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1 ALESSANDRA BARBOSA FTM DA LÍNGUA PORTUGUESA FACULDADE SÃO BRAZ CURITIBA/PR – 2018 2 Sumário Apresentação ................................................................................... 03 Iconografia ....................................................................................... 04 Aula 1 – Língua, Linguagem e Gramática ........................................ 05 Aula 2 – O ensino da gramática na escola ........................................ 16 Aula 3 – O texto ................................................................................ 26 Aula 4 – Leitura e seus processos .................................................... 35 Aula 5 – Gêneros textuais ................................................................. 45 Aula 6 – Sequência didática e ensino da língua portuguesa ............. 54 Aula 7 – Literatura ............................................................................ 62 Aula 8 – O trabalho com o texto literário ............................................ 69 Referências ...................................................................................... 76 3 Apresentação Olá, estudante. Seja bem-vindo à disciplina de Fundamentos da Língua Portuguesa. A partir de agora, você aprender algumas estratégias de como ensinar Língua Portuguesa para a educação infantil. Alguns dos nossos tópicos de estudos serão voltados para o ensino da gramática; outros para a literatura; enquanto que outros abordarão contação de história, escrita e leitura. Bom estudo! 4 ICONOGRAFIA Os ícones são elementos gráficos utilizados para ampliar as formas de linguagem e facilitar a organização e a leitura hipertextual. VOCABULÁRIO Indica a utilização de um termo, palavra ou expressão no texto. IMPORTANTE Indica pontos de maior relevância no texto. REFLITA Questionamentos e reflexões sugeridas pelo autor, mas não é necessário respondê-los. SAIBA MAIS Oferece novas informações que enriquecem o assunto: textos, artigos, reportagens escritas etc. CURIOSIDADES Indica alguma curiosidade a respeito do tema de estudo, mas que não está contemplado na ementa. MÍDIAS Indica sugestões de vídeos ou reportagens para conhecimento complementar. LINK Vídeos e textos para aprofundar o assunto. Dica: Para facilitar clique com o botão direito do mouse e abra uma nova janela. 5 Aula 1 – Língua, Linguagem e Gramática Olá, estudante! Seja bem-vindo à primeira aula da disciplina de Fundamentos Teóricos e Metodológicos de Língua Portuguesa. Nesta aula, faremos uma abordagem sobre as concepções de língua e linguagem no decorrer do tempo. Além de conhecer alguns conceitos fundamentais, você será convidado a refletir a respeito das diferentes situações de comunicação e da importância da linguagem nas relações humanas. Vamos lá! Bom estudo! 6 Existe diferença entre língua e linguagem? As modalidades oral e escrita estão dissociadas? Para que haja eficiência na comunicação é necessário que dominemos a gramática? Para responder a essas e a diversas outras indagações sobre o tema, veremos os conceitos a seguir. Concepções de Língua Como veremos a seguir, não há um consenso a respeito da definição de língua. Há diferentes vertentes e abordagens que apontam para características específicas do estudo da língua. No texto “Gramática e Política”, que faz parte do livro O Texto na Sala de Aula (GERALDI, 2006), Sírio Possenti traz três conceitos de gramática que, consequentemente levam a três conceitos de língua. Vamos a eles. Conceito de língua Para entendermos o conceito desse nosso objeto de estudo, é importante você saber que língua não é um conceito óbvio. Possenti afirma que há diferentes formas de conceituação de língua, de acordo com a forma com que o fenômeno é observado. O primeiro conceito é o mais usual entre os membros de uma comunidade linguística, pelo menos em comunidades como as nossas: o termo língua recobre apenas uma das variedades linguísticas utilizadas pelas pessoas cultas. É a chamada língua padrão, ou norma culta. As outras formas de falar (ou escrever) são consideradas erradas, não pertencentes à língua. (POSSENTI, 2006. p. 49) Essa concepção, bastante elitista, exclui de forma preconceituosa diferentes classes sociais, além de desconsiderar um princípio básico de 7 comunicação: se fazer entender. É considerada padrão por levar em consideração as normas gramaticais, sendo que os desvios cometidos em relação a essas regras são apontados como erros. Contudo, é importante ressaltar que o objetivo da escola é ensinar o português padrão. O essencial é sempre considerarmos as situações de comunicação. O segundo conceito de língua, ligado à gramática do tipo 2, também é excludente, em relação aos fenômenos, não tanto por só incluir partes, mas por incluí-las apenas de certo modo. Aqui língua equivale a um construto teórico, necessariamente abstrato. Como tal, é considerado homogêneo, não prevê variações no sistema. O que faz é prever sistemas coexistentes, mas não incorpora, embora trabalhe com base em enunciados da fala, as flutuações da fala. Não se quer pôr em dúvida a necessidade da construção do objeto teórico para a tarefa científica de descrever línguas. (POSSENTI, 2006. p. 49) Antes de aprofundarmos um pouco mais nossas reflexões, é interessante que retomemos o que o autor considera como gramáticas do tipo 2: “Gramáticas do tipo 1 preocupam-se mais com como se deve dizer; as do tipo 2 ocupam-se exclusivamente de como se diz.”. (POSSENTI, 2006, p. 48). Com isso, temos que a principal distinção entre essas abordagens está entre como se deve dizer, ou seja, a que regras se deve “obedecer”, e como se diz, o que de fato ocorre. É evidente que nenhuma das vertentes é capaz de abranger o fenômeno em toda a sua completude. Ambas apresentam uma visão parcial do que é língua. Ao considerar a língua como algo homogêneo, deixa-se de lado um importante aspecto da língua, que é o fato de ela ser ativa, estar em constante processo de mudança. 8 Por fim, vamos ao terceiro conceito: Considerando-se que os falantes não falam uma língua uniforme e não falam sempre da mesma maneira, a terceira concepção de gramática opera a partir de uma noção de língua mais difícil de explicitar. Digamos, em poucas palavras, que, nesse sentido, língua é o conjunto das variedades utilizadas por uma determinada comunidade, reconhecidas como heterônimas. Isto é, formas diversas entre si, mas pertencentes à mesma língua. De forma bastante simplificada, podemos dizer, com isso, que língua é um conjunto de variedades. Sendo assim, engloba uma grande quantidade de variedades linguísticas, que carregam consigo valores sociais, históricos, culturais e ideológicos. Para dar sequência às nossas discussões a respeito das concepções de língua, como futuro professor ou futura professora, é interessante que você, estudante, esteja atento para o que aparece no texto relacionado ao ensino de língua portuguesa em Estrutura dos Parâmetros Nacionais para o Ensino Fundamental: “a língua é um sistema de signos histórico e social que possibilita ao homem significar o mundo e a realidade. Assim, aprendê-la é aprender não só as palavras, mas também os seus significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio social entendem e interpretam a realidade e a si mesmas.” (p. 22) Com base nessa concepção, vemos que a língua é muito mais que apenas um sistema de signos. É preciso apreendê-los e significá-los histórico, cultural e socialmente. Assim, a língua não é um ato isolado. Mais que isso, a língua é abstrata, aopasso que a linguagem é a parte ativa. Sobre esse aspecto, passemos agora à concepção de linguagem. 9 Concepções de Linguagem Podemos destacar, em meio a linguísticos, três concepções distintas de linguagem, que serão apresentadas na sequência. Primeira Concepção de Linguagem A linguagem é a expressão do pensamento: essa concepção atrela, em relação de interdependência, o pensamento e a expressão. Logo, o fato de não saber pensar impede as pessoas de se expressarem, ou seja, aquele que não se expressa, não pensa. Portanto, pensar é requisito para escrever, utilizando- se da linguagem como tradução do pensamento. Essa concepção prevê a existência de regras a serem seguidas para a organização do pensamento e, portanto, da linguagem. É o que aparece nos chamados estudos linguísticos tradicionais, ou, como conhecemos, gramática normativa ou tradicional. Figura 1: Linguagem – Expressão do pensamento Fonte: Freepik (2018) 10 Segunda Concepção de Linguagem A linguagem é instrumento de comunicação: de acordo com GERALDI (2006. P. 41), essa concepção se liga à Teoria da Comunicação, considerando a língua como sistema organizado de sinais organizados e combinados através de regras, capazes de permitir ao receptor certa mensagem. Ou seja, o emissor tem organizada mentalmente uma mensagem que deseja transmitir a um receptor e, para isso, utiliza um código. Contudo, para que haja comunicação, é necessário que emissor e receptor conheçam as convenções do código utilizado. Figura 1.2: Linguagem – Instrumento de Comunicação Fonte: Freepik (2018) Terceira Concepção de Linguagem A linguagem é uma forma ou um processo de interação: nessa concepção, o indivíduo (emissor) não só traduz ou exterioriza um pensamento transmitindo informações, mas também realiza ações capazes de atuar sobre o receptor. Dessa forma, vemos que esta concepção situa a linguagem como lugar de interações humanas, de relações sociais. 