Buscar

Livro Fundamentos teóricos metodológicos contemporâneos I

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 204 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 204 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 204 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Fundamentos Teórico-
Metodológicos Contemporâneos I
Arno Vorpagel Scheunemann
Fundamentos Teórico-
Metodológicos 
Contemporâneos I
ISBN: 978-85-5639-158-2
O Serviço Social da Universidade Luterana do Brasil entende que é im-portante ampliar, renovar, reconstruir os referenciais de formação e 
intervenção, incluindo, permanentemente, novos conceitos e categorias, 
haja vista o pluralismo defendido na profissão. Partindo desse entendi-
mento, julga por bem incorporar conceitos e categorias sistêmicos em sua 
fundamentação teórico-metodológica. Por isso, a disciplina Fundamentos 
Teórico-metodológicos Contemporâneos I e este livro.
Para abordar o referencial sistêmico, analiso, no Capítulo 1, a relação 
ser humano-mundo no ocidente: do Ego Cogito à vivência perceptiva. Essa 
análise está subdividida em: Da unidade “ser-humano-mundo” à dicoto-
mização do Ego Cogito; Da dicotomização do Ego Cogito à unidade da 
vivência perceptiva.
No Capítulo 2, busco apresentar elementos da trajetória de superação 
do raciocínio lógico-racional em direção ao sistêmico. Destaco quatro con-
tribuições: processos circulares e a retroalimentação; a retroalimentação 
positiva; as estruturas dissipativas, a ordem por meio do ruído e a autorre-
ferência; observação e linguagem não são neutras.
No Capítulo 3, sob a forma de quatro subtemas, apresento a Teo-
ria Sistêmica de Primeira Ordem. No primeiro, abordo a teoria sistêmica 
como estratégia de superação dos reducionismos. No segundo, apresento 
algumas tipologias de sistemas. No terceiro, abordo a origem da teoria 
sistêmica e destaco alguns pressupostos e conceitos. 
No quarto capítulo, abordo a Teoria Sistêmica de Segunda Ordem. 
Começo apresentando elementos da concepção de “vida” e “mundo” que 
possibilitaram a identificação das mudanças de segunda ordem. Na se-
Introdução
Introdução
quência, foco os principais conceitos e categorias da Teoria Sistêmica de 
Segunda Ordem.
No Capítulo 5, reflito o trabalho profissional do assistente social em 
perspectiva sistêmica. Na primeira parte, destaco contribuições da teoria 
sistêmica para a compreensão das relações dos sistemas e do ambiente. 
Na sequência, destaco sinalizadores para o trabalho profissional na pers-
pectiva sistêmica de primeira ordem e de segunda ordem. Por fim, diferen-
cio trabalho profissional sistêmico funcionalista, dialético e complexo.
No Capítulo 6, abordo a Teoria Sistêmica e a Análise Institucional, 
apresentando conceitos e categorias. Para desenvolver essa temática, 
começo apresentando a origem e elementos da trajetória do Movimen-
to Institucionalista e suas três primeiras práticas: Psicoterapia Institucional; 
Pedagogia Institucional e Análise Institucional. Na sequência, apresento os 
principais conceitos e categorias da Analise Institucional.
No Capítulo 7, apresento uma proposta de roteiro para a análise or-
ganizacional. Na primeira parte, destaco alguns desafios que se colocam 
quando se fala em análise organizacional no contexto do trabalho profis-
sional em Serviço Social. Na segunda, apresento um roteiro para análise 
organizacional. Esse roteiro compreende: Identificação da organização; 
Constituição histórica da organização; Demandas e dinâmica da organiza-
ção; Tipificação da organização; Análise da constituição e do histórico da 
organização; Análise das relações da organização com o ambiente; Análi-
se da estrutura e dinâmica internas da organização; Análise da liderança e 
do poder da organização; Análise do Serviço Social na organização.
Introdução
No oitavo capítulo, “Teoria Sistêmica e abordagem narrativa: con-
ceitos e categorias”, no primeiro momento, apresento algumas razões 
para a incorporação de conceitos e categorias sistêmico-narrativas no 
referencial do Serviço Social. No segundo, destaco conceitos e catego-
rias sistêmico-narrativas importantes no universo do Serviço Social: Poder 
ascendente; História dominante; Histórias alternativas; Acontecimentos 
extraordinários; Estrutura da história; Paisagem da ação; Paisagem da 
consciência; Conversações internalizantes; Conversações externalizantes; 
Reautoração de vidas.
No capítulo nove, “Teoria Sistêmica e abordagem narrativa: um méto-
do, técnicas e procedimentos”, apresento o método sistêmico-narrativo da 
Reautoração de Vidas. Esse método compreende grandes momentos (ou 
fases), cujas partes podem acontecer simultaneamente ou em sequência 
cronológica: a externalização e a reautoração. A externalização compreen-
de um contar e dois processos de “recontar”. A reautoração compreende: 
nomear, mapear os efeitos, avaliar, justificar, identificar desejos.
Ressalto que, ao final de cada capítulo, apresento um “recapitulando” 
e uma atividade objetiva como estratégia de retomada e apreensão dos 
respectivos conceitos e categorias.
Capítulo 1 - A relação ser humano-mundo no ocidente: do Ego 
Cogito à vivência perceptiva .................................................7
Capítulo 2 - Do raciocínio lógico-racional ao sistêmico ................30
Capítulo 3 - Teoria Sistêmica de 1ª ordem ...................................48
Capítulo 4 - Teoria Sistêmica de 2ª ordem ...................................70
Capítulo 5 - Trabalho profissional do assistente social em perspectiva 
sistêmica ............................................................................96
Capítulo 6 - Teoria Sistêmica e Análise Institucional: conceitos e 
categorias ........................................................................116
Capítulo 7 - Análise organizacional sistêmica: uma proposta de 
roteiro ..............................................................................139
Capítulo 8 - Teoria Sistêmica e abordagem narrativa: conceitos e 
categorias ........................................................................166
Capítulo 9 - Teoria Sistêmica e abordagem narrativa: um método, 
técnicas e procedimentos ..................................................188
Sumário
A relação ser humano-
mundo no ocidente: do 
Ego Cogito à vivência 
perceptiva
ÂÂ Conhecer a realidade e produzir conhecimentos são dois processos que dependem diretamente da manei-
ra como é concebida a relação do ser humano com o 
mundo. As diferentes concepções da relação ser humano-
-mundo podem ser classificadas em dois grandes grupos: 
as que priorizam o pensamento (razão, raciocínio, consci-
ência, mente, reflexão objetiva); as que priorizam a vivên-
cia cotidiana (corpo, percepção, intuição...). No primeiro 
Arno Vorpagel Scheunemann
Capítulo 1
8 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
grupo, entende-se que o ser humano domina o mundo 
e o conhece a partir da razão. No mundo ocidental, a 
principal formulação dessa forma de conhecer é o Racio-
nalismo Cartesiano (do filósofo francês René Descartes), 
cuja máxima é “Ego cogito, ergo sum” (Eu penso, logo 
existo). No segundo grupo, entende-se que a experiência 
corpórea (a vivência cotidiana) detém todas as dimensões 
da existência, logo, a base para compreender a realidade 
e produzir conhecimentos deve ser essa experiência cor-
pórea que acontece de forma pré-reflexiva, ou seja, antes 
que o ser humano reflita sobre a realidade, seu corpo (e 
mente) a vivencia sentindo, percebendo, intuindo etc.
O Serviço Social é uma profissão que, no seu fazer 
profissional, necessariamente há que conhecer a reali-
dade e produzir conhecimentos. Neste capítulo, veremos 
pressupostos para fazê-lo priorizando o pensar ou, prio-
rizando o viver. Não há como abordar toda a trajetória 
dessas duas maneiras de conhecer a realidade e produ-
zir conhecimentos, por isso, destacarei alguns autores a 
partir dos quais será possível identificar os pressupostos 
de ambas.
Capítulo 1 A relação ser humano-mundo no ocidente... 9
1.1 Da unidade “ser-humano-mundo” à 
dicotomização do EgoCogito
Desde a sua origem, o ser humano registrou sua vida a par-
tir de suas criações: sinais, desenhos, pinturas, sinais gráficos 
etc. Além disso, apreendia a realidade e a vida, trazia sentido, 
compreendia seu existir por meio das lendas e dos mitos.
Ao contrário da maioria das leituras ocidentais, os mitos 
aqui são vistos como criações do ser humano na busca de 
compreender-se a si mesmo, em uma relação estreita com a 
sua vivência. No e a partir do mito, o ser humano estabelecia 
sua proximidade com o real e formula regras para seu pensar 
e agir. O mito, para o ser humano primitivo, é a própria rea-
lidade, pois não dicotomiza o mundo real e o mítico. Ambos 
estavam imbricados mutuamente.
Nesse sentido, a consciência mítica jamais pode ser 
confundida com uma simbolização que o homem 
primitivo faria de si mesmo; o mito é sua própria 
vida. Uma dicotomização entre o simbólico e o real, 
que é um exercício de reflexão, significa um esva-
ziamento da vida; o mito, por sua vez, é um pensa-
mento encarnado.1
O desenvolvimento da temporalidade histórica fez o ser 
humano se situar em termos de presente, passado e futuro. O 
tempo e o espaço passaram a ser encarados como possibili-
1 Nilton Juliano FARIA. A tragédia da consciência, p. 17.
10 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
dades possíveis, não mais como possibilidades dadas (como 
nos mitos). 
A reflexão trouxe liberdade e autonomia ao ser humano 
em relação à sua história, mas dissociou-o de si mesmo e da 
natureza. O que antes era indissociável passou a ser refletido 
em uma relação sujeito-objeto.
Sob o Racionalismo, essa dissociação se intensificou a pon-
to de conferir à razão humana a capacidade de constituir e 
atribuir sentido à natureza, a toda a existência. A razão passou 
a ser o caminho para o ser humano se constituir como senhor 
e sujeito na sua relação com os outros e com a natureza. Em 
contrapartida, a alma, as paixões, os sentimentos e as sen-
sações passaram a ser conhecidos e dominados pela e sob 
a égide da razão. Uma vez que realizasse esse domínio o ser 
humano se tornaria humano. 
