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Linguagens e Meios de Comunicação SILVIA HELENA NOGUEIRA MONICA FRANCHI CARNIELLO LINGUAGENS E MEIOS DE COMUNICAÇÃO 1ª Edição Taubaté Universidade de Taubaté 2014 Copyright©2014.Universidade de Taubaté. Todos os direitos dessa edição reservados à Universidade de Taubaté. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização desta Universidade. Administração Superior Reitor Prof.Dr. José Rui Camargo Vice-reitor Prof. Dr. Isnard de Albuquerque Câmara Neto Pró-reitor de Administração Prof. Dr. Arcione Ferreira Viagi Pró-reitor de Economia e Finanças Prof. Dr. José Carlos Simões Florençano Pró-reitora Estudantil Profa. Ma. Angela Popovici Berbare Pró-reitor de Extensão e Relações Comunitárias Prof. Dr. Mario Celso Peloggia Pró-reitora de Graduação Profa. Dra. Nara Lúcia Perondi Fortes Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação Prof. Dr. Francisco José Grandinetti Coordenação Geral EaD Profa.Dra.Patrícia Ortiz Monteiro Coordenação Acadêmica Profa.Ma.Rosana Giovanni Pires Coordenação Pedagógica Profa.Dra.Ana Maria dos Reis Taino Coordenação Tecnológica Profa. Ma. Susana Aparecida da Veiga Coordenação de Mídias Impressas e Digitais Profa.Ma.Isabel Rosângela dos Santos Ferreira Coord. de Área: Ciências da Nat. e Matemática Profa. Ma. Maria Cristina Prado Vasques Coord. de Área: Ciências Humanas Profa. Ma. Fabrina Moreira Silva Coord. de Área: Linguagens e Códigos Profa. Dra. Juliana Marcondes Bussolotti Coord. de Curso de Pedagogia Coord. de Cursos de Tecnol. Área de Gestão e Negócios Coord. de Cursos de Tecnol. Área de Recursos Naturais Revisão ortográfica-textual Projeto Gráfico e Diagramação Autor Profa. Dra. Ana Maria dos Reis Taino Profa. Ma. Márcia Regina de Oliveira Profa. Ma. Ana Paula da Silva Dib Prof. Me. João de Oliveira Me.Benedito Fulvio Manfredini Mônica Franchi Carniello Silvia Helena Nogueira Unitau-Reitoria Rua Quatro de Março,432-Centro Taubaté – São Paulo CEP:12.020-270 Central de Atendimento:0800557255 Polo Taubaté Polo Ubatuba Polo São José dos Campos Avenida Marechal Deodoro, 605–Jardim Santa Clara Taubaté–São Paulo CEP:12.080-000 Telefones: Coordenação Geral: (12)3621-1530 Secretaria: (12)3625-4280 Av. Castro Alves, 392 – Itaguá – CEP: 11680-000 Tel.: 0800 883 0697 e-mail: nead@unitau.br Horário de atendimento: 13h às 17h / 18h às 22h Av Alfredo Ignácio Nogueira Penido, 678 Parque Residencial Jardim Aquarius Tel.: 0800 883 0697 e-mail: nead@unitau.br Horário de atendimento: 8h às 22h Ficha catalográfica elaborada pelo SIBi Sistema Integrado de Bibliotecas/UNITAU Nogueira, Silvia Helena Linguagens e meios de comunicação / Silvia Helena Nogueira; Monica Franchi Carniello. Taubaté: UNITAU, 2010. 92p. : il. Bibliografia ISBN 978-85-62326-09-7 1. Linguagens. 2. Meios de comunicação. 3. Leitura. I. Carniello, Mônica Franchi. II. Universidade de Taubaté. III. Título v PALAVRA DO REITOR Palavra do Reitor Toda forma de estudo, para que possa dar certo, carece de relações saudáveis, tanto de ordem afetiva quanto produtiva. Também, de estímulos e valorização. Por essa razão, devemos tirar o máximo proveito das práticas educativas, visto se apresentarem como máxima referência frente às mais diversificadas atividades humanas. Afinal, a obtenção de conhecimentos é o nosso diferencial de conquista frente a universo tão competitivo. Pensando nisso, idealizamos o presente livro- texto, que aborda conteúdo significativo e coerente à sua formação acadêmica e ao seu desenvolvimento social. Cuidadosamente redigido e ilustrado, sob a supervisão de doutores e mestres, o resultado aqui apresentado visa, essencialmente, a orientações de ordem prático-formativa. Cientes de que pretendemos construir conhecimentos que se intercalem na tríade Graduação, Pesquisa e Extensão, sempre de forma responsável, porque planejados com seriedade e pautados no respeito, temos a certeza de que o presente estudo lhe será de grande valia. Portanto, desejamos a você, aluno, proveitosa leitura. Bons estudos! Prof. Dr. José Rui Camargo Reitor vi vii Apresentação A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor. (BAKHTIN / VOLOCHINOV, 2004, p.113) Nas duas primeiras unidades deste livro-texto, serão abordadas concepções de linguagem, leitura, texto, alfabetização, letramento, língua falada e língua escrita; variação de linguagem, os aspectos normativos e a nova ortografia. Nas duas unidades sequentes, os meios de comunicação, a mídia, a propaganda e a publicidade. A idéia é aprender os conceitos básicos e relacioná-los à prática cotidiana, observando possibilidades de uso na sociedade contemporânea e as influências que esses conceitos causaram na formação pedagógica dos aprendizes. É importante destacar o papel que os meios de comunicação ocupam no mundo contemporâneo, os recursos de que dispõem para a ampliação de conhecimentos dos leitores, e, consequentemente, os efeitos sobre a sociedade em que se inserem. A proposta maior é promover esclarecimentos sobre o uso da linguagem, em seus diversos enunciados, identificando as organizações elaboradas, tanto pelas palavras quanto pelas imagens. Uma vez detentores desse conhecimento, Caros Leitores Aprendizes, as condições de iniciar o processo pessoal, como eternos leitores aprendentes, estarão em suas mãos. Assim devem ser os educadores, sujeitos dos próprios discursos. viii ix Sobre as autoras SILVIA HELENA NOGUEIRA - Graduada em Letras licenciatura em Português- Inglês pela Universidade Braz Cubas (1984) e Mestrado e Doutorado em Língua Portuguesa (Linguística Aplicada) pela Universidade de São Paulo (2001-2008). Atualmente é professora efetiva da Rede Estadual de Educação do Estado de São Paulo, professora na Faculdade Anhanguera de Jacareí - Graduação, em Metodologia de Língua Portuguesa e Pós-Graduação, em Metodologia da Pesquisa Científica. Atua também como produtora de material pedagógico na área, palestrante e docente em cursos de capacitação na área de Educação, Linguagens e Ensino de Língua Portuguesa. Atuação na Pós-Graduação (UNIMONTE - Santos/SP), em Literatura Infantil e Juvenil e Metodologia de Ensino de Literatura. MONICA FRANCHI CARNIELLO – Graduada em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1993), mestrado em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2000) e doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005). Atualmente é professora assistente doutora da Universidade de Taubaté, onde atua no Departamento de Comunicação Social e no Mestrado em Gestão e Desenvolvimento Regional. Tem experiência na área de Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: comunicação, publicidade, mídia, cultura, cultura digital, comunicação e espaço urbano. x xi Caros(as) alunos(as), Caros( as) alunos( as) OPrograma de Educação a Distância (EAD) da Universidade de Taubaté apresenta-se como espaço acadêmico de encontros virtuais e presenciais direcionados aos mais diversos saberes. Além de avançada tecnologia de informação e comunicação, conta com profissionais capacitados e se apóia em base sólida, que advém da grande experiência adquirida no campo acadêmico, tanto na graduação como na pós-graduação, ao longo de mais de 35 anos de História e Tradição. Nossa proposta se pauta na fusão do ensino a distância e do contato humano-presencial. Para tanto, apresenta-se em três momentos de formação: presenciais, livros-texto e Web interativa. Conduzem esta proposta professores/orientadores qualificados em educação a distância, apoiados por livros-texto produzidos por uma equipe de profissionais preparada especificamente para este fim, e por conteúdo presente em salas virtuais. A estrutura interna dos livros-texto é formada por unidades que desenvolvem os temas e subtemas definidos nas ementas disciplinares aprovadas para os diversos cursos. Como subsidio ao aluno, durante todo o processo ensino-aprendizagem, além de textos e atividades aplicadas, cada livro-texto apresenta sínteses das unidades, dicas de leituras e indicação de filmes, programas televisivos e sites, todos complementares ao conteúdo estudado. Os momentos virtuais ocorrem sob a orientação de professores específicos da Web. Para a resolução dos exercícios, como para as comunicações diversas, os alunos dispõem de blog, fórum, diários e outras ferramentas tecnológicas. Em curso, poderão ser criados ainda outros recursos que facilitem a comunicação e a aprendizagem. Esperamos, caros alunos, que o presente material e outros recursos colocados à sua disposição possam conduzi-los a novos conhecimentos, porque vocês são os principais atores desta formação. Para todos, os nossos desejos de sucesso! Equipe EAD-UNITAU xii xiii Sumário Palavra do Reitor .............................................................................................................. v Apresentação .................................................................................................................. vii Caros(as) alunos(as) ........................................................................................................ xi Ementa .............................................................................................................................. 