11 É possível, então, concluir que a linguagem é caracterizada pelo diálogo. A fim de aproximar os conceitos trazidos às proposições de ensino da língua portuguesa na escola, tomemos por base esta concepção de linguagem. Mais uma vez recorramos a um dos documentos norteadores do processo de ensino-aprendizagem na escola. Consta no texto dos PCN’s de Língua Portuguesa (p. 22): “A linguagem é uma forma de ação interindividual orientada por uma finalidade específica; um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos momentos da sua história. Dessa forma, se produz linguagem tanto numa conversa de bar, entre amigos, quanto ao escrever uma lista de compras, ou ao redigir uma carta — diferentes práticas sociais das quais se pode participar. Por outro lado, a conversa de bar na época atual diferencia-se da que ocorria há um século, por exemplo, tanto em relação ao assunto quanto à forma de dizer, propriamente — características específicas do momento histórico. Além disso, uma conversa de bar entre economistas pode diferenciar-se daquela que ocorre entre professores ou operários de uma construção, tanto em função do registro e do conhecimento linguístico quanto em relação ao assunto em pauta.” 12 É, portanto, na linguagem que existe a significação, ou seja, o sentido é a função da linguagem, utilizando o contexto como auxílio à significação. Para Bakhtin (1986, p. 123), o sujeito é constituído pela linguagem, que é histórica e ideológica. Entende-se, por consequência, que nós somos o que falamos, como organizamos e constituímos o nosso discurso. É a linguagem que organiza nossa realidade. Passamos a vida repetindo e/ou resistindo e/ou rompendo nossa existência por meio da linguagem. Todo leitor tem sua história (de leituras). Um sujeito, na história, se constitui sempre na coletividade. A interpretação da realidade, por meio da linguagem, certamente, se dá a partir de memórias pessoais e coletivas. Estas, constituintes da realidade que, como já vimos, é organizada por meio da linguagem. Concepções de gramática Gramática normativa De acordo com essa concepção, gramática é um conjunto de normas a serem seguidas para um bom uso da língua. Assim, o falar e escrever bem se restringem ao uso das regras, sendo “certo” o que atende, obedece às normas e “errado” tudo o que foge a elas. Dessa forma, só se considera a norma culta da língua, descartando todas as demais variedades. Figura 2: Gramáticas e o mundo Fonte: Freepik (2018) http://br.freepik.com/index.php?goto=27&opciondownload=2&id=aHR0cDovL3d3dy5zeGMuaHUvcGhvdG8vMTE5NTk5Mw==&fileid=18318 13 Gramática descritiva Para essa concepção, não há um julgamento de “certo” e “errado” e, portanto, destituída de qualquer preconceito linguístico. Sua visão e mais ampla e prevê uma descrição da estrutura e funcionamento da língua, considerando sua forma e função. Gramática internalizada Essa concepção aborda a língua como um conjunto de variedades de fato aprendidas pelo falante de uma determinada sociedade, que o torna capaz de comunicar-se. Para isso, não se faz necessária a escolarização do falante, uma vez que o aprendizado se dá no próprio processo, na atividade linguística. Aqui, destaca-se a ideia de “adequação/inadequação” na escolha da variedade linguística para cada situação comunicativa. Clique aqui para assistir ao vídeo que explica melhor todos os tipos de gramáticas. É necessário considerarmos os conceitos até agora apresentados para a constituição de uma competência discursiva, a saber: É adquirida pelo estudante na e pela atividade de linguagem em atividades de leitura e de produção de textos inseridas em situações linguisticamente significativas, nas quais é considerada a dimensão discursivo- pragmática da linguagem. https://www.youtube.com/watch?v=EB68quSVLgw 14 Gramática e o estudo da língua Para que alcancemos melhores resultados e proficiência no estudo da língua portuguesa, a reflexão acerca dos mecanismos da língua e suas manifestações é primordial. Não podemos, portanto, deixar de pensar nas relações língua-gramática, tão necessárias para um bom planejamento no ensino da língua materna. De acordo com ANTUNES (2007): é uma atividade interativa, entre dois ou mais interlocutores, se realiza sob a forma de textos orais ou escritos. veiculados em diferentes suportes, com diferentes propósitos comunicativos, e em conformidade com fatores socioculturais e contextuais. Para que o trabalho do professor de língua esteja sempre vinculado à realidade, faz-se necessária a organização e o planejamento de nossas aulas predominantemente a partir de textos contemporâneos, trazidos da realidade que nos circunda. Uma ótima sugestão de filme para você assistir e saber mais a respeito da língua portuguesa, é o documentário Língua – Vidas em português (2001), de Victor Lopes, o qual mostra como se dá o uso da língua portuguesa em várias partes do mundo. 15 O Brasil tem aproximadamente 180 línguas indígenas, faladas por 225 etnias. Dessas, 110 são consideradas em extinção, pelo fato de serem faladas por menos de 500 pessoas. Em 1500, cerca de 6 milhões de índios falavam 1078 idiomas. Hoje, entre 440 mil e 500 mil índios. Fonte: Revista Língua Portuguesa, n. 26. Síntese Pensar nas concepções e relações de língua, linguagem e gramática é apenas um pequeno passo para iniciarmos nossas reflexões acerca do ensino de língua portuguesa. É fundamental conhecermos a teria e dela nos apropriarmos para a construção de um diálogo constante com a prática. Na próxima aula, aprofundaremos nosso debate, tratando de por que e como se ensinar gramática na escola. Até lá!16 Aula 2 – O ensino da gramática na escola Fonte: Pixabay (2018) Na aula anterior, tratamos de alguns conceitos fundamentais para entendermos as manifestações linguísticas, o que é essencial para um bom planejamento das aulas de língua portuguesa. Passemos agora às reflexões sobre o estudo da língua portuguesa. 17 Em uma entrevista, Ferreira Gullar, ao ser perguntado: “Você começou estudando gramática. É preciso isso para escrever bem?”, responde: “Não (com ironia). E nem é preciso saber português. É ler os jornais e ver a TV para perceber, outro dia ouvi ‘as quinhentas milhões de pessoas’. Eles não sabem que ‘quinhentos’ é palavra masculina. Confundem ‘este’ com ‘esse’. Esse programa que estão vendo...’. Para eles é tudo a mesma coisa. Ignoram que as palavras têm sentido preciso e, para escrever bem, é preciso saber o significado, as relações entre elas, quais combinam, como convivem. Para isso é preciso ter lido algo”. Revista Língua Portuguesa. São Paulo: Segmento, ano 1, n. 5. 2006. Relações do ensino da gramática na escola Para instigarmos nossa conversa sobre o que já vimos na aula anterior o que será discutido nesta, partamos para a leitura do trecho de um artigo publicado na Revista Nova Escola intitulado “O que ensinar em Língua Portuguesa”. Concepções de linguagem alteram modo de ensinar Na década de 1970, uma nova transformação conceitual mudou as práticas escolares. A linguagem deixou de ser entendida apenas como a expressão do pensamento para ser vista também como um instrumento de comunicação, envolvendo um interlocutor e uma mensagem que precisa ser compreendida. Todos os gêneros passaram a ser vistos como importantes instrumentos de transmissão de mensagens: o aluno precisaria aprender as características de cada um deles para reproduzi-los na escrita e também para identificá-los nos textos lidos. Então por que estudar gramática? 18 Ainda era essencial seguir um padrão preestabelecido, e qualquer anormalidade seria um ruído. Para contemplar a perspectiva, o acervo de obras estudadas acabou ampliado, já que o formato dos textos clássicos não servia de subsídio para a escrita de cartas, por exemplo. Em pouco tempo, no entanto, as correntes acadêmicas avançaram mais. Mikhail Bakhtin (1895-1975) apresentou uma nova concepção de linguagem, a enunciativo-discursiva, que considera o discurso uma prática social e uma forma de interação – tese que vigora até hoje. A relação interpessoal, o contexto de produção dos textos, as diferentes situações de comunicação, os gêneros, a interpretação e a intenção de quem o produz passaram a ser peças-chave. A expressão não era mais vista como uma representação da realidade, mas o resultado das intenções de quem a produziu e o impacto que terá no receptor. O aluno passou a ser visto como sujeito ativo, e não um reprodutor de modelos, e atuante - em vez de ser passivo no momento de ler e escutar. Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/303/o-que-ensinar-em-lingua- portuguesa>. Acesso em: 23/10/2018, às 17h14min (fins pedagógicos). Portanto, podemos inferir que o ensino de gramática se relaciona com a concepção de linguagem do professor. Nós vemos a linguagem como forma de interação, portanto o ensino de gramática precisa considerar as teorias linguísticas que estudam esse tema. É importante considerarmos as contribuições de várias correntes: linguística textual, da teoria do discurso, da análise do discurso, da análise da conversação, da semântica argumentativa e dos estudos sobre a língua em geral. Os apontamentos se iniciam através da retomada conceitual do que seria o “ensino da língua”, tendo em vista que, os estudantes, em si, já iniciam as atividades escolares “sabendo a língua”, ou seja, se comunicando através dela. Um passo inicial do ensino do Português seria desenvolver a atividade de se comunicar. 