O Ego cogito2 passou ser a medida de todas as coisas, in-
clusive da existência humana. A racionalidade – a res cogitans 
(coisa pensante) – foi colocada acima do corpo – a res extensa 
(coisa exterior – aquilo que se estende ao redor da coisa pen-
sante) – como possibilidade de saber, de apreensão do mundo 
e da vida. Conhecer, constituir e dar sentido a tudo passou a 
ser prerrogativa do espírito. A matéria precisava ser dominada 
para que não atrapalhasse a empresa do espírito.
2 Eu penso
Capítulo 1 A relação ser humano-mundo no ocidente... 11
Em Descartes, o Cogito foi exaltado ao máximo.3 Seu ob-
jetivo era construir um caminho para se chegar à consciência 
clara e distinta a respeito das coisas, do mundo, da vida. Para 
tal, era preciso por em dúvida – a dúvida hiperbólica – tudo o 
que existe, inclusive a própria existência. Só há uma coisa que 
é certa, que é indubitável: se penso, está claro que existo – co-
gito, ergo sum. Assim, tudo o que não é ideia ou pensamento 
fica em segundo plano quando se trata de descobrir a essência 
dos seres e fenômenos, pois o pensamento é mais certo que a 
existência corporal.
As coisas exteriores (instituições, organizações, natureza 
etc.) são racionais em si mesmas. Isto é, apresentam uma ló-
gica racional na sua constituição, organização e dinâmica. 
Cabe ao intelecto do sujeito apreender/decifrar essa lógica e 
representá-la em ideias. A realidade é racional e pode ser cap-
tada pelas ideias, pois “a natureza, como é um sistema orde-
nado de causas e efeitos necessários, cuja estrutura profunda 
e invisível é matemática, isto é, a causa de tudo é sempre um 
movimento e esse movimento segue leis universais perfeitas 
que podem ser representadas matematicamente.”.
As coisas exteriores são conhecidas apenas quando o su-
jeito as representa intelectualmente, apreendendo-as por 
operações cognitivas realizadas pelo próprio sujeito do conhe-
cimento. Nada pode ser conhecido pelos dados que a realida-
de sensível apresenta, pois esses dados podem ser enganosos.
3 Paul RICOEUR em O si-mesmo como um outro e Enrique DUSSEL em 
1492: o encobrimento do outro apresentam detalhes dessa exaltação do cogito 
que se sobrepõe a tudo e a todos.
12 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
Para tal processo de conhecimento, Descartes formulou 
quatro regras para um método capaz conhecer a essência dos 
seres e fenômenos:
1 – Regra da evidência – só aquilo que está absolutamente 
evidente por causa de sua clareza e distinção pode ser 
aceito como verdadeiro.
2 – Regra da análise – cada dificuldade que surgir precisa ser 
dividida em tantas partes quantas forem necessárias para 
compreendê-la.
3 – Regra da síntese – o raciocínio precisa ser ordenado indo 
do mais simples ao mais complexo.
4 – Regra da enumeração – realizar numerosas verificações 
completas e gerais para se ter certeza e confiança absoluta 
de que nada ficou de fora.
Em suma, haja vista os sentidos e os juízos serem engana-
dores, caberia ao ser humano dominar todas as paixões, pois 
não são confiáveis, são enganadoras e conduzem à incerteza. 
A partir desse domínio e, solucionando a dúvida hiperbólica, 
mediante uma percepção racional clara e distinta, seria possí-
vel traçar um conhecimento de si e do mundo. Nesse caminho, 
Descartes supõe uma espécie de “gênio maligno” cuja meta é 
promover o engano.
1.2 Da dicotomização do Ego Cogito à 
unidade da vivência perceptiva
Nietzsche questionou tanto as certezas do Cristianismo quanto 
as do Racionalismo. Para ele, o simples fato de pensar não 
Capítulo 1 A relação ser humano-mundo no ocidente... 13
dá a certeza da existência para o ser humano. O “querer” e o 
“sentir” também comprovam a existência4. No entanto, assim 
como a razão, também estes não propiciam nenhuma certe-
za imediata. Nietzsche5 defendeu que conceber o ser humano 
como causa do conhecimento, como fez Descartes, implica 
elevá-lo à causa da natureza, das coisas e do mundo. Tal con-
cepção conduz a uma compreensão enganosa, tanto sobre a 
natureza, as coisas e mundo quanto sobre o próprio ser hu-
mano, pois apreender a verdade das coisas é uma pretensão 
humana, criada a partir da linguagem para sobrepor o ser 
humano aos outros. Não passam de camuflagem da vontade 
de poder. A existência não ganha sentido pela razão, mas pela 
vontade. Esta e a cognição são construídas sobre os impulsos 
humanos, não sobre a razão.
Para Ricouer6, o cogito como critério autofundante para 
alcançar a verdade das coisas mostra um sujeito desancorado 
e desencarnado, pois não dá nenhum valor ao corpo. Nem 
mesmo para promover o engano. Este é prerrogativa do gênio 
maligno. Logo, o “eu” do cogito é essencialmente metafísico e 
hiperbólico como a própria dúvida: não é ninguém. A própria 
verdade do cogito é vã, porque precisa ser construída a partir 
de uma dúvida que a si mesma se coloca, sem que o sujeito 
do Ego Cogito possa ser reconhecido nesse ato. O sujeito ser-
4 Friederich NIETZSCHE. Para além do bem e do mal. In: Obras incomple-
tas... (Os Pensadores)
5 Id. Ibid., p. 51ss.
6 Paul RICOEUR. O si-mesmo como um outro, p. 15ss
14 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
ve apenas para colocar uma substância sob o cogito ou uma 
causa atrás dele.7
Outro aspecto importante para a presente “caminhada” é 
sua concepção de “outro”. De mero objeto cartesiano, passou 
a ser visto como outro “eu”, que existe, assim como meu “eu” 
(sujeito), para si na sua subjetividade – constituída e configu-
rada pelas vivências corporais (a percepção e as sensações). 
Essas vivências corporais possibilitam uma objetividade inter-
subjetiva de si e do mundo, a partir do fenômeno.
Percebe-seclaramente, em Ricouer, duas rupturas em rela-
ção ao Ego Cogito cartesiano: o outro é sujeito cognoscente 
assim como eu – não simples “objeto”; a apreensão do outro, 
de si, e do mundo se dá no e a partir do corpo – não da razão.
No século XX, surgiram outras áreas do conhecimento que, 
sustentadas pelo Positivismo, não buscaram a fundação última 
do ser humano no cogito. No entanto, fizeram-no por meio 
de estudos mecanicistas e orgânicos. A Fisiologia foi um dos 
destaques nessa empreitada. Propunha-se a dar respostas a 
respeito do comportamento humano, que a Filosofia e a Re-
ligião não estariam conseguindo fornecer. Para tal buscava a 
apreensão do ser humano mediante a observação empírica, 
mensurando e explicando suas ações.
Nesse cenário, surgiu Sigmund Freud propondo uma rup-
tura, tanto com os modelos fisiológicos quanto com a filosofia 
reflexiva. A partir dessa proposição, construiu uma nova noção 
7 Id. Ibid., p. 27
Capítulo 1 A relação ser humano-mundo no ocidente... 15
de sujeito, particularmente na “teoria topográfica” e na “teoria 
da sexualidade”.
Na teoria topográfica8, mediante a divisão da psique em In-
consciente, Pré-consciente e Consciente, mostrou que a cons-
ciência preterida pelo cogito refere-se apenas à superfície do 
aparelho psíquico, à consciência imediata. Isto é, o ser huma-
no não é apenas aquilo que “pensa ser”. A razão, para Freud, 
pode fornecer muitos dados, mas não passa de consciência 
imediata, pois o sujeito cognoscente (aquele que conhece) é 
guiado fundamentalmente por processos psíquicos sobre os 
quais detém pouco conhecimento. Estes podem ser traduzidos 
a partir das representações (sonhos, mitos, arte etc.) – as vias 
de acesso ao inconsciente. Logo, tomada de consciência de si 
e do mundo implica a decifração dos enigmas propostos pelo 
inconsciente. Por isso, a consciência jamais poderá ser vista 
como uma apreensão total do ser, como propõe o cogito.
Freud complementou esse seu estudo dos processos men-
tais analisando a psique a partir da ótica do desejo, pois en-
tendia que esses processos não se esgotavam no fato de serem 
ou não conscientes. Para ele o desejo tinha muito a dizer a 
respeito da constituição do sujeito. Assim, a partir do desejo, 
dividiu a psique em Id, Ego e Superego.
8 Sigmund FREUD. Interpretação dos sonhos. Sigmund FREUD. Psicopato-
logia da vida cotidiana. 
16 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
Id é o habitat de Eros9 e Thânatos10. É o centro pulsional de 
onde emergem todos os desejos. É totalmente inconsciente e 
regido pelo Princípio do Prazer. O Ego é consciente e incons-
ciente. Tem a função de intermediar os desejos e a realidade. 
Tendo sua origem no Id, é regido pelo Princípio de Realidade. 
Esse princípio faz com que desenvolva mecanismos para re-
primir ou adiar a satisfação dos desejos de Id. O Superego é 
uma diferenciação do Ego, com influências do meio externo, 
a partir da vivência do Complexo de Édipo. A vivência desse 
complexo é mediada tanto pelo medo da castração quanto 
pela paixão pelo pai. A realidade social fornece limites para 
a vivência desses medos. Esses limites, em forma de valores e 
normas morais, religiosas e sociais, introjetadas pela criança, 
transformam-se em critérios utilizados pelo Superego no seu 
afã de guardar os desejos que emergem da batalha infinita 
entre Eros e Thânatos. O Superego é basicamente consciente, 
mas compreende também partes inconscientes.
A batalha não se limita ao pulsional (entre Eros e Thâna-
tos) – descarga de energia para buscar o prazer e evitar a dor. 
Dá-se também entre o Id, o Ego e o Superego. Na vida adulta 
normal, o Superego acaba vencendo.
Percebe-se que na teoria topográfica, Freud traçou uma 
nova concepção de sujeito, de ser humano, na qual a consciên-
cia, longe de ser o elemento fundante desse ser humano, não 
9 Termo grego que significa “vida”, pulsão de vida que impulsiona para o 
contato e embate com os outros e a realidade.