1 Objetivos ........................................................................................................................... 2 Introdução ......................................................................................................................... 3 Unidade 1. Leitura de mundo e leitura da palavra .................................................... 5 1.1 Leitura de mundo x leitura da palavra: conceituações básicas ................................... 6 1.1.2 Aspectos contextuais da leitura: do papiro à página eletrônica ............................... 9 1.1.3 A escrita como instrumento de leitura ................................................................... 11 1.1.4 A leitura de mundo: alfabetização e letramento .................................................... 11 1.2 O texto e seus vários significados: diversidades em construção .............................. 14 1.2.1 A intertextualidade ................................................................................................ 16 1.2.2 A literalidade do texto e o texto literário ............................................................... 19 1.3 Gêneros textuais: a diversidade de textos ................................................................. 23 1.3.1 A compreensão dos gêneros de texto e seu uso social .......................................... 24 1.3.2 As dimensões e os agrupamentos de gêneros: o tratamento didático .................... 27 1.4 Para saber mais ........................................................................................................ 29 1.5 Síntese da unidade ................................................................................................... 29 1.6 Atividades ................................................................................................................ 30 Unidade 2. Leitura e domínio da escrita.................................................................... 31 2.1 A importância da leitura para o domínio da escrita .................................................. 31 2.2 A língua falada e a língua escrita.............................................................................. 34 2.3 O emprego da norma padrão na construção do texto ............................................... 38 2.3.1 A variação linguística ............................................................................................ 38 2.3.2 Os aspectos de coesão e coerência na língua escrita ............................................. 41 2.3.3 A nova ortografia ................................................................................................... 43 2.4 Para saber mais ......................................................................................................... 47 2.5 Síntese da unidade .................................................................................................... 48 2.6 Atividades ................................................................................................................. 48 xiv Unidade 3. Meios e processos de Comunicação ......................................................... 49 3.1 - O processo de comunicação ................................................................................... 50 3.2 Categorização das mídias ......................................................................................... 54 3.3 Os meios de comunicação: imprensa, rádio, cinema, televisão, internet ................. 56 3.4 Mídia e comportamento ............................................................................................ 66 3.5 A digitalização das mídias ........................................................................................ 68 3.6 Para saber mais ......................................................................................................... 70 3.7 Síntese da unidade .................................................................................................... 70 3.8 Atividades ................................................................................................................. 71 Unidade 4 – Meios e processos de Comunicação – A propaganda ........................... 73 4.1 Origens e linguagem da propaganda ........................................................................ 73 4.2 Tipos de propaganda ................................................................................................. 79 4.3 Leitura e interpretação de anúncios impressos ......................................................... 80 4.4 Para saber mais ......................................................................................................... 85 4.5 Síntese da unidade .................................................................................................... 85 4.6 Atividades ................................................................................................................. 85 Referências ..................................................................................................................... 87 Referências complementar ............................................................................................. 91 11 ORGANIZE-SE!!!Você deverá usar de 3 a 4 horas para realizar cada Unidade. Linguagens E Meios de Comunicação Ementa EMENTA A história da leitura e da escrita. A importância da leitura para entender o mundo. Os diferentes caminhos da escrita e da fala. Caracterização da mídia: a televisão como multimeio para aquisição do letramento. Diferentes linguagens da propaganda e suas influências em sala de aula. A dinamização da leitura: múltiplos olhares e formatos da mídia. 22 Objetivo Geral Ampliar o olhar do acadêmico para interpretar os diversos tipos de textos que circulam no dia a dia, como instrumento de ação e de interação para entender o mundo. Identificar e valorizar os pressupostos básicos da leitura e dos meios de comunicação para a atividade acadêmica e para a formação do educador. Obj eti vos Objetivos Específicos Entender que a leitura de um texto depende da situação em que foi produzido e da inter-relação dele com outro texto. Identificar os diversos tipos de textos e suas características. Reconhecer as diferenças formais e funcionais entre a língua falada e a língua escrita nas diferentes modalidades de textos e discursos. Reconhecer na história da leitura e da escrita a expressão da individualidade e da própria história do homem ao longo do tempo. Utilizar corretamente o emprego da norma padrão na construção do texto. Discutir os limites e as possibilidades dos meios de comunicação. Compreender a história do rádio e da televisão pela linha do tempo. Reconhecer a influência da televisão e da internet para a sociedade. 33 Introdução Neste século, as fronteiras geográficas, históricas, educacionais e culturais parecem modificar-se diariamente em direções e formas surpreendentes. As informações são registradas e disseminadas nos mais variados suportes (livros, fotografias, discos, filmes, vídeos, periódicos, mapas) formando acervos referenciais. Isso comprova que as pessoas vivem na era da comunicação de massa e a informação lhes chega por meios tradicionais (impressos) e também pelas imagens e sons (mídias). O conhecimento dos sentidos e da linguagem, nesse processo de aprendizagem, desempenha a função de agente educacional, proporcionando aos aprendizes oportunidades de crescimento e enriquecimento cultural, social, intelectual, além de momentos de entretenimento. Entrementes, a capacidade humana vai se revelando em suas produções. Ao longo da história, inúmeras descobertas foram realizadas e mudanças ocorreram em razão delas. Em nenhum momento, porém, os recursos utilizados nessa trajetória deixaram de lado, de alguma forma, os registros dos fatos. Isso possibilitou o uso da linguagem – verbal e não-verbal – em diferentes contextos de produção. Deles é possível compreender a amplitude do universo da leitura. Ler, compreender, vivenciar e interpretar são competências que passam a ser vitais para o convívio no mundo letrado. Essas são capacidades que vêm sendo aprendidas e apreendidas ao longo da vivência humana. Atualmente, não se pode mais pensar em escrita e leitura em uma única dimensão. Os textos escritos e lidos sempre tiveram e têm uma dimensão fundadora inalienável, no entanto, a eles somam-se muitas outras interfaces que permitem ao leitor, atribuir e construir novos e coerentes significados para o que lê e interpreta. É na escola, pela mediação do professor e com a ajuda dos livros e das mídias, que os estudantes aprenderão a ler, a escrever e a enxergar a própria realidade e a dos outros. Pelo contato e pela exploração de diferentes textos e por meio de ações intermediadas, o 44 aluno passará a interagir com seus pares, a produzir um conhecimento partilhado, oralmente e por escrito, sob vários registros verbais, seu pensamento, sua experiência prévia de vida e seu conhecimento coletivo de mundo. 