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Filosofia Grega Pre Socratica 4Ed Pinharanda Gomes 1994

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COLECÇÃO FILOSOFIA & ENSAIOS 
FILOSOFIA 
GREGA 
PRÉ-SOCRÁTICA 
PINHARANDA GOMES 
QUARTA EDIÇÃO 
Com selecção de textos, tradução, introdução 
e aparato crítico de Pinharanda Gomes, 
apresentam-se os textos integrais dos filósofos pré-
-socráticos e suas diferentes escolas: a Cosmogonia 
remota, as Escolas J ónica, Itálica, Eleática e 
Abderítica, a Sofística. 
GUIMARÃES EDITORES 
FILOSOFIA 
GREGA 
PRÉ-SOCRÁTICA 
Quando a moderna divulgação 
científica afirma que a vida nasceu do 
mar, está longe, ou perto, da filosofia 
grega que, na água, situava a origem de 
toda a existência? 
Que tem a sabedoria grega pré-
-socrática a ver com a civilização e a cul-
tura contemporâneas? 
Houve um progresso real e efectivo 
quanto ao conhecimento dos primeiros 
princípios, ou, tudo o que acerca deles 
sabemos já se encontra enunciado na 
filosofia pré-socrática? 
As interrogações eleáticas sobre o 
princípio, a origem, o processo e os fins 
universais já foram solvidas pelo progresso 
científico? 
Que sabe o homem contemporâneo, 
a mais do que Zenão, sobre a realidade do 
pensamento e do movimento? 
Esta selecção de textos não deixará de 
provocar um clima de fecunda perplexi-
dade. 
COLECÇÃO FILOSOFIA & ENSAIOS 
FILOSOFIA 
GREGA 
PRÉ-SOCRÁTICA 
PINHARANDA GOMES 
QUARTA EDIÇÃO · 
GUIMARÃES EDITORES • LISBOA 
COLECÇÃO FILOSOFIA E ENSAIOS 
FILOSOFIA GREGA 
PRÉ-SOCRÁTICA 
1.a edição- Janeiro, 1973 
2.a edição -Abril, 1980 
3.a edição- Novembro, 1987 
4.a edição- Outubro, 1994 
FILOSOFIA GREGA 
PRÉ-SOCRÁTICA 
PINHARANDA GOMES 
QUARTA EDIÇÃO 
LISBOA 
GUIMARÃES EDITORES 
1994 
SUMÁRIO 
NOTA À 2. a EDIÇÃO 9 
PREFÁCIO 11 
INTRODUÇÃO 
I. A leitura 17 
II. As fontes documentais 22 
III. Perspectiva histórico-filosófica 27 
1. A cosmogonia remota 28 
2. A escola jónica 34 
3. A escola itálica 47 
4. A escola eleática 54 
5. A escola atomista 64 
6. A sofística 69 
IV. Síntese final 77 
V. Bibliografia 79 
FILOSOFIA GREGA PRÉ-SOCRÁTICA (Textos) 83 
I. A cosmogonia remota 8 5 
1. Homero 85 
2. Hesíodo 88 
3. Orfismo 90 
4. Os sete sábios 93 
II. A EscolaJónica 99 
1. Tales de Mileto 99 
2. Anaximandro de Mileto 102 
3. Anaxímenes de Mileto 104 
4. Anaxágoras de Clazómenas 106 
5. Arquelau de Atenas 113 
6. Heraclito de Éfeso 114 
7 Diógenes de Apolónia 126 
III. A Escola Itálica 131 
1. Ferécides de Siro 131 
2. Pitágoras de Samos 132 
3. Empédocles de Agrigento 137 
4. Alcméon de Crotona 155 
5. Filolau de Crotona 158 
6. Eurito de Crotona 162 
7. Arquitas de Tarento 163 
IV. A Escola Eleática 167 
1. Xenófanes de Cólofon 167 
2. Parménides de Eleia 172 
3. Melisso de Samos 180 
4. Zenáo de Eleia 183 
V. A Escola Atomista 187 
1. Leucipo de Abdera 187 
2. Demócrito de Abdera 188 
VI. A Sofística 213 
1. Protágoras de Abdera 213 
2. Górgias de Leontinos 217 
3. Pródico de Ceos 222 
4. Hípias de Élis 226 
Glossário e Índice dos Principais 
N ornes Próprios citados no Texto 229 
I 
r 
NOTA A 2.a EDIÇAO 
Q uando, em janeiro de 1973, Guimarães Editores publi-cou a Filosofia Grega Pré-Socrática, o leitor era colocado 
perante a primeira tentativa de criação de uma obra do género 
elaborada no nosso país, e por um autor português. 