10 Termo grego que significa “morte”, aniquilação. Expressa o desejo de 
não separação, de retorno à situação uterina ou fetal, quer o repouso, a aniquila-
ção das tensões.
Capítulo 1 A relação ser humano-mundo no ocidente... 17
passa de superfície do seu aparato psíquico. Nessa concepção, 
o que constitui o ser humano em seus pensamentos e ações são 
os desejos inconscientes, sob a égide de Eros e Thânatos.
A partir da sua Teoria da Sexualidade11, também fica claro 
que o ser humano é muito mais que produto do cogito. É re-
sultado de uma infinidade de desejos e representações. Freud, 
a partir do método clínico, propôs-se a decifrar os enigmas de 
seus pacientes a partir das diferentes fases do desenvolvimento 
psicossexual, protagonizado pela libido. Mostrou que grande 
parte daquilo que é o ser humano adulto, particularmente suas 
psicopatologias, resulta da qualidade da resolução dos confli-
tos peculiares às diferentes fases. Essa resolução é determina-
da pelos movimentos da energia libidinal: fixação, progressão 
e regressão. 
Outra superação do separatismo, protagonizado pelo 
cogito, foi encabeçada pelo fenomenólogo alemão Edmund 
Husserl12. Defendendo uma consciência e objetos intencionais, 
rompeu com a verdade objetiva e concluiu que o corpo – não 
a razão – é a expressão, a impressão e o sensível que coloca 
o ser humano em relação com o mundo. Logo, é a vivência 
corpórea que dá ao sujeito a dimensão do “eu” e o torna um 
sujeito cognoscente.
Merleau-Ponty13, para compreender o sujeito, voltou-se 
para a existência. Encontrou na percepção e no sensível os 
11 Sigmund FREUD. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade.
12 Edmund HUSSERL. A ideia da fenomenologia
13 Maurice MERLEAU-PONTY. Fenomenología de la Percepción.
18 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
indícios necessários para a compreensão desse mesmo sujeito, 
do ser humano, bem como a sua relação com o mundo. Ele 
ampliou a concepção de consciência fenomenológica de Hus-
serl, concebendo a “consciência perceptiva”14 e destacando a 
importância do corpo sensível. Situou a consciência no corpo 
e o corpo no mundo. Nessa caminhada, desenvolveu o con-
ceito de “corpo vivido”, ou seja, há um imbricamento tal entre 
o sujeito e o objeto que inexiste o ser constituído e o consti-
tuinte. O corpo e a coisa estão enxertados. Tal imbricamento 
é pré-reflexivo, porque o corpo se encontra atado (acoplado) 
ao tecido das coisas. Ele não apenas toma consciência das 
coisas, do mundo, mas integra-o. Consciência é participante, 
é constituinte do mundo, não mera simbolização que se pode 
fazer dele. Ambos, corpo e mundo entrelaçam-se mutuamen-
te. Aquele que toca é tocado ao mesmo tempo e vice-versa. O 
sujeito é objeto e, ao mesmo tempo, o objeto é sujeito. Logo, 
a coisa percebida15 não é uma unidade ideal possuída pela 
inteligência. Ela é uma totalidade aberta ao horizonte de um 
número indefinido de perspectivas.
A partir disso, criticou a noção de consciência da filoso-
fia tradicional e a de inconsciente de Freud por entender que 
ambas deixam de lado a percepção e o corpo. A crítica de 
Merlau-Ponty consta do seguinte: tradicionalmente, o incons-
ciente foi concebido como um campo de simbolizações, opos-
to à consciência, não constitutivo do mundo; a relação do ser 
humano com o mundo passa pela consciência reflexiva, não 
14 Maurice MERLEAU-PONTY. O primado da percepção e suas consequên-
cias filosóficas, p. 39 ss.
15 Id. Ibid., p. 48.
Capítulo 1 A relação ser humano-mundo no ocidente... 19
pelo corpo. Concluiu afirmando que, na verdade, essa relação 
é pré-reflexiva, pois o corpo, e não a consciência, detém todas 
as dimensões da existência. Logo, não há nada a ser procura-
do no inconsciente. Muito menos, procurar um inconsciente no 
fundo ou atrás da nossa consciência. Ao contrário,... o que se deve compreender é, além das pesso-
as, os existenciais segundo os quais nós compreen-
demos e que é o sentido sedimentado de todas as 
nossas experiências voluntárias. Esse inconsciente a 
ser procurado não está no fundo de nós mesmos, 
atrás de nossa consciência, mas diante de nós como 
articulação de nosso campo.16
Assim, inconsciente não é o inverso da consciência, não é 
uma concretização de experiências passadas, nem se encontra 
apenas em plano psíquico. Inconsciente é o poder articulador 
do nosso campo. Ele compreende basicamente o presente, 
pois é nele que toda a apreensão perceptiva se liga às outras, 
mas é também o passado.
A partir dessa perspectiva, não há como compreender o ser 
humano por e a partir de si mesmo (dos fenômenos psíquicos), 
nem pelo que está fora dele. Para Merlau-Ponty a vivência per-
ceptiva, e não a consciência reflexiva ou o inconsciente (como 
quer a psicologia Personalista e a Racional e a filosofia ilumi-
nista-idealista pré-hegeliana, bem como a racionalista carte-
siana), é a possibilidade fundante de todo o conhecimento.17
16 Maurice MERLEAU-PONTY. O visível e o invisível..., p. 174. 
17 Maurice MERLEAU-PONTY. O primado da percepção e suas consequên-
cias filosóficas, p. 49. 
20 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
Uma pergunta que se coloca é: como minha experiência 
perceptiva se liga à experiência perceptiva que outros têm dos 
mesmos objetos?
É preciso, pois, que, pela percepção do outro, eu me 
ache colocado em relação com um outro eu que este-
ja, em princípio, aberto às mesmas verdades que eu, 
em relação com o mesmo ser que eu. E essa percep-
ção se realiza. Do fundo de minha subjetividade, vejo 
aparecer uma outra subjetividade investida de direitos 
iguais, porque no meu campo perceptivo se esboça 
a conduta do outro, um comportamento que eu com-
preendo, a palavra do outro, um pensamento que eu 
abraço e de que aquele outro, nascido no meio dos 
meus fenômenos, se apropria, tratando-o segundo as 
condutas típicas de que eu próprio tenho a experiên-
cia. Do mesmo modo que meu corpo, como sistema 
de minhas abordagens, funda a unidade dos objetos 
que eu percebo, o corpo do outro, como portador 
das condutas simbólicas e da conduta do verdadei-
ro, afasta-se da condição de um de meus fenômenos, 
propõe-me a tarefa de uma verdadeira comunicação 
e confere a meus objetos a dimensão nova do ser 
intersubjetivo ou da objetividade.18
Destaque-se que a percepção não compreende simples-
mente sensações pessoais, nem resulta de atos de inteligência, 
mas se configura a partir de minhas percepções em uma inter-
18 Id. Ibid., p. 50, 51.
Capítulo 1 A relação ser humano-mundo no ocidente... 21
-relação analógica 19 com o outro. E, esse “outro” é mais que 
um fenômeno do meu campo perceptivo. É sujeito do seu pró-
prio campo perceptivo com direitos iguais aos meus. Ou seja, 
na percepção de determinado ser ou objeto, sua percepção é 
tão importante quanto a minha e imprescindível para “com-
pletar” a minha percepção, pois confere aos meus objetos a 
dimensão nova do ser intersubjetivo ou da objetividade. Quer 
dizer, sem a percepção do outro, minhas percepções não pas-
sam de simples sensações privadas, só minhas.
Sendo a vivência perceptiva a via do conhecimento, a lin-
guagem se torna a via de acesso para a compreensão do Ser20. 
Essa linguagem não é uma simbolização, mas a expressão do 
sentido daquilo que é experimentado pelo corpo sensível, é a 
exteriorização da vivência perceptiva. 
Para Merleau-Ponty tal linguagem não faz o pensamento, 
nem o contrário, pois, na vivência perceptiva, não há como se-
parar ou dicotomizar sujeito/objeto, conceito/percepto, conte-
údo/sensação. Dussel magistralmente sintetiza essas premissas 
de Merleau-Ponty:
Merleau-Ponty já demonstrou claramente que as 
sensações estão integradas em um campo, que in-
clui como partes indivisíveis as sensações: a percep-
19 Relação que, para a Filosofia da Libertação, particularmente para Enri-
que Dussel, é uma relação entre dois sujeitos (e seus mundos) distintos. Sujeitos e 
mundos tão diferentes que inviabilizam a cooptação de qualquer um deles pelo ou-
tro. No entanto, jamais tão diferentes que inviabilizam uma inter-relação analógica 
entre ambos. Analógica, porque o paradigma da relação não é o da razão lógica, 
mas o da vivência perceptiva, acentuadamente analógico – além da lógica.
20 Maurice MERLEAU-PONTY. Resumo de cursos: filosofia e linguagem.
22 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
ção. A percepção é a totalidade fenômeno-sensível, 
constituída por unidades indivisíveis de sensações-
-eidéticas. Assim como há concepção de sentido na 
interpretação, assim há concepção de campo ime-
diato pela sensibilidade. Conceito e percepto (ima-
gem sensível) dão-se simultaneamente, porque a 
interpretação é um ato de inteligência-sentiente, e 
a percepção um ato de sensibilidade-inteligente. As-
sim como não se pode dividir o homem em corpo e 
alma, assim também não se pode dividir o conteúdo 
eidético do sensível.21
Para Merleau-Ponty, há dois tipos de linguagem no caminho 
da apreensão do ser ou do mundo: a do pintor e a do escritor22. 
A do pintor é a que melhor possibilita a apreensão do ser e do 
mundo, pois expressa aquilo que experimenta um jeito tremen-
damente próximo da experiência pré-reflexiva. Antes de tratar-
-se de expressão reflexiva, é vivência perceptiva. Trata-se uma 
linguagem encarnada e corpórea. Encarnada, porque está in-
separavelmente tecida às coisas, ao mundo. Corpórea, porque 
sua construção e exteriorização se dão no e mediante o corpo.