55 Unidade 1 Unidade 1 . Leitura de mundo e leitura da palavra No contexto atual, a leitura e a interpretação são atividades essenciais nos diferentes âmbitos sociais, uma vez que sua prática pode resultar em consequências boas ou más. Todos sabem que há diferença entre ver e olhar, ouvir e escutar. Ler não é apenas passar os olhos por algo escrito, não é fazer a versão oral de um escrito. Quem ousaria dizer que sabe ler mandarim só porque é capaz de pronunciar palavras ou frases escritas nessa língua? Quantas vezes as pessoas leem, porém não são capazes de reproduzir as ideias veiculadas no texto? Esta unidade apresenta a você, caro leitor, a oportunidade de conhecer, refletir e apreender informações sobre o ler e o interpretar, sob diferentes perspectivas. Ela objetiva alinhavar suas concepções sobre a leitura, estabelecendo relações entre a leitura de mundo e a leitura da palavra. Nesse sentido, tece considerações sobre os aspectos contextuais históricos e contemporâneos e os processos de alfabetização e de letramento. Impossível tratar da leitura sem estabelecer relações com o texto, escrito e falado, e seus vários significados constituídos em diferentes contextos. Por fim, contempla um breve estudo sobre os gêneros textuais, sua diversidade, além dos recursos expressivos na construção de textos variados. 66 1.1 Leitura de mundo x leitura da palavra: conceituações básicas Leitura implica uma atividade de procura por parte do leitor. (KLEIMAN, 1997, p.27) Como desenvolver conhecimentos sem fundamentações para fortalecê-los? Como estabelecer relações sem os elos da compreensão? Estas são questões que devem direcionar o seu olhar, por isso este diálogo inicia pela apresentação das concepções básicas, dos significados, explícitos ou implícitos. Os estudos de Saussure apontam que a significação é convencional e motivada, porque resulta das relações paradigmáticas e sintagmáticas, de formas pertinentes do ponto de vista do sistema da língua; não é fundamentada na realidade. A significação impõe-se aos falantes e não depende, por conseguinte, do desempenho ou da utilização que fazem do sistema da língua. Nesse sentido, só é possível entender o enunciado “a leitura desenvolve a prática do conhecimento”, porque as palavras estão em uma sequência lógica de combinações entre elas, resultando em “um sujeito + uma ação + um complemento = a uma ideia”, um significado para quem lê. Dessa forma, os leitores vão construindo significados. Diante da variedade e mobilidade de interesses que canalizam os leitores, atualmente, há uma tendência a diminuir o interesse pela leitura de textos mais complexos, em livros, periódicos, compêndios. Este afastamento parece decorrente das solicitações diversas vindas dos novos meios de comunicação, em razão do dinamismo apresentado por estes. É nesse contexto que surge o desafio de conceber a leitura como elemento primeiro no “processo de compreensão de expressões formais e simbólicas, não importando por meio de que linguagem” (MARTINS, 1986, p.30). Linguagem é todo e qualquer sistema de signos que serve de meio de comunicação de ideias ou sentimentos por meio de signos convencionais, sonoros, gráficos, gestuais, táteis. Ela pode ser percebida pelos diversos órgãos dos sentidos. 77 Figura 1.1 – Escola Atenas Fonte:<http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpe ndrive/arquivos/File/imagens/4portugues/ 4escola_atenas.jpg>. Acesso em: 6 dez2009. A leitura é uma das maneiras que a escola tem de contribuir para a diminuição da injustiça social, desde que ela forneça, a todos, as oportunidades para o acesso ao saber acumulado pela sociedade, em condições plenas de interpretação, para novas criações. A principal tarefa da escola é ajudar o aluno a desenvolver a capacidade de construir relações e conexões entre os vários nós da imensa rede de conhecimento que nos enreda a todos. Somente quando elaboramos relações significativas entre objetos, fatos e conceitos podemos dizer que aprendemos. As relações entretecem-se, articulam-se em teias, em redes construídas social e individualmente, e em permanente estado de atualização. A idéia de conhecer assemelha- se à de enredar-se, e a leitura constitui a prática social por excelência para esse fim (KLEIMAN; MORAES, 1999, p.91). Ler e ler bem dependem das condições reais de existência, em termos de conhecimento do mundo e de conhecimento dos instrumentos que a linguagem disponibiliza na organização escrita das informações. Não se trata, é claro, de ter domínio pleno de todos os recursos, mas de conhecer e entendê-los, para ter condições de interpretar os discursos presentes. A leitura é princípio formador dos sujeitos. [...] não basta apenas ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente. – daí o recente surgimento do termo letramento (SOARES, 1998, p.20). O dinamismo da leitura implica reconhecer e conciliar, eficazmente, aspectos que precisam ser compreendidos e respeitados, para que haja fluência em seu desenvolvimento. “O homem lê como em geral vive, num processo permanente de interação entre sensações, emoções e pensamentos” (MARTINS, 1986, p. 81). A leitura se revela um instrumento de reflexo da vivência. Ela é produzida porque o leitor interage com o autor do texto, respeitando e analisando as condições de produção, o que mais tarde poderá se repetir em outra produção escrita. O texto é o lugar, o centro comum que se faz no processo de interação entre falante e ouvinte, autor e leitor; o 88 Texto é um produto da enunciação (intenção do emissor), estático, definitivo e, muitas vezes, com algumas marcas de enunciação que ajudam na tarefa de decodificá-lo. Discurso é a função de uso da língua em determinado contexto, materialmente relacionado às intenções dos falantes. Em A articulação do texto, Elisa Guimarães (1997), atribui a texto o seguinte conceito: Em sentido amplo, a palavra texto designa um enunciado qualquer, oral ou escrito, longo ou breve, antigo ou moderno. Concretiza-se, pois, numa cadeia sintagmática de extensão muito variável, podendo circunscrever-se tanto a um enunciado único ou a uma lexia, quanto a um segmento de grandes proporções. domínio de cada um dos interlocutores, em si, é parcial. À medida que lê, o leitor se constitui, representa-se e identifica-se. Pela leitura, a noção de sujeito se realiza na presença do autor, que interage com o leitor, caracterizando a própria leitura como um discurso em cujas condições de produção – situação, contexto histórico-social, interlocutores – se evidenciam relações entre textos e discursos, caracterizando nela uma multiplicidade de sentidos possíveis pelo uso da linguagem. A intencionalidade como forma de pensamento estrutura-se como linguagem. O uso que o falante faz da língua é o “resultado” da relação que estabelece com o outro. Na tentativa de fazer face ao emaranhado discursivo instaurado pela leitura, a escola tem por obrigação fornecer aos alunos estratégias que lhes permitam conhecer, como unidade pragmática, como um texto funciona. Uma vez de posse do conhecimento dos mecanismos discursivos, o aluno terá acesso ao processo da leitura no todo, usufruindo de seu universo, colocando-se como sujeito de sua leitura. A leitura se constitui numa prática social, organizada intelectualmente, e que requer do sujeito–leitor astúcia, habilidade, determinação e conhecimento. Este conjunto de características, incorporado a outras decorrentes da vivência, constitui- se ferramenta imprescindível a uma concepção criativa da linguagem e à criticidade, o que, certamente, culminará no desvelamento dos modos de convivência social. Desta forma, a leitura cumprirá propósitos de reeducação social, apresentando e reapresentando valores e atitudes desgastados nesta sociedade “moderna”. A leitura fluente envolve a perseguição de um conjunto complexo e sempre mutável de objetivos, a fim de se extrair sentido da palavra impressa de modo relevante às finalidades do leitor. ... A leitura fluente está baseada em uma especificação flexível de intenções e expectativas, que mudam e se desenvolvem como uma conseqüência da progressão do leitor ao longo do texto. Assim, a leitura fluente 99 demanda conhecimento das convenções do texto, de vocabulário e gramática a estratégias de narrativa empregadas [...] é somente através da leitura que qualquer pessoa pode aprender a escrever. A única maneira possível de se aprender todas as convenções de ortografia, pontuação, letras maiúsculas e minúsculas, parágrafos e até mesmo gramática e estilo, é através da leitura. Os autores ensinam como escrever aos leitores (SMITH, 1991, p.211). Aprende-se a ler à medida que se lê, que se vive. Lê-se para compreender o mundo em que se vive, para viver melhor. “Do mundo da leitura à leitura do mundo, o trajeto se cumpre sempre, refazendo-se, inclusive, por um vice-versa que transforma a leitura em prática circular e infinita” (LAJOLO, 2000, p.7). 