19 Mas como interagir em um caso onde as crianças já se fazem entender por meio da língua? Mais do que isso, se comunicam de forma eficaz e autossuficiente? Saídas possíveis seriam tornar a escola o espaço onde o aluno consiga compreender a língua além do seu alcance primário, que é, simplesmente, falar a língua, transmitindo algum sentido ao ouvinte. Por que ensinar português a falantes da língua portuguesa? Figura 3: Pensar os motivos do ensino Fonte: Freepik (2018) O questionamento lançado nos leva a um debate sobre os motivos do ensino da língua portuguesa na escola. É essencial que pensemos de que forma o ensino da língua pode exercer algum tipo de desenvolvimento social do 20 indivíduo, a partir do momento que o insere criticamente nos meandros da língua materna enquanto fala (comunicação) e escrita (gramática). Não se deve, sob qualquer aspecto, desconsiderar que os estudantes são falantes de língua portuguesa e não entrarão em contato com a língua pela primeira vez, como no ensino de línguas estrangeiras. O que precisa ser ensinado na escola são os mecanismos necessários para o entendimento da língua em suas diversas manifestações. De acordo com Travaglia (2009), tanto o ensino das habilidades de uso da língua, quanto o conhecimento teórico e factual de casos que a envolvam, corroboram para que os estudantes tenham maior domínio da língua e apliquem tais habilidades ao campo comunicativo e analítico. Portanto, é fundamental discutir o papel da escola, na figura do professor, no ensino da adequação da língua em contextos distintos que vão desde as situações mais informais, com simples conversas, até aquelas que exigem o uso da norma padrão. Uso eficiente da língua Valorizar a língua é, antes de tudo, fazer uso consciente dela. Saber que tipo de variedade é a mais adequada para cada situação de uso é ter bom domínio da língua. Entendê-la como fenômeno social e dar aos estudantes a oportunidade de compreendê-la enquanto tal é tarefa fundamental de todo professor, sobretudo nas aulas de língua portuguesa. Dessa forma, o docente estará oportunizando ao estudante pensar sobre a língua em suas diversas manifestações. É justamente por esse motivo que devemos pensar o ensino da gramática na escola para que não o tornemos meras reproduções dos modelos tradicionais. Nas aulas de Língua Portuguesa, devemos mostrar que a língua é um sistema aberto e em construção, oferecendo aos alunos variações de uso. Assim, o estudo da língua deve se dar de maneira a considerar sempre o contexto, situações de uso e as relações possíveis. 21 Uma nova proposta para o ensino de gramática O ensino dos conceitos gramaticais, desde que a serviço da leitura e da escrita, devem possibilitar que os alunos adquiram domínio melhor da língua como ferramenta para a produção e a interpretação dos textos em diversas situações comunicativas. É imperativo ao professor que contemple em seu planejamento em quais situações os estudantes poderão refletir sobre a gramática, ou seja, refletir sobre organização e manifestações da língua em seu contexto de uso, analisando, sobretudo, seus efeitos de sentido. Um bom exemplo de situação de reflexão gramatical seria solicitar aos estudantes que analisem casos em que necessitem adequar o discurso (a variedade linguística) ao contexto da situação discursiva. Deve-se, nesse caso, elaborar questões que permitam aos estudantes pensarem em: que efeitos querem produzir nos leitores/ouvintes; o que será necessário para que atinjam seus propósitos comunicativos; que modificações ou adequações poderiam ser feitas para que haja compreensão da mensagem? Assim, estaremos propiciando momentos de análise e reflexão para o uso eficiente da língua em diferentes situações. 22 Listagem de conteúdos gramaticais Figura 4: Seleção de conteúdos Fonte: Freepik(2018) Os conteúdos gramaticais devem ser eleitos levando-se em consideração a frequência com que aparecem nas situações propostas. Ressalta-se a importância da seleção adequada de conteúdos a partir do texto e não o contrário. Ou seja, os conteúdos gramaticais devem emergir do texto e serem trabalhados de forma a contribuírem para a compreensão das ideias no dado contexto. O objetivo principal do ensino é levar os estudantes a perceber que termos ou frases não são aleatórios ou cristalizados e sim condicionados pela situação em que são produzidas. Por isso a importância de se estudar os conteúdos gramaticais a partir dos textos, considerando o que eles exigem de esforço do leitor para sua compreensão. Os conteúdos gramaticais, portanto, podem ser sistematizados caso sejam postos em uso no exercício das práticas de linguagem como objeto de 23 reflexão. É somente a partir do uso efetivo, em uma situação dada que se pode promover a reflexão. Clique aqui para assistir à entrevista de Irandé Antunes, uma das grandes personalidades de ensino de gramática de língua portuguesa. No processo de ensino-aprendizagem, às vezes vamos dando as coisas em sequência, mas, ao final do processo não se retém informações significativas. Por isso, a sequência de uso-reflexão-sistematização-uso é um critério central para programarmos os conteúdos. Quando da seleção de um texto como objeto de estudo das aulas de língua portuguesa, deve-se observar cautelosamente os obstáculos que ele oferece. É necessário que haja um problema no texto para que seja passível de análise, contudo esse não pode ser um obstáculo grande demais a ponto de o estudante não ser capaz de transpô-lo. Para isso, pensemos em alguns pontos a serem explorados na seleção de textos e, consecutivamente dos conteúdos de análise, por exemplo: Adequação lexical a distintos contextos. A diferença entre usos orais e escritos. Formas de marcar pessoas do discurso (enunciador e enunciatário): verbos e pronomes. Formas de introduzir distintas vozes no discurso: discurso direto, indireto. Situações lexicais para manter a referência e evitar repetições desnecessárias. Conexão e organização do texto: isso dos sinais de pontuação como elementos de coesão. Conectores e marcadores e organizadores textuais. Coesão verbal na narração. https://www.youtube.com/watch?v=Lqz9Jjbr5gA&t=1337s 24 Elipse do sujeito. Distintas maneiras de apresentar os eventos na narração: ações, descrições, sentimentos, pensamentos dos personagens etc. Desta maneira, o aluno que internalize o aprendizado da língua de forma dinâmica, comunicativa e linguístico-gramatical, terá na pluralidade de situações que envolvam o seu cotidiano, ferramentas para melhor se comunicar e analisar casos em que a língua seja melhor aplicada, já no campo gramatical e linguístico. Todos os aspectos da discussão até o momento apontam para o ensino da gramática como algo além do ensino da norma culta (cuja importância está ligada ao alcance social do indivíduo), já que o verdadeiro conhecimento extraído do ensino da gramática, neste caso, deve formar alunos com habilidades de desenvolver analise gramatical da língua a partir de seu próprio recurso intelectual. Fonte: Pixabay (2018) 25 Síntese O objetivo maior a ser conquistado é fazer com que o aluno domine a língua de tal forma que consiga julgar por si próprio quais seriam as ocasiões em que o trato da língua deva ser mais ou menos regrado. Num certo sentido, o estudante deve dominar o Português além das formas orais, aprendendo a julgar as situações que o uso coloquial da língua materna deva ser praticado. 26 Aula 3 – O texto Fonte: Pixabay (2018) Olá, estudante! A partir de agora, discutiremos os fatores envolvidos na escolha de textos e processos de leitura. Para isso, faz-se necessária, também, uma profunda reflexão sobre a importância da palavra como constituinte da espécie humana e, consequentemente, do estudante enquanto sujeito imerso em um contexto cultural. Sendo assim, iniciemos pela relevância da palavra escrita nos processos de ensino-aprendizagem e leitura de mundo. 27 O que é texto? Além disso, é essencial que pensemos o texto como algo mutável e a leitura como atividade não passiva, ela exige do leitor esforços e diálogo constante para a produção de sentidos. Harold Bloom, em seu texto “Cabala e crítica”, diz que textos não têm significados, a não ser na relação que estabelecem com outros textos, de maneira que existe algo estranhamente dialético. Há diferentes procedimentos para a leitura e compreensão de um texto, como uma espécie de “desleitura” – leitura de maneira diferente, ampliando o olhar para diferentes aspectos do texto. Há, por exemplo, uma maneira de ler um livro impresso e outra de ler no computador. A “desleitura” deve ser capaz de decompor – significar – construir outro texto – socializar. Assim, poderemos construir significativamente a compreensão leitora. É vital ainda entendermos que o texto, todo e qualquer texto, é constituído de significados – sejam eles claramente expostos (explícitos) ou engendrados nas entrelinhas (implícitos) –, ideologias e intenções que não devem ser desvinculadas de seu contexto de produção no momento de leitura e interpretação. 