Percebe-se, assim, que a apreensão do ser se dá mediante 
o acesso ao inconsciente, ou, mediante a expressão daquilo 
que acontece pré-reflexivamente. Esse ser está tecido às coi-
sas, ao mundo, inseparavelmente. A relação entre ambos é 
prioritariamente perceptiva. Logo, a consciência é uma cons-
21 Enrique DUSSEL. Filosofia da libertação, p. 41.
22 Maurice MERLEAU-PONTY. Textos selecionados. O olho e o espírito, p. 
89 (Os pensadores).
Capítulo 1 A relação ser humano-mundo no ocidente... 23
ciência encarnada. Consequentemente, sempre remeterá ao 
irrefletido, cuja expressão ou exteriorização se dá preferencial-
mente pela linguagem encarnada e corpórea.
Recapitulando
A partir das reflexões acima, é importante perceber que a com-
preensão de um acontecimento, um fenômeno, uma realida-
de, um grupo, uma comunidade, uma sociedade etc., há que 
ultrapassar as habilidades e possibilidades da razão objetiva 
do “eu penso”, uma vez que:
- o simples fato de pensar não dá a certeza da existência 
para o ser humano. O “querer” e o “sentir” também compro-
vam a existência (Nietzsche);
- a existência não ganha sentido pela razão, mas pela von-
tade. Esta e a cognição são construídas sobre os impulsos hu-
manos, não sobre a razão (Nietzsche);
- o Outro é sujeito cognoscente assim como eu e não sim-
ples “objeto”. Ele sente, percebe, pensa e vive a partir de suas 
próprias referências. Logo, não pode ser compreendido ape-
nas a partir das referências do meu eu (Ricouer);
- a apreensão do outro, de si, e do mundo se dá no e a 
partir do corpo – não da razão (Ricouer);
- a razão pode fornecer muitos dados, mas não passa de 
consciência imediata, pois o sujeito cognoscente (aquele que 
24 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
conhece) é guiado fundamentalmente por processos psíquicos 
sobre os quais detém pouco conhecimento (Freud);
- a tomada de consciência de si e do mundo implica, tam-
bém, a decifração dos enigmas propostos pelo inconscien-
te. Por isso, a consciência jamais poderá ser vista como uma 
apreensão total do ser, como propõe o Ego Cogito (Freud);
- a consciência, longe de ser o elemento fundante do ser hu-
mano, não passade superfície do seu aparato psíquico (Freud);
- a consciência e objetos são intencionais, isto é, o ser hu-
mano, percebendo ou não, escolhe o que vai conhecer. Essa 
escolha implica a subjetividade, por isso não existe nenhuma 
verdade completamente objetiva (Husserl);
- o corpo (não a razão) é a expressão, a impressão e o 
sensível que coloca o ser humano em relação com o mundo. 
Logo, é a vivência corpórea que dá ao sujeito a dimensão do 
“eu” e o torna um sujeito cognoscente (Husserl);
- o ser humano se constitui como “corpo vivido”, ou seja, 
há um imbricamento tal entre o sujeito e o objeto que inexis-
te o ser constituído e o constituinte. O corpo e a coisa estão 
enxertados. Tal imbricamento é pré-reflexivo, porque o corpo 
se encontra atado (acoplado) ao tecido das coisas. Ele não 
apenas toma consciência das coisas, do mundo, mas integra-
-o (Merleau-Ponty);
- a relação do ser humano com o mundo (a vivência per-
ceptiva) é pré-reflexiva, pois o corpo, e não a consciência, 
detém todas as dimensões da existência (Merleau-Ponty);
Capítulo 1 A relação ser humano-mundo no ocidente... 25
- a vivência perceptiva, e não a consciência reflexiva ou o 
inconsciente (como quer a psicologia Personalista e a Racional 
e a filosofia iluminista-idealista pré-hegeliana, bem como a 
racionalista cartesiana), é a possibilidade fundante de todo o 
conhecimento (Merleau-Ponty);
- a percepção não compreende simplesmente sensações 
pessoais, nem resulta de atos de inteligência, mas se configura 
a partir de minhas percepções em uma interrelação analógica 
com o outro, pois sua percepção é tão importante quanto a 
minha e imprescindível para completá-la, uma vez que confere 
aos meus objetos a dimensão nova do ser intersubjetivo ou da 
objetividade (Merleau-Ponty);
- na vivência perceptiva, a linguagem se torna a via de 
acesso para a compreensão do Ser e do mundo. Essa lingua-
gem não é uma simbolização, mas a expressão do sentido 
daquilo que é experimentado pelo corpo sensível, é a exterio-
rização da vivência perceptiva (Merleau-Ponty);
- a apreensão do ser se dá mediante a expressão daquilo 
que acontece pré-reflexivamente. Esse ser está tecido às coi-
sas, ao mundo, inseparavelmente. A relação entre ambos é 
prioritariamente perceptiva. Logo, a consciência é uma consci-
ência encarnada – sempre remeterá ao irrefletido, cuja expres-
são ou exteriorização se dá preferencialmente pela linguagem 
encarnada e corpórea (Merleau-Ponty).
26 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
Atividade
Complete com “A” as afirmativas abaixo que se referem à pers-
pectiva do Ego Cogito e, com “B” as afirmativas que se referem 
à perspectiva da vivência perceptiva.
( ) Só há uma coisa que é certa, que é indubitável: se penso, 
está claro que existo.
( ) O corpo se encontra atado (acoplado) pré-reflexivamente 
ao tecido das coisas.
( ) Conhecer, constituir e dar sentido a tudo passou a ser prer-
rogativa do espírito.
( ) A linguagem não é uma simbolização, mas a expressão do 
sentido daquilo que é experimentado pelo corpo sensível, 
é a exteriorização da vivência perceptiva.
( ) As coisas exteriores (instituições, organizações, natureza 
etc.) são racionais em si mesmas.
( ) A relação do ser humano com o mundo (a vivência per-
ceptiva) é pré-reflexiva, pois o corpo, e não a consciência, 
detém todas as dimensões da existência.
( ) As coisas exteriores são conhecidas apenas quando o su-
jeito as representa intelectualmente.
( ) A apreensão do ser se dá mediante a expressão daquilo 
que acontece pré-reflexivamente.
( ) Só aquilo que está absolutamente evidente por causa de 
sua clareza e distinção pode ser aceito como verdadeiro.
( ) A vivência perceptiva, e não a consciência reflexiva ou 
o inconsciente é a possibilidade fundante de todo o co-
nhecimento.
Capítulo 1 A relação ser humano-mundo no ocidente... 27
( ) Cada dificuldade que surgir no processo de conhecimento 
precisa ser dividida em tantas partes quantas forem neces-
sárias para compreendê-la.
( ) O raciocínio precisa ser ordenado indo do mais simples ao 
mais complexo.
( ) É necessário realizar numerosas verificações completas 
e gerais para se ter certeza e confiança absoluta de que 
nada ficou de fora.
( ) Na percepção de determinado ser ou objeto, a percepção 
do outro é tão importante quanto a minha e imprescindível 
para “completar” a minha percepção.
28 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
REFERÊNCIAS
Descartes, René. Discurso do método; As paixões da alma; 
Meditações São Paulo: Nova Cultural, 2000. 335 p. (Os 
Pensadores).
DESCARTES, René. Meditações. In: CIVITA, Victor (ed.). Os 
pensadores, v. 15, São Paulo: Nova Cultural, 1987.
DUSSEL, Enrique. Filosofia da libertação. SP: Loyola, s. d.
FARIA, Nilton Juliano. A tragédia da consciência: ética, psicolo-
gia e identidade humana. Piracicaba: UNIMEP, 1996, 96 p.
FREUD, Sigmund. A Interpretação dos sonhos. 4. ed. São Pau-
lo: Círculo do Livro, 1990.
FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualida-
de. Rio de Janeiro: Imago, 1997. 120 p.
FREUD, Sigmund; STRACHEY, Alix; TYSON, Alan. Sobre a 
psicopatologia da vida cotidiana. Rio de Janeiro: Imago, 
2006. 311 p. (Edição standard brasileira das Obras psico-
lógicas completas de Sigmund Freud ;v. 6)
HUSSERL, Edmund. A ideia da fenomenologia. 70. ed. São 
Paulo: Martins Fontes, 1986. 133 p.
MERLEAU-PONTY Maurice. Textos selecionados. O olho e o 
espírito, p. 89 (Os pensadores).
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. 4. 
ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. 662 p.
Capítulo 1 A relação ser humano-mundo no ocidente... 29
MERLEAU-PONTY, Maurice. Merleau-Ponty na Sorbonne: resu-
mo de cursos. Campinas: Papirus, 1990. 2 v.
MERLEAU-PONTY, Maurice. O primado da percepção e suas 
consequências filosóficas. Campinas: Papirus, 1990. 93 p.
MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. 4. ed. São 
Paulo: Perspectiva, 2007. 271 p. (Debates; 40).
MERLEAU-PONTY, Maurice. O Olho e o Espírito. Em: Maurice 
Merleau-Ponty. Textos selecionados por Marilena.
Chauí. São Paulo: Abril Cultural, 1980 (Coleção Os Pensado-
res).
NIETZSCHE. Obras Incompletas. São Paulo: Nova Cultu-
ral, 2000. 464 p. (Os pensadores).
RICOEUR, Paul. O si-mesmo como um outro. Tradução de 
Lucy Moreira Cesar. Campinas: Papirus, 1991.
RICOEUR, Paul. Percurso do reconhecimento. Tradução de Ni-
colás Nyimi Campanário. São Paulo: Loyola, 2006.
Do raciocínio lógico-
racional ao sistêmico
ÂÂ A perspectiva lógico racional apresenta como caracte-rísticas: a certeza, a lógica racional, a ordem, a ob-
jetividade, a neutralidade, a explicação e a linearidade. 
Apenas a explicação objetiva, construída a partir dos da-
dos objetivos do método científico, é aceita como verda-
de. O mundo é concebido como uma grande máquina 
que, naturalmente, tende à ordem. Se algo não funciona 
bem é porque uma ou mais partes não estão bem ajusta-
das ao todo. A subjetividade, a corporeidade, a intuição, 
o desejo, as percepções etc. são tidas como enganosas, 
portanto, não servem para descobrir a verdade dos fatos.