1.1.2 Aspectos contextuais da leitura: do papiro à página eletrônica A revolução eletrônica vivida pelo mundo contemporâneo remete o pensar sobre a leitura em uma perspectiva aberta às inúmeras possibilidades que os leitores têm para compreender os significados à sua volta. Os sentidos são apreendidos à luz dos repertórios de cada um, de acordo com suas necessidades; os conhecimentos são introjetados mediante os níveis reflexivos de suas experiências de leitores, de suas vivências e da consciência delas. Diante do computador, os textos se apresentam sem fronteiras visíveis, como as comuns encontradas nos livros, embaralham-se, entrecruzam-se, transformam-se, unindo-se a outros, compõem-se em hipertextos; porém, ao serem guardados na memória eletrônica, suas estruturas remontam-se àquelas do suporte escrito, unidades distribuídas em páginas, marcadas por links. O que de fato faz a diferença é a maneira de ler. Usando de sua liberdade, o leitor eletrônico constrói suas tramas e significados, sem seguir uma linearidade na leitura. Essa nova maneira de ler, no entanto, não desfaz a trajetória que o livro passou para conquistar seu espaço de respeitabilidade na sociedade; ao contrário, exatamente em decorrência dessas mudanças, a importância da leitura na constituição das sociedades é reforçada. Desde os primeiros papiros até a página virtual, é possível identificar as dificuldades que os homens passaram para registrar graficamente suas experiências. Tiveram, 1100 De caça a caçador Para alcançar palavras que nos fogem preciso é acarpetar os passos velar de espesso véu nosso desejo e esperá-las calados de tocaia. Sempre haverá um momento de descuido em que a palavra recolhidas asas ? pousará sobre a língua e será nossa. Entrementes há que tomar cuidado. Assim como as caçamos palavras há também em cada esquina prontas com unha e dente a nos saltar em cima.COLASANTI, Marina. Fino sangue. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 49. entretanto, um grande ponto a favor, o domínio dos códigos, por meio dos quais os sentidos compostos satisfizeram a inteligência e a emoção. Ler um texto é uma prática seletiva de informações que necessita do reconhecimento do código linguístico, e não pode ser uma escolha aleatória extraída de contextos sociais sobre os quais não se tem domínio. A modernidade, por vezes, transformou a leitura em uma atividade caracterizada pela “perda de tempo”, porque necessita do domínio desse código – a língua escrita – que, ultimamente, anda concebida com indiferença, pela maioria da população. As imagens e os sons parecem mais eficientes que o alfabeto. O homem atingiu um nível elevado de inteligência que tem lhe permitido abdicar de seus afazeres cognitivos em favor das máquinas que os simulam e ultrapassam. Aparentemente desnecessárias ou inoperantes, as leituras humanas tornam-se mecanizadas. A interpretação do texto, em especial o literário, por exemplo, como um instrumento misterioso a ser desvendado, tem sido posta de lado. Essa visão, entretanto, deve ser repensada em razão da própria contemporaneidade, pois não deve haver rupturas de relacionamentos com a escrita, ao contrário, o momento é de aproximações, exatamente para que os textos sejam mais bem entendidos e os sentidos se façam, estabelecendo outras combinações para completar novos sentidos. Seguramente um novo leitor se forma, moldado à luz de seu tempo. Essa mudança, porém, não se desfaz da necessidade do uso da palavra. Observe o poema: 1111 Marina Colasanti foi muito feliz neste poema, pois expressa, metaforicamente, a ideia de que as palavras devem ser dominadas para, posteriormente, ser usadas por inteiro: “recolhidas as asas/ pousará sobre a língua/ e será nossa”. Para tanto, é preciso conhecer os passos, percorrer a decifração do código, perceber os sentidos postos e os pressupostos. Sem dúvida, as palavras estão prontas, o leitor é quem precisa saltar sobre elas... com sabedoria. 1.1.3 A escrita como instrumento de leitura A escrita, para ser decifrada, necessita de estruturas mentais específicas, por parte do homem, que possibilitam a compreensão de si e do mundo que o cerca. Homem e escrita se completam, visto que esta não só preserva as informações como proporciona modelos de realização da linguagem, o que permite ao homem reconhecer o mundo e a mente humana sob nova visão. É possível estabelecer relações entre a escrita e a leitura, visto que todos os sinais dos livros e do mundo podem ser lidos, buscando-se as intenções dos textos para com os leitores, baseados nas pistas dadas pelas marcas gráficas, além de outras. Por essa via, os leitores interagem com textos das mais diferentes naturezas. O contato com a palavra escrita é fundamental para a formação linguística, porque desenvolve a capacidade de observação dos usos e a sensibilidade do leitor para os diversos arranjos de sentidos permitidos. À medida que se lê textos bem elaborados, maiores são as possibilidades de segui-los como modelos. Assim, leitura e escrita se completam. 1.1.4 A leitura de mundo: alfabetização e letramento Linguisticamente, ler e escrever são formas de aprender a codificar e decodificar o código alfabético. Dizendo de forma mais clara: alfabetização é a apropriação do código escrito; pois, para aprender a ler e escrever, o aluno precisa relacionar sons com letras, para codificar ou para decodificar. Esta é a especificidade da alfabetização. Concretamente, na sala de aula, alfabetizar significa, didaticamente, a professora ensinar 1122 o aluno a ler e a escrever, para que ele se aproprie do código alfabético, compreendendo-o. Ninguém aprende a ler e escrever se não aprender relações entre fonemas e grafemas, para codificar e decodificar. Envolve, também, aprender a segurar num lápis, aprender que se escreve de cima para baixo e da esquerda para a direita; enfim, envolve uma série de aspectos técnicos. Tal processo é a parte específica do processo de aprender a ler e a escrever (SOARES, 1998). Quando atinge o nível alfabético realmente, o aluno deu um grande salto, descobriu o “segredo” do código alfabético: percebe a relação qualitativa fonema x grafema; compreende que cada letra tem valor sonoro menor que a sílaba e que não se escreve somente uma letra para toda sílaba oral; faz a análise da correspondência grafema x fonema das palavras que vai escrever; percebe os vários elementos que compõem o sistema da escrita, distinguindo as unidades linguísticas: letra, sílaba e frase. Para a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), uma pessoa é funcionalmente alfabetizada, quando ela adquire conhecimentos e habilidades em leitura e escrita que a capacitam a engajar-se efetivamente em todas as atividades em que a alfabetização é, normalmente, suposta em sua cultura ou grupo. A professora e pesquisadora da linguagem Magda Soares e outros pesquisadores do Brasil defendem que a alfabetização é a inserção indissociável de dois grandes eixos: o sistema alfabético e a cultura letrada. O primeiro envolve a consciência fonética, fonológica e a consciência estrutural da palavra; o segundo, o mundo da cultura escrita, as práticas de leitura, escrita, oralidade e não exclui a necessidade pedagógica das noções convencionais da alfabetização, da codificação/decodificação, do reconhecimento do sistema notacional. A leitura, concebida como princípio formador dos sujeitos, é um instrumento primordial de que a escola dispõe para formar sujeitos letrados e não apenas alfabetizados, isto é, cidadãos que consigam ir além de meros decodificadores. 1133 A concepção de letramento é bastante ampla, pressupondo conhecimentos, habilidades, competências, valores, usos e funções sociais, como parte do processo de leitura. Desenvolver a leitura em sua amplitude significa possibilitar aos alunos subsídios para que eles próprios identifiquem e desenvolvam suas habilidades cognitivas e metacognitivas. Aprimorarão, assim, sua capacidade de interpretar idéias ou fenômenos, estabelecendo relações entre ambos e construindo significados que combinem seus conhecimentos prévios às recentes informações textuais. Isso permitirá aos alunos concretizar o esquema de ação-reflexão-ação sobre o significado do que foi lido, o que lhes permitirá formular conclusões e fazer julgamentos. Num certo sentido, pode-se considerar que esse processo ocorre (ou deveria ocorrer) em todas as disciplinas e em todos os níveis, particularmente no ensino universitário, estendendo-se, posteriormente, à atuação dos profissionais com formação superior. À medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um número cada vez maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que, concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na escrita (cada vez mais grafocêntrica), um novo fenômeno se evidencia: não basta apenas aprender a ler e a escrever. As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita [...] Esse novo fenômeno só ganha visibilidade depois que é minimamente resolvido o problema do analfabetismo e que o desenvolvimento social, cultural, econômico e político traz novas, intensas e variadas práticas de leitura e de escrita, fazendo emergirem novas necessidades além de novas alternativasde lazer (SOARES, 1998, p.45-46). Para desenvolver a competência de leitura, há necessidade de ampliar o universo de letramento dos indivíduos, o que pressupõe expressar graus diversos de intimidade com a escrita e a leitura. À medida que o indivíduo aprende a lidar com mais e diferentes materiais de leitura e de escrita, torna-se mais capaz de ler e entender, isto é, torna-se mais letrado. Ocorre o mesmo com a escrita. Quanto mais material escrito alguém é capaz de produzir, mais amplia seu grau de letramento. Não adianta produzir apenas em quantidade. É preciso ampliar o leque de possibilidades, ou seja, ler muitas coisas diferentes e saber o que fazer com elas, explorando sua diversidade. 