Patentes, nela, as virtudes e os defeitos, a crítica mais escla-
recida, algumas vezes colaborante e útil !I), soube dizer de sua 
justiça. E, quando assinalou as deficiências, não deixou de reco-
nhecer o esforço que a obra constituía, já como devoção traba-
lhosa do autor, já como risco do editor. 
Não pudémos, aqui, como noutros escritos nossos, aceitar 
sem íntima discussão os contributos da crítica; mas não hesitá-
mos em introduzir aqueles que nos pareceram razoáveis. 
Esta nova edição não é um novo livro. É o texto da I. a edi-
ção, com algumas significativas variantes, resultantes de cortes e 
de acrescentos, de clarificações e de ajustamentos, o que, tudo 
junto, de modo nenhum altera na essência a perspectiva inicial. 
Quanto a esta, estamos certos de a ter mantido, porquanto o 
modificado se situa mais no domínio do acidental do que no 
domínio do principia!. 
(1) Cumpre-nos mencionar, entre outras críticas, as de Carlos Alberto 
Louro da Fonseca (Humanitas, XXIII-XXIV, 574-77), António Martins 
(Rev. Port. de Fi/., Sup. Bib., n.0 55, 274), ]. Barata-Moura (Didaskalia, 
III, 1, 1986-98), Maria Emília Sal e ma (Diário de Notícias, 6-9-1973), 
P. Dias Palmeira (ltinerarium, 84, 223) e António Quadros, (Diário 
Popular, 22--3-1973). 
Entretanto, o país terá sido enriquecido com obras equiva-
lentes, mormente traduzidas de uma que outra língua viva. 
O facto é vantajoso, porque a opção não se faz sem escolha, e a 
escolha não se faz sem variedade. 
Quanto a nós, resta a garantia de esta ser, com todas as pos-
síveis limitações, a nossa, e não de outro, «filosofia grega pré-
-socrática>>, que o público, de uma forma geral, distinguiu. 
PREFACIO 
E m modo prefocial seja-nos permisso apresentar esta edição 
antológica da filosofia grega pré-socrática, e justificar 
alguns pontos de relevo sobre a matéria versada. 
Motivar a edição por causas extrínsecas, eis o que se nos afi-
gura prescindível, porque, já na faculdade, já no seminário, 
muitos assumem a tarefo de ensinar a filosofia pré-socrática, nos 
currículos que pedem tal ensino. A inexistência, ou a limitada 
existência, de bibliografia portuguesa sobre o tema (louvor se 
presta, por devido, à professora D. Maria Helena da Rocha 
Pereira, de Coimbra, e ao professor Gerd Bornheim, do Brasil, a 
quem se devem peculiares manuais didácticos, de cuja valia nos 
não cabe ajuizar!) ndo demonstram que a filosofia pré-socrática 
seja ignorada; quando muito, podem servir de argumento proba-
tório à tese que afirma haver, desde longa data, neste país, um 
profimdo desinteresse pela filosofia como pura filosofia, mesmo 
quando se julga que, saber de filosofia, é saber da sua história. 
Sem dúvida, a filosofia não é uma arte profona, e torna-se 
igualmente duvidoso saber o que pode ensinar-se, se a filosofia, se 
a arte de filosofor, se a mera história da filosofia. Por tal motivo, 
enquanto o movimento editorial se desenvolve no fomento de 
edições respeitantes às categorias do saber, a filosofia implica 
problemas de vária ordem, dos quais, e não o menor, será o da 
comunicação, que se resume genericamente ao seguinte: a) a filo-
sofia deve ser posta à disposição de todos, transferindo o ensino 
12 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
das aulas, ou o <<private tuiton», para os livros, que se oferecem à 
compra do grande público? b) no caso de ser posta ao dispor 
comunitário, qual a forma apropriada de expressar e de comuni-
car o pemamento filosófico? 