Essas características definiram o processo científico do 
Arno Vorpagel Scheunemann
Capítulo 2
Capítulo 2 Do raciocínio lógico-racional ao sistêmico 31
século XVII ao século XX. A partir da metade dos anos 
1900, quando as ciências sociais passaram a não aceitar 
mais a leitura objetiva da realidade como única alternativa, 
passou-se a questionar os pressupostos lógico-lineares de 
causalidade, afirmando que: cada ato de conhecimento 
requer um ato de interpretação; que natureza e o mundo 
são sistemas, constituídos por inúmeros subsistemas que 
se autoproduzem a auto-organizam em processos circula-
res; que a ordem, a desordem e sucessivas organizaçõescaracterizam a vida, a natureza e o mundo. 
Nessa perspectiva, defendia-se que:
 Â separar e isolar os elementos para compreender algo é 
insuficiente, pois o mundo está globalmente interligado 
por cadeias complexas de eventos e a natureza é uma 
complexidade organizada, viva e ativa;
 Â explicar os sistemas em termos de circularidade implica 
considerar que sua história passada é elemento ativo na 
configuração e constituição da história presente;
 Â não há componente no sistema capaz de controlar ou 
determinar unilateralmente o funcionamento do outro.
Essa maneira de conceber a vida, a natureza e o mun-
do contou com o engajamento de cientistas de diferentes 
áreas: Mc Culloch, neurofisiólogo); Gregory Bateson, an-
tropólogo e teórico da comunicação; Heinz von Foerster, 
físico; Rosenbluth, biólogo; Jean Piaget, psicólogo e epis-
temólogo; Margareth Mead, antropóloga.
Neste capítulo, destacarei contribuições e autores desse 
processo de superação da linearidade causal em direção à 
compreensão sistêmica da vida, do mundo e da natureza.
32 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
2.1 A primeira contribuição: os processos 
circulares e a retroalimentação
Um dos primeiros a ser citado nessa empreitada e o mate-
mático Norbert Wiener, fundador da Cibernética, nos anos 
40. Valendo-se de teorias como a da informação (Shan-
non), dos jogos (von Neumann) e a dos sistemas gerais 
(von Bertalanffy) propôs-se a estudar princípios organizati-
vos que pudessem ser usados tanto nas máquinas artificiais 
quanto nos organismos vivos e nos fenômenos psicológicos 
e sociais. Wiener concebia e construía máquinas com cir-
cuitos circulares que possibilitassem à mesma corrigir seu 
funcionamento. Esses circuitos circulares permitiam reinserir 
no sistema os resultados de sua história passada. Esse me-
canismo circular de reinserção tornou-se conhecido como 
retroalimentação negativa. 
A retroalimentação é um processo pelo qual um sistema 
realimenta seu processo com algo que ele mesmo produz, a 
fim de manter seu padrão e estado de organização, evitan-
do que a contínua produção da mesma coisa gere sua des-
truição. Por exemplo: o corpo humano produz energia para 
manter-se acordado. Esse processo de “produzir energia para 
estar acordado” gera a fadiga (cansaço) que produz sono. O 
processo do sono é necessário para restabelecer (sempre de 
novo – processo circular) as condições necessárias para pro-
duzir o estar acordado.
Ludwig von Bertalanffy que, a partir da década de 30, bus-
cando descrever leis que explicassem o funcionamento dos 
sistemas gerais independentes de sua substância, formulou 
Capítulo 2 Do raciocínio lógico-racional ao sistêmico 33
a Teoria Geral dos Sistemas. Apesar do mecanismo de cir-
cularidade superar a causalidade linear, para Bertalanffy ele 
ainda conserva aspectos mecanicistas. A retroalimentação e 
a homeostase1 são insuficientes para descrever ou explicar os 
organismos vivos, que protagonizam atividades espontâneas, 
processos de criação, de crescimento e outros, pois são siste-
mas fechados nos quais não se considera a possibilidade de 
transição para estados de maior complexidade. Para a ciber-
nética, um sistema fechado desenvolve-se em direção a uma 
desordem crescente ou indiferenciação – a “lei da entropia” na 
termodinâmica. Para Bertalanffy, os organismos vivos contradi-
zem essa lei, pois neles é possível tanto o aumento da ordem 
quanto a diminuição da entropia.
2.2 A segunda contribuição: a 
retroalimentação positiva
Por quase duas décadas o trabalho na perspectiva sistêmica 
viveu uma espécie de dilema. Por um lado, havia os que enfa-
tizavam a importância da retroalimentação positiva como um 
fator construtivo-positivo nas relações familiares (MINUCHIN, 
1 Retro significa atrás. Retroalimentação é o processo pelo qual o produto de 
um sistema retorna para alimentar o próprio sistema. Por exemplo, o sistema de uma 
geladeira produz frio. Contudo, o próprio frio produzido dispara a válvula termostáti-
ca, desligando o motor a fim de que o sistema permaneça no estado de resfriamento 
(temperatura) para o qual foi projetado (homeostase). Ou seja, o frio (produto do 
sistema da geladeira) volta para evitar que congele tudo, implodindo o sistema sobre 
si mesmo (entropia). Quando a temperatura ultrapassa o estado de resfriamento do 
sistema, este retoma a produção de frio em um processo circular contínuo: liga o 
motor – resfria – desliga o motor – temperatura sobe – liga o motor...
34 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
1982). Por outro, massiçamente, destacava-se seu potencial 
destrutivo no sistema, privilegiando seu equilíbrio. Na práti-
ca, buscava-se a mudança a partir e mediante um referencial 
de estabilidade, resistência e homeostase. Acreditava-se que 
sistemas homeostáticos, isto é, equilibrados, só poderiam ser 
modificados a partir de perturbações externas, pois estariam 
imunes às suas próprias flutuações e possibilidades de mudan-
ça. Espontaneamente, não conseguiriam mudar seu padrão 
de relação.
Com Bateson foi dado um passo a mais na superação da 
linearidade causal. Até então, a cibernética estava mais preo-
cupada com os mecanismos e processos de homeostase, isto 
é, com as estratégias de ação dos sistemas e organismos para 
manter sua estabilidade, apesar da mudança permanente nas 
interações entre seus componentes e do fluxo ininterrupto des-
ses componentes – como é o caso dos organismos vivos. Em 
outras palavras, por mais que circulassem informações dife-
rentes dentro do sistema e, por mais que houvesse intercâmbio 
de informações com o ambiente, a preocupação se centrava 
no estabelecimento e manutenção do equilíbrio do sistema. 
Para Bateson, os modelos cibernéticos também são dotados 
de outro tipo de mecanismo de retroalimentação que, ao invés 
Capítulo 2 Do raciocínio lógico-racional ao sistêmico 35
de corrigir o desvio, aumenta-o – retroalimentação positiva2. 
O que pode levar à sua destruição ou a uma mudança des-
contínua, transformando o padrão de funcionamento. 
Nesse novo padrão de funcionamento, a evolução do sis-
tema no tempo e sua continuidade dependem de uma com-
binação do aleatório e da redundância – da ordem e da de-
sordem. Essa mudança descontínua foi descrita por Bateson 
(1986) como mudança de segunda ordem, pois estava 
além daquelas reversíveis e adaptativas que mantém o sistema 
próximo ao seu padrão, mediante os mecanismos de correção 
do desvio. 
2.3 A terceira contribuição: as estruturas 
dissipativas, a ordem a partir do ruído e a 
autorreferência
A circularidade acentuadamente mecanicista passou, en-
tão, a ser estudada em termos de desordem, complexidade, 
instabilidade e coerência. Os sistemas biológicos e sociais 
passam a ser vistos como extremamente complexos, em pa-
tamares distantes do equilíbrio. Prigogine fala em “estruturas 
2 Retroalimentação positiva é aquela que aumenta o ruído, o desvio, o 
“problema”, produzindo elementos e informações novas, capazes de proporcionar 
as condições necessárias para o sistema se estabilizar em patamares mais com-
plexos de organização. Por exemplo, se em um grupo de amigos (sistema) um dos 
integrantes ofender outro, essa ofensa pode produzir um processo interminável de 
ofensas mútuas. Uma primeira ofensa desencadeou a produção de muitas ofensas 
(retroalimentação positiva). Se a produção de ofensas não for interrompida, poderá 
destruir o grupo (entropia). Contudo, se, ao surgirem as primeiras ofensas, o grupo 
desenvolver mecanismos para “negativar” as ofensas produzidas e evitar o acúmulo 
de novas, estará desenvolvendo um processo de retroalimentação negativa (que 
aniquila o ruído – as ofensas).
36 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
dissipativas” (PRIGOGINE, 1984). Nestas, as mudanças são 
amplificadas detal forma que têm destino imprevisível e irrever-
sível, gerando uma infinidade de pontos instáveis. Esses pontos 
são possibilidades de caminho para o seu futuro. A escolha do 
caminho que o sistema seguirá é imprevisível ao observador e 
não pode ser controlado. O sistema autorreferencia-se. Trata-
-se da “ordem através do ruído” (FOERSTER, 1991) ou, “da 
ordem através da flutuação” (PRIGOGINE, 1984).
A autorreferência é o processo pelo qual, considerando a 
teia de relações e interações, os sistemas estabelecem seus 
parâmetros, condições e valores. Respaldados nesses parâme-
tros, condições e valores atribuem significado a tudo o que 
chega e sai do seu sistema metabólico. Em outras palavras, 
criam e estabelecem um conjunto de elementos a partir dos 
quais decidem o que fazer em cada circunstância.
A autorreferência, cujo círculo é criativo e virtuoso – não 
vicioso e repetitivo, passa a determinar a versão da circulari-
dade. O sistema passa a ser visto como uma rede de produ-
ção de componentes que, por sua vez, produzem novos com-
ponentes, em um processo recursivo e autorreferente. Nessa 
versão (MATURANA; VARELA, 1995), embora a relação com o 
ambiente seja fundamental, ela não controla nem determina o 
curso do sistema. Tais sistemas não permitem que sua direção 
seja determinada desde fora de sua coerência, como no caso 
da entropia. Perturbações do meio apenas geram comporta-
mentos compatíveis com sua constituição.