1144 Escrever um texto tendo como base outro texto é demonstrar o valor do primeiro, pela qualidade do segundo que, por sua vez, será atestada num terceiro texto produzido, e assim por diante. O processo se repete, multiplica-se, amplia-se e se comprova. Compreendida a aquisição linguística na relação de produção leitura/ escrita, o produto escrito ganha outra posição no discurso pedagógico, porque o desafio que hoje se coloca à construção da sociedade democrática ultrapassa a dimensão técnica do ensinar as letras, as sílabas e as palavras. Quando grande parte da população fica à margem do mundo letrado, as pessoas são impedidas de se constituirem sujeitos. Para contrapor essa fronteira social, marcada pelo desconhecimento do universo que compõe a linguagem verbal, seja pela leitura seja pela escrita, nada mais consistente que desenvolver no aluno, no cidadão, a autonomia para o uso da palavra. 1.2 O texto e seus vários significados: diversidades em construção O verdadeiro significado das coisas é encontrado ao se dizer as mesmas coisas com outras palavras. Charles Chaplin A linguagem como forma de ação entre os homens expressa não só a função de comunicar como também a de persuadir, convencer, o que apenas os estudos da língua já não são mais suficientes para amparar os fenômenos ocorridos na escrita. É preciso abordá-los em contextos mais abrangentes, sejam os da Linguística Textual, da Análise do Discurso ou mesmo da Análise da Conversação, para que seja possível explicar certas ocorrências entre enunciados e sequências de enunciados. O texto passa a ser abordado como objeto cultural, composto por mecanismos sintático- semânticos, como uma unidade linguística com propriedades específicas, considerado como uma unidade significativa. Articula-se a outros termos abrangentes, como: enunciação, significação, sentido, contexto, intertexto entre outros, ligados aos recursos da organização textual responsáveis pela construção do sentido. 1155 FOTOGRAFIA Nessa fotografia perdem-se os chapéus dos antepassados Os rostos apagam palavras mudas. O paletó de meu pai era azul marinho. Atrás uma igreja de Coimbra se desfaz no tempo. Os olhos são calmos como dos mortos e não vêem os rios que escorrem por baixo das pontes. Nessa fotografia a alma está ausente nas pessoas caladas como são caladas todas as pessoas nas fotografias. O tempo morreu nessa tarde que não existe mais como se estivesse ali naquele instante para sempre como se não fosse o que é nesse olhar de todos para o esquecimento. FARIA, Álvaro Alves de. Sete anos de pastor. Coimbra: Palimage, 2005, p. 35 FOTOGRAFIA I Fotografia antiga paisagem onde patos e pessoas se misturam, o mundo diferente de papel, imóvel e indagador, os homens permanecem sempre iguais, os filhos nunca nascem e as casas ficam intactas. O rosto permanecerá sempre assim: a família se conservará unida para sempre. FARIA, Álvaro Alves de. Mulheres do shopping (1988). In Trajetória poética - obra reunida. São Paulo: Escrituras, 2003, p. 423. Entenda-se aqui o texto como um conjunto de enunciados linguísticos escritos ou falados, ainda que seja complexa a sua conceituação, pois a abrangência dos termos liga-se à sua significação. Um texto se configura em uma rede de relações, sentidos, coerência, coesão, o que compõe a sua textualidade (tessitura). Independentemente de sua extensão, a constituição de um todo significativo constitui-se em um texto, e, por meio dele, o discurso se manifesta. Decorrem daí os vários significados, em constante construção. Para exemplificar: Nos dois poemas de Álvaro, o tempo está marcado nitidamente pelas fotografias que expressam palavras mudas nos rostos apagados pelo silêncio. Até as almas estão ausentes nos olhares esquecidos nas fotografias. É um universo “imóvel e indagador”, em que tudo permanece intacto. É tudo sempre igual e a vida nunca brota, a não ser pela memória de cada imagem. Os poemas revelam a metáfora do reconhecimento de um tempo que não existe mais; a imagem do instante é perene. O silêncio das pessoas conserva suas histórias num tempo que não passará jamais. Isso pode ser comprovado pelo uso dos tempos verbais, do 1166 modo indicativo, num jogo entre o presente, expresso pelo olhar do poeta para a fotografia, e o pretérito perfeito, sobretudo nas ações mortas no tempo. Há ainda o pretérito imperfeito em “estivesse” e “fosse”, suposições do que poderia ter sido, mas não foi. Isso, no olhar de todos, traz presente o tempo para o esquecimento, pois permanecerá e se conservará para sempre, o que confirma o papel das fotografias. Em especial, no poema FOTOGRAFIA I, a predominância é do tempo verbal presente, expressando certa imobilidade, propriedade das fotografias; porém, o futuro do presente confirma a ligação, união de todos “para sempre.”. A idéia do sempre, cru, estático e monótono, compõe as imagens mudas das fotografias em cujas paisagens a vida escorre intacta por baixo das pontes da memória. É um poema que revela melancolia, mas ao mesmo tempo reconforto, pois somente na fotografia antiga a família permanece unida. Os advérbios “sempre” e “nunca” confirmam essa oposição, de um lado o positivo e do outro o negativo; já os adjetivos “antigo, diferente, imóvel, indagador, iguais, intactas, unidas” expressam a ideia da estaticidade, característica primeira da fotografia. Esse recorte estilístico sobre os poemas evidencia a importância dos sentidos configurados neles pelo uso da linguagem, em especial a poética. Os elementos entrelaçados compõem a textualidade do texto. Vale explicar, também, no contexto de produção, que o autor dos poemas, Álvaro Alves de Faria, é filho de portugueses, poeta paulista da “Geração 60” da poesia brasileira, jornalista e crítico de literatura. Seus textos testemunham que nele vida e escrita sempre se fundiram. O primeiro poema, além de ser uma publicação portuguesa deste início de século, foi escrito em Portugal; o segundo é de publicação brasileira, do final do século XX. São tempos diferentes, rememorados pelas fotografias presentes na memória e no olhar do poeta. Isso reitera a coerência dos textos. 1.2.1 A intertextualidade Gosto de sentir a minha língua roçar A língua de Luís de Camões Gosto de ser e de estar E quero me dedicar 1177 A criar confusões de prosódia E uma profusão de paródias Que encurtem dores E furtem cores como camaleões Gosto do Pessoa na pessoa Da rosa no Rosa E sei que a poesia está para a prosa Assim como o amor está para a amizade E quem há de negar que esta lhe é superior E deixa os portugais morrerem à míngua “Minha pátria é minha língua” Fala Mangueira! Fala! [...] VELOSO,Caetano. Língua. In Velô, 1984. No ensino da Língua Portuguesa, atualmente, os professores encontram constantes desafios para compreender o texto como um produto histórico-cultural, relacioná-lo a outros textos e admitir a multiplicidade de leituras por ele suscitadas. Isso evidencia a necessidade de construir e desconstruir os textos, ressaltando os efeitos provocados pelas alterações, verificar as relações estabelecidas pelos conteúdos veiculados neles, entender o uso da língua, adequando-a convenientemente a diferentes contextos, e saber analisá-la com base em conceitos sobre sua estrutura e seu funcionamento. Pela interação entre os vários gêneros de textos e os intertextos presentes neles, os professores podem investigar as experiências de leitura dos alunos e trilhar as pistas deixadas pelos autores nos textos, considerando o explícito e o implícito, inferindo suas intenções. Nessa perspectiva, cabe ao professor desenvolver no aluno a capacidade de identificar o intertexto, investir na ideia de que todo texto é resultado de outros textos. Isso significa dizer que o uso da palavra é dialógico. Em Bakhtin (2003) a terminologia aparece sob o nome de dialogismo, processo como se estabelecem as relações. O dialogismo ocorre sempre entre discursos. Todo discurso dialoga com outros discursos, toda palavra é cercada de outras palavras, precedida por outras palavras, nas quais se inspira. A relação dialógica é uma relação (de sentido) que se estabelece entre enunciados na comunicação verbal. Todo enunciado possui uma dimensão dupla, revelando duas posições: a própria e a do outro. É uma relação de sentido, constituída no próprio texto, o que se denomina interdiscursividade. 