Assumindo que a filosofia não se destina a todos, mas assu-
mindo, também, que todos podemos ensaiar o acesso à filosofia, 
forçosamente se devém para o segundo termo do problema qual 
seja o de encontrar uma veiculação que se ajeite à eventualidade 
dos leitores, e à seriedade do tema. 
Quando se publica um livro, visa-se principalmente uma 
expressão comunicante e comunicável. Tal regra nos orientou na 
feitura da presente antologia, que, por isso, não surge, nem para 
disputar a dificuldade da erudição estabelecida, nem para fran-
quear a facilidade da ignorância acossada. A liberdade, outra 
designação para a temperança, continua sendo o meio termo 
entre a avareza da erudição e a carência da ignorância. 
Dos que desejam aprender, um buscam a escola, outros os 
livros. Ou o aprendiz vai à escola, ou o livro vai ao aprendiz, de 
onde o viso desta edição se tornar evidente e justificado. Em face 
do que, gostaríamos de sublinhar algumas características da 
obra, características essas, que desejaríamos ver olhadas como 
causas de possíveis benefícios.Em termos de utilização, as antolo-
gias deste tipo não se distinguem umas das outras, a não ser pelos 
benefícios que oferecem. Das características técnicas, diremos o 
seguinte: 
I. O leitor fará o favor de entender que projectámos uma 
antologia filosófica, não uma antologia científica. As fontes de 
que nos servimos, quer como fontes básicas, quer como fontes 
consultivas, eram abundantes em doxografia, de que s6 recolhe-
mos parte. 
Quanto à ordenação, achámos por bem seguir a prática 
adoptada em manuais divulgativos publicados em outros países, 
para fins didácticos, respeitando a numeração estabelecida por 
Diels, 8. a edição (1956), com excepção do referente à Sofística e 
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 13 
às notas biográficas e doxográficas, onde adoptámos a nossa pró-
pria numeração. 
Sem prejuízo da necessária consulta da obra de Diels, sem-
pre que as circunstâncias o peçam, teve-se em mente facilitar aos 
estudantes uma refirência para exercícios de menor responsabili-
dade, tanto mais que se admite que, em trabalhos de maior res-
ponsabilidade, o estudante não deixará de consultar, ou Diels, 
ou Mullach, consoante a orientação que lhe for proposta. 
2. Por via de regra, cada autor encontra-se representado 
com a biografia, uma doxografia e os fragmentos. 
Por biografia, entenda-se um mínimo de informação sobre 
a vida e as obras, retirada de fontes antigas, devidamente refi-
renciadas. 
Por doxografia, entenda-se um mínimo de opiniões atri-
buídas aos autores, também refirenciadas a fontes antigas. 
Por fragmentos, entenda-se a totalidade dos mesmos, atri-
buída à autoria dos pré-socráticos antologiados. 
3. As fontes vão, por via de regra, citadas na íntegra a 
menos que, no sentido de evitar frequentes repetições, se haja 
adoptado uma ou outra sigla. 
Esse critério foi adoptado para «D.L.» (Diógenes Laércio) 
e para a sua obra Vidas, doutrinas e sentenças dos filósofos, e 
para <<Aécio>>, cuja menção significa encontrar-se em refirência a 
sua obra Opiniões. 
No mais, e que tenhamos visto, efictuou-se sempre a inte-
gral citação das fontes, incluindo as numerações dos livros, capí-
tulos, partes, e nomes dos autores. 
4. Para facilitar a arntmação de materiais, e para evitar 
capítulos à parte, os apotegmas dos Sete Sábios vão abusiva-
mente incluídos no 1. 0 capítulo. 
5. Os nomes citados nos textos aparecem, por vezes, comen-
tados em rodapé, mas a maior parte foi remetida para um índice 
final, onde a consulta se torna funcional. 