28 Vejamos agora algumas implicações do ato de ler para melhor compreendermos esse fenômeno. Ler Fonte: Pixabay (2018) A palavra ler tem muitos sentidos. O Dicionário Houaiss da língua portuguesa apresenta as seguintes definições, entre outras: 1. percorrer com a vista (texto, sintagma, palavra), interpretando-o por uma relação estabelecida entre as sequências dos sinais gráficos escritos (alfabéticos, ideográficos) e os sinais linguísticos próprios de uma língua natural (fonemas, palavras, indicações gramaticais); 2. ter acesso a (texto, obra etc.) através de sistema de escrita, valendo- se de outro sentido que não o da visão; 3. conhecer, através de exame mais ou menos extenso (o conteúdo de um texto, obra etc.); 4. dedicar-se, entregar-se à leitura como hábito ou como paixão; 29 5. interpretar (ideia, conceito mais ou menos complexo ou pensamento de um autor, pensador etc.); compreender; 6. atribuir (significado, sentido ou forma) a (algo que se vê); interpretar; 7. perceber, adivinhar, interpretar (sentimentos, pensamentos não formulados ou ocultos) guiando-se por indícios mais ou menos subjetivos; decifrar o que não se revela facilmente, o que está além do literal; 8. deduzir, guiando-se por indícios objetivos (alguma coisa não explícita, não declarada mas indiretamente constatável); inferir; 9. prever, presumir (algo), formular (hipóteses), a partir de dados objetivos, conjecturar. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, 2016. (Adaptado) A partir dessas acepções, podemos perceber a complexidade do ato de ler. Tal ato pode se consolidar desde uma simples tarefa de decodificação até a compreensão da mensagem textual em todas as suas nuances. É por meio da linguagem que ocorrem as aproximações entre os seres humanos, bem como suas relações comunicacionais. A leitura é, portanto, muito mais ampla do que parece. Fazemos leituras o tempo todo das mais variadas formas possíveis. Ao analisarmos as atitudes das pessoas que nos cercam, por exemplo, estamos fazendo uma leitura da situação. Lemos as expressões faciais das pessoas, lemos rótulos dos produtos para os avaliarmos, verificarmos sua utilidade etc. Logo, concluímos que a leitura se faz presente em todos os momentos de nossa vida. A partir disso, consideremos leitor competente aquele que extrapola os limites do que está dito, ou seja, aquele capaz de compreenderas entrelinhas, seguindo as pistas dadas pelo texto. E vai além disso, é necessário desenvolver criticidade diante do que foi lido, assumindo papel ativo de construtor de sentido através da leitura. A capacidade de análise do texto deve considerar fatores externos a ele sem extrapolar os limites da interpretação dados pelo texto. 30 Portanto, é necessário, ler além das palavras. O contexto é fundamental para a compreensão da mensagem. A situação de produção, intencionalidade, contexto histórico, entre tantos outros fatores, contribuem para a apreensão da mensagem. O leitor competente e crítico não pode deixar de lado qualquer desses elementos que compõem o texto. Com isso, teremos efetivamente a tarefa de ler, o que implica respeito ao texto e a todas as suas especificidades, além da tomada de uma atitude ativa diante dele. Leitura Fonte: Pixabay (2018) Leitura é uma prática cultural. Por isso, faz-se necessário compreender o papel do leitor diante dessa prática. A leitura também deve ser considerada em sua face de entretenimento – objeto que represente para o leitor uma saída do trabalho, do esforço. Contudo, 31 num esquema de interação e mediação de leitura, o professor necessita considerar todas as dimensões da leitura. Tais como: Para que alcancemos a plenitude do ato de leitura na escola é fundamental que pensemos em estratégias de interação entre leitor e mediador, propiciando diálogo construtivo com o texto. A formação de um leitor proficiente é um dos principais objetivos do ensino de língua portuguesa e uma proposta de alfabetização com vistas aos multiletramentos precisa levar em conta o caráter multimodal dos textos e a multiplicidade de sua significação. (LORENZI; PÁDUA, 2012) Então, de que maneira se deve proceder para que a leitura passe de mero instrumento de informação para ser ferramenta de formação do sujeito fazendo com que este exerça sua criticidade de forma proficiente para construção de sua cidadania, extrapolando os limites da escola? Clique aqui para ler o texto de Magda Soares “O que funciona na alfabetização?” Informação Crítica (julgamento) Formação Escolar http://www.revistapatio.com.br/sumario_conteudo,aspx?id=647 32 Alfabetização e Letramento Fonte: Freepik (2018) Antes de tratarmos das diferenças básicas entre alfabetização e letramento, devemos considerar a essencialidade do papel do professor como agente de letramento. “[...] é importante pensar nas possibilidades de acesso das pessoas que sabem ler e escrever a uma cultura letrada. A alfabetização intermedia o acesso do indivíduo que utiliza a leitura e a escrita para fins sociais, e não meramente como decodificação. Existem pessoas analfabetas que fazem uso da leitura de mundo em seu contexto social em práticas cotidianas como pegar um ônibus, ir ao banco, fazer compras, entre outras.” (SOUZA; SERAFIM, 2012, p. 23) A escola, portanto, deve dar, além do acesso à alfabetização, condições para o letramento. Nesse aspecto, Costa (2009) apresenta as seguintes concepções: Alfabetização consiste na inserção do indivíduo no mundo da escrita e se dá por meio da aquisição de uma tecnologia: a de traduzir letras em sons, por exemplo. 33 O letramento pressupõe que a aquisição da escrita se dá por meio do desenvolvimento das competências (habilidades, conhecimentos, atitudes) de uso efetivo da alfabetização em práticas sociais que usam textos escritos. Logo, podemos considerar todas as nuances do processo de leitura descritas anteriormente para o letramento. Sobre esse aspecto, é crucial o trabalho do professor, dando as condições necessárias para o desenvolvimento das habilidades leitoras para desenvolver o letramento. Alfabetização em multiletramentos Não basta pensarmos apenas em leitura, num sentido restrito da palavra. É necessário considerar “Leituras de Múltiplas Linguagens” para a formação de leitores competentes e críticos. É fundamental, portanto, promovermos, enquanto professores mediadores dos processos de leitura, experiência de leituras de múltiplas linguagens propiciando e desenvolvendo a capacidade de interpretar e decifrar o que está além do literal. Podemos perceber que muito estudantes estão desmotivados para frequentar a escola e demonstram receptividade negativa às atividades propostas convencionais para o trabalho de língua portuguesa em sala. Sabe-se também que os estudantes de escolas públicas, em geral, não contam com muitos recursos e, por isso, não têm acesso a leituras diversificadas. Clique aqui para assistir ao vídeo de Viviane Mosé abordando mais sobre esse tema e falando de alguns problemas que temos hoje na realidade educacional brasileira. É comum vermos casos de crianças em nossas escolas que, ao terem contato com determinados textos por obrigação escolar, costumam dizer que https://www.youtube.com/watch?v=EigUj_d5n80 34 não gostam de ler ou que ler é muito chato. A escola também é responsável, em parte, pelo afastamento do hábito da leitura. Com muita frequência tomamos conhecimento de estudantes que preferem assistir filmes a ler livros. Esse outro tipo de texto, de linguagem mista, sem dúvida é muito atrativo ao público jovem. Com isso, percebemos a necessidade de apresentar aos alunos a grande variedade de possibilidades de leitura que podemos ter considerando-se diferentes linguagens. Presume-se que propondo leituras diversificadas passando pelas linguagens orais, escritas, mistas e visuais, possamos despertar o olhar crítico de nossos estudantes e viabilizar o desenvolvimento de habilidades necessárias para a formação de um leitor competente, pronto para viver em comunidade, exercendo seu papel de cidadão. Lá você encontrará interessantes debates acerca de leitura e letramentos, tais como: “Os estudos de letramento e a formação do professor de língua materna”, de Angela B. Kleiman; “Avanços e retrocessos nas propostas de ensino de Língua Portuguesa: questões de ideologia e de poder”, de Maria Sílvia Cintra Martins; “O letramento escolar e os textos da divulgação científica – a apropriação dos gêneros de discurso na escola”, de Roxane Rojo, entre outros. 35 Aula 4 – Leitura e seus processos Fonte: Pixabay (2018) Olá, estudante! nesta aula faremos uma abordagem sobre os textos nas aulas de língua portuguesa e sua importância para o processo de ensino- aprendizagem. Conversaremos ainda sobre as formas de trabalho como os textos e as diferentes estratégia de leitura que poderão (e deverão) ser utilizadas em nossas futuras aulas para que possamos ajudar nossos estudantes a atingirem competência leitura. 36 Aula de leitura Aula de leitura Ricardo Azevedo A leitura é muito mais do que decifrar palavras. Quem quiser parar pra ver pode até se surpreender: vai ler nas folhas do chão, se é outono ou se é verão; nas ondas soltas do mar, se é hora de navegar; e no jeito da pessoa, se trabalha ou se é à-toa; na cara do lutador, quando está sentindo dor; vai ler na casa de alguém o gosto que o dono tem; e no pelo do cachorro, se é melhor gritar socorro; e na cinza da fumaça, o tamanho da desgraça; e no tom que sopra o vento, se corre o barco ou vai lento; também na cor da fruta, e no cheiro da comida, e no ronco do motor, e nos dentes do cavalo, e na pele da pessoa, e no brilho do sorriso, vai ler nas nuvens do céu, vai ler na palma da mão, vai ler até nas estrelas e no som do coração. Uma arte que dá medo é a de ler um olhar, pois os olhos têm segredos difíceis de decifrar. AZEVEDO, R. Dezenove poemas desengonçados. São Paulo: Ática,1999. 