1188 Figura 1.2 – Bom Bril Mon Bijou Fonte:<http://www.filologia.org.br/viiicnlf/ anais /caderno09-02.htmlBombril>. Acesso em: 13 jun. 2009. A intertextualidade, por outro lado, é uma relação discursiva materializada em textos. Constitui-se no fenômeno da produção de sentido entre textos expressos por diferentes linguagens. O termo intertextualidade fica reservado apenas para os casos em que a relação discursiva é materializada em textos. Isso significa que a intertextualidade pressupõe sempre uma interdiscursividade, mas que o contrário não é verdadeiro. Por exemplo, quando a relação dialógica não se manifesta no texto, temos interdiscursividade, mas não intertextualidade. No entanto, é preciso verificar que nem todas as relações dialógicas mostradas no texto devem ser consideradas intertextuais. [...] as relações dentro do texto ocorrem quando as duas vozes se acham no interior de um mesmo texto: no caso do exemplo de Vidas secas, temos uma relação dialógica dentro do texto, pois as vozes do narrador e de Fabiano se encontram no interior de um texto, não são constituídas num outro texto fora do texto em análise. [...] No entanto, podem-se ter também relações entre textos, quando um texto se relaciona dialogicamente com outro texto já constituído (FIORIN, 2006, p.181-182). Isso é o que se pode constatar no fragmento de Caetano Veloso, na epígrafe inicial. Nos versos “Gosto do Pessoa na pessoa / Da rosa no Rosa/ E sei que a poesia está para a prosa/ Assim como o amor está para a amizade”, o autor faz referência ao poeta Fernando Pessoa e à sua expressividade, a mesma que gosta de ver nas pessoas, e ao romancista João Guimarães Rosa, cuja expressão de linguagem é tão bela quanto a rosa. Reconhece, ainda, o processo de construção poética da linguagem em ambos, tanto que poesia e prosa dialogam tal qual o amor e a amizade. Por isso, a pátria é a sua língua. Outro exemplo encontra-se na publicidade - um dos anúncios da marca Bom Bril, em que o ator se veste e se posiciona como se fosse a Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci, pintor renascentista do século XVI. O enunciado- slogan é “Mon Bijou deixa sua roupa uma perfeita obra-prima”. Tal enunciado sugere ao leitor que o produto anunciado deixa a roupa 1199 bem macia e perfumada, ou seja, uma verdadeira obra-prima (referência ao quadro de Da Vinci). Na publicidade, pode-se dizer que a intertextualidade assume a função não só de persuadir o leitor como também de difundir a cultura, uma vez que se trata de uma relação com a arte (plástica e literatura). Utilizando-se deste recurso, grande parte do efeito de uma propaganda ou do título de uma reportagem, no jornalismo, é proveniente da referência feita a textos pré-existentes. Esses textos ora são retomados de forma direta, ora de forma indireta, levando o destinatário a reconhecer no enunciado o texto citado. A intertextualidade ilustra a importância do conhecimento de mundo e como esse fator interfere na compreensão do texto. Muitas vezes as leituras não são entendidas exatamente porque o leitor não detém informações necessárias para estabelecer as relações pertinentes. Ao relacionar um texto com outro, compreenderá que a intertextualidade é uma das estratégias utilizadas para a construção de um texto. Vista como estratégia, a intertextualidade pode também ser identificada, de acordo com o propósito do texto, como: epígrafe (escrita introdutória a outra, como elemento temático contextualizador); citação (transcrição do texto alheio, marcada por aspas); paráfrase (reprodução do texto do outro com a palavra do autor); paródia (apropriação da forma e rompimento com o conteúdo, sutil ou abertamente; perverte o texto anterior, visando à ironia, ou à crítica); pastiche (composição literária ou artística grosseiramente copiada de outro texto); tradução (está no campo da intertextualidade porque implica recriação de um texto). A cultura, do país e do mundo, está em constante movimento, por isso entender os diálogos entre os textos significa a possibilidade de se inserir neste universo, e, consequentemente, ampliar os horizontes das próprias leituras para, posteriormente, ter possibilidade de produzir textos utilizando-se também desse recurso. E, assim...os conhecimentos proliferam. 1.2.2 A literalidade do texto e o texto literário Muitas pessoas leem variados textos todos os dias, mas, dificilmente, se questionam por que alguns textos são considerados literários e outros não. Elas não entram nomérito 2200 Texto 1: O LIXO É todo resíduo sólido proveniente de atividades humanas ou mesmo de processos naturais (poeira, folhas e ramos mortos, cadáveres de animais). O lixo urbano é um dos maiores problemas ambientais da atualidade, pois os moldes de consumo adotados pela maioria das sociedades modernas provocam o aumento contínuo e exagerado na quantidade de lixo produzido. (Disponível em: <http://www.ca.ufsc.br/qmc/aulas1anos/lixo/lixo.htm>. Acesso em: 12 jun 2009) Texto 2: O Bicho Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. Rio, 27 de dezembro de 1947. (BANDEIRA, Manuel. Belo belo. In Estrela da Vida Inteira. 20. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p.201-202). Figura 1.3 – Moema - Quadro de Vitor Meirelles, sobre a indígena Moema. Exposição no Museu de Arte de São Paulo. (Domínio Público). Fonte: <domíniopublico.gov.br>. Acesso em: 13 jun. 2009. do pensar sobre a elaboração da linguagem de que dispõem à sua frente, apenas realizam leituras, sob a perspectiva da compreensão temática abordada nesses textos. Isso, na maioria das vezes, interfereem interpretação mais fidedigna. Nesse sentido, algumas considerações de caráter reflexivo se fazem presentes nos textos a seguir, observando-se as diferenças na linguagem utilizada e nos aspectos composicionais (estruturais): Após a leitura, é possível constatar, em primeiro lugar, a diferença na forma de expressão. O primeiro é prosa – constitui um parágrafo; o segundo, poema – compõe-se de versos, em estrofes. Além disso, a linguagem utilizada é objetiva e impessoal no 2211 texto 1 e subjetiva, pessoal e carregada de emoções e de valores do eu lírico, que se sente indignado diante do que vê, no texto 2. Isso permite denominar o primeiro como texto literal, de caráter utilitário, cujo objetivo é informar, esclarecer o tema em questão; e o segundo como texto literário, cujo objetivo é emocionar, sensibilizar o leitor para que reflita sobre a situação degradante em que se encontra o homem. Há, no texto 2, preocupação com a organização, com a harmonia das palavras, e uma clara intenção estética; por isso é considerado texto literário. Ambos os textos se referem ao mesmo fato da realidade, porém os sentidos são muito diferentes. Para o primeiro, a preocupação é inteira para a realidade atual; já o segundo se volta para uma realidade retratada no plano da expressão, pois apresenta a realidade de forma singular, plurissignificativa, insubstituível. Os textos científicos, informativos, instrucionais caracterizam-se pelo aspecto literal, empregando a linguagem denotativamente. Por essa razão devem ser claros, precisos, impessoais, não generalizados e escritos em terceira pessoa. Textos dessa natureza se propõem a explicar, interpretar ou elucidar fenômenos ou ocorrências da vida; a relatar experiências, apresentar resultados de pesquisas, divulgar princípios dela resultantes, que, eventualmente, poderão ser aplicados a outras situações. Um apoio imprescindível para a sustentação desse texto é a descrição “técnica”, diferente da literária, caracterizada pela objetividade, apoiada em dados concretos e marcada por vocabulário especializado. É fundamental a ordenação coerente dos conteúdos, a sequência lógica na apresentação de exemplos, a indicação de fontes consultadas ou de outros elementos que comprovem cientificamente a veracidade dos dados apresentados. Quanto ao léxico, a escolha deve Segundo o dicionário Aulete Digital (2008), literalidade é a qualidade ou caráter do que é literal, do que é usado em sentido literal (exato), não figurado. Isso referencia o sentido real, denotativo, da linguagem. Este é o sentido utilizado nos textos técnicos e científicos. Literário é o que se refere às letras; de características linguísticas, semânticas e estilísticas inerentes às obras de literatura; pertencente aos escritores e adquirido por meio da leitura. É o sentido figurado. 