14 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
Qualquer explicação, apenas em referência a nomes signifi-
cativos, pode ser procurada na tábua onomástica final. 
Pareceu-nos sensato evitar a sobrecarga de notas comentarís-
ticas ao texto. O leitor erudito prescinde de tais notas e, quanto 
ao leitor médio, não se sentirá inibido de efectuar uma leitura 
tanto quanto possível linear. 
6. Quanto à tradução em geral: salvo no primeiro capítulo, 
pareceu-nos mais consentânea com as realidades a versão em 
prosa. Embora a filosofia não tenha de ser obrigatoriamente 
comunicada em prosa, o formulário poético, com seus correspon-
dentes atavios, dificulta a linear leitura das ideias; por outro 
lado, a relação entre os ritmos poéticos gregos e portugueses ofe-
rece dificuldades várias a quem falece a impiração rítmica. 
Quanto aos onomásticos, procurámos respeitar as normas do 
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia 
das Ciências. 
7 Uma palavra de referência ao aparato introdutório, 
através do qual, de forma nenhuma, se pretende evitar a leitura 
fimdamental dos textos. 
A Introdução visa apenas, por um lado, a respeitar o cos-
tume de apensar tal aparato às obras antológicas e, por outro, 
tentar discernir algumas motivações, constantes e variantes, na 
unidade pluralizada da filosofia grega pré-socrática. 
O leitor menos afeito ao tema poderá, se quiser, e sem o pre-
conceito de acatamento das opiniões do introdutor, passar uma 
vista de olhos ao que na introdução se escreve. Em todo o caso, 
uma leitura viva e vivenciável será a que o leitor efectuar, des-
prevenido da norma alheia. 
8. Enfim, tentámos restringir a enorme gama de bibliogra-
fia consultada a uma selecção bibliográfica, cujo conhecimento se 
tornará mais acessível. As espécies constantes da nossa 
Bibliografia remetem, por norma, para outra, e esta para outra, 
ainda. O leitor que procure a leitura suficiente e fimcional, 
jamais a leitura adiposa e infuncional, pois, como antes afirmá-
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 15 
mos, o livro vale pelo beneficio, em primeiro lugar, e só pelas 
características, em segundo lugar. 
9. Uma palavra de agradecimento para quantos, em avisos 
e sugestões, nos ajudaram a completar este trabalho de quase três 
anos, realizado a intermitências com outras tarefas. Uma obra 
que se publica é um risco que se corre, e a firmeza que os livros 
oferecem, mesmo quando muito valiosos, é problemática. Que o 
saber firme, só no firmamento! 
E porque, se for para bem, a graça lhes retribuirá e, se for 
para mal, teriam de ser envolvidos no processo, o autor pede 
licença para omitir os nomes de quantos o ajudaram. A glória 
que lhes advém de suas obras, nunca seria aumentada com a 
pobreza das palavras de quem lhes deve a gratidão. 
INTRODUÇÃO 
I. A LEITURA 
A s leituras são objectivas e subjectivas. Por exemplo: se lermos o teorema de Pitágoras, havemos de o fazer 
objectivamente, queiramos ou não queiramos, porque a sua 
formulação é limitada, isto é, enuncia-se e determina-se num 
conjunto de postulados apriorísticos, que impossibilita uma 
outra interpretação que não seja a literal e figurativamente 
contida no teorema. Tomemos, ainda, o conceito de triân-
gulo, e veremos como a leitura da palavra, que contém esse 
conceito, só permite ser lida como triângulo, ou algo que se 
determina na convergência de três ângulos. Agora, se lermos 
o substantivo caos (xáoç), eis que essa leitura se prefigura 
logo em toda a subjectividade, e tanto o podemos interpretar 
na forma habitual de desordem, como noutros sentidos, em 
que se intuirão conceitos de vazio, de não-ser, de i/imitação, 
de origem, de envolvência esférica, etc., conceitos que apare-
cem de modo mais ou menos intermitente e permanente, na 
generalidade da filosofia grega pré-socrática. A filosofia pré-
-socrática não pode ser lida pelas mesmas regras pelas quais 
efectuamos a leitura de filosofias mais próximas da nossa 
geração. Porque, enquanto a leitura da filosofia próxima 
assenta nos subsídios exegéticos de uma tradição estreita-