37 Já vimos na aula 3 que a leitura é bastante ampla. Como nos mostra brilhantemente o poeta,a leitura é uma ação que ultrapassa os limites das correspondências entre letras e sons. Fazemos leituras a todo momento, desde as situações mais rotineiras, como “vai ler nas folhas do chão / se é outono ou se é verão”, as quais requerem níveis mais objetivos de compreensão, até àquelas “difíceis de decifrar”. Também é papel do professor ler as expressões nos rostos dos alunos- leitores para averiguar a receptividade do estudante às atividades/leituras propostas. Tal leitura permite ao professor perceber eventuais estranhamentos, rejeição ou aceitação das crianças e, a partir dessa percepção, validar ou reprogramar suas aulas. É crucial a discussão acerca dessa “arte que dá medo” para que, desvelando nossas próprias percepções, possamos transpor os obstáculos existentes no processo de ensino-aprendizagem da leitura. Fonte: Pixabay (2018) 38 O papel do texto na formação dos estudantes Sabe-se que, no Brasil, o índice de analfabetismo ainda é grande e, talvez por esse histórico acumulativo de não leitores, não se desenvolveu uma tradição de leitura espontânea, “leitura de férias”. Assim, a leitura ainda é caracterizada como obrigatória, ou seja, lê-se porque o professor pede ou para fazer um trabalho, uma prova e, dificilmente, como atividade de lazer ou entretenimento. É, portanto, na escola que devem ocorrer a formação do leitor. Pesquisas recentes mostram o desestimulante índice de livros lidos anualmente por cada brasileiro. Mas o fracasso não é somente da escola. Sabemos que, especialmente na rede pública, não se pode contar com um bom acervo local, ou seja, o leitor em potencial (nesse caso a criança que está descobrindo o mundo da leitura) não conta com obras que possam lhe despertar interesse e então desistem definitivamente de cultivar esse hábito. A dificuldade maior está em o professor conseguir obter bons resultados contando com tão poucos recursos. É, usando o famoso ditado popular, “tirar leite de pedra”. Assim, o trabalho com o texto em seus mais variados tipos e suportes têm um papel fundamental de destaque na comunicação e transformação de indivíduos. Assim sendo, a melhor maneira de promover a aproximação das crianças com o conhecimento é por meio dos textos. Os primeiros contatos devem dar-se com textos compostos apenas por imagens, que devem ser coloridas e Fonte: Freepik (2018) 39 chamativas. A criança poderá ler o texto, ainda que não alfabetizada, vendo-o como algo interessante e divertido e, logo, terá na leitura uma referência positiva. As leituras podem propiciar ao pequeno leitor uma enriquecedora experiência de uso da imaginação, de criação de personagens, lugares, tempos, mundos e enredos diversos. É importante que a escolha dos textos feita pelo professor seja bastante criteriosa, optando por aqueles que contenham um enredo bastante envolvente. O contato com textos, sobretudo os literários, permite à criança mergulhar no mundo da imaginação onde poderá encontrar seus sonhos, medos, ansiedades, preocupações, dificuldades, desafios e vivenciá-los através dos personagens. Com isso concretiza-se um processo de autoconhecimento, que garante a esse leitor a aquisição de uma experiência feliz com o ato da leitura. Contudo, ao explorar a atividade de leitura em salas de aula é preciso enfatizar que ela deve ser vista como uma experiência individual, nunca coletiva. Cada criança interpretará a estória à sua maneira e somente ela, enquanto indivíduo, poderá identificar e selecionar os significados mais importantes para si mesma. Afinal, ler é um ato solitário. Apesar disso, faz-se necessário um momento de compartilhamento das experiências de leitura. Porém de nada adianta, mesmo sabendo a magnitude de tal leitura, enfiar goela abaixo dezenas de textos nas crianças e obrigá-las a uma interpretação “adequada”. A descoberta dos elementos escondidos no texto, a magia que há por trás da estória, deverá ser experienciada pela própria criança. Pois, como diz Eco (2006, p. 9), “todo texto é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça uma parte de seu trabalho”. Também é importante que a criança veja na leitura uma atividade desafiadora e não uma simples decodificação. O texto deve surpreender e até mesmo romper com as expectativas do leitor para que ele perceba o caráter desafiador da leitura. Sobre esse aspecto, trataremos na aula 6 ao falarmos de sequências didáticas. 40 A descoberta feita pela própria criança é que proporcionará a ela bons momentos de aprendizado. É necessário que a leitura ocorra a partir de uma problematização, para, a partir dela, identificar as particularidades do texto, estabelecer relações e construir significados. A orientação do professor pode ajudar o estudante a compreender melhor o texto para que ele desenvolva mais amplamente a sua capacidade crítica e sua visão de mundo. Para isso, as aulas de Língua Portuguesa devem contemplar um trabalho sistematizado de estratégias de leitura. Estratégias de leitura Pensemos inicialmente em algumas fases para o trabalho com a leitura de textos na escola. Em primeiro lugar, é necessário que o professor se posicione diante dos textos lidos previamente e estabeleça paradigmas. A partir deles é que se deverá traçar um planejamento que contemple diferentes etapas para a aula de leitura, como as aqui propostas: Ativação de conhecimentos prévios; Estabelecimento de conexões; Criar imagens mentais; Inferência; Questões ao texto. Veja a seguir cada uma delas. O que veremos com aprofundamento na aula 6 quando trataremos de sequência didática. 41 Ativação de conhecimentos prévios A aula poderá iniciar com uma série de questionamentos lançados à turma, tais como: O que já conhecem sobre o gênero do texto em estudo? Já viram ou leram algo sobre o tema? O que sabem sobre o autor? A partir disso, o professor deverá instigar os estudantes a pensarem em como descobrir algumas informações que possam ajudar a ler o texto. Estabelecimento de conexões O estabelecimento de objetivos para cada uma das etapas deve decorrer dos conhecimentos prévios apresentados pelos estudantes sem descartar sob qualquer aspecto o que for trazido pelos alunos. A valorização dos conhecimentos de mundo por eles trazidos pode suscitar a curiosidade e a vontade de conhecer mais a respeito do assunto. As conexões a serem estabelecidas podem ser sugeridas por qualquer um dos participantes da aula. Caso nenhum estudante se manifeste voluntariamente, o professor deverá lançar possibilidades para que eles prossigam. São possíveis conexões com outros textos, de diferentes gêneros, suportes e linguagens; com experiências dos leitores, vivências, conhecimentos enciclopédicos e com as relações com o mundo em que vivemos. 42 Criar imagens mentais Como qualquer estratégia de leitura, a criação de imagens mentais deve ser ensinada aos estudantes. Apesar de nos parecer bastante óbvia à criança, nem sempre está tão evidente a ideia de que é fundamental imaginarmos o que estamos lendo. Antes mesmo de iniciar uma leitura, o professor poderá solicitar às crianças que façam o levantamento de hipóteses, já construindo mentalmente as cenas que poderão ocorrer, visualizando imagens que poderão ou não se confirmar durante a leitura. Uma sugestão seria pedir aos estudantes que, após uma leitura breve (de um conto, de um poema), façam a representação por meio de desenhos. A utilização de uma outra linguagem pode abrir espaço para melhor compreensão do texto. O procedimento inverso também deve ser valorizado, ou seja, a leitura de imagens para a construção do enredo e, consequentemente, de significados. Inferência Uma importante estratégia paraque os estudantes busquem entendimento é inferir o significado de palavras desconhecidas através do contexto. Para isso é vital a interação professor-aluno. O professor não deve responder de imediato às perguntas dos estudantes, mas sim lançar novos questionamentos como mecanismos para que eles próprios infiram o significado de termos, expressões, passagens do texto etc. Dessa forma, o estudante poderá ser levado a construir conhecimentos e estabelecer as significações a partir de pistas deixadas pelo texto. É essencial que se retorne ao texto sempre que necessário para confirmar, justificar as inferências e não se basear em simples “achismos”. 43 Questões ao texto Nesse momento, é importante considerar a complexidade de cada leitura realizada e organizar as questões em momentos e níveis diferentes de aprofundamento. Deve-se organizar perguntas a serem realizadas antes da leitura do texto, que instigarão à leitura, aguçarão a curiosidade para a realização do ato de ler; durante a leitura, o que pode ser realizado, por exemplo, com uso de pausas programadas para averiguação da compreensão leitora dos sujeitos em processo de leitura; e após a leitura, quando se verificarão ou não as hipóteses levantadas no início do processo. O grau de dificuldade das questões elaboradas também deve ser levado em conta. Há a necessidade de construção de perguntas desde aquelas de fácil identificação até as que exigem maior reflexão e estabelecimentos de diversas relações. Tal como metaforizou Silva (2014) em sua tese de mestrado, há perguntas magras e perguntas gordas, ou seja, há questões que exigem respostas simples, objetivas e há as que exigem profundidade na explicitação, explicar os motivos, justificar etc. Síntese Embora existam diversos programas de incentivo à leitura, é na escola que as crianças e os adolescentes devem aprender e desenvolver o gosto pela leitura. Para isso é necessário um projeto bem elaborado e preocupado com a formação de leitores, composto por uma diversidade de títulos onde o leitor pode encontrar tanto leituras consideradas fáceis para eles quanto aquelas que romperão com seu universo de expectativas. Para se ensinar uma criança a ler, entender, compreender e gostar de ler é necessário incentivá-la de maneira adequada, especialmente, com o uso de estratégias como as aqui descritas. É essencial a todo profissional da educação como mediador de leitura o uso de estratégias para a obtenção dos objetivos. 