2222 ter caráter técnico, especializado, em função da área do conhecimento focada, apoiada em estrutura sintática cuidadosa, que atenda à necessária clareza do texto. Os textos literários, por sua vez, em seus gêneros narrativo, lírico e dramático, empregam a linguagem conotativamente, por isso são plurissignificativos. A conotação, no entanto, não é característica exclusiva da literatura. Nos diálogos cotidianos, em anúncios publicitários, nas letras de música, na linguagem dos quadrinhos, ela, normalmente, está presente, sugerindo sentidos dúbios, causando estranhamentos que despertam a sensibilidade do leitor para os efeitos causados pela expressividade do enunciado verbal. A riqueza do texto literário é sempre um trilho novo a percorrer e a desvendar os seus mistérios. A cada leitura há um universo de revelações e uma conquista nova, pelo prazer do saber, pela magia das palavras, dos muitos significados instigados por elas, através dos tempos. Assim, intensificar a leitura literária é permitir aos leitores descobrir e repensar as próprias convicções, a partir dessa organização linguístico-cultural tão singular. A experiência da leitura decorre das propriedades da literatura enquanto forma de expressão, que, utilizando-se da linguagem verbal, incorpora a particularidade dessa de construir um mundo coerente e compreensível, logo, racional; esse universo, contudo, alimenta-se da fantasia do autor, que elabora suas imagens interiores para se comunicar com o leitor. Assim, o texto concilia a racionalidade da linguagem, de que é testemunha sua estrutura gramatical, com a invenção nascida na intimidade do indivíduo; e pode lidar com a ficção mais exacerbada, sem perder o contato com a realidade, pois precisa condicionar a imaginação à ordem sintática da língua. Por isso, a literatura não deixa de ser realista, documentando seu tempo de modo lúcido e crítico; mas revela-se sempre original não esgotando as possibilidades de criar, pois o imaginário empurra o artista à geração de formas e expressões inusitadas (ZILBERMAN, 1994, p.88). Se, por um lado, a elaboração de um texto, de caráter literal ou literário, está atrelada ao domínio da linguagem (denotativa ou conotativa), aos objetivos de quem escreve, para quem se escreve, como e por que se escreve; por outro lado, cabe aos leitores a clareza de que a leitura é uma atividade de linguagem, e como tal possui caráter dialógico, fundamentado na dimensão social, histórica e pragmática. Por isso, a necessidade de se ler com atenção a diversidade de textos, literários e não-literários, e entendê-los de fato. 2233 Figura 1.4 – Fotografia de arquivo pessoal de Silvia Helena Nogueira / 2009 A leitura, compreendida não só como leitura da palavra, mas como leitura de mundo (FREIRE, 1986) deve ser atividade constitutiva de sujeitos capazes de entender o mundo e nele atuar como cidadãos. Essa leitura, como prática de cidadania, exige um leitor de aguçada criticidade, que saiba mobilizar seus conhecimentos linguísticos, textuais e de mundo; e, também, construir a significação global do texto, reconhecendo e utilizando as pistas nele colocadas, seja em seu aspecto literal ou literário. Por fim, para refletir: um pôr do sol ou um sol a se pôr? uma fotografia ou uma poesia? (shn/09) 1.3 Gêneros textuais: a diversidade de textos Ao fazer uso da língua materna, o ser humano se comunica, tem acesso aos mais variados conhecimentos, expressa e defende pontos de vista, registra sua visão de mundo. O desenvolvimento da língua escrita possibilitou aos homens melhor compreensão da sociedade em que vivem. Tornou-se um elemento essencial, um bem indispensável. A escrita permitiu a ampliação do processo comunicativo, o que deu a esses homens subsídios para enfrentar os próprios problemas. Em contextos variados, eles a utilizam cotidianamente, seja nas ruas, nos locais de trabalho, nos ambientes escolares, nos diálogos familiares, no lazer, nas compras, nas atividades intelectuais. 2244 Em cada um desses contextos, a escrita é utilizada de forma específica, com objetivos próprios. Essa variedade de usos da escrita definirá diferenças nas formas de como se escrever determinado texto. Exatamente em razão dessa diversidade de usos de texto com funções próprias, muitos estudiosos da linguagem buscaram uma classificação para os diferentes gêneros do discurso escrito, levando em consideração a dimensão sócio-histórica desses gêneros. Essa abordagem prioriza a interação, sem utilizar o texto de forma indiferenciada. Estes deverão ser estudados e produzidos, levando-se em contaos contextos de sua produção, em diferentes situações de interlocução. 1.3.1 A compreensão dos gêneros de texto e seu uso social Para Bakhtin (2004), o discurso é o ponto de articulação dos processos ideológicos e dos fenômenos lingüísticos; manifesta-se em forma de enunciados, orais ou escritos, expressos por indivíduos em diferentes atividades humanas. O produto dessa interação é a enunciação. Dessa forma, é por meio dos enunciados concretos que a vida entra na língua, isto é, em função da natureza dos enunciados é que se materializam os gêneros do discurso. Gênero é forma de discurso, de enunciação. Há que se considerar, na visão bakhtiniana, os gêneros primários e os gêneros secundários. Os chamados gêneros primários (aqueles espontâneos, que se formam nas condições imediatas da comunicação discursiva) são frequentes no uso cotidiano, aproximam-se da modalidade oral da linguagem. Já os secundários (ou estáveis, mais reclamação, relatórios, pesquisas científicas, romances, por exemplo), normalmente, são adequados às situações de ensino formal da modalidade escrita, relacionados ao âmbito dos sistemas ideológicos constituídos. Os gêneros constituem-se em práticas sociais mediadas pela linguagem, compartilhadas e reconhecidas em uma dada cultura. A concepção da linguagem articulada à vida social Para Dolz & Schneuwly (2004), retomando Bakhtin (2003) gêneros são instrumentos mediadores estáveis que se caracterizam por um conteúdo temático, um estilo e uma construção composicional. 2255 e ao sistema da língua carrega em si pressupostos acerca de seu ensino, pois ensinar uma língua é ensinar a agir nesta língua. O trabalho com gêneros discursivos, como instrumentos para uma ação, possibilita atividades operacionais com a linguagem em diferentes situações. Cada gênero tem uma forma, um estilo, um conjunto de características que o indivíduo, como usuário da língua, serve-se desses recursos para suas próprias composições, em função das condições de produção em que se encontrar. Marcuschi (2003, p.3) registra alguns conceitos esclarecedores sobre abordagens que envolvem o estudo dos gêneros: Domínio discursivo (esfera de atuação humana) Entende-se aqui como domínio discursivo uma esfera de atividade humana, como lembrou Bakhtin (1979). Não é um princípio de classificação de textos e indica instâncias discursivas, tais como: discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso, discurso militar, discurso acadêmico etc. Não abrange um gênero em particular, mas dá origem a vários deles, constituindo práticas discursivas dentro das quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais que às vezes lhe são próprios ou específicos como práticas ou rotinas comunicativas institucionalizadas e instauradoras de relações de poder etc. Neste caso, Domínio Discursivo distingue-se da noção de formação discursiva, tal como proposta por Foucault. Gênero (textual, de texto, discursivo, do discurso) Trata-se de textos orais ou escritos materializados em situações comunicativas recorrentes. Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária com padrões sócio-comunicativos característicos definidos por sua composição, objetivos enunciativos e estilo concretamente realizados por forças históricas, sociais, institucionais e tecnológicas. Os gêneros constituem uma listagem aberta, são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações tais como: sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, e-mail, bate- papo por computador, aulas virtuais e assim por diante. Como tal, os gêneros são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas. Tipo (textual, de texto, de discurso) Esta noção designa muito mais modalidades discursivas ou então seqüências textuais do que um texto em sua materialidade. O tipo textual define-se pela natureza lingüística de sua composição 2266 {modalidade, aspectos sintáticos, lexicais, tempos verbais, relações lógicas, estilo, organização do conteúdo etc.}. Em geral, os tipos textuais abrangem um número limitado de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. Quando predomina uma característica tipológica num dado texto concreto dizemos que esse é um texto argumentativo ou narrativo ou expositivo ou descritivo ou injuntivo. Os tipos textuais constituem modos discursivos organizados no formato de seqüências estruturais sistemáticas que entram na composição de um gênero textual. Tipo e gênero não formam uma dicotomia, mas se complementam na produção textual. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Portuguesa, para o Ensino Fundamental (1997) e o Ensino Médio (1999), que assumem a concepção comunicativo-discursiva de linguagem, abordam a questão dos gêneros como princípio para a formação de cidadãos, sujeitos que possam exercer a sua competência discursiva. Isto implica a construção de uma prática de ensino da língua, que não se restrinja a focar níveis lexicais, oracionais ou mesmo estritamente textuais. Essa opção utiliza o texto como unidade básica de ensino, levando em consideração o seu contexto de produção e sua organização como resultado do processo de operações comunicativas, linguísticas e sociocognitivas. Essa atividade verbal, praticada pelos usuários da linguagem, é uma atividade consciente. O sujeito que produz ou lê o texto tem papel ativo na escolha ou análise dos elementos linguísticos, pragmáticos e/ou socioculturais. A escolha do gênero depende do que se quer dizer, para quem, com quais intenções. Para o leitor, o conhecimento das condições de produção é fundamental para compreender as escolhas realizadas pelo autor do texto, levando-se em consideração o dialogismo da linguagem e a alteridade do discurso. O processo de ensino-aprendizagem dos gêneros requer o desenvolvimento de estratégias didáticas. Vivenciar na escola o estudo dos gêneros discursivos é vivenciar atividades sociais das quais a linguagem é parte essencial; pois, muitas vezes, os alunos não terão acesso a essas atividades, a não ser pela escola. Ensinar linguagem na perspectiva de gênero, com diversidade de textos, é compreender o funcionamento dela 2277 na sociedade e na relação com os indivíduos e sua cultura, suas representações. O mundo letrado deve se tornar algo real, palpável. Os alunos precisam apropriar-se das características de cada gênero, para produzir outros textos do mesmo gênero, com composição, características de linguagem e estilo semelhantes ao daquele que foi o ponto de partida. Paralelamente, eles vão construindo os próprios conhecimentos de linguagem. Essas ações os tornam sujeitos de suas produções, orais e ou escritas, inseridas em contextos situacionais, a serviço de certos fins sociais. 1.3.2 As dimensões e os agrupamentos de gêneros: o tratamento didático Schneuwly e Dolz (2004) consideram que todo gênero textual se define por três dimensões essenciais: a) os conteúdos que são (que se tornam) dizíveis por meio dele; b) a estrutura (comunicativa) particular dos textos pertencentes ao gênero; c) as configurações específicas das unidades de linguagem, que são sobretudo traços da posição enunciativa do enunciador, e os conjuntos particulares de sequências textuais e de tipos discursivos que formamsua estrutura. Nesse sentido, a produção de um gênero, em situação de interação determinada, requer do enunciador a adaptação às características do contexto e do referente (capacidade de ação), a mobilização de modelos discursivos (capacidades discursivas) e o domínio das operações psicolinguísticas e das unidades linguísticas (capacidade linguístico- discursiva). O desenvolvimento dessas capacidades constitui-se (sempre parcialmente) de modelos de prática de linguagem disponíveis no ambiente social. Os membros da sociedade que os dominam têm a possibilidade de adotar estratégias explícitas para que os aprendizes possam se apropriar deles. Os gêneros constituem um ponto de referência concreto para os alunos, na ótica do ensino, pois correspondem à ferramenta que possibilita o exercício da função social da 2288 Quanto às capacidades de linguagem dominantes, os autores apontam cinco básicas: Narrar: imitação da ação pela criação da intriga no domínio do verossímil; Relatar: representação pelo discurso de experiências vividas, situadas no tempo; Argumentar: sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição; Expor: apresentação textual de diferentes formas dos saberes; Descrever ações: regulação mútua de comportamentos. língua. Cada gênero, portanto, precisa de estudo específico, com adaptações para seu ensino, pois apresenta características próprias, tanto de linguagem como de organização. É importante, como estratégia de ensino, fornecer aos alunos os instrumentos necessários para sua progressão. Para isso, as intervenções dos professores podem ocorrer por meio de sequências didáticas. Nos dizeres de Dolz e Schneuwly (2004, p.97), “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”. A finalidade de se utilizar uma sequência didática é graduar modularmente o processo de aprendizagem, levando o aluno a identificar e empregar as características de determinado gênero e a dominar sua composição, em função da esfera social em que ele circula. Isso lhe permitirá escrever ou falar de forma mais adequada em dada situação de comunicação. Há que se considerar, ainda, que essas sequências devem ser realizadas no âmbito de um projeto de classe, respeitando-se: [...] os princípios teóricos subjacentes ao procedimento; o caráter modular dos procedimentos e suas possibilidades de diferenciação; as diferenças entre os trabalhos com oralidade e com escrita; a articulação entre o trabalho na seqüência e outros domínios de ensino de língua (SCHNEUWLY, DOLZ, 2004, p.108). Com base nessas capacidades, os gêneros são agrupados, levando-se em conta especialmente os aspectos tipológicos, o que permite definir objetivos de estudo, relacionando três níveis fundamentais de operações de linguagem em funcionamento: representação do contexto social ou contextualização (capacidade de ação); estruturação discursiva do texto (capacidade discursiva); 2299 escolha de unidades linguísticas ou textualização (capacidades linguístico- discursivas) O trabalho com os gêneros textuais, enfim, é instrumentação efetiva para um ensino coerente da linguagem. A progressão dos conteúdos ensinados e apreendidos permitirá a prática real, mais próxima possível de verdadeiras situações de comunicação, que tenham sentido para os alunos, a fim de que melhor possam dominá-las. 1.4 Para saber mais Filme Assista ao filme Escritores da Liberdade (Freedom Writers), como enriquecimento cultural, pois é uma fabulosa história de vida, que mostra como as palavras podem emancipar as pessoas e de que forma a educação, a cultura e o conhecimento são as bases para um mundo melhor. Ficha Técnica: País/Ano de produção: EUA/Alemanha, 2007 Duração/Gênero: 123 min., Drama Direção de Richard LaGravenese Roteiro de Richard LaGravenese, Erin Gruwell, Freedom Writers Elenco: Hillary Swank, Patrick Dempsey, Scott Glenn, Imelda Staunton, April Lee Hernandez, Kristin Herrera, Jacklyn Ngan, Sergio Montalvo, Jason Finn, Deance Wyatt. 1.5 Síntese da unidade Esta unidade abordou as diferentes perspectivas sobre o ler e o interpretar, apresentando concepções sobre a leitura de mundo e da palavra. Os capítulos procuraram esclarecer a constituição do texto, sob diferenciados discursos e contextos, bem como os processos de alfabetização e de letramento. Contemplou, por fim, breve estudo sobre os gêneros textuais, suas diversidade e dimensões, seus agrupamentos e o tratamento didático a eles destinado, além dos recursos expressivos na construção textual. 3300 1.6 Atividades Com base nos conteúdos trabalhados, reflita e responda: 1) Que concepções de ensino da Língua Portuguesa justificam as práticas de trabalho dos professores, no que se refere a como e para que se desenvolve leitura e se produz textos na escola? 2) Em que essas práticas de ensino da Língua Portuguesa contribuem para a formação de cidadãos críticos e linguisticamente competentes? 3) MARTINS, M. H. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1986. Esta é uma obra importante, em uma linguagem simples e didática. A autora desperta para a compreensão básica sobre o processo da leitura e apresenta três formas de ser realizada por todos os leitores, mesmo sem que eles percebam. Vale ler! 3311 Unidade 2 Unidade 2 . Leitura e domínio da escrita De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente. (FREIRE, 1986, p. 22) Esta unidade apresenta a você, caro leitor, a oportunidade de conhecer, refletir e apreender informações sobre a leitura e a escrita, em seus aspectos constitutivos. O objetivo é levantar reflexões sobre a prática da leitura e da escrita, sem, no entanto, aprofundar conhecimentos sobre os aspectos formativos da última. Faz-se necessário, assim, esclarecer que esses aspectos perfazem uma perspectiva mais gramatical da língua, que não é a intenção posta, visto que a fundamentação teórica apoia-se na abordagem linguístico-discursiva do ensino da língua. Dessa forma, sequencia considerações sobre a importância da leitura para o domínio da escrita, sobre as diferenças entre a língua falada e a escrita, os aspectos de coesão e os de coerência na construção do texto escrito. Por fim, trata de um tema de relevância no contexto atual: a reforma ortográfica. 2.1 A importância da leitura para o domínio da escrita Ler e escrever significam questionar e ser questionado pelo mundo e por si próprio. É a busca de respostas que irão gerar novas perguntas. Quanto maior o grau de informatividade do texto, maior a necessidade de reconhecer suas marcas linguísticas. A linguagem vai atribuindo matrizes à simbologia do discurso, cujos valores e modelos serão corporificados no constante enigma dos textos. 3322 Ler muito e sempre que possível, com objetivo determinado, sabendo por que se está lendo. Ler unidades de pensamento, relacionando as ideias, e não palavras por palavras. Avaliar o que se está lendo, perguntando pelo sentido, identificando a idéia central e seus fundamentos. Aprimorar o vocabulário, esclarecendo termos e/ou palavras desconhecidas, por meio do dicionário. Esse é um recurso significativo para a exploração de palavras-chave, no contexto
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