mente unida a nós, a leitura das filosofias remotas oferece 
inestimáveis dificuldades, pois, embora sendo exacto poder-
mos ler o que os remotos escreveram, já é menos exacto que 
18 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
estejamos em posição de ler qual o que foi escrito, pois, no 
bulício da história, se perderam, sem dúvida, as rigorosas ele-
mentaridades que nos permitem predeterminar, e determinar, 
a verídica substância do que foi escrito. A profunda e íntima 
cópula da filosofia e da filologia oferece-nos com liberalidade 
o juízo de relacionarmos o que se encontra escrito com o que, 
nisso que se encontra escrito, julgamos pensado. Mas, pese a 
efectividade lógica e gnoseológica da cópula filosofia/filolo-
gia, essa relação pode exigir, ou não, um testemunho escritu-
rístico e, caso este exista, nós podemos saber, ou não, qual o 
efectivo significado daquilo que, na escritura, se nos oferece, 
justamente porque a semântica altera os conteúdos e corre-
mos, portanto, o risco de lermos os pré-socráticos pensando 
estar a ler o que eles escreveram, sem termos a garantia de 
saber o que eles efectivamente pensaram. Ou seja, a filosofia 
pré-socrática é para cada um ler segundo as suas interiores 
virtualidades, ou para todos assentarmos, em forma de 
dogma, que só podemos ler oque neles foi dado como 
escrito? 
Consabidas as enormes gamas de colorações conceptuais 
que o filósofo põe em cada conceito principiai da estrutura 
filosófica por ele criada, como podemos nós, à distância, 
quase utópica e quase ucrónica, saber se o conceito de apeiron 
devido a Anaximandro, consiste, com rigorosa justeza, nisso 
que os leitores julgamos? 
Trata-se de um conceito de «iiimitaçáo», sem dúvida, 
mas a que se refere tal ilimitação, ou, como a vamos en-
caixar, com lógica e certeza, no esquema da filosofia de 
Anaximandro? 
De resto, as anteriores dúvidas colocam-nos em face de 
algumas dificuldades gnoseológicas, quais as preditas por 
Aristóteles (ll relativamente ao conhecimento nominal e con-
<ll Segundos anallticos, I, 1 , 1 O. 
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 19 
ceitual. A leitura dos textos pré-socráticos, e dos textos anti-
gos em geral, efectua-se muito mais a partir do conhecimento 
nominal do que do conceptual, ou seja, lemos as palavras sem 
absoluta garantia de que tais palavras signifiquem com exacto 
rigor - qual da imagem de um objecto no espelho- o con-
ceito que julgamos. Vertendo de novo à facilidade do exem-
plo, tomemos o conceito de apeiron (andpov) , especulado, ou 
pelo menos intuído, por Anaximandro. Quem de verdade 
sabia o conteúdo do conceito era Anaximandro e, depois 
dele, os discípulos que dependiam do seu magistério, 
Anaxímenes incluído. Todavia, a tendência para a dialéctica 
conceituai, em grupos animados pelo ardor da especulação 
filosófica, é naturalmente a de sujeitar os conceitos principiais 
à análise especulativa e à síntese teórica, de onde se tornar 
legítimo conjecturar se o conceito de apeiron é, para o seu 
intuidor, algo de bastante diferente da forma como se apre-
senta para os seus discípulos, ou estudiosos. Demais, e como 
veremos adiante, cada escola assume um esforço de especula-
ção sobre as origens, e, conquanto a estrutura nominal de 
cada escola se diferencie com certa largueza, importa assinalar 
que a especulação sobre as origens se apresenta como orienta-
ção capital em todas as escolas, sem excepção. Acrescentemos 
o facto de existir uma íntima relação, uma aguda osmose, 
entre o saber das várias escolas, de onde se poder conjecturar 
que os principais conceitos de cada escola se encontram 
muito mais próximos dos conceitos de outra do que na apa-
rência se julgará. De onde se indagaria qual a relação concep-
tual existente entre os conceitos de arké (áPXfJ) e de apeiron 
(lmdpov), isto é, se a formulação de um não dependerá subs-
tancialmente da formulação do outro, e se, para os seus cria-
dores, eles não constituiriam nominações diferenciadas de 
uma mesma ideia, ou uma diversidade de nomes para uma 
universidade de conceito. 