44 É claro que as sugestões aqui dadas representam uma ínfima parte da enorme quantidade de estratégias para o ensino de língua portuguesa por meio de textos. Os objetivos a serem atingidos é que nortearão tanto a escolha de textos para as aulas quanto as estratégias necessárias para atingi-los. 45 Aula 5 – Gêneros textuais Fonte: Pixabay (2018) Até agora tecemos considerações acerca dos atos comunicativos e suas relações nos textos. Considerando o que foi exposto até agora, faz-se necessária uma reflexão sobre as práticas educativas e os caminhos tomados no trabalho com texto na escola. É isso o que você verá nesta aula! Bom estudo! 46 O que são gêneros textuais É fundamental partirmos dessa definição para pensarmos o conteúdo em estudo. Consideremos a noção apresentada a partir das características comuns que determinados textos têm para serem agrupados de acordo com sua familiaridade. Existe um incontável número de gêneros textuais, tantas quantas são as necessidades comunicativas do ser humano. O trabalho com os gêneros textuais na escola é uma oportunidade de desenvolvimento da capacidade interpretativa, crítica e comunicacional que o estudante pode ter, se conduzido adequadamente pelo mediador a perceber as finalidades do texto. Tal atividade permite ainda um momento de aprendizagem significativa da linguagem, procurando entendê-la como prática comunicativa, dentro de sua esfera social. Ao solicitar, por exemplo, que o estudante identifique sinais de pontuação ou identifiquem marcas linguísticas para que reconheçam o gênero textual em estudo, estaremos promovendo um momento de reflexão e construção do conhecimento. Fonte: Freepik (2018) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. (MARCUSCHI, 2007) 47 O estudo da língua portuguesa, tomando por instrumento os gêneros textuais, tem maior garantia de êxito quanto à aquisição e desenvolvimento das capacidades linguísticas. Contudo, não se deve desconsiderar os elementos extrínsecos ao texto no momento de sua análise. Fatores sociais, culturais e históricos são características que contribuem para a formação de cada gênero textual. Ignorá- los seria deixar de ensinar parte de sua composição. Funções da escrita de diferentes gêneros textuais Função utilitária “que diz respeito aos textos redigidos na escola (exclusive textos criativos), tais como: resumos, relatórios, anotações da lousa, provas, exercícios etc., e aos textos que remetem aos usos sociais da escrita, voltados a informar, formar opinião, explicar, argumentar, documentar, orientar, divulgar, instruir etc.” (PASSARELLI, 2012) Retomemos agora as concepções trabalhadas até então. Considerando as funções da linguagem e os propósitos e intenções comunicativas que pretendermos considerar no processo de ensino-aprendizagem, devemos entender o caráter e a função utilitária da escrita. Escrevemos sempre com um propósito e visamos fazer com que a nossa mensagem chegue a seu destinatário de maneira clara e eficaz. Perceber as nuances do gênero textual em estudo é analisar a função da linguagem naquele dado contexto e, consequentemente, daquele gênero textual em sua especificidade. 48 Função estética Um bom exemplo de texto com finalidade estética é o literário, capaz de despertar emoções. É o gênero que logo percebemos que sempre há uma intencionalidade na escrita, ainda que essa não seja de ordem prática, objetiva. Assim como nenhum leitor vai despretensiosamente a um texto, nenhum texto é totalmente despretensioso. Tal fator deve, sem sombra de dúvidas, ser considerado no momento de sua leitura e análise. Já que sempre há uma intenção, um motivo para a escrita, veja a seguir um quadro ilustrativo que organiza as funções acima descritas. Tabela 1 – Funções sociais da escrita: para que escrevemos E s c re v e r p a ra Função social e/ou propósito comunicativo Gênero Fornecer/obter informações e resolver problemas práticos do dia a dia. cheque; carta comercial; ofício, memorando, relatório técnico, circulares; curriculum vitae; textos de procedimentos; e-mails; provas, redações e trabalhos escolares; convites; textos para mural; regras de jogos; manuais de instrução; receita médica; bula de remédio. Partilhar vivências. depoimentos em redes sociais, em colunas de revistas; blog etc. Reivindicar, manifestar e/ou formar opinião. carta de leitor; carta de reclamação; artigo de opinião; editorial. Não esquecer Fornecer suporte à memória. fichamentos, resumos, resenhas etc.; anotações pessoais em calendários; páginas de agendas; receita; datas de aniversários; listas. Formalizar registros permanentes. convites; certidões; certificados; diplomas; frases em tatuagens. Substituir comunicações próprias do contato face a face. bilhetes, cartas; telegramas, mensagens eletrônicas [via computador, telefone]. 49 Satisfazer curiosidades, inteirar-se. folhetos religiosos; mensagens queorientam papéis sociais; propagandas institucionais; cadernos de perguntas pessoais dos adolescentes. Passar o tempo, ter momentos de lazer. poemas; pichações em muros, cadernos pessoais. Obter informações, esclarecimentos ou trocar mensagens atinentes a relações sociais com parentes, amigos e namorados. torpedo; telegrama; carta; e-mail ou outra correspondência eletrônica; cartões de Natal, de aniversário. Produzir literatura. acrósticos, crônicas, contos, romances, poemas, haicais, limeriques. Fonte: PASSARELLI, 2012. É interessante vermos como a escola, enquanto representação da vida em sociedade, propicia o desenvolvimento do trabalho com os mais diversos gêneros textuais. Essencial é perceber e explicitar as relações que os textos traçam com a realidade social e histórica que nos cerca para fazer com que a aprendizagem por parte do estudante seja significativa. Em outras palavras, a escola é o local adequado para a “simulação” da vida real, trazendo para o seu cotidiano as situações (textos em seus mais variados gêneros) que transcendem esse ambiente, mas ao mesmo tempo o compõem uma vez que a escola é feita de sujeitos que não estão desvinculados da sociedade. 50 Gêneros textuais na escola Fonte: Freepik (2018) Por que trabalhar com gêneros? Já tecemos algumas reflexões sobre a importância de gêneros textuais, apontando sua relevância social. É por meio do contato constante com os textos de determinado gênero que podemos desenvolver a nossa capacidade de identificar a intencionalidade discursiva de cada produção. Desse modo, devemos considerar a relevância do trabalho com gêneros textuais na aula de língua portuguesa não considerando apenas os aspectos linguísticos, mas como forma de realização linguística extratextual, na vida social. Como trabalhar com gêneros? Passemos agora a pensar em questões metodológicas do trabalho com gêneros textuais nas aulas de Língua Portuguesa. É fundamental que a escolha de qualquer gênero textual para abordagem em sala de aula esteja de acordo 51 com os objetivos das aulas dessa disciplina, especialmente os propósitos comunicativos. Lembremos sempre que o texto não deve ser pretexto para nada. O texto deve ser selecionado para atender às necessidades educativas, mas sem desconsiderar as peculiaridades do texto em estudo, ou seja, uma vez escolhido o gênero, não se deve desconsiderar as características de circulação social ou trabalhar exclusivamente seus aspectos linguísticos. Uma maneira apropriada para trabalhar as características de um gênero é apresentando aos estudantes vários exemplos para que eles construam o conceito. As características e semelhanças serão apreendidas por eles se forem levados a identificá-las e percebê-las, seguindo algumas pistas que devem ser dadas pelo professor. Clique aqui para assistir ao vídeo de Yara Maria Miguel, formadora do programa Ler e Escrever, explicando como trabalhar a leitura dramática na sala de aula. Ela fala sobre as características dessa leitura e a importância do texto. Tipos textuais Embora relacionados aos gêneros textuais, a tipologia textual é um pouco diferente. Veja a seguir em que consiste essa diferença. Os gêneros textuais são classificados considerando os objetivos sociocomunicativos. Existe um número indefinido de gêneros literários, tantos quantos são os objetivos de comunicação dos seres humanos; ao passo que existem poucos tipos textuais, a saber: Narrativo – apoia-se em fatos, personagens e suas relações no tempo e espaço. Descritivo – enumera, simultaneamente, aspectos físicos e psicológicos. https://www.youtube.com/watch?v=PDHJlv81qXg 52 Dissertativo – faz uma espécie de relação de ideias ou conceitos, com predominância de termos abstratos, conceituais. Injuntivo – também conhecido como instrucional, está presente nos manuais de instrução, por exemplo. Argumentativo – procura defender uma tese, opinião ou ponto de vista, visando convencer o leitor/ouvinte. A fim de esclarecer essa definição, veja a seguir um quadro explicativo. Tabela 2 - Relações entre gêneros e tipologias textuais Tipos textuais Exemplos gêneros orais e escritos Narrativas Conto, fábula, narrativa de aventura, romance, narrativa de ficção científica, crônica literária, romance histórico, narrativa de enigma, novela fantástica, conto maravilhoso, entre outros. Relatos Relato de experiência, diário íntimo, reportagem, crônica social, anedota ou caso, autobiografia, biografia, curriculum vitae, notícia, relato histórico etc. Argumentativos Textos de opinião, carta de eleitor, carta de reclamação, carta de solicitação, debate regrado, artigo de opinião, editorial, resenha crítica, assembleia, ensaio, discurso de defesa e de acusação (em se tratando da área jurídica), deliberação formal, entre demais exemplos. 