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2018 - 06 - 05 Curso de Direito Constitucional – Ed. 2018 15. DIREITOS SOCIAIS 15. Direitos sociais 15.1. O surgimento do constitucionalismo social O movimento denominado pela doutrina de “constitucionalismo moderno”, que eclodiu com a Constituição norte-americana de 1787 e a Constituição francesa de 1791, consiste na tentativa de limitar o poder do Estado através de uma Constituição ou, nas palavras de Canotilho, “uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos”1. Dessa maneira, Constituição moderna é “a ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político”2. O século XVIII e o século anterior foram marcados pela ascensão política da burguesia, opondo-se ao absolutismo. As aspirações humanistas, bem como o anseio pela eliminação dos privilégios e a incerteza dos direitos daqueles que não compartilhavam do poder político deram a base política, econômica e social para a eclosão de movimentos revolucionários conhecidos como “revoluções burguesas”. Assim, o Constitucionalismo moderno tem o escopo principal de sedimentar os anseios da burguesia que ascendera ao poder. Nas palavras de Dalmo de Abreu Dallari, “para dar certeza e segurança às relações econômicas e financeiras, bem como para deixar o caminho livre para novos empreendimentos, era necessário fixar regras claras e duráveis, não sujeitas a decisões arbitrárias de governantes e aos caprichos de uma classe social parasitária e detentora de privilégios, como era a nobreza. A consciência dessa necessidade contribuiu muito para que se desenvolvesse a ideia da Constituição como estatuto político-jurídico fundamental”3. Nesse estágio, o Constitucionalismo nasce com a concepção burguesa da ordem política. A I Grande Guerra Mundial (de 28 de julho de 1914 a 11 de novembro de 1918) abriu os olhos de muitos pensadores da escola liberal para um fato irrefutável, lembrado por Paulo Bonavides: enquanto trabalhadores “morriam de fome e de opressão, ao passo que os mais respeitáveis tribunais do Ocidente assentavam as bases de toda sua jurisprudência constitucional na inocência e no lirismo daqueles formosos postulados de que ‘todos são iguais perante a lei’...”4. O antigo liberalismo não poderia resolver os problemas gravíssimos das camadas mais pobres da sociedade. A liberdade, por si só, era um remédio inócuo aos famintos e oprimidos. O Estado deveria abandonar sua postura passiva, negativa e assumir um papel positivo, ativo, a fim de que a igualdade jurídica-formal apregoada nos textos constitucionais fosse, de fato, concretizada. Desse novo pensamento nasce o chamado “Constitucionalismo Social”, que tem como marco histórico a Constituição do México, de 1917, e a Constituição alemã de Weimar, de 1919. a) Constituição do México, de 1917 A primeira Constituição que atribuiu o caráter de fundamentalidade aos direitos sociais, ao lado das liberdades públicas e dos direitos políticos, foi a “Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos”, de 19175. Nesse período, na Europa, nascia a consciência de que os direitos fundamentais também teriam uma dimensão social (após a grande guerra de 1914-1918, culminando com a Constituição de Weimar, de 1919, as convenções da recém-criada Organização Internacional do Trabalho e a Revolução Russa e a consequente “Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado”, de janeiro de 1918. Promulgada em 5 de fevereiro de 1917, na cidade de Querétaro, a “Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos” decorreu de um manifesto clandestino elaborado em 1906 por um grupo revolucionário (“Regeneración”), liderado por Ricardo Flore Magón, contra a ditadura de Porfírio Diaz. Várias propostas desse manifesto foram inseridas no texto constitucional de 1917 (proibição de reeleição para Presidente da República, já que Porfírio Diaz havia governado por mais de 30 anos, quebra do poder da Igreja Católica, expansão do sistema de educação pública, reforma agrária etc.). Não obstante, o ponto mais significativo da “Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos” foi a inserção de um título específico ao direito fundamental social do trabalho (o título sexto – “Del Trabajo y de la Previsión Social”, composto de um único artigo – art. 123). Dispõe o “caput” do sobredito artigo: “El Congreso de la Unión y las Legislaturas de los Estados deberán expedir leyes sobre el trabajo, fundadas en las necesidades de cada región, sin contravenir a las bases siguientes, las cuales regirán el trabajo de los obreros, jornaleros, empleados, domésticos y artesanos, y de una manera general todo contrato de trabajo”. Segundo Fábio Konder Comparato, “o que importa, na verdade, é o fato de que a Constituição mexicana foi a primeira a estabelecer a desmercantilização do trabalho, própria do sistema capitalista, ou seja, a proibição de equipará-lo a uma mercadoria qualquer, sujeita à lei da oferta e da procura no mercado. A Constituição mexicana estabeleceu, firmemente, o princípio da igualdade substancial na posição jurídica entre trabalhadores e empresários na relação contratual de trabalho, criou a responsabilidade dos empregadores por acidentes de trabalho e lançou, de modo geral, as bases para a construção do moderno Estado Social de Direito. Deslegitimou, com isso, as práticas de exploração mercantil do trabalho, e portanto da pessoa humana, cuja justificação se procurava fazer, abusivamente, sob a invocação da liberdade de contratar”6. O direito ao trabalho teve na Constituição do México de 1917 inúmeros dispositivos a ele dedicados. Inicialmente, o direito individual de liberdade de escolha do trabalho7, bem como a vedação do trabalho pessoal sem justa retribuição e consentimento8. Todavia, é o Título Sexto (“Del Trabajo y de La Previsión Social”) o trecho mais marcante e historicamente pioneiro. b) Constituição de Weimar, de 1919 Trata-se da Constituição que instituiu a primeira república alemã, elaborada e votada na cidade de Weimar, sendo produto da grande guerra de 1914-1918, sete meses após o armistício. Antes da edição da Constituição de Weimar9, movimentos revolucionários alemães contra o kaiser Guilherme II deram ensejo à sua abdicação, constituindo-se um governo provisório (Conselho dos Delegados do Povo), cujos primeiros decretos foram o estabelecimento da jornada de trabalho de oito horas e a atribuição do direito de voto às mulheres, bem como medidas de assistência social aos setores mais carentes da população. Promulgada a lei eleitoral em novembro de 1918, foi convocada Assembleia Nacional Constituinte, eleita em 6 de fevereiro de 1919, votando e aprovando a nova Constituição em 31 de julho de 1919. Tem uma importância histórica ímpar, ao instituir um Estado Social, cujas ideias centrais foram introduzidas pela Constituição do México de 1917, influenciando todas as legislações do mundo ocidental. Dividida em duas grandes partes, tem na sua primeira parte a organização do Estado e na sua segunda parte as liberdades individuais e os novos direitos de conteúdo social. Foi pioneira na previsão da igualdade entre marido e mulher (art. 119), na equiparação de filhos legítimos e ilegítimos (art. 121), na tutela estatal da família e da juventude (art. 119 e 122), mas tem importância histórica marcante na previsão de disposições sobre educação pública e direito trabalhista, a partir do artigo 157. Segundo esse artigo, “o trabalhador recebe especial proteção do Reich. O Reich elaborará uniforme legislação acerca do tema”. A sindicalização está garantida no artigo 159 (“o direito de formar sindicados e melhorar as condições do trabalho e da economia é garantido para cada indivíduo e para todas as ocupações. Todos os acordos e medidas que limitem ou obstruam esse direito são ilegais”). Inovadora e vanguardista foi a previsão de um direito internacionalde garantias mínimas do trabalho, no artigo 162 (“o Reich defende uma regulamentação internacional sobre os direitos dos trabalhadores, que se esforça para garantir um mínimo de direitos sociais para a classe trabalhadora da humanidade”). Talvez o mais marcante dispositivo seja o artigo 163, que prevê expressamente o direito ao trabalho: “Apesar de sua liberdade pessoal, todo alemão é obrigado a investir sua energia física e intelectual de forma necessária ao benefício público. A cada alemão será dada a oportunidade de ganhar a vida mediante um trabalho econômico. Não sendo oferecidas aberturas apropriadas de trabalho, ele receberá apoio financeiro. Mais detalhes são especificados pela Lei do Reich (império)”. 15.2. Os direitos sociais na Inglaterra, segundo Marshall Thomas Humphrey Marshall foi um sociológico britânico nascido em 1893 e falecido em 1981, conhecido por seus ensaios, entro os quais se destaca Citizenship and Social Class (Cidadania, Classe Social e Status), escrito em 1949. Tendo como referencial analítico a Inglaterra do século XX, estabelece o conceito de cidadania sob novas bases. Para Marshall, o conceito de cidadania é dividido em três partes ou elementos: civil, política e social. Segundo ele, “o elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade (...). Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. (...) O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele são o sistema educacional e os serviços sociais”10. Segundo o autor, a participação nas comunidades locais e associações funcionais constitui a fonte original dos direitos sociais. Essa fonte foi complementada e progressivamente substituída por uma Poor Law (Lei dos Pobres)11. Para Marshall, a poor law elisabetiana não tinha apenas o escopo de aliviar a pobreza: “seus objetivos construtivos sugeriam uma interpretação do bem-estar social que lembrava os mais primitivos, porém mais genuínos, direitos sociais”12. Todavia, houve um retrocesso nesse pensamento, segundo o autor: “Pela lei de 1834, a poor law renunciou a todas as suas reivindicações de invadir o terreno do sistema salarial ou de interferir nas forças do mercado livre. Oferecia assistência somente àqueles que, devido à idade e à doença, eram incapazes de continuar a lutar. (...) os direitos sociais mínimos que restaram foram desligados do status da cidadania”13. Segundo Marshall, dessa maneira, os direitos sociais na Inglaterra quase que desapareceram no século XVIII e princípio do século XIX. O ressurgimento dos direitos sociais teria ocorrido com o desenvolvimento da educação primária gratuita, sendo que, somente a partir do século XX é que eles teriam atingido o plano de igualdade com os outros dois elementos da cidadania. 15.3. Os direitos sociais no ordenamento jurídico brasileiro Embora fosse marcadamente uma Constituição liberal, na Constituição de 1824 poderia ser encontrada, ainda que de forma tênue, o primeiro direito social constitucional brasileiro: a garantia dos socorros públicos e o direito à instrução primária gratuita (art. 179, incisos XXXI e XXXII), “uma precoce manifestação da influência do constitucionalismo francês revolucionário, com destaque para a Constituição de 1793”14. Já a Constituição de 1891, ainda mais liberal, não previu nenhum direito social, mas apenas e tão-somente os direitos individuais e políticos. Por sua vez, diversa foi a Constituição de 1934, inspirada na Constituição mexicana de 1917 e na Constituição de Weimar, de 1919. A Constituição brasileira de 1934 foi a primeira a prever sistematicamente os direitos sociais, dentre eles a inviolabilidade do direito à subsistência (art. 113, caput), os direitos à assistência judiciária gratuita, direitos ao trabalho e à assistência dos indigentes), além de afirmar a existência digna como objeto da ordem econômica (art. 115), bem como dispor sobre assistência social e saúde pública (art. 138), bem como o direito à educação (art. 149). Já a Constituição de 1937 (A Polaca) previa igualmente um rol de direitos sociais, dentre eles a educação dos filhos (art. 125), a proteção da infância e da juventude (art. 127), a gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário (art. 130) e o dever social do trabalho e o direito à subsistência mediante o trabalho (art. 136). Por sua vez, a Constituição de 1946 também previu uma séria de direitos sociais, dentre eles o direito dos necessitados à assistência judiciaria (art. 141, § 35), bem como o direito ao trabalho (art. 145, parágrafo único), a assistência à maternidade e à infância (art. 164), e o direito à educação (art. 166). A Constituição de 1967 manteve o conteúdo social das constituições anteriores, que igualmente foi mantido pela Emenda Constitucional n. 1, de 1969. Todavia, é com a Constituição de 1988 que os direitos sociais ganham uma maior projeção, não só por estarem previstos no início da Constituição Federal (a partir do art. 6o, CF), como também pelo grau de amplitude e especificidade de muitos dos direitos sociais. Aliás, essa preocupação com os direitos sociais já aparece no Preâmbulo da Constituição, que assinala a função do constituinte originário: “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos...”. Se não bastasse, no art. 3o, da Constituição Federal, encontramos dentre os objetivos da República: “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (inciso I), bem como “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (inciso III). Dessa maneira, podemos afirmar que o Brasil, além de ser um Estado Democrático de Direito, também é um Estado Social. No art. 6o, da Constituição Federal, encontramos um rol de direitos sociais básicos: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, segurança, lazer, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Importante frisar que esse rol vem sendo ampliado sistematicamente. Primeiramente, foi acrescido o direito à “moradia”, pela Emenda Constitucional 26, de 2000. Anos depois, foi acrescido o direito à alimentação (Emenda Constitucional 64/2010). Mais recentemente foi acrescido o direito ao transporte, por força da Emenda Constitucional 90/2015. Esse rol ainda pode ser ampliado, tendo em vista que tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda 19/2010, que insere no artigo 6o da Constituição Federal o “direito à busca da felicidade” (conhecida PEC da Felicidade). Importante frisar que, ainda que não previsto expressamente na Constituição, o STF já fundamentou algumas de suas decisões no “direito à busca da felicidade”, implícito no texto constitucional (como vimos em capítulos anteriores). Portanto, façamos uma breve análise da evolução literal do artigo 6o, da Constituição Federal: Direito Social Ato normativo Educação, saúde, trabalho, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados Texto originário da Constituição Moradia Emenda Constitucional 26/2000 Alimentação Emenda Constitucional 64/2010 Transporte Emenda Constitucional 90/2015 Como afirma Ingo Wolfgang Sarlet, “boa parte dos direitos sociais consagrados, em termos gerais, no artigo 6o, da CF, foiobjeto de densificação por meio de dispositivos diversos ao longo do texto constitucional, especialmente nos títulos que tratam da ordem econômica (por exemplo, no que diz com aspectos ligados à função social da propriedade urbana e rural) e da ordem social (normas sobre o sistema de seguridade social, designadamente, saúde, assistência e previdência social, bens culturais, família, proteção do idoso, meio ambiente, educação etc.), destacando-se os diversos direitos dos trabalhadores enunciados nos arts. 7o a 11, que constituem um conjunto de direitos e garantias que concretizam o direito geral ao trabalho e à proteção ao trabalhador (contemplado no artigo 6o, em condição de igualdade em relação aos demais direitos sociais), especialmente no sentido de imposição dos deveres de proteção do trabalho e dos trabalhadores, além de uma série de garantias específicas”15. 15.4. Uma análise crítica da evolução dos direitos no Brasil, segundo José Murilo de Carvalho O cientista político e imortal José Murilo de Carvalho, em seu livro “Cidadania no Brasil: O Longo Caminho”16, afirma que a escravidão, a grande propriedade rural e comprometimento do Estado com o poder privado fizeram com que os direitos civis previstos na primeira Constituição brasileira fossem socialmente ineficazes. Os constitucionalistas, concordando com esse ponto de vista, classificam a Constituição de 1824 como “semântica”, utilizando a expressão de Karl Loewenstein (por esconder a realidade social do país). De fato, embora falasse da liberdade, o Brasil só aboliu a escravidão em 1888 (através de uma lei ordinária!). Por essa razão, segundo o sobredito autor, os primeiros direitos fundamentais socialmente eficazes no Brasil foram os direitos políticos17. Como sustentamos nos itens anteriores, o autor igualmente entende que as duas primeiras constituições brasileiras foram fruto de um liberalismo ortodoxo, superado em outros países. A Constituição de 1891, por exemplo, proibia o governo federal de interferir na regulamentação do trabalho, pois “tal interferência era considerada violação da liberdade do exercício profissional”18. Como mencionamos anteriormente, somente com a Reforma Constitucional de 1926 é que a União passou a poder regular o direito do trabalho (o que permanece até a presente Constituição). Para o autor, a liderança política que assumiu o governo brasileiro em 1930 dedicou grande atenção ao problema trabalhista e social. Segundo ele, “o período de 1930 a 1945 foi o grande momento da legislação social. Mas foi uma legislação introduzida em ambiente de baixa ou nula participação política e de precária vigência dos direitos civis. Este pecado de origem e a maneira como foram distribuídos os benefícios sociais tornaram duvidosa sua definição como conquista democrática e comprometeram em parte sua contribuição para o desenvolvimento de uma cidadania ativa”19. Na parte final de seu livro, o autor afirma que a trajetória brasileira é diferente da inglesa, pois, segundo ele, “aqui, primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular. Depois vieram os direitos políticos, de maneira também bizarra (...). Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis, a base da sequência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da população”20. Embora não concordemos com o autor nessa cronologia21, concordamos com algumas de suas conclusões: a) como os direitos sociais foram originalmente implantados em regimes ditatoriais, para a maioria da população, o Poder Executivo é o mais forte e importante do Estado. b) considerando o Executivo, o mais importante do Estado, o povo procura soluções messiânicas para o cargo de chefe desse Poder, não valorizando os outros poderes. c) a força do corporativismo mostrou-se na Constituinte de 1988 (grupos defendendo seus privilégios e outros grupos buscando novos benefícios), como funcionários públicos que conseguiram estabilidade, aposentados que conseguiram o limite de um salário mínimo nas pensões etc.22 e ainda pauta a ação do Poder Legislativo, muitas vezes. d) há uma “esquizofrenia política”, já que a maioria dos eleitores critica os políticos, mas continua votando neles na esperança de benefícios pessoais. Esse quadro só será resolvido com a maturidade da democracia brasileira, que felizmente já é um valor sedimentado entre a maioria das correntes políticas do país. e) o cenário internacional (e agora nacional) de crise econômica coloca em risco o avanço dos direitos sociais e atenua (no caso europeu, por exemplo) a eficácia dos direitos políticos, em razão do poder de organismos econômicos internacionais (como no caso recente da Grécia). 15.5. Os direitos sociais como direitos fundamentais Os direitos sociais são atualmente reconhecidos como modalidades dos direitos fundamentais, ao lado dos direitos individuais e coletivos, direitos políticos e direito de nacionalidade. Primeiramente, a própria Constituição Federal de 1988 sistematicamente adota tal posicionamento. Ora, o Título II da Constituição Federal trata dos “Direitos e Garantias Fundamentais”, dividido em 5 capítulos: I) Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos; II) Dos Direitos Sociais; III) Da Nacionalidade; IV) Dos Direitos Políticos V) Dos Partidos Políticos. Se não bastasse, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que os direitos sociais também devem ser considerados cláusulas pétreas, numa interpretação ampliativa, extensiva ou generosa do artigo 60, § 4o, IV, da Constituição Federal. Todas as pessoas podem ser titulares dos direitos sociais, em razão do princípio da universalidade, embora alguns desses direitos sejam reservados a alguns grupos sociais distintos, como os direitos dos trabalhadores, a proteção à maternidade, à infância etc. A grande diferença entre os direitos sociais (de segunda dimensão ou geração) e os direitos individuais (de segunda dimensão ou geração) é que os primeiros geram para o Estado um dever principal de fazer, de agir, um dever prestacional, enquanto os segundos geram para o Estado um dever principal de não fazer, de não agir. Não obstante, como afirmamos, o dever de agir ou não agir do Estado é apenas um dever principal. Isso porque, nos direitos de primeira dimensão, enquanto o dever principal é de não agir (não fazer), o Estado também terá o dever de agir. Por exemplo, no direito à vida, o dever principal do Estado é não tirar a vida das pessoas, mas terá como dever secundário proporcionar a todos uma vida digna (fazer). O mesmo se aplica aos direitos sociais. Por exemplo, ao prever o direito à moradia, o Estado tem o dever principal de fazer (proporcionar a moradia para todos), mas terá também o dever secundário de não fazer (não ferindo a propriedade em casos excessivos, como a penhora da pequena propriedade rural)23. 15.6. A eficácia das normas constitucionais definidoras dos direitos sociais Para verificar o grau de eficácia jurídica das normas constitucionais, é necessário verificar sua natureza: se são regras ou princípios. Isso influenciará a forma de aplicação, bem como a hermenêutica dessas respectivas normas. Concordamos com Ana Carolina Lopes Olsen, segundo a qual “parece mais adequado considerar os direitos fundamentais sociais de caráter prestacional como pertencentes a um modelo normativo híbrido de regras e princípios”24. Explica-se: há dispositivos relacionados aos direitos fundamentais sociais que possuem todas as características das regras constitucionais (reduzido grau de abstração, abrangência determinada, delimitada, definida etc.). Por exemplo, o artigo 212 da Constituição Federal, que trata do direito à educação, determina que “a União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a provenientede transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”. Trata-se de uma regra constitucional, altamente exigível, inclusive jurisdicionalmente, cujo descumprimento pode ensejar intervenção federal ou estadual (art. 34 e seguintes da Constituição Federal). Da mesma forma, o artigo 230, § 2o, da Constituição Federal, dispõe que “Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos”. Não obstante, a maioria das normas jurídicas definidoras dos direitos sociais são princípios, normas de alto grau de abstração (moradia, alimentação, segurança, transporte etc.). Como lembra Robert Alexy, ao contrário das regras, os princípios determinam que algo seja realizado na maior medida possível, admitindo uma aplicação mais ou menos ampla de acordo com as possibilidades físicas e jurídicas existentes. São, portanto, mandamentos de otimização. Malgrado a eficácia jurídica seja limitada, em razão do seu menor poder de produzir efeitos concretos imediatos na sua plenitude, tais normas devem ser estudadas em duas perspectivas: uma perspectiva objetiva e uma perspectiva subjetiva. 15.6.1. Perspectiva objetiva das normas definidoras dos direitos sociais e fontes das políticas públicas Segundo a doutrina, embora haja escritos no primeiro pós-guerra acerca da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, é com a Lei Fundamental de Bonn, de 1949 que ocorreu a difusão dessa ideia, máxime com o julgamento do caso Lüth, decidido pela Corte Federal Constitucional da Alemanha. Nesse caso, ficou decidido que “os direitos fundamentais não se limitam à função precípua de serem direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra atos do poder público, mas que, além disso, constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos”25. Um dos corolários dessa perspectiva objetiva, que poderia ser chamado de eficácia- dirigente, refere-se à sua aplicação aos órgãos estatais. Em outras palavras, as normas definidoras dos direitos são mandamentos perenes para o Estado no sentido de que este tem a obrigação permanente de concretização e realização dos direitos fundamentais. Sobre esse aspecto, afirmou Clèmerson Merlin Clève: “esses princípios, esses objetivos, esses direitos fundamentais, vinculam os órgãos estatais como um todo. Vinculam, evidentemente, o Poder Executivo, que haverá de respeitar os direitos de defesa, e ao mesmo tempo propor e realizar as políticas públicas necessárias à satisfação dos direitos prestacionais. Vinculam o Legislador, que haverá de legislar para, preservando esses valores e buscando referidos objetivos, proteger os direitos fundamentais, normativamente, assim como, eventualmente, fiscalizando a atuação dos demais poderes. E, por fim, vincula também o Poder Judiciário que, ao decidir, há, certamente de levar em conta os princípios, os objetivos e os direitos fundamentais”26. Outro corolário seria a utilização dos valores constitucionais como parâmetro no controle de constitucionalidade. Ainda em razão de sua dimensão objetiva, os direitos fundamentais sociais têm o poder de irradiar impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional, que a doutrina alemã denominou de eficácia irradiante dos direitos fundamentais. Da mesma maneira, pode ser destacada, como corolário da dimensão objetiva dos direitos fundamentais sociais, a função de proteção por eles determinada, incumbindo ao Estado o dever de proteção do seu exercício, não somente em relação às ingerências dos poderes públicos, como também às ingerências dos próprios particulares ou de outros Estados. No direito brasileiro, poderíamos encontrar os exemplos do artigo 7o, XXVII (proteção legal em face da automação), art. 7o, XX (proteção de mercado de trabalho da mulher) etc. Nas palavras de Ana Paula de Barcellos, uma eficácia aplicável aos princípios que reconhecem os direitos sociais é a “eficácia jurídica negativa”, cuja ideia é procurar associar ao princípio modalidades de eficácia jurídica capazes, em alguma medida, de assegurar a realização do efeito por ele proposto27. Essa modalidade de eficácia autoriza que sejam declaradas inválidas todas as normas ou atos que sejam contrários aos efeitos pretendidos pela norma. Não obstante, como os efeitos pretendidos pelos princípios são relativamente amplos e indeterminados, é necessário encontrar um núcleo que sirva de parâmetro para essa eficácia negativa. Por essa razão, a ideia de um núcleo mínimo de efeitos se encontra relacionada à aplicação da eficácia negativa. 