A partir da “ordem através da flutuação” (PRIGOGINE, 
1984), quando o afastamento do equilíbrio deixou de ser visto 
Capítulo 2 Do raciocínio lógico-racional ao sistêmico 37
como perturbação temporária, passando a ser encarado como 
fator de evolução do sistema através de saltos descontínuos, a 
perspectiva sistêmica começou a superar a visão de equilíbrio, 
em direção a uma visão orientada para a compreensão dos 
processos pelos quais o sistema (vivo, social) evolui. 
O olhar foi dirigido para as alternativas disponíveis nas flu-
tuações, que pudessem servir à mudança. Viu-se, assim, que 
um sistema é capaz gerar os recursos necessários para realizar 
mudanças. Os sintomas deixaram de ser vistos como meca-
nismos homeostáticos. Olhou-se para eles como uma alter-
nativa amplificada, uma solução possível para um sistema em 
determinado momento. A crise deixou de ser um perigo para 
ser parte imprescindível no processo de mudança. A questão 
(RAPIZO, 1998, p. 69) não era mais fazer o sistema resistente 
à mudança. No trabalho com famílias, por exemplo, o profis-
sional passou a atuar mais no sentido de mobilizar recursos 
familiares, levantar e ampliar informações até então irrelevan-
tes para o discurso oficial da família. Voltou-se para o desco-
nhecido, o periférico, o não valorizado, que funcionasse como 
uma alavanca de mudança. Perguntar, reconstruir a história e 
redefinir papéis passou a ser o centro a atuação do profissio-
nal, que tinha na linguagem da família sua via de acesso ao 
sistema familiar.
38 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
2.4 A quarta contribuição: observação e 
linguagem não são neutras
Se, por um lado não permitem essa determinação de destino, 
por outro, os circuitos de circularidade expandem-se a ponto 
de enlaçar o próprio observador. No processo de observar, o 
observador delimita em si mesmo um outro sistema autônomo, 
no qual observador e sistema observado interatuam a partir 
de processos autorreferenciais, superando a clássica distinção 
dicotômica entre observador e observado. Com isso, são 
questionados os pressupostos da objetividade e da repre-
sentação, fortemente presentes na primeira cibernética.
Sensível às teorias construtivistas, a cibernética apontou 
que o critério de cognição não podia continuar sendo o da 
representação correta de um mundo que se dá de antemão. 
Para a cibernética, se considerarmos a autonomia dos siste-
mas auto-organizadores, precisamos reconhecer que o co-
nhecimento revela as propriedades emergentes do observador, 
e não uma realidade independente, lá fora. Isto é, o que é 
percebido é uma construção de quem percebe e não a reali-
dade em si. Exemplificando, a família que eu descrevo não é 
a família em si, mas a que eu percebo. Precisamos abandonar 
a noção de correspondência entre conhecimento e realidade, 
ou a de que o conhecimento é a construção de mapas que 
correspondem a um território, pois a realidade não determina 
o conhecimento, mas revela a estrutura3 do observador. Em 
3 “Estrutura” designa um sistema complexo que compreende desde a cor-
poralidade até as tradições culturais e linguísticas do mundo em que se vive.
Capítulo 2 Do raciocínio lógico-racional ao sistêmico 39
outras palavras, não há realidade independente da linguagem 
(RAPIZO, 1998, p. 69).
Para ressaltar a importância da observação, como resul-
tado da dinâmica interna do observador – enquanto ser hu-
mano vivo em relações –, Maturana e Varela defenderam que 
“tudo o que é dito é dito por um observador” (MATURANA; 
VARELA, 1995). Acentua-se, assim, que o mundo não é um 
sistema externo que se capta ao observar, mas uma constru-
ção que surge na dinâmica da nossa experiência de seres em 
relação, ou seja, ativamente participamos da construção do 
mundo em que vivemos.
Cresceu a importância de verificar as relações entre obser-
vador, linguagem e sociedade. Para Sluzki (1997) ser obser-
vador é estar em um barco, construí-lo e navegá-lo, ao 
mesmo tempo. Para Foerster, “tudo o que é dito é dito a 
um observador” (1991, p. 89). Estabelece-se um duplo jogo 
de observação que precisa ser considerado na compreensão 
dos processos sociais e científicos: “um observador” observa e 
expressa por meio da linguagem o que observou e, quem in-
terage com o que foi expresso é “outro observador”. Significa 
que aquilo que foi observado passou por duas observações/
interpretações/recriações. 
Foerster quis apontar que os observadores se conectam 
pela linguagem, e, ao se conectarem, estabelecem relações, 
constroem uma sociedade – o mundo em que vivem. Nesse 
processo, a linguagem é constitutiva do sujeito e do mundo. 
Ela não transmite informações, nem denota objetos ou refle-
te o mundo, mas expressa e cria o mundo e o sujeito desse 
40 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
mundo. Ela compõem a autorreferência dos sujeitos e grupos. 
Logo, não há como estabelecer uma anterioridade lógica ou 
cronológica entre observador, linguagem e sociedade, pois 
cada um é constitutivo e constituinte de si mesmo e dos outros.
Mais uma vez, fecham-se as portas para a dicotomia ra-
cional e objetiva entre sujeito e objeto, para a descrição, a 
avaliação e a representação objetivamente construídas, pois o 
conhecer passa a ser entendido como uma atividade circular 
que enlaça a ação e o conhecimento, o conhecedor e o co-
nhecido. No contexto do trabalho com famílias, Rapizo assim 
sintetiza essa mudança:
...neste momento, quase todos os baluartes sobre os 
quais a terapia sistêmica de família se apoiava, co-
meçam a ruir. Nem homeostase, nem intervenções 
que “causam” mudanças, nem possibilidade de con-
trole. Impossível a observação objetiva. Os sistemas 
evoluem descontinuamente, usam a desordem para 
alcançar novas ordens, não são determinadas pelo 
meio, mas sim por sua estrutura; no caso dos sistemas 
sociais, são sistemas de linguagem, e ainda por cima, 
apenas distinções de um observador que não tem 
nenhuma fundamentação objetiva para seu conheci-
mento... Não há mais um terapeuta/observador que 
descreve uma família/sistema observada. Há uma 
ruptura dessa divisão e surge em seu lugar o sistema 
observante/terapêutico, onde o sistema emerge como 
distinção, construção de seus participantes. O conhe-
cimento é uma construção social, linguística, biológi-
ca, feita no seio de uma comunidade de observadores 
Capítulo2 Do raciocínio lógico-racional ao sistêmico 41
em convivência. A pergunta não é mais “como é esse 
sistema?” mas “como geramos o sistema que descre-
vemos?” Uma família não é um sistema. Uma família 
é uma distinção de um observador ou comunidade de 
observadores, que podem ou não usar uma lingua-
gem sistêmica para falar dela. Assim, podem existir 
tantas famílias quantos observadores, com elementos 
compartilhados e não compartilhados nessa distinção 
(1998, p. 70).
As regras fixas, os “a priori”, foram substituídos pela lingua-
gem e pelo profissional. O problema deixou de ser localizado 
no sistema (familiar, comunitário) para ser procurado na cons-
trução da realidade (familiar e comunitário-social). O sistema 
deixou de ser visto como resultado de uma organização social. 
A interação profissional-família/grupo (usuário) passou a ser 
visto mais como colaborativo que hierárquico. 
A partir dessa perspectiva sistêmica, o trabalho profissional 
se tornou um contexto exploratório de possibilidades e restri-
ções à mudança, em detrimento da busca por mudanças. Ou 
seja, os profissionais não se viam mais como os agentes de 
mudanças, mas como um parceiro do usuário na busca por 
alternativas. Eliminou-se o espaço para “dirigir” o processo de 
trabalho ou a vida das pessoas envolvidas. O foco do trabalho 
profissional sistêmico se deslocou daquilo que é possível intro-
duzir no sistema para aquilo que o sistema pode selecionar. 
Em outras palavras, se valorizou as diferentes narrativas sobre 
o problema, bem como, as diferentes expectativas e alternati-
vas existentes no interior do sistema em crise.
42 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
O papel do sistema profissional-usuário deixou de solu-
cionar problemas, buscando superar os impasses na solução 
de problemas, mediante um melhor agenciamento do sistema 
para a tomada de decisões e a mobilização de seu potencial 
de autoprodução e auto-organização. A complexidade de nar-
rativas passou a ser introduzida na tentativa de construir intera-
ções dialógicas4 entre as diferentes vozes.
4 Dialógico não pode ser confundido com dialogal ou interação dialoga-
da. Podemos encontrar diálogos dialéticos, lógico-lineares e dialógicos. O que vem 
a ser dialógico? Dialógico é composto por dois termos gregos: diá, que significa 
através; logikós, que expressa o logos (saber) organizado, lógico. Assim, dialógico 
expressa uma forma de saber que ultrapassa a lógica. Ao mesmo tempo, a compo-
sição de dialógico pode ser vista da seguinte forma: di + a + logikos. “Di” significa 
dois, mais de um, plural. “A” expressa negação (apolítico, por exemplo). Assim, 
dialógico expressa uma forma de conhecer e conhecimento na qual mais de uma 
verdade, mesmo contrárias entre si, podem ser verdadeiras.
Capítulo 2 Do raciocínio lógico-racional ao sistêmico 43
Recapitulando
Vimos que o processo histórico da perspectiva sistêmica foi 
sensível aos novos conhecimentos produzidos, particularmente 
aos da Cibernética e do Construtivismo. Em sua fase inicial, 
caracterizava-se pela objetividade e pela neutralidade. A partir 
de elementos da Cibernética e da Teoria Sistêmica começou 
a superar essa objetividade e neutralidade, pois os fatos, as 
pessoas e os acontecimentos passaram a ser vistos globalmen-
te interligados. A história de cada um, seja das pessoas, dos 
grupos ou dos acontecimentos, passou a ser lida de forma 
circular. A nenhum elemento do sistema se permitia controlar 
ou determinar unilateralmente o outro.
Quando, nesse processo, a homeostase – a “grande meta” 
da perspectiva sistêmica de primeira ordem – foi superada 
pela concepção da retroalimentação positiva, abriu-se espa-
ço para “ler” pessoas, acontecimentos, fatos, sistemas etc., 
em termos de desordem, desequilíbrio, complexidade, insta-
bilidade e coerência. O sistema passou a ser visto como uma 
rede de produção de componentes, em um processo circular 
recursivo e autorreferente. Nele, os componentes do sistema 
produzem o sistema e a si mesmos, em um processo imprevi-
sível e incontrolável.
