, na Conferência de Bretton Woods, no final da 2ª. Guerra Mundial. Foi quando se falou de uma “crise de hegemonia”, e muitos pensaram que fosse o final poder americano. Existe uma interpretação dominante, sobre esta “crise da hegemonia americana”, da década de 70, que realça, no campo geopolítico, as derrotas militares e os fracassos diplomáticos dos Estados Unidos, no Vietnã - e seu “efeito dominó” no Laos e no Camboja - mas também na África, na América Central, e no Oriente Médio, culminando com a a revolução xiita e a “crise dos reféns”, no Irã, e a invasão soviética do Afeganistão, já no final da década, em 1979. Essa mesma interpretação costuma destacar, pelo lado econômico, o fim do “padrão dólar”, a subida do preço do petróleo, a perda de competitividade da economia norte-americana, e a primeira grande recessão econômica mundial, depois da 2ª. Grande Guerra. Uma sucessão de acontecimentos que teriam fragilizado e desafiado o poder americano, provocando uma avassaladora resposta conservadora, na década de 80. Uma resposta que teria permitido a “retomada da hegemonia”, e teria dado origem às principais transformações do sistema mundial, no fim século XX.
Mas existe outra maneira - mais dialética - de ler estes mesmos acontecimentos, a partir do processo da reconstrução do sistema mundial, e do sucesso da hegemonia norte-americana, depois do fim da 2ª. Guerra Mundial. Deste ponto vista, o renascimento competitivo da Alemanha e do Japão foi uma consequência necessária do crescimento econômico capitalista da “era de ouro”, e da estratégia norte-americana de articulação preferencial da sua economia com as economias alemã e japonesa, induzida pela Guerra Fia, dentro da Comunidade Europeia, e pela Revolução Chinesa e as Guerras da Coréia e do Vietnã, no Sudeste Asiático. Foi este mesmo sucesso econômico, e o consequente fortalecimento da Alemanha Ocidental que permitiu que o governo socialdemocrata de Willie Brandt tomasse a iniciativa de se aproximar da União Soviética, sem consultar aos Estados Unidos. Dando início à segunda movida geopolítica mais importante do início da década de 70, a Ostpolitik, que seria mantida e aprofundada, depois da reunificação da Alemanha, e do reaparecimento da Rússia no tabuleiro geopolítico europeu. Por outro lado, o aumento do peso econômico e da competitividade mundial da Europa e do Japão, junto com o aumento dos gastos expansionistas dos Estados Unidos no Vietnã, só poderiam acabar pressionando a paridade do dólar em ouro, estabelecida em Bretton Woods. Depois de 1968, cresceu o déficit orçamentário americano, e os Estados Unidos começaram a apresentar déficits no seu balanço comercial, os primeiros desde a 2ª. Guerra Mundial. Por isso, antes do momento da ruptura final do “padrão dólar”, em 1973, as autoridades monetárias americanas já vinham discutindo o problema, e analisando as alternativas mais favoráveis aos interesses dos Estados Unidos, incluindo as teses “desregulacionistas” que haviam sido defendidas, e derrotadas transitoriamente, pelos setores financeiros, na Conferência de Bretton Woods. Desse ponto de vista, a “crise do dólar”, no início dos anos 70, não foi um acidente nem foi uma derrota, foi o resultado de um período de sucesso econômico e foi também uma mudança planejada da estratégica econômica internacional dos Estados Unidos, feita com o objetivo de manter a autonomia da política econômica e preservar a liderança mundial da economia norte-americana.

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