53 Expositivos Exposição oral, seminário, conferência, palestra, resumo de textos explicativos, relatório científico, relato oral de experiência, verbete, entre outros. Descritivos Instruções de montagem, receita, regulamento, instruções de uso, textos prescritivos, regras de jogo, comandos diversos etc. Devemos aproveitar as situações do dia a dia para mostrar aos estudantes que a todo momento, mesmo que não percebamos, estamos em contato com situações sociocomunicativas que nos remetem a gêneros e tipos textuais diversos. Refletir sobre essas manifestações e relacioná-las à prática discursiva propicia aprendizagem significativa. Síntese O ensino dos gêneros textuais deve levar em consideração várias características. Os aspectos discursivos são apenas alguns deles, devemos considerar os demais, como o tema, suporte e práticas discursivas e sociais envolvidas. O contexto de produção e intencionalidade discursiva devem ser identificados pelo professor-mediador para garantir a eficácia das atividades a serem desenvolvidas pelos estudantes. 54 Aula 6 – Sequência didática e ensino da língua portuguesa Fonte: Flickr (2018) Ao pensarmos na elaboração de sequências didáticas, estaremos retomando constantemente os conceitos vistos até agora, tais como: o uso da linguagem de forma significativa para gerar aprendizado e questões que nos cercam no mundo. Por isso, não basta planejar, é preciso uma constante reavaliação do projeto em andamento. Readequar, reprogramar, reconstruir são etapas constituintes do planejamento, que deve visar a construção do conhecimento. Você vai ver, a partir de agora, mais detalhes sobre isso. Bom estudo! 55 Algumas ações didáticas A escola tem a função precípua de socializar o conhecimento. Socializar implica que todo indivíduo, de qualquer sociedade, pode ter acesso aos saberes historicamente construídos pela humanidade e apropriar-se deles. Tal função ocorre por meio de seleções de conteúdos – o currículo – e pela adoção de procedimentos que visam levar o indivíduo à apropriação de conhecimentos – a ação pedagógica. (CUNHA, 2009) Para que essa construção do conhecimento se dê na escola, é fundamental o papel do professor enquanto mediador desse processo. Ao pensar atividades, o professor deve considerar a necessidade de construir representações adequadas das situações de escrita. Para isso, os exercícios devem ser elaborados com objetivo de desenvolver habilidades de refletir sobre o que se está estudando, as finalidades do texto, suportes em que foram veiculados etc. Clique aqui para ler o texto de Marcos Bagno trazendo reflexões de como devem ser as aulas modernas de Língua Portuguesa. https://www.parabolablog.com.br/index.php/blogs/repensar-o-objeto-de-ensino-de-uma-aula-de-portugues 56 Valorização dos conhecimentosprévios dos estudantes Para iniciarmos o trabalho com contos de fada, deveremos considerar alguns aspectos discursivos pertencentes a esse gênero, tais como: Estrutura externa – disposição do título e do texto, por exemplo. Estrutura interna – apresentação de personagens, e ambientes; conflito; resolução de conflito e desfecho. Linguagem formal e rebuscada – preocupação estética. Presença de descrições – uso de adjetivos ou locuções adjetivas. Presença de marcadores temporais difusos (era uma vez, algum tempo depois, de repente) – advérbios e adjuntos adverbiais de tempo. Presença de discurso direto. Pontuação típica de discurso direto. Tempo verbal – pretérito perfeito e imperfeito. Verbos de elocução (ex.: dizer, falar, responder, murmurar etc.) Substituições lexicais (“a princesa”, a “bela jovem”) e verbais (“disse”, “falou”). Pronomes e omissão do sujeito. Conectivos (e, então etc.) Para iniciarmos o trabalho, seria interessante usar a técnica do brainstorm (tempestade cerebral), ou seja, lançar aos estudantes o gênero contos de fadas e perguntar a eles o que já sabem sobre o tema. O professor deverá anotar no quadro todas as sugestões e ideias propostas pelos estudantes, procurando valorizar cada uma delas. O resultado pode ser surpreendente. Clique aqui para saber mais sobre a técnica de brainstorm. https://www.portalcmc.com.br/tecnica-de-brainstorm/ 57 Proposição de atividades desafiadoras que estimulam reflexão Figura 5: Atividades que estimulam a reflexão Fonte: © freepik Tomaremos por base as descrições presentes nos contos de fada (terceiro item dos aspectos discursivos elencados). O professor poderá solicitar aos estudantes que escolham um personagem de sua preferência, indicando o nome e a qual conto de fadas ele pertence. A atividade consistirá em solicitar que as crianças listem palavras que usariam para descrevê-lo. Nesse momento não se deve atribuir conceito de adjetivos, nem fazer esse tipo de classificação. O estudante deverá apenas atentar-se ao uso de “palavras que descrevem” o personagem escolhido. Uma forma de ampliar os conhecimentos seria pedir que alguns estudantes mostrassem sua lista, sem antecipar o nome do personagem escolhido, nem o título do conto. Pelas características informadas por eles, os 58 colegas conseguem relacionar à qual personagem estão relacionadas? Caso não descubram com facilidade, o estudante autor da lista poderá dizer o título da história. Num segundo momento dessa outra atividade, os colegas poderão contribuir, ampliando as palavras usadas para descrever. Para trabalhar com a flexibilização de gênero das palavras, o professor pode pedir aos estudantes que reelaborem a lista considerando, por exemplo, se era personagem feminina inicialmente, mudança para o gênero masculino. Quais foram as alterações? Todas as palavras foram utilizadas? Que modificações sofreram? Quais precisaram ser substituídas? É válido lembrar novamente que não se deve falar em nomenclaturas, nem solicitar que os estudantes façam exercícios puramente classificatórios. Ensino centrado na problematização Figura 6: Realização de atividades em pequenos grupos Fonte: Freepik (2018) Nas atividades propostas anteriormente, o foco está na reflexão sobre a função dos adjetivos. A ampliação pode se dar no momento em que solicitarmos 59 aos estudantes que façam as flexões de gênero (masculino/feminino) e de número (singular/plural). A partir das discussões realizadas, oriundas dessas atividades, os alunos poderão trabalhar em duplas ou pequenos grupos para construírem coletivamente o conceito: o que são adjetivos e quais suas funções no texto? Deverão ser consideradas as proposições a partir do gênero textual em estudo, portanto a definição elaborada será parcial. Construindo o conceito, os estudantes terão a oportunidade de uma aprendizagem significativa! Estímulo à explicação verbal dos conhecimentos pelos estudantes Figura 7: Apresentação das conclusões à classe Fonte: Freepik (2018) 60 A partir das reflexões levantadas pelos pequenos grupos, cada representante poderá expor suas respectivas conclusões para toda a classe. O professor poderá fazer as anotações no quadro, aproximando as ideias expostas pelos grupos, evidenciando o que os estudantes encontraram em comum e ajudando-os a construir o conceito a partir das opiniões compartilhadas. Ênfase na sistematização dos saberes É essencial que se façam registros em todas as etapas de forma a sistematizar o que foi apreendido. O caderno é fonte de registro e deverá ser organizado com o auxílio do professor, com as indicações de atividades desenvolvidas e as conclusões do estudante, suas reflexões particulares, em grupos e compartilhadas com a classe toda por mediação do professor. Assim, quando o estudante tiver dúvidas, poderá consultar seu próprio material e relembrar os conteúdos anotados, por isso é essencial que o estudante saiba por que está fazendo as anotações, que não deverão ser meras cópias. Ensino centrado na interação entre alunos Como já explicitado em etapas anteriores, os trabalhos em equipe podem gerar bons resultados. Quando um estudante compreender o processo, poderá agir como mediador desse conhecimento. Por vezes, a linguagem utilizada por alguém com proximidade etária, de gostos e costumes, poderá atingir aos outros estudantes de forma mais eficaz do que a explicação dada apenas pelo professor. Progressão entre as atividades, com demandas crescentes quanto ao grau de complexidade Vimos que em apenas uma atividade já é possível estimular a emergência de diferentes habilidades. Mas para garantirmos sucesso no processo de ensino- aprendizagem, deveremos considerar uma progressão nas propostas feitas, 61 estimulando diferentes habilidades e interligando-as para assegurar uma religação dos saberes. A construção do conhecimento não seve ser fragmentada e as atividades não podem ser elaboradas pensando-se apenas em objetivos específicos. Para isso, deveremos propor estímulo a diferentes linguagens, contextos e demandas, interligando-as para a efetivação dos saberes. Síntese As sequências didáticas devem contar com muitas atividades de leitura, com propósitos diferentes e finalidades significativas, até mesmo fora da escola. Além disso, as sequências didáticas devem contemplar vários eixos, como: leitura, produção de textos escritos, oralidade, análise linguística – e deve ocorrer de modo integrado. Também devemos considerar a possiblidade de algumas pedras no caminho, o que exige do professor decisões a serem tomadas durante os processos, visando avaliar para planejar, e não o contrário. Nosso dever enquanto professores é estimular que os estudantes realizem ações dirigidas a provocar efeitos na sociedade, em todas as esferas sociais. Para isso, é necessário incitarmos nos estudantes: modificações, reflexão, autonomia e, consequentemente, competência discursiva para o exercício da cidadania. 