15.6.2. Perspectiva subjetiva das normas definidoras dos direitos sociais e fontes das políticas públicas Entender que as normas definidoras dos direitos sociais não são capazes de produzir quaisquer efeitos jurídicos subjetivos significa negar a própria força normativa da Constituição. Como lembra Ana Carolina Lopes Olsen, “concebê-las como normas programáticas, incapazes de outorgar aos seus titulares o direito de exigir prestações estatais, bem como incapazes de gerar a responsabilidade do Estado diante do não cumprimento de seu conteúdo significa retirar a força normativa da Constituição, rebaixa- la a mera carta de boas intenções, incapaz de transformar a sociedade”28. Ainda que alto o grau de abstração, ou considerado o caráter programático da norma constitucional, a força normativa da Constituição lhe autoriza a gerar situações subjetivas. Não obstante, dois temas vêm sendo largamente estudados pela doutrina e pela jurisprudência para concretização e tutela desse aspecto subjetivo dessas normas: o dever de tutelar um “mínimo existencial” dessas normas e, de outro lado, os limites da “reserva do possível”. 15.7. Mínimo Existencial Esse assunto foi pela primeira vez abordado no Brasil no ano de 1989, por Ricardo Lobo Torres, no artigo O Mínimo Existencial e os Direitos Fundamentais, publicado na Revista de Direito Administrativo, n. 177. Nesse texto, o autor afirma que o mínimo existencial dos direitos seriam “condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas”29. Para o autor, o mínimo existencial abrange qualquer direito, considerado em sua dimensão essencial e inalienável e não tem dicção normativa específica, estando compreendido em diversos princípios constitucionais, como o princípio da igualdade (que assegura a proteção contra a pobreza absoluta), o respeito à dignidade humana, na cláusula do Estado Social de Direito. Dessa maneira, “o mínimo existencial é direito protegido negativamente contra a intervenção do Estado e, ao mesmo tempo, garantido positivamente pelas prestações estatais. Diz-se, pois, que é direito de status negativus e de status positivo, sendo certo que não raro se convertem uma na outra ou se co-implicam mutuamente a proteção constitucional positiva e a negativa”30. Embora o mínimo existencial tenha sido mencionado na doutrina brasileira apenas após a Constituição de 1988, sua origem está na doutrina alemã, seguida de farta jurisprudência e práxis legislativa e administrativa, desde a década de 1950, após a entrada em vigor da Lei Fundamental de Bonn, de 1949. O primeiro autor a tratar do assunto foi Otto Bachof (conhecido no Brasil apenas por defender a inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias, na obra Normas Constitucionais Inconstitucionais?). O autor alemão, “já no início da década de 1950, considerou que o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1o, inc. I, da Lei Fundamental da Alemanha), não reclama apenas a garantia da liberdade, mas também um mínimo de segurança social, já que, sem os recursos materiais para uma existência digna, a própria dignidade da pessoa humana ficaria sacrificada”31. Um ano depois do texto de Otto Bachof, o recém-criadoTribunal Federal Administrativo da Alemanha reconheceu o direito subjetivo do indivíduo carente a auxílio material por parte do Estado, com base na dignidade da pessoa humana. Anos depois o legislador regulamentou, em nível infraconstitucional, um direito a prestações no âmbito social (art. 4o, inc. I, da Lei Federal sobre Assistência Social). Anos depois, o Tribunal Constitucional Federal também reconheceu o direito fundamental à garantia das condições mínimas para uma existência digna. Segundo a primeira decisão sobre o tema, “a comunidade estatal deve assegurar-lhes pelo menos as condições mínimas para uma existência digna”32. Na doutrina alemã, o mínimo existencial tem se desdobrado em dois aspectos: um mínimo fisiológico, ou seja, as condições materiais mínimas para uma vida digna (sendo esse o conteúdo essencial da garantia do mínimo existencial) e também um mínimo existencial sociocultural, objetivando assegurar ao indivíduo um mínimo de inserção, em razão de uma igualdade real, na vida social. Assim, enquanto o primeiro “encontra-se diretamente fundado no direito à vida e na dignidade da pessoa humana (abrangendo, por exemplo, prestações básicas em termos de alimentação, vestimenta, abrigo, saúde ou os meios indispensáveis para a sua satisfação), o assim designado mínimo sociocultural encontra-se fundado no princípio do Estado Social e no princípio da igualdade no que diz com o seu conteúdo material”33. Dessa maneira, não se pode confundir o mínimo existencial com o mínimo vital ou mínimo de sobrevivência, pois esse é um corolário do direito à vida (art. 5o, “caput”, da Constituição Federal). Não permitir que alguém morra de fome, embora seja o primeiro e mais básico aspecto do mínimo existencial, com ele não se confunde. O mínimo existencial é um conjunto de garantias materiais para uma vida condigna, que implica deveres de abstenção e ação por parte do Estado. Confundir o mínimo existencial com o mínimo vital (de sobrevivência física) é reduzir o mínimo existencial ao direito à vida. Não obstante, como vimos, o direito ao mínimo existencial é muito mais que isso: “implica uma dimensão sociocultural, que também constitui elemento nuclear a ser respeitado e promovido, razão pela qual determinadas prestações em termos de direitos culturais haverão de estar sempre incluídas no mínimo existencial”34. Há uma grande correlação (senão, até mesmo uma sinonímia) entre o mínimo existencial e o núcleo essencial dos direitos sociais35. Como ressalta Virgílio Afonso da Silva, “a simples ideia de um conteúdo essencial dos direitos sociais remete automática e intuitivamente ao conceito de mínimo existencial”36. Segundo o autor, há três formas diferentes de se conceituar o mínimo existencial dos direitos sociais: “1) aquilo que é garantido pelos direitos sociais – ou seja, direitos sociais garantem apenas um mínimo existencial; 2) aquilo que, no âmbito dos direitos sociais, é justiciável – ou seja, ainda que os direitos sociais possam garantir mais, a tutela jurisdicional só pode controlar a realização do mínimo existencial, sendo o resto mera questão de política legislativa; 3) o mesmo que conteúdo essencial – isto é, um conceito que (...) não se confunde com a totalidade do direito social”37. Posicionamo-nos no sentido de combinar as duas decisões acima mencionadas. Mínimo existencial, no nosso entender, não se confunde com o rol constitucional de direitos fundamentais (e sociais), como afirmam alguns. É, pois, mais restrito que cada direito social, visto na individualidade ou no conjunto constitucional. Não há como confundir o “direito ao transporte”, amplo, principiológico, com o “núcleo essencial do transporte”, aquilo que não pode ser reduzido, bem como exige por parte do Estado um conjunto mínimo de ações (algumas delas, positivadas – art. 230, § 2o, CF, por exemplo). Entendemos que o mínimo existencial dos direitos sociais corresponde ao conteúdo essencial desses direitos, ou seja, o um núcleo irredutível das normas definidoras de direitos sociais, que exigem por parte do Estado não apenas omissões, mas também ações. Outrossim, sob pena de transformarmos o mínimo existencial em um mero instituto teórico, sem efeitos práticos concretos, olvidando a força normativa da Constituição e o princípio da eficiência ou máxima efetividade, entendemos também que o mínimo existencial dos direitos sociais pode ser jurisdicionalizado, ou seja, exigido dos Poderes Públicos, pela via jurisdicional. Essa é a posição de Jorge Miranda que, após afirmar que a maior parte dos direitos econômicos, sociais e culturais previstos na Constituição portuguesa depende de legislação integradora, ressalta ser imperativa a observância do conteúdo essencial desses direitos e que, verificadas as condições de sua efetivação, “tais normas podem ser entendidas como tendo aplicação imediata (mesmo se o reconhecimento desses pressupostos e, por vezes, a determinação ou determinabilidade das normas exigem uma intervenção do legislador. Um exemplo é o art. 74, n. 2, alínea a, que assegura o ensino obrigatório e gratuito, ficando, porém, a definição do que seja ‘ensino básico’ a cargo da lei)”38. Os direitos fundamentais sociais não são integralmente exigíveis jurisdicionalmente. Sob o pálio do “direito à educação”, não posso requerer minha matrícula numa universidade pública; sob o manto do “direito à saúde”, não posso exigir minha cirurgia plástica estética no exterior; alegando direito à segurança, não posso exigir que me seja colocado um policial em meu quintal etc. Somente pode ser jurisdicionalizado o mínimo existencial dos direitos sociais39. Parece ser esta também a posição do Supremo Tribunal Federal: “A noção de mínimo existencial, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1o, III, e art. 3o, III), compreende um completo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. (...) O Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torna-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar – mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados” (ARE 639.337, AgR, Rel. Mini. Celso de Mello). De uma maneira mais cautelosa, doutrina e jurisprudência alemãs entendem que esse mínimo pode ser cumprido de várias maneiras, cabendo ao legislador a função de estabelecer as prestações, o montante, as condições de fruição etc. Ao Judiciário, caberá agir em caso de omissão ou desvio de finalidade dos órgãos legiferantes. Segundo o Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 