20 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
Parece difícil, sem dúvida, comunicar ao leitor esta reali-
dade: o que temos dos pré-socráticos é um conjunto de textos por 
via de regra em segunda mão. Para além da distância espacial e 
temporal, que nos inibe de perguntar a um pré-socrático o 
que pretende dizer com esta ou aquela palavra, existe ainda a 
deficiência, provinda de os textos disponíveis haverem che-
gado, até nós, através de uma infinidade de mãos, as quais 
nem sempre representaram um pensamento de fidelidade ao 
magistério dos pré-socráticos e que, na maior parte das vezes, 
os pretendem e desejam ultrapassar, sobretudo quando as 
doutrinas emergentes na história posterior afirmam teses de 
algum modo susceptíveis de conflito com as teses pré-socráti-
cas. O conhecimento, mesmo sucinto, das fontes para a filo-
sofia grega pré-socrática, bastará para nos pôr de sobreaviso e 
para tomarmos o cuidado de modestamente assentarmos em 
que talvez exista uma filosofia pré-socrática real- a que exis-
tiu ali, e então- e uma filosofia pré-socrática ideal, esta que 
ousamos perceber, sem absoluta certeza de a entendermos. 
Há textos para percebermos; por saber fica se os podemos de 
facto entender como os entenderiam, já os autores, já os dis-
cípulos. 
Além do mais, e este elemento não é mero pormenor, 
importa considerar o conhecimento fragmentarístico da filo-
sofia grega pré-socrática. A ordenação dos fragmentos é 
muito posterior aos autores, e o próprio conceito de «pré-
-socrático» constitui algo que não foi afirmado pelos que esta-
vam antes de Sócrates, mas pelos que vieram depois, e muito 
mais tarde. De certo modo, parece lícito admitir que a leitura 
possível da matéria filosófica em causa é apenas a leitura que 
os grandes investigadores, historiadores e reconstituidores, 
sobretudo germânicos, fizeram dela. A convicção formal com 
que lemos essa matéria depende, em última análise, não da 
certeza de que dispomos quanto à autenticidade da matéria, 
mas do apreço devido a quem, através de lutas e de lúcida 
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 21 
visionação, procurou dar equilíbrio lógico e consequente ao 
que, até aí, se afigurava apenas potencial e antecedente. 
Melhor: a leitura da filosofia grega pré-socrática, ou se faz de 
um ponto de vista historicista (e nada nos garante que a his-
tória dela seja qual a que julgamos ser. .. ), ou se faz de um 
ponto de vista filosófico, isto é, a partir do modo como 
somos e como pensamos, a partir daquilo que se nos oferece 
pensar. 
A motivação intrínseca e extrínseca que nos acompanha 
na leitura, hoje, é concerteza algo diversa da motivação com 
que um Eusébio efectuava a sua própria leitura; e, mais, a lei-
tura que neste momento se efectua, ou que qualquer de nós 
pode efectuar, apresenta-se concerteza já diversificada da 
modística que um Diels teria adoptado para intrínseco 
conhecimento da história e da filosofia dos pré-socráticos. 
Um exemplo característico surge no caso da filosofia 
contida na cosmogonia e na cosmologia órficas. Até que 
ponto a autenticidade órfica chegou até nós? Até que ponto o 
julgado segundo as motivações poéticas e filosóficas do 
orfismo não constitui, em última análise, uma excrescência 
tardia, surgente na mistura histórica do orfismo com outras 
mitologias, até, com a nascente e forçante teologia da patrís-
tica e da gnose? 
Outro caso se consideraria, quanto ao pitagorismo: que é 
pitagórico, de Pitágoras, que é pitagórico, de seus presumíveis 
discípulos, que é pitagórico, formulado e acrescentando em 
gerações mais tardias, se, no regime de seitas e de correntes 
grupais de opinião, se encontram motivações pitagóricas a 
cada passo da história, no conserto cultural mediterrânico? 