62 Aula 7 – Literatura Fonte: Freepik (2018) Apesar de ser um tema recorrente em discussões nos âmbitos acadêmicos e escolares, pensar a respeito do trabalho com o texto literário é uma reflexão precípua. O que é mais importante: Ler ou contar histórias? Qual a função da literatura? Quais são os conteúdos literários? Indagações como essas inundam as salas de aula constantemente e nos levam a repensar constantemente nossas práticas educativas. 63 A leitura literária: percepção e envolvimento do leitor Ideias? Vamos pô-las em ordem! Uma sugestão com o jogo POLAS A atividade que será aqui proposta é apenas uma sugestão para o trabalho com o texto literário em sala de aula.Este exercício é uma importante ferramenta para assegurar que o estudante compreenda e acompanhe a leitura literária, especialmente quando se tratam de textos mais longos. O jogo consiste numa forma de sintetizar as ideias contidas no capítulo de determinado livro (um conto, uma fábula etc.) lido pelos estudantes, reunindo os principais elementos narrativos. A atividade, uma espécie simplificada de fichamento, consiste em organizar em conjunto, ao final de cada leitura realizada, a retomada do conteúdo lido. Trata-se de um quadro-resumo denominado POLAS, sigla que corresponde a Personagens (P), Objetos (O), Lugares (L), Ações dos personagens (A) e Sentimentos (S). Como as aulas destinadas à leitura literária podem ocorrer apenas uma vez por semana, há a necessidade de retomar com os estudantes o que foi lido na aula anterior. Nesse momento, geralmente percebe-se o alheamento de alguns alunos à história sendo resgatada, ainda que estivessem presentes na aula anterior e tivessem participado da leitura do texto. O que ocorre por muitas vezes é que os estudantes leem o livro, ouvem a história, participam do momento literário e até o apreciam, mas seu nível de compreensão da leitura pode ser demasiado superficial, apresentando certa fragilidade na retomada de elementos da narrativa e da própria condução da história trazida pelo texto literário. A organização do POLAS contribui significativamente para a melhoria na qualidade da leitura dos alunos. Ao final de cada aula destinada à leitura literária, aconselha-se a fazer o POLAS coletivamente. Nas primeiras vezes em que tal atividade for adotada, poderá haver muita necessidade de mediação para que os alunos não se percam nos pormenores do texto, tão pouco deixem de registrar 64 momentos essenciais da narrativa. Com a constância da prática nas aulas de literatura, os estudantes, provavelmente, necessitem cada vez menos de mediação, contudo ainda o deverão fazer de forma coletiva, com contribuição da maior parte dos estudantes envolvidos. A atividade pode ser bem aceita pelos estudantes, que vêm orgulhosos de sua produção exibir o “seu” POLAS. Este exemplo pode servir tanto para textos literários lidos pelos próprios estudantes, como para aqueles lidos pelo professor. Leitura e Letramento Literário Figura 8: Leitura e compreensão Fonte: Freepik (2018) Vemos com frequência pesquisas a respeito de leitura no Brasil com resultados ainda insatisfatórios, especialmente em relação a crianças e adolescentes em idade escolar. É importante considerar que, de acordo com Zilberman (2004, p. 6), 65 ler assume hoje um significado tanto literal, sendo, nesse caso, um problema da escola, quanto metafórico, envolvendo a sociedade (ou, ao menos, seus setores mais esclarecidos) que busca encontrar sua identidade pesquisando as manifestações da cultura. Destaca-se a importância da utilização de um método que valorize o estudante em sua singularidade pois, ao pensar o leitor como sujeito ativo no processo de criação do texto literário e as possíveis relações com o mundo, permite ao sujeito constituir-se socialmente. É importante considerar que o homem é, além de animal social, um animal estético que necessita da arte para viver. Sob esse aspecto, a literatura, por ter como matéria-prima a palavra, é a mais capaz de aprofundar nossa reflexão sobre a condição humana. Dessa forma, o domínio da língua é fundamental para que o sujeito exerça com plenitude seu papel como cidadão. As habilidades da leitura e da escrita promovem um ser capaz de decodificar o código da língua, mas é dever da escola ir além, desenvolvendo simultaneamente o processo de letramento. Dados da pesquisa Retratos de Leitura no Brasil (que visa conhecer o comportamento do leitor medindo: intensidade, forma, limitações, motivação, representações e as condições de leitura) demonstram que os índices de leitura de crianças e adolescentes em idade escolar ainda são insatisfatórios. A 4.ª edição da Retratos traz uma informação que, em uma primeira análise, parece contradizer a importância da mediação, foi elevada a proporção de leitores que não reconheceram quem influenciou seu gosto ou interesse pela leitura. Apesar de o percentual daqueles que disseram que ninguém os influenciou ser menor entre leitores (55%) do que em relação aos não leitores (83%), e de termos esclarecido que o resultado apresentado incluía a população adulta, o número causou estranheza pois não reflete o que dizem vários estudos sobre a importância da mediação na formação de novos leitores. 66 A importância da mediação é confirmada quando se comparam respostas de leitores e não leitores: 83% dos não leitores não receberam a influência de ninguém. 55% dos leitores tiveram experiências com a leitura na infância pela mediação de outras pessoas – especialmente mãe e professor. 60% dos entrevistados na referida edição da revista indicam dificuldade de compreensão ou habilidade leitora como fator que impede a leitura. Atualmente a definição mais difundida de letramento é a apresentada por Magda Soares: “Letramento é o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever, o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita.” Aliando-se essa definição à prática de leitura literária na escola, há a importante contribuição de Cosson (2006) na definição de letramento literário como o processo de apropriação da literatura enquanto linguagem. Para o teórico, o letramento literário começa com as cantigas de ninar e continua por toda nossa vida a cada romance lido, a cada novela ou filme assistido. Depois, que é um processo de apropriação, ou seja, refere-se ao ato de tomar algo para si, de fazer alguma coisa se tornar própria, de fazê-la pertencer à pessoa, de internalizar ao ponto daquela coisa ser sua. É isso que sentimos quando lemos um poema, e ele nos traz conhecimento para dizer o que não conseguíamos expressar antes. O letramento literário não é apenas algo diferenciado pelas atividades desenvolvidas com textos literários, mas permite a construção de habilidades, comportamentos e conhecimentos, desenvolvidos somente com a literatura através do trabalho estético e único da palavra 67 É preciso adequar a escolarização da leitura literária na escola, evitando-se aulas voltadas para o ensino moralizante e utilitarista. O professor deve conduzir seus alunos para o uso das práticas de leitura literária vividas no contexto social, dando subsídios para que encontre o sentido nos textos lidos, provocando interesse pela literatura que, enquanto arte e experiência estética tem a capacidade de nos levar a uma reflexão de mundo. 68 Síntese Diante do que foi discutido até agora, devemos considerar que é fundamental o papel do professor-leitor para a formação do aluno-leitor, especialmente quando se trata de textos literários. Também é essencial pensarmos nos processos de seleção e abordagem da leitura literária na escola. 69 Aula 8 – O trabalho com o texto literário Fonte: Freepik (2018) Na aula passada, iniciamos nossa conversa acerca da leitura literária na escola e alguns de seus fundamentos. Nesta nossa última aula, aprofundaremos um pouco as discussões acerca do trabalho com o texto literário, explicitando alguns pressupostos para o letramento literário. 70 Letramento literário na escola Nos estudos acerca do letramento literário, consideraremos os processos de formação do leitor literário, analisando e refletindo sobre diferentes práticas de leitura literária na escola, bem como a atuação do professor como mediador dessa leitura. Ao iniciarmos os estudos sobre letramento literário,
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