40, 121 [133]), “a liberdade de conformação do legislador encontra seu limite no momento em que o padrão mínimo para assegurar as condições materiais indispensáveis a uma existência digna não for respeitado, isto é, quando o legislador se mantiver aquém desta fronteira”40. No Brasil, nitidamente o Supremo Tribunal Federal vem adotando uma posição mais ativa, impositiva: “o Supremo Tribunal Federal, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais que se identificam – enquanto direitos de segunda geração (ou segunda dimensão) – com as liberdades positivas, reais ou concretas” (trecho do voto do Min. Celso de Mello no RE 745.745 AgR, em 02/12/2014). Outrossim, assim como não podemos considerar como mínimoexistencial a gama ampla de direitos sociais previstos na Constituição, também não podemos reduzir os direitos sociais a este mínimo. A Constituição estabelece ampla gama de direitos sociais, como lazer, segurança, moradia, transporte etc. Não apenas o mínimo exigível desses direitos é constitucional, mas todos eles o são na sua amplitude, generalidade e abstração que lhe são características. Possuem um caráter programático, prospectivo, exigindo por parte do Poder Público um “dever de meio”, ou seja, o dever de implantar políticas públicas capazes de cumprir o máximo possível, dentro dos limites fáticos, jurídicos e orçamentários de cada direito social. Isso se aplica ao transporte, ao lazer, à segurança e quaisquer outros direitos sociais. Entender de forma diversa, reduzindo os direitos sociais à exigência de um mínimo seria retirar deles sua força normativa41. A Constituição afirma que a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário nenhuma lesão ou ameaça a direito (art. 5o, XXXV, CF). Portanto, sempre será possível acionar o Poder Judiciário alegando o descumprimento por parte do Poder Público de um direito social. Todavia, no nosso entender, o Judiciário poderá agir da seguinte maneira: a) não se tratando do mínimo existencial do direito social, deverá verificar se o Poder Público cumpriu seus “deveres de meio”, ou seja, se estabeleceu as políticas públicas necessárias à implementação desse direito, dentro dos limites orçamentários, fáticos e jurídicos. Não obstante, não poderá o Poder Judiciário exigir o cumprimento integral de tais direitos, bem como escolher as melhores políticas públicas, sob pena de violação da separação dos poderes; b) em se tratando do mínimo existencial do direito social, deverá o Poder Judiciário exigir o cumprimento dos deveres estatais, independentemente de argumentos orçamentários, como já decidiu o STF: “A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem- estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá instituir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz e conviver produtivamente com a reserva do possível”. (trecho do voto do Min. Celso de Mello, ADPF 45 MC/DF). Assim, utilizando-nos na clássica distinção entre regras e princípios, entendemos que o mínimo existencial dos direitos sociais é regra, devendo ser cumprida integralmente, enquanto o conteúdo não existencial, essencial desses direitos, são princípios, que devem ser cumpridos na maior intensidade possível, de acordo com os limites fáticos, orçamentários e jurídicos presentes naquele contexto histórico. Por fim, como identificar o mínimo existencial dos direitos sociais? Trata-se de uma das questões mais polêmicas da atualidade. Parte da doutrina tende a estabelecer um rol de direitos sociais considerados mínimos, necessários à vida digna e, portanto, um mínimo existencial. Ana Paula de Barcelos afirma: “O chamado mínimo existencial, formado pelas condições materiais básicas para a existência, corresponde a uma fração nuclear da dignidade da pessoa humana à qual se deve reconhecer a eficácia jurídica positiva ou simétrica. (...) O mínimo existencial que ora se concebe é composto de quatro elementos, três materiais e um instrumental, a saber: a educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à justiça. Repita-se, mais uma vez, que esses quatro pontos correspondem ao núcleo da dignidade da pessoa humana a que se reconhece eficácia jurídica positiva e, a fortiori, o status de direito subjetivo exigível diante do Poder Judiciário”42. Com a devida vênia, discordamos da devida autora que estabelece um rol de direitos considerados como mínimos, como o mínimo existencial constitucionalmente exigido. Embora consideremos os quatro direitos por ela elencados como integrantes do mínimo existencial dos direitos sociais, não os consideramos como um rol taxativo. É possível extrair de outros direitos (como moradia, alimentação etc.) um mínimo existencial jurisdicionalmente exigível. Qual o critério para identificar esse mínimo existencial em outros direitos? No nosso entender, a identificação do mínimo existencial dos direitos (individuais ou sociais) decorre de sua relação e aproximação com o meta-princípio da dignidade da pessoa humana. Como afirma Ingo Wolfgang Sarlet, “cumpre registrar que o reconhecimento de direitos subjetivos a prestações não poderá se restringir às hipóteses nas quais a própria vida humana estiver correndo o risco de ser sacrificada, inobstante seja este o entendimento mais pungente a ser referido. O princípio da dignidade da pessoa humana assume, no que diz respeito com este aspecto, importante função demarcatória, podendo servir de parâmetro para avaliar qual o padrão mínimo em direitos sociais (mesmo como direitos subjetivos individuais) a ser reconhecido. Negar-se o acesso ao ensino fundamental obrigatório e gratuito (ainda mais em face da norma contida no art. 208, § 1o, da CF, de acordo com a qual se cuida de direito público subjetivo) importa igualmente em grave violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que este implica para a pessoa humana a capacidade de compreensão do mundo e a liberdade (real) de autodeterminar-se e formatar a existência, o que certamente não será possível em se mantendo a pessoa sob o véu da ignorância”43. Importante frisar que o mínimo existencial dos direitos varia de acordo com cada direito e com o contexto histórico, como afirma a doutrina: “o próprio conteúdo existencial (núcleo essencial = mínimo existencial) não é o mesmo em cada direito social (educação, moradia, assistência social etc.) não dispensando, portanto, a necessária contextualização (o que é uma moradia digna, por exemplo, varia significativamente até mesmo de acordo com as condições climáticas), bem como a necessária utilização de uma interpretação, simultaneamente tópico e sistemática”44. Outrossim, além de identificar o mínimo existencial dos direitos sociais à luz do princípio da dignidade da pessoa humana (e, nesse ponto, certamente a saúde básica, a educação fundamental e a assistência aos desamparados fazem parte), devemos encontrar nas normas criadas pelo poder constituinte originário as regras mínimas aplicáveis a alguns direitos sociais. Interessantíssima a obra de Élida Graziane Pinto que, sem desprezar o mínimo existencial decorrente de interpretações principiológicas, busca encontrar o “mínimo existencial normativo”, exigível até para o mais positivista dos mortais. Segundo a autora: “mais do que mera orientação, contudo, os arranjos normativos que estabelecem o grau de aquisição normativa na garantia dos direitos fundamentais à saúde e à educação são, em extensão e profundidade, a própria face objetiva de tais direitos”45. Assim, encontraremos na Constituição não apenas princípios constitucionais aplicáveis aos direitos sociais (a maioria), mas também regras aplicáveis à saúde, à educação e até mesmo a outros direitos sociais como o transporte: “Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos” (art. 230, § 2o, CF). Assim, enquanto o “direito ao transporte” é um princípio, que deve ser cumprido na maior intensidade possível, encontrando-se o seu núcleo essencial à luz da dignidade da pessoa humana, o artigo 230, § 2o, CF, é a face mais visível do direito ao transporte, uma regra que deve ser cumpridaintegralmente, considerada pelo próprio constituinte originário um dos mínimos exigíveis do direito ao transporte. a) Mínimo Existencial na Jurisprudência Brasileira O Supremo Tribunal Federal tem se utilizado cada vez mais da teoria do “mínimo existencial dos direitos sociais” para proferir algumas de suas mais importantes e emblemáticas decisões. A maioria das decisões do Supremo acerca do mínimo existencial refere-se a dois importantes direitos sociais: saúde e educação. Quanto ao direito à saúde, por exemplo, no RE 581.488, relatado pelo Min. Dias Toffoli, decidiu o STF: “Não cabe certamente ao Judiciário, já se disse, formular e executar políticas públicas, em qualquer área, inclusive na de saúde. São atividades típicas e próprias dos Poderes Executivo e Legislativo. Entretanto, inexistindo políticas públicas estabelecidas ou sendo elas insuficientes para atender a prestações minimamente essenciais à efetividade do direito fundamental social, abre-se o espaço para a atuação jurisdicional. (...) Mas há igualmente o direito de reclamar, pelas vias jurisdicionais comuns, o que se costuma denominar de mínimo