44 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
Atividade
Marque “V” (Verdadeira) ou “F” (falsa) nas afirmativas abaixo:
( ) A perspectiva lógico-racional se caracteriza pela certeza, 
pela lógica racional, pela ordem, pela objetividade, pela 
neutralidade, pela explicação e pela linearidade.
( ) A perspectiva sistêmica concebe o mundo como uma gran-
de máquina que, naturalmente, tende à ordem. 
( ) Para a perspectiva sistêmica, a subjetividade, a corporei-
dade, a intuição, o desejo, as percepções etc. são enga-
nosas, logo seus dados não podem ser considerados na 
produção de conhecimento.
( ) Para a perspectiva sistêmica, a natureza e o mundo são 
sistemas, constituídos por inúmeros subsistemas que se au-
toproduzem a auto-organizam em processos circulares. 
( ) Para perspectiva lógico-racional, separar e isolar os ele-
mentos para compreender algo é insuficiente, pois o mun-
do está globalmente interligado por cadeias complexas 
de eventos e a natureza é uma complexidade organizada, 
viva e ativa.
( ) A retroalimentação é um processo pelo qual um sistema rea-
limenta seu processo com algo que ele mesmo produz, a fim 
de manter seu padrão e estado de organização, evitando que 
a contínua produção da mesma coisa gere sua destruição. 
( ) Entropia é o processo pelo qual um sistema desenvolve a 
habilidade de se equilibrar em patamares mais complexos 
de organização.
( ) Homeostase expressa a habilidade de um sistema retornar, 
sempre que necessário, ao seu estado original de equilíbrio.
Capítulo 2 Do raciocínio lógico-racional ao sistêmico 45
( ) Retroalimentação positiva é aquela que aumenta o ruído, 
o desvio, o “problema”, produzindo elementos e informa-
ções novas, capazes de proporcionar as condições neces-
sárias para o sistema se estabilizar em patamares mais 
complexos de organização.
( ) A autorreferência é o processo pelo qual os sistemas criam 
e estabelecem um conjunto de elementos a partir dos quais 
decidem o que fazer em cada circunstância.
( ) Para Maturana e Varela, não há linguagem neutra, pois 
“tudo o que é dito é dito por um observador”.
( ) Foerster afirma que “tudo o que é dito é dito a um 
observador”, expressando que aquilo que é observado 
passa por duas observações/interpretações/recriações.
46 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
Referências
BATESON, Gerard. (1986). Mente e natureza. Rio de Janeiro: 
Livraria Francisco Alves Editora S.A. 
BATESON, Gregory (1979). Steps to an ecology of mind. To-
ronto: Chandler Publishing Company. (Primeira edição pu-
blicada em 1972)
BERTALANFFY, Ludwig von.Teoria Geral dos Sistemas. Petrópo-
lis: Vozes, 1975.
CAPRA, Fritjof. Conexões ocultas. São Paulo: Cultrix, 2002
CAPRA, Fritjof. O Ponto de mutação. Trad.- Álvaro Cabral. 22ª 
Ed.- São Paulo: Cultrix, 2001.
CAPRA, Fritjof. O Tao da Física Revisitado. In: WILBER, Ken 
(org.) O Paradigma Holográfico e outros Paradoxos. São 
Paulo: Cultrix, 1995.
MATURANA, Humberto & VARELA, Francisco. De máquinas e 
seres vivos: autopoiése – a organização do vivo. Porto 
Alegre: Artes Médicas, 1997.
MATURANA, H. R.; VARELA, F. A árvore do conhecimento: as 
bases biológicas do entendimento humano. Campinas, SP: 
Psy II, 1995
MINUCHIN, Salvador. Famílias, funcionamento e tratamento. 
Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.
PRIGOGINE, I., STENGERS, I. A nova aliança. Brasília: Univer-
sidade de Brasília, 1984.
Capítulo 2 Do raciocínio lógico-racional ao sistêmico 47
RAPIZO, Rosana. Terapia sistêmica de família: da instrução à 
construção. Rio de Janeiro: Noos, 1998.
SLUZKI, Carlos E., A Rede Social na Prática Sistêmica. Casa do 
Psicólogo – SP, 1997
FOERSTER, H. von. Sobre sistemas auto-organizadoresy sus 
ambientes. In: PAKMAN, M (ed.) Las semillas de la ciber-
nética: obras escogidas de Heinz von Foerster. Barcelona: 
Gedisa, 1991.
Teoria Sistêmica de 1ª 
ordem
ÂÂ A palavra “sistema” vem do termo latino systema que significa reunião, juntura, sistema. O termo grego 
correspondente é σýστημα (sýstema) que significa con-
junto, multidão, corpo de tropas, conjunto de doutrinas, 
sistema filosófico. 
No capítulo anterior, conhecemos contribuições que 
possibilitaram caminhar do raciocínio lógico-racional ao 
sistêmico. Conhecidos os elementos dessa trajetória, vol-
taremos nossa atenção para a Teoria Sistêmica. Abordar 
Teoria Sistêmica de Primeira Ordem pressupõe que haja 
mais de uma ordem na compreensão de sistemas. Ba-
sicamente, se fala em Teoria Sistêmica de primeira e de 
Arno Vorpagel Scheunemann
Capítulo 3
Capítulo 3 Teoria Sistêmica de 1ª ordem 49
segunda ordem. A denominação “Primeira Ordem” e “Se-
gunda Ordem” vem da Cibernética. A Cibernética busca 
compreender a comunicação e o controle de informações 
em máquinas, seres vivos e grupos sociais, comparando 
máquinas eletrônicas. 
A Teoria Sistêmica de Primeira Ordem compreende a 
fase (até os anos 1970) na qual o foco trabalho profissio-
nal era a homeostase do sistema, buscando evitar sua en-
tropia. Ou seja, se defendia que era necessário encontrar 
alternativas de retroalimentar o sistema de tal forma que 
o ruído fosse diminuído. Em diminuindo o efeito do ruído, 
seria possível restabelecer o equilíbrio do sistema.
A Teoria Sistêmica de Segunda Ordem compreende a 
fase (a partir dos anos 1970) na qual se passou a consi-
derar que um sistema, além dos mecanismos que resta-
belecem o equilíbrio, também é dotado de mecanismos 
de retroalimentação que, ao invés de corrigir o desvio, 
aumentam-no – retroalimentação positiva. Tal retroali-
mentação pode levar à sua destruição ou a uma mudança 
descontínua, transformando o padrão de funcionamento, 
mediante interação aleatória da ordem e da desordem.
A de primeira ordem será o assunto deste capítulo, 
a de segunda, do próximo. A abordagem da Teoria Sis-
têmica de Primeira Ordem se dará sob 4 subtemas. No 
primeiro, compreenderemos a teoria sistêmica como es-
tratégia de superação dos reducionismos. No segundo, 
conheceremos algumas tipologias de sistemas. No tercei-
ro, conheceremos elementos das origens da teoria sistê-
mica de primeira Ordem, bem como alguns pressupostos 
e conceitos.
50 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
3.1 A Teoria sistêmica como estratégia de 
superação dos reducionismos
A Cibernética é uma espécie de teoria dos sistemas de controle 
baseada na comunicação (transferência de informação) entre 
o sistema e o meio e dentro do próprio sistema e do controle 
(retroação) da função dos sistemas em relação com o ambien-
te. Cibernética é uma palavra que vem do grego Kibernêtes 
(timoneiro) e Kibernetê (a arte de pilotar navios), empregadas 
por Platão. Mais tarde, os próprios gregos passaram a usá-la 
também para a arte de governar o Estado. Considerando essa 
origem, para entendermos o que é cibernética, precisamos ve-
rificar em que consiste a arte de pilotar um navio. A arte de 
pilotar é exercida pelo piloto, contudo não é ele quem traça 
o rumo e destino da viagem, quem faz isso é o capitão. Ao 
piloto cabe administrar todas as informações que interferem 
na viagem (correntes, ventos, chuva, sol etc.). Visto dessa for-
ma, é uma arte de, em movimento constante, gerenciar todas 
as informações e atravessamentos que surgem ao longo da 
viagem. Significa que o piloto não pode decidir baseado em 
raciocínios lógico-mecânicos, muito menos em raciocínios te-
leológicos ou teleonômicos. 
Na Cibernética de Primeira Ordem, o foco está na estabi-
lidade e na estrutura, pressupondo que o funcionamento dos 
sistemas tem uma meta: o equilíbrio do sistema. O processo 
de retorno ao equilíbrio existente antes da crise é a homeos-
tase. Esta compreende as estratégias de ação dos sistemas e 
organismos para manter sua estabilidade. Grandesso sintetiza 
esse período da Cibernética afirmando que:
Capítulo 3 Teoria Sistêmica de 1ª ordem 51
“o primeiro período da cibernética de primeira or-
dem (primeira cibernética), se ocupava dos me-
canismos e processos pelos quais os sistemas, em 
geral, funcionavam com o intuito de manter a sua 
organização. O sistema, de acordo com essa con-
cepção, operava de acordo com um propósito ou 
meta, cujo alcance era garantido por mecanismos 
de regulação e controle (...) regulação, enquanto um 
mecanismo, visa manter a sobrevivência do sistema 
à medida que controla os distúrbios que o atingem, 
impedindo-os de evoluírem para uma mudança, que 
possa quebrar a sua organização. Nesse sentido, o 
sistema cibernético era compreendido como equiva-
lente a uma máquina trivial, fosse ele uma máquina, 
um organismo biológico, ou um sistema social, que, 
tendo uma organização e um propósito, operava na 
correção dos desvios, de modo que se mantivessem 
estável e sobrevivesse. Esse processo conhecido 
como retroalimentação negativa, por meio do qual 
um sistema vivo sobrevive mantendo a sua constân-
cia apesar das mudanças do meio, convencionou-se 
chamar de morfoestase.” (2000, p. 124)
Em termos gerais, a Teoria Sistêmica de Primeira Ordem 
compreende os estudos e conhecimentos que partiam do princí-
pio de que um sistema se retroalimenta na perspectiva do equilí-
brio, corrigindo os desvios e ruídos – processo conhecido como 
retroalimentação negativa, cuja meta é o equilíbrio do sistema. 