Cremos existir um abundante grupo de dificuldades que 
importa reter e que, por isso, nem sempre a percepção e o 
entendimento que houvermos da matéria discursada se ade-
quará inteiramente à percepção e ao entendimento de quem 
primeiro a discursou. 
22 FILOSOFiA PRÉ-SOCRÁTICA 
O que acima se encontra explanado leva para uma con-
clusão, muito menos hipotética do que aparenta, qual seja a 
de ficarmos a saber o seguinte: que a filosofia grega pré-socrá-
tica que sabemos é, afinal de contas, a filosofia que o pós-socra-
tismo julga constituir o pré-socratismo. 
O que pede uma leitura tllosófica, de preferência a uma 
leitura histórica, ou uma leitura mais especulativamente do 
que retentivamente efectuada. As fontes são o que nos per-
mite saciar o que do entendimento queremos, mais do que da 
história abarcamos. 
II. AS FONTES DOCUMENTAIS 
Textos completos de filósofos gregos só os possuímos 
depois de Platão e de Xenofonte. Antes deles, nem mesmo 
Sócrates, se na verdade chegou a escrever, logrou atingir a 
posteridade com um testemunho directo e insuspeito, isto é, 
sem a forma que ao seu luminoso pensamento teria sido mol-
dada, por discípulos e comentadores. Em todo o caso, e na 
medida em que houvermos presente a excepcional dimensão 
da obra platónica, certamente poderemos conceder que, mais 
ou menos objectivamente, os tópicos principais da filosofiasocrática nos foram transmitidos com suficiência e clareza 
satisfatórias. Se não ousarmos distinguir entre um Sócrates 
real (o que ele na verdade foi) e um Sócrates histórico (o que 
nos foi dado entender segundo Platão), teremos assente que, 
embora indirectamente, é a partir de Sócrates que dispomos 
de um conhecimento, tanto quanto historicamente possível, 
global, da filosofia clássica dos gregos. 
O mesmo se não adiantará quanto a tudo o que se pas-
sou antes de Sócrates e, por isso, o primeiro argumento, de 
carácter historicista, que delimita um período pré-socrático, 
consiste na discutibilidade do noticiário referente a esse 
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 23 
período. Claro, outros argumentos, e de maior peso, justifi-
cam a designação de «filosofia pré-socrática>> e, entre eles, 
teríamos de salientar o argumento crítico, segundo o qual 
esse período teria sido dominado pela temática e pela proble-
mática do conhecimento da natureza e do cosmos, sem o 
conhecimento, aristotélico, da Causa Primeira. Relativamente 
ao Ocidente o período pré-socrático constitui como que o 
abismo, a fundura, onde lançam raízes todas as posteriores 
incursões filosóficas do espírito europeu. Parafraseando 
Hesíodo, bem poderíamos dizer que, antes da Filosofia, tal 
como a concebemos em nossos dias, era uma apetência ino-
minável que para ela tendia, uma espécie de caos a que suce-
deu a terra, ou uma fatigante busca dos princípios, que ori-
gina toda a sistemática moderna. 
Das escrituras dos pré-socráticos, que as houve, chega-
ram-nos ecos, mas não só ecos, vozes também, e reais. Uma 
sólida reconstrução da cultura grega tem convocado muito 
das grandes disponibilidades da história da ciência e da filoso-
fia, por ser exacto que a atenção prestada ao pensamento pré-
-socrático pelos primeiros padres da Igreja, atenção que per-
manece, embora delida, ao longo do tempo, ressurge em 
apropriada dimensão nos países renancentistas, de onde, até 
agora, a reconstrução do pré-socratismo ter assumido carácter 
de permanência. 
Tal reconstrução exige fontes documentais, que existem, 
sem dúvida, e a sua imensa variedade (já estudada por notá-
veis investigadores, entre os quais seria injustiça não salientar 
quantos alemães, desde o século XIX, se lhe têm entregue), 
constituiria matéria bastante para cometimentos bibliográfi-
cos que, neste ensejo, melhor será deixar ao cuidado dos 
bibliógrafos (1). 
lll Francisco Luis Leal, História dos Filósofos Antigos e Modernos, II 
(Lisboa, 1792), traduz e comenta alguns excertos pitagóricos e pré-
-socráticos. 