existencial. Considera-se mínimo existencial, para esse efeito, o direito a uma prestação estatal que a) pode ser desde logo identificada, à luz das normas constitucionais, como necessariamente presente qualquer que seja o conteúdo da política pública estabelecida e b) é suscetível de ser desde logo atendida pelo Estado como ação ou serviço de acesso universal igualitário”(voto do Min. Teori Zavascki). No mesmo sentido, ainda quanto ao direito à saúde, decidiu o STF: “O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (RE 271.286/RS, rel. Min. Celso de Mello). Por sua vez, várias foram as decisões do STF no tocante ao mínimo existencial do direito à educação. Por exemplo: “A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV) (RE 639.337, rel. Min. Celso de Mello). No mesmo sentido: “Conforme preceitua o artigo 208, inciso IV, da Carta Federal, consubstancia dever do Estado a educação, garantindo o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. O Estado – União, Estados propriamente ditos, ou seja, unidades federadas, e Municípios – deve aparelhar-se para a observância irrestrita dos ditames constitucionais, não cabendo tergiversar mediante escusas relacionadas com a deficiência de caixa. Eis a enorme carga tributária suportada no Brasil a contrariar essa eterna lengalenga. O recurso não merece prosperar, lamentando-se a insistência do Município em ver preservada prática, a todos os títulos nefasta, de menosprezo àqueles que não têm como prover as despesas necessárias a uma vida em sociedade que se mostre consentânea com a natureza humana. (RE 356.479-0, rel. Min. Marco Aurélio). Não obstante, embora saúde e educação sejam os direitos mais examinados pelo STF, no tocante ao cumprimento do mínimo existencial, há decisões acerca de outros direitos, como o transporte. Na ADI 3.768/DF, relatada pela Min. Cármen Lúcia, o STF decidiu que o artigo 230, § 2o, da Constituição Federal, que assegura aos maiores de 65 anos a gratuidade do transporte público urbano, é norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Afirmou a Ministra Cármen Lúcia: “em essência, tem-se que o direito ao transporte gratuito dos que têm mais de 65 anos não é um fim em si mesmo. A facilidade de deslocamento físico do idoso pelo uso do transporte coletivo haverá de ser assegurado, como afirmado constitucionalmente, como garantia da qualidade digna de vida para aquele que não pode pagar ou já colaborou com a sociedade em períodos pretéritos, de modo a que lhe assiste, nesta fase da vida, direito a ser assumido pela sociedade quanto ao ônus decorrente daquele uso. (...) A gratuidade do transporte coletivo representa uma condição mínima de mobilidade, a favorecer a participação dos idosos na comunidade, assim como viabiliza a concretização de sua dignidade e de seu bem-estar, não se compadece com condicionamento posto pelo princípio da reserva do possível”. Outrossim, além da saúde, da educação e do transporte, o STF também analisou o mínimo existencial do acesso à justiça, ao determinar que o Estado do Paraná criasse, sob pagamento de multa, a Defensoria Pública no Estado (Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento n. 598.212): “Intervenção jurisdicional concretizadora de programa constitucional destinado a viabilizar o acesso dos necessitados à orientação jurídica integral e à assistência judiciária gratuitas (CF, art. 5o, inciso LXXIV, e art. 134) – legitimidade dessa atuação dos juízes e tribunais – o papel do Poder Judiciário na implementação de políticos públicas instituídas pela Constituição e não efetivadas pelo Poder Público. (...) Atividade de fiscalização judicial que se justifica pela necessidade de observância de certos parâmetros constitucionais (proibição do retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proteção insuficiente e proibição de excesso). (...) O descumprimento, pelo Poder Público, do dever que lhe impõe o art. 134 da Constituição da República traduz grave omissão que frustra, injustamente, o direito dos necessitados à plena orientação jurídica e à integral assistência judiciaria e que culmina, em razão desse inconstitucional inadimplemento, por transformar os direitos e as liberdades fundamentais em proclamações inúteis, convertendo-os em expectativas vãs” (rel. Min. Celso de Mello). Assim, como vimos no item anterior, não há um rol taxativo de direitos aptos a gerar o mínimo existencial jurisdicionável. Cabe ao hermeneuta (inclusive o órgão jurisdicional para o qual a questão é levada) verificar quais os aspectos dos direitos sociais decorrem diretamente da dignidade da pessoa humana e quais são aqueles já definidos pelo constituinte originário, por meio de regras de cumprimento imediato, integral e exigível. 15.8. Reserva do Possível Os direitos sociais, vistos como direitos de segunda dimensão ou geração, geram ao Estado um dever principal de agir, de fazer (não obstante, como vimos acima, é também gerado um dever de não fazer). Por essa razão, por estarem vinculados a prestações estatais concretas relacionadas a distribuição de bens materiais, estão intimamente ligados a uma dimensão econômica. Em outras palavras, os direitos têm custos. Esse é o tema central da obra dos professores norte-americanos Stephen Holmes e Cass Sunstein (The Cost of Rights)46. Não obstante, segundo os autores norte-americanos, não apenas os direitos sociais têm custos, mas todos os direitos. No sugestivo título “Por que um Estado sem um Tostão não Pode Proteger Direitos”, os autores afirmam que todos os direitos têm custos, ainda aqueles reconhecidos comodireitos de primeira dimensão ou liberdades públicas. Segundo os autores, essa dicotomia entre direitos de primeira dimensão (como direitos negativos) e os direitos de segunda dimensão (como direitos positivos) “tem raízes profundas no pensamento comum. Enquanto alguns americanos que desejam estar sozinhos prezam pela imunidade da interferência pública, outros desejam ser socorridos conforme os direitos de ajuda pública. Direitos negativos excluem o governo, direitos positivos convidam e demandam o governo. (...) Direitos negativos tipicamente protegem a liberdade; direitos positivos tipicamente promovem a equidade. (...) ‘Onde há um direito, há um remédio’, é uma máxima legal clássica. (...) Direitos são custosos porque remédios são custosos. A aplicação da lei é cara, especialmente uma aplicação uniforme e justa. (...)Isto é, a liberdade pessoal não pode ser assegurada apenas pela limitação da interferência governamental na liberdade de ação e associação. Nenhum direito é simplesmente o direito de ser deixado sozinho pelos funcionários públicos. Todos os direitos são reivindicações de uma resposta afirmativa do governo”47. Embora todos os direitos tenham um custo, evidentemente os direitos sociais, que necessitam de reiteradas políticas públicas, têm um custo imediato mais intenso, impactante no orçamento, motivo pelo qual levantou-se a tese da “reserva do possível”: limites fáticos, jurídicos e orçamentários que impedem o cumprimento imediato do direito social. Nas palavras de Ana Carolina Lopes Olsen, “a reserva do possível corresponde a um dado de realidade, um elemento do mundo dos fatos que influencia na aplicação do Direito”48. A teoria da reserva do possível surgiu na Alemanha, no início dos anos 1970. “De acordo com a noção de reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, uma vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres políticos. A partir disso, a ‘reserva do possível’ (Der Vorbehalt des Möglichen) passou a traduzir (tanto para doutrina majoritária, quanto para a jurisprudência constitucional na Alemanha) a ideia de que os direitos sociais a prestações materiais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, disponibilidade esta que estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público”49. Assim, a reserva do possível não é parte integrante dos direitos fundamentais sociais, ou do núcleo essencial desses direitos. Pelo contrário! Trata-se de uma limitação jurídica e fática à execução desses direitos. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, três são as dimensões da reserva do possível: a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para execução dos direitos; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, decorrente da distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas; c) a proporcionalidade e razoabilidade da prestação50. Como compatibilizar a reserva do possível com o mínimo existencial dos direitos fundamentais acima estudados. Concordamos com a posição atualmente adotada pelo Supremo Tribunal Federal. A reserva do possível pode ser utilizada para limitar o cumprimento dos direitos sociais, exceto quanto ao mínimo existencial desses direitos. Ou seja, não se pode alegar a reserva do possível (limites orçamentários, financeiros etc.) para deixar de cumprir o mínimo existencial da educação, da saúde etc. Assim decidiu o STF, na ADPF 45: “A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana (ADPF 45 MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello). No mesmo sentido, na ADPF 347, relatada pelo Min. Marco Aurélio, “Sistema carcerário – O argumento de escassez de recursos não pode prevalecer, por tratar-se da satisfação do mínimo existencial dos presos, o que afasta a limitação pela reserva do possível, assim como ‘a posição de garante do Estado em relação aos presos’”. Veemente o voto do Ministro Marco Aurélio nesse sentido, no RE 356.479: “Conforme preceitua o artigo 208, inciso IV, da Carta Federal, consubstancia dever do Estado a educação, garantindo o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade51. O Estado – União, Estados propriamente ditos, ou seja, unidades federadas, e Municípios – deve aparelhar-se para a observância irrestrita dos ditames constitucionais, não cabendo tergiversar mediante escusas relacionadas com a deficiência de caixa. Eis a enorme carga tributária suportada no Brasil a contrariar essa eterna lengalenga. O recurso não merece prosperar, lamentando-se a insistência do Município em ver preservada prática, a todos os títulos nefasta, de menosprezo àqueles que não têm como prover as despesas necessárias a uma vida em sociedade que se mostre consentânea com a natureza humana”. Por fim, importante frisar que, segundo doutrina e jurisprudência, caso o Estado- Administração alegue a reserva do possível, terá ele o ônus de provar a impossibilidade. Em outras palavras, não cabe ao doente provar que o Estado pode arcar com as despesas do seu medicamento, mas o Estado tem o ônus de provar a impossibilidade de arcar com essa despesa: “É preciso ressaltar a hipótese de que, mesmo com a alocação dos recursos no atendimento do mínimo existencial, persista a carência orçamentária para atender a todas as demandas. Nesse caso, a escassez não seria fruto da escolha de atividades não prioritárias, mas sim da real insuficiência orçamentária. Em situações limítrofes como essa, não há como o Poder Judiciário imiscuir-se nos planos governamentais, pois eles, dentro do que é possível, estão de acordo com a CF/88, não havendo omissão injustificável. Todavia, a real insuficiência de recursos deve ser demonstrada pelo Poder Público, não sendo admitido que a tese seja utilizada como uma desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, principalmente os de cunho social” (STJ – RESP 1.185.474, rel. Min. Humberto Martins). 15.9. Direitos fundamentais e proibição do retrocesso (“efeito cliquet”, efeito catraca, “ratchet effect”, proibição de “contra-revolução social” ou “evolução reacionária) O princípio da proibição do retrocesso (ou vedação do retrocesso) guarda íntima correlação com o princípio da segurança jurídica, previsto no art. 5o, “caput”, da Constituição Federal, um dos princípios inarredáveis e essenciais do Estado de Direito. Nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello, a segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do ser humano, viabilizando, mediante a garantia de certa estabilidade nas relações jurídicas e da própria ordem jurídica, tanto elaboração de projetos de vida, bem como de sua realização, de sorte que desde logo verifica-se que a segurança jurídica decorre da dignidade da pessoa humana52. Nas palavras da professora da Universidade do Porto Luísa Neto, “a garantia da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito corresponde a uma ideia de proteção da confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica. Nesse sentido, o princípio da segurança jurídica vale em todas as áreas da atuação estatal, traduzindo-se em exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e, especialmente, ao legislador”53. Embora não prevista genericamente na Constituição brasileira, há alguns aspectos da proibição do retrocesso que estão positivados. Por exemplo, o artigo 5o, XXXVI, da ConstituiçãoFederal determina que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” e o artigo 60, § 4o, IV, da Constituição Federal, que impede a Emenda Constitucional tendente a abolir direitos e garantias individuais. A questão mais polêmica e central do tema é a possiblidade (ou não) de se adotar atos pelo Poder Público que tenham efeitos prospectivos, mas que interfiram na execução de direitos até então tutelados juridicamente. “Em suma, a questão central que se coloca nesse contexto específico da proibição de retrocesso é a de saber se e até que ponto pode o legislador infraconstitucional (assim como os demais órgãos estatais, quando for o caso) voltar atrás no que diz com a implementação dos direitos sociais, assim como os objetivos estabelecidos pelo constituinte – por exemplo, no art. 3o da Constituição de 1988 – no âmbito das normas de cunho programático (ou impositivo, se preferirmos esta tecnologia) ainda que não o faça com efeitos retroativos e que não esteja em causa uma alteração do texto constitucional”54. Embora o fenômeno não seja aplicado apenas aos direitos sociais, é nessa seara que encontra a maior discussão, pois maior a possibilidade de cessação de medidas que tutelam os direitos, por conta de limitações fáticas, orçamentárias, orientações políticas etc. O fenômeno pode ser chamado de “proibição do retrocesso”, “vedação do retrocesso”, “ratchet effect” (no inglês)55 ou “efeito cliquet” (no francês). Essas últimas expressões, que numa tradução literal, são “efeito catraca” (expressão que, decorrente do alpinismo, significa o movimento que só permite o alpinista ir para cima, ou seja, subir, já que os pinos de sustentação estão sempre acima do alpinista). A expressão foi usada na jurisprudência do Conselho Constitucional francês (cliquet effet) para fornecer proteção especial para certas liberdades, declarando inconstitucional a lei que, em vez de torná-los mais eficazes, restringem-nos excessivamente. Por exemplo, na Decisão n. 83.165 DC, de 20 de janeiro de 1984, o Conselho Constitucional considerou inconstitucional a revogação total da lei da liberdade acadêmica, de 12 de novembro de 1968, sem substituição de uma nova lei para amparar os respectivos direitos. Um dos maiores defensores da proibição do retrocesso foi o professor de Coimbra José Joaquim Gomes Canotilho, segundo o qual, após sua concretização em nível infraconstitucional, os direitos sociais assumem, simultaneamente, a condição de direitos subjetivos a determinadas prestações estatais e de uma garantia institucional, de tal sorte que não se encontram mais na esfera de disponibilidade do legislador, no sentido de que os direitos adquiridos não mais podem ser reduzidos ou suprimidos, sob pena de flagrante infração do princípio da proteção da confiança (por sua vez, diretamente deduzido do princípio do Estado de Direito), que, de sua parte, implica a inconstitucionalidade de todas as medidas que inequivocamente venham a ameaçar o padrão de prestações já alcançado. Nas palavras do professor português: “a ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reacionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional a um direito subjetivo. (...) O reconhecimento dessa proteção de ‘direitos prestacionais de propriedade’, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjetivamente alicerçadas. A violação do núcleo essencial efetivado justificará a sanção da inconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada ‘’justiça social’”56. No Brasil, Luís Roberto Barroso afirma que “por este princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico constitucional, entende-se que, se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido”57. Dessa maneira, o legislador não pode ser simplesmente eliminar as normas e os atos concretizadores dos direitos sociais, pois isto equivaleria a retirar a eficácia jurídica das normas constitucionais definidoras dos direitos sociais. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, a proibição do retrocesso, implícita no sistema constitucional brasileiro, decorre dos seguintes princípios e argumentos constitucionais: a) princípio do Estado Democrático e Social de Direito (que impõe um patamar mínimo de segurança jurídica, o que abrange a proteção da confiança e manutenção de um mínimo de continuidade da ordem jurídica, além de uma segurança contra medidas retroativas e atos de cunho retrocessivo de um modo geral); b) princípio da dignidade da pessoa humana (que exige um conjunto de prestações positivas, a fim de garantir uma existência condigna a todos); c) princípio da eficiência ou máxima efetividade, decorrente do artigo 5o, § 1o, CF, que assegura a maior eficácia possível das normas definidoras de direitos sociais etc. Por sua vez, a professora portuguesa Luísa Neto, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional português, identificou os requisitos cumulativos que corporificam a “confiança” nos direitos sociais, a “segurança jurídica”, que impediria o retrocesso: “necessário (1) em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados ‘expectativas’ de continuidade; (2) depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; (3) em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do ‘comportamento’ estadual; (4) por último, ainda é necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa”58. Importante frisar que a proibição do retrocesso aplica-se a todos os direitos sociais, embora encontre maior ressonância nos direitos sociais, motivo pelo qual, nesse aspecto, é também chamada de proibição do retrocesso social. A proibição do retrocesso não se aplica apenas ao legislador, embora esse tenha uma posição de destaque, mas também aos órgãos executivos, em especial no campo das políticas públicas e sua respectiva execução. O Supremo Tribunal Federal, por várias vezes, utilizou-se do princípio da proibição do retrocesso, especialmente no tocante aos direitos sociais. Na ADPF 45, o Ministro Celso de Mello mencionou em seu voto: “Para além de todas as considerações que venho a fazer, há ainda, Senhor Presidente, um outro parâmetro constitucional que merece ser invocado. Refiro-me ao princípio da proibição do retrocesso, que, em tema de direitos fundamentais de caráter social, impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive, consoante adverte autorizado magistério doutrinário. (...) Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à saúde), impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses – de todo inocorrente na hipótese – em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais”. Como compatibilizar o princípio da proibição do retrocesso e as crises econômicas? No nosso entender, com drástica redução do orçamento, por conta da queda da arrecadação, é impossível manter o mesmo número de políticas públicas,com a mesma intensidade, com a mesma amplitude. Reduzindo-se a arrecadação, como manter o investimento do FIES, PROUNI, Bolsa Família e outros programas que atingiram seu ápice quando da pujança econômica? Como vimos anteriormente, os direitos têm custos e eles são impactados pelo orçamento exequível. Dessa maneira, no nosso entender, o princípio da proibição do retrocesso deve ser revisitado em tempos de crise. O próprio professor Canotilho, um dos maiores defensores esse princípio, profetizou: “A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fática)”59. Em texto posterior, foi bem mais pessimista o mestre português: “O rígido princípio da ‘não reversibilidade’ ou, formulação marcadamente ideológica, o ‘princípio da proibição da evolução reacionária’ pressupunha um progresso, uma direção e uma meta emancipatória e unilateralmente definidas: aumento contínuo de prestações sociais. Deve relativizar-se este discurso que nós próprios enfatizamos noutros trabalhos. A dramática aceitação de ‘menos trabalho e menos salario, mas trabalho e salário e para todos, o desafio da bancarrota da previdência social, o desemprego duradouro, parecem apontar para a insustentabilidade do princípio da não reversibilidade social”60. No nosso entender, o retrocesso pode ocorrer quando constitucionalmente justificável, mas não poderá atingir o mínimo existencial dos direitos sociais, o núcleo essencial dos direitos sociais, ou seja, o mínimo dos direitos sociais relacionados à dignidade da pessoa humana e necessários à vida saudável e digna61. Nesse sentido, afirma Ingo Wolfgang Sarlet: “mediante a supressão pura e simples do próprio núcleo essencial legislativamente concretizado de determinado direitos social (especialmente dos direitos sociais vinculados ao mínimo existencial) estará sendo afetada em muitos casos, a própria dignidade da pessoa, o que desde logo se revela inadmissível, ainda mais em se considerando que na seara das prestações mínimas (que constituem o núcleo essencial mínimo judicialmente exigível dos direitos a prestações) para uma vida condigna não poderá prevalecer até mesmo a objeção da reserva do possível e a alegação de uma eventual ofensa ao princípio democrático e da separação dos poderes”62. Em outras palavras, “uma medida de cunho retrocessivo, para que não venha a violar o princípio da proibição de retrocesso, deve, além de contar com uma justificativa de porte constitucional, salvaguardar – em qualquer hipótese – o núcleo essencial dos direitos sociais, notadamente naquilo em que corresponde às prestações materiais indispensáveis para uma vida com dignidade para todas as pessoas”63. Diante de severa crise econômica, o Tribunal Constitucional português teve que se deparar com o conflito entre o princípio da proibição do retrocesso e a necessidade fática e imperiosa de um retrocesso das políticas públicas e, em alguns casos, até mesmo de direitos individuais (suas decisões passaram a receber o nome de “A Jurisprudência da Crise”). Refutando a teoria da proibição do retrocesso, fixou parâmetros, garantias de estabilidade frente aos retrocessos sociais, no Ac. TC n. 509/02: “é difícil aceitar um princípio geral do ‘acquis social’ ou da ‘proibição do retrocesso’, sob pena de se sacrificar a ‘liberdade constitutiva’ do legislador, sobretudo numa época em que ficou demonstrado que não existe uma via única e progressiva para atingir a sociedade justa. Todavia, pode- se afirmar que existe uma certa garantia de estabilidade: a) uma garantia mínima, no que se refere à proibição feita ao legislador de pura e simplesmente destruir o nível mínimo adquirido; b) uma garantia média, quando se exige às leis ‘retrocedentes’ o respeito pelo princípio da igualdade (como proibição do arbítrio) e do princípio da proteção da confiança; c) uma garantia máxima, apenas nos casos em que se deve concluir que o nível de concretização legislativa beneficia de uma tal ‘sedimentação’ na consciência da comunidade que deve ser tido como ‘materialmente constitucional’”. Em tempos de crise financeira, déficit orçamentário, cabe ao Judiciário apreciar as medidas restritivas, o retrocesso social operado e decorrente da inevitabilidade dos fatos, verificando se houve excessos irrazoáveis, desproporcionais, que firam o núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais. O Tribunal Constitucional português vem denominando tal análise de “limites do sacrifício”. No AC do TC n. 353/2012, que examinou a Lei do Orçamento do Estado para 2012, o Tribunal Constitucional português, ao analisar a redução de vencimentos, que havia frustrado as “expectativas fundadas” e a proteção da confiança, afirmou que estaria ela dentro dos “limites do sacrifício”, pois, “a serem indispensáveis, as reduções remuneratórias não se podem considerar excessivas, em face das dificuldades a que visam fazer face. Justificam esta valoração, sobretudo, o seu caráter transitório e o patente esforço em minorar a medida do sacrifício exigido aos particulares, fazendo-a corresponder ao quantitativo dos vencimentos afetados”. Dessa maneira, as crises econômicas recentes decretaram, senão a morte, o enfraquecimento substancial da proibição do retrocesso. Enquanto em terras brasileiras ainda se prestigia o princípio, seja na doutrina, seja nas decisões judiciais, como se fosse a tábua de salvação dos direitos sociais, na Europa, o cenário é bem diverso: “Paulo Otero alude à passagem da ‘hipervalorização doutrinaria à arqueologia argumentativa’, no sentido de que o princípio da proibição do retrocesso se ter tornado, hoje, numa ‘peça retórica de pura arqueologia jurídica’. Também em França, Dominique Chagnollaud entende que este princípio está em vias de extinção, tendo perdido uma relevância significativa a partir do momento em que o Conselho Constitucional deixou de o aplicar em termos absolutos e passou a ter um entendimento mais relativo do mesmo”64. Dessa maneira, a “jurisprudência da crise”, o enfraquecimento (ou até mesmo a negação) do princípio da proibição do retrocesso não significa dar uma carta branca para o legislador ou administrador, com a plena liberdade de abolir as políticas públicas e as leis que regulamentam os direitos sociais. Evidentemente não é isso! Há limites para sua atuação. Como dissemos antes, o retrocesso pode ocorrer quando devidamente justificado (restrições orçamentárias sérias), mas não poderá atingir o mínimo existencial dos direitos sociais, o núcleo essencial dos direitos sociais, ou seja, o mínimo dos direitos sociais relacionados à dignidade da pessoa humana e necessários à vida saudável e digna. A própria constituição estabelece um mínimo existencial dos direitos sociais, como vimos anteriormente. Assim, mesmo em tempos de crise econômica, o mínimo assegurado pela própria Constituição e o mínimo que decorre da dignidade da pessoa humana não poderão ser violados, em razão de um dos corolários do princípio da proporcionalidade, que estudamos em capítulo anterior: a vedação da proteção insuficiente (untermassverbot). 15.10. Questões comentadas 1. (ANALISTA DE PLANEJAMENTO – ESAF – 2015) Sobre o conteúdo do “direito ao mínimo existencial” e sua relação com os “direitos fundamentais sociais”, podemos fazer as seguintes afirmações, com exceção de: a) em sede de direitos sociais, a Constituição federal fixa diretrizes básicas de políticas públicas, como, por exemplo, a fixação de percentual mínimo de recursos a serem aplicados na manutenção de desenvolvimento do ensino. b) diante de uma norma constitucional que estabelece recursos mínimos para a saúde e uma decisão discricionária de alocação de recursos orçamentários para a habitação, aliado à realidade fática que reclama ações urgentes no âmbito da saúde pública, é muito provável que seja dada prioridade à saúde, sacrificando a habitação naquele momento. c)
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