A Teoria Sistêmica de Segunda Ordem compreende os es-
tudos que entendem que um sistema, também, é dotado de 
52 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
outro tipo de mecanismo de retroalimentação que, ao invés 
de corrigir o desvio, aumenta-o – retroalimentação positiva. O 
que pode levar à sua destruição ou a uma mudança descon-
tínua, transformando o padrão de funcionamento, mediante 
interação aleatória da ordem e da desordem. Essa mudança 
descontínua foi descrita por Bateson (1986) como mudança 
de segunda ordem, pois estava além daquelas reversíveis e 
adaptativas que mantém o sistema próximo ao seu padrão, 
mediante os mecanismos de correção do desvio. Daí a ideia 
de teoria sistêmica de segunda ordem1. Tanto a de primeira 
ordem quanto a de segunda ordem propõem superar o redu-
cionismo, o pensamento analítico e o mecanicismo.
Reducionismo é um processo pelo qual se reduz a comple-
xidade de um acontecimento, fenômeno, objeto etc., à lógica 
simples de uma ou mais de suas partes ou características. Tal 
processo reducionista pode acontecer em diferentes ares e as-
sumir diferentes formas. O reducionismo ontológico, que se 
ocupa com a essência original de tudo o que existe, defen-
de que tudo surgiu de um pequeno número de substâncias 
básicas, regulares e constantes, a partir das quais é possível 
explicar a complexidade da vida. O reducionismo científico 
entende que tudo pode ser explicado a partir e por meio do 
método científico. O reducionismo metodológico supõe que a 
explicação para qualquer fenômeno deve assumir apenas as 
premissas estritamente necessárias à explicação do mesmo e 
eliminar todas as demais. Reducionismo teórico parte da pre-
missa de que tudo pode ser explicado a partir de poucos con-
1 A de segunda ordem será o objeto do próximo capítulo.
Capítulo 3 Teoria Sistêmica de 1ª ordem 53
ceitos básicos que permanecem ao longo da história. Reducio-
nismo linguístico entende que tudo pode ser descrito a partir 
de uma linguagem com alguns conceitos básicos, combinados 
de diferentes maneiras. Reducionismo materialista afirma que 
a origem de tudo está na matéria. O reducionismo idealista, 
ao contrário, destaca que a origem de tudo está na ideia. Não 
há necessidade de referenciar mais reducionismos.A partir dos 
já mencionados, é possível perceber que a lógica reducionis-
ta consiste em deixar de lado a complexidade de elementos, 
características e aspectos, e eleger alguns poucos, como se, 
a partir desses poucos, fosse possível explicar a lógica e o 
sentido do todo. A perspectiva sistêmica entende que todas as 
formas de reducionismo são limitadas e falhas, porque deixam 
de lado elementos, características e aspectos necessários para 
a compreensão do todo e das partes. 
O reducionismo analítico entende que o funcionamento do 
todo pode ser analisado a partir das propriedades de suas 
partes. Prioriza as propriedades das partes e sua contribuição 
no todo em detrimento do funcionamento do todo. Em ou-
tras palavras, compreende a decomposição dos objetos a seus 
elementos fundamentais para estudá-los e, posteriormente, re-
composição do todo mediante a recomposição ou soma das 
partes. Um exemplo simples de reducionismo analítico é o fato 
de querer conhecer uma sala de aula a partir das “proprie-
dades” (aquilo que é próprio) de alguns alunos ao invés de a 
sala a partir das propriedades do todo (a sala de aula real, “ao 
vivo e a cores”). De maneira geral, todas as análises feitas em 
laboratório são reducionistas, porque desconectam algumas 
partes para, a partir da análise destas, conhecer o todo. A 
perspectiva sistêmica entende que esse reducionismo deve ser 
54 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
superado porque o todo precisa ser conhecido tanto a partir e 
por meio das suas partes quanto a partir e por meio do todo.
O mecanicismo foi o grande movimento intelectual do sé-
culo XVII, tanto em termos de filosofia quanto de ciência. O 
reducionismo mecanicista é uma maneira particular de com-
preender as coisas, resultante desse movimento intelectual, 
que entende que todos os fenômenos podem ser explicados 
pela causalidade mecânica linear. Isto é, todas as coisas estão 
mecanicamente conectadas e o que acontece é resultado da 
interação mecânica dos fenômenos, acontecimentos e coisas 
entre si, bem como, da interação mecânica entre suas partes. 
O mecanicismo consiste em estabelecer relações lineares e 
diretas de causa e efeito, considerando a causa necessária e 
suficiente para explicar o efeito.
Nessa visão, entende-se que o universo e mundo funcionam 
como uma grande máquina (relógio) ordenada. Battisti sintetiza:
O mecanicismo, em seus aspectos mais gerais, pode ser 
definido como um modelo explicativo das mais diferentes ma-
nifestações do mundo natural a partir de cinco eixos básicos: 
1) a uniformização e a redução das entidades e dos processos 
existentes na natureza, de modo que todo fenômeno possa ser 
explicado por meio de elementos simples, tais como a matéria 
e o movimento, e de seus diferentes arranjos e combinações; 
2) a utilização de modelos explicativos, inspirados na concep-
ção e no funcionamento das máquinas, de sorte que os fe-
nômenos naturais possam ser entendidos como mecanismos 
semelhantes aos inventados pelo homem e cujo conhecimento 
implique a possibilidade de sua decomposição e reconstrução 
Capítulo 3 Teoria Sistêmica de 1ª ordem 55
e, portanto, de sua reprodução e imitação; 3) a introdução 
da matemática como instrumento de análise e de explicação 
científica, de maneira que o conhecimento de um fenômeno 
só estará completo se puder ser traduzido, em algum sentido, 
quantitativa ou geometricamente; 4) a substituição da distin-
ção entre coisas naturais e coisas artificiais pela distinção entre 
mundo humano e mundo natural, entre o mundo da liberdade 
e da consciência, por um lado, e o mundo do determinismo 
material, por outro, de modo que não se poderá mais transpor 
propriedades entre eles nem avaliar um a partir do outro; 5) a 
clara distinção entre causa final e causa eficiente ou operativa, 
com a consequente negação da possibilidade de conhecer, 
caso existam, as causas finais da natureza. (2010, p. 29)
A teoria sistêmica entende que a compreensão mecânica, ma-
temática e determinista é parcial, pois a interconexão entre os 
componentes dos sistemas e entre os sistemas além de mecânica, 
matemática e determinista, também é orgânica e aleatória.
3.2 Sistemas: tipologia
Partindo das estruturas mais simples às mais complexas, Ken-
neth Boulding (1956) construiu uma tipologia com nove siste-
mas diferentes: 
1 – sistemas ou estruturas estáticas – cristais, mapas etc.;
2 – sistemas dinâmicos simples (com mecanismos predetermi-
nados): relógios, alavancas, sistemas solares, dínamos etc.; 
56 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
3 – sistemas cibernéticos simples (com mecanismo de contro-
le), utilizando a comunicação e a retroação para retornar 
ao estado de equilíbrio – termostato, mecanismos home-
ostáticos nos organismos;
4 – sistemas abertos (com fluxo de matéria, insumos, metabo-
lismo com o ambiente) – célula, os rios, as chamas etc.; 
5 – sistemas da vida vegetal (organismos inferiores), cujos 
componentes (as células) formam raízes, folhas, sementes 
e exercem a função reprodutiva; 
6 – sistemas da vida animal, com órgãos sensoriais que rece-
bem informações (olhos, ouvidos) e sistema nervoso que 
faz circular informações, possibilitando aprendizagem, 
mobilidade, comportamento e começo da consciência; 
7 – sistemas humanos ou da vida do ser humano, que apre-
sentam capacidade de autorreflexão, memória, fala, sim-
bolismos, e autoconsciência reflexiva;
8 – sistemas socioculturais ou da organização social – orga-
nismos, organizações, comunidades constituídos mediante 
trocas simbólico-culturais, sistemas de comunicação etc.; 
9 – sistemas simbólicos – sistemas abstratos com linguagem, 
lógica e regras de jogo (matemática, ciências, arte, moral 
etc. Acredita que os sistemas e as redes virtuais se consti-
tuem como sistemas simbólicos, com a diferença que esta-
belecem diferentes relações com o tempo, as distâncias, a 
localização e a própria comunicação.
Dependendo do critério de análise, os sistemas podem ser 
divididos em diferentes tipos. Tomando como critério sua cons-
tituição e origem, os sistemas podem ser divididos em dois 
grandes grupos: vivos (organismos) e organizados (organiza-
Capítulo 3 Teoria Sistêmica de 1ª ordem 57
ções). Os vivos nascem e herdam seus traços estruturais; têm 
tempo, e o ciclo de vida são determinados pela estrutura e 
morrem, pois não podem transformar a própria estrutura; pro-
blemas são vistos como desvios do processo vital. Os orga-
nizados são construídos e constroem sua estrutura ao longo 
do processo; têm tempo de vida indeterminado e podem ser 
reorganizados; o ciclo de vida não é pré-determinado, pois 
podem transformar a própria estrutura2; problemas são vistos 
como desvios nas normas sociais.
Tomando como critério a interação com o ambiente, os 
sistemas podem ser fechados (não trocam informações com o 
ambiente), abertos (trocam informações com o ambiente). Se o 
critério for a sua natureza, os sistemas podem ser divididos em 
físicos ou concretos e conceituais ou abstratos. Físicos quando 
são constituídos de equipamentos e subsistemas reais, sejam 
materiais (máquinas, circuitos etc.), sejam biológicos (corpos e 
organismos vivos). A partir da influência do ambiente, podem 
ser divididos em estáveis (sofrem pouca, ou nenhuma, influên-
cia do ambiente) e dinâmicos (mudam constantemente em fun-
ção da influência do ambiente). Considerando sua duração, 
podem ser divididos em permanentes (duram muito tempo – 
10 anos ou mais) e temporários (duram pouco tempo – alguns 
dias, meses ou anos). 
Em relação à dinâmica, os sistemas podem apresentar a 
seguinte tipologia:
2 Morfogênese.
58 Fundamentos Teórico-Metodológicos Contemporâneos I
1 – Sistema determinístico simples: possui poucos componen-
tes e inter-relações, sendo previsíveis (determináveis)

Continue navegando