24 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
Para os reconstrutores do pré-socratismo, todas as fontes 
eram imediatas, ou seja, todos os textos de que se serviam se 
encontravam mais próximos, no tempo e no espaço, dos pen-
sadores gregos pré-socráticos. Indubitavelmente que, uma vez 
as tarefas principais da reconstrução efectuadas, passámos a 
dispor de mais cómodos veículos de acesso à filosofia pré-
-socrática, e, por via de regra, o estudioso médio não carece 
de um contacto directo com as fontes mediaras, pois as fontes 
imediatas proporcionam já, na actualidade, uma ampla visão 
das determinações filosóficas dos pré-socráticos. 
No sentido de proporcionar uma visão indutiva desta 
reconstrução, importa enumerar, em primeiro lugar, as fontes 
documentais mediatas, ou seja, essas de que ac,tualmente dis-
pomos para um acesso rápido à filosofia pré-socrática. Tais 
fontes documentais são geralmente constituídas, ou por 
recompilações maciças, ou por recompilações antológicas, ou 
por monografias, ou por outras variedades de estudos, nas 
quais se permite um contacto, ou com um, ou com a maioria 
(ou com todos!) dos pré-socráticos. Julgamos que, no 
entanto, cerca de meia dúzia de fontes mediaras nos habilitará 
a esboçar uma imagem generalizada do esforço levado a cabo 
para a reconstituição da filosofia pré-socrática. Entre as várias 
recompilações, apraz-nos citar as seguintes, por via de regra 
tidas por exemplares: 
Burnet, J. - Early Greek philosophy, 4.a edição. Londres, 
1930. 
Diehl, Ernst- Anthologia Lyrica graeca. Leipzig, 1942. 
Diels, Hermann- Doxographi graeci. Berlim, 1878. 
Diels, H. - Poetarum philosophorum fragmenta . Berlim, 
1902. 
Diels, H. - Die Fragmenta der vorsokratiker, 8.a edição, 
Berlim, 1956. 
Kern, I.- Orphicorum fragmenta, Berlim, 1922. 
Mullach, A. - Fragmenta philmophorum graecorum, 3 volu-
mes, Paris, 1860-1881 . 
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 25 
Em segundo lugar, faremos uma breve e sumária enume-
ração das fontes imediatas, nas quais os modernos recompila-
dores, sobretudo Mullach e Diels, se basearam, para realiza-
ção das suas monumentais e modernas obras. 
As fontes documentais imediatas são classificadas em 
função dos critérios dos historiadores e exegetas. Com res-
salva por outras opiniões, pareceu-nos que as poderíamos 
agrupar em quatro espécies, a saber: 
1. A tradição dos debates filosóficos, em que, filosofando, 
alguns pensadores efectuaram resumos dos seus predecessores, 
resumos esses formulados, ou no sentido polémico, ou no 
sentido apologético. Aristóteles, em muita da sua obra, e 
designadamente em Física, De Coelo e Metafísica, oferece fre-
quentes resumos das principais teses de alguns pré-socráticos, 
com o intuito de as rebater, ou de as reformular. O mesmo 
ocorre em considerável parte dos diálogos de Platão, de quem 
se citaria, a título de exemplo, os diálogos Parménides (impor-
tante para o conhecimento da doutrina de Parménides e de 
Zenão), O sofista (importante quanto a Empédocles e 
Heraclito), o Pedro, etc, bem como na obra de Plotino. 
Mesmo admitindo que tais resumos, por vezes sucintos, 
pequem por certa parcialidade do relator, na medida em que, 
já Platão, já Aristóteles, assumiam posições controversas rela-
tivamente às teses resumidas, tais resumos facultam uma 
importante aproximação ao pensamento pré-socrático, na 
medida em que são, aliás, ai primeiras e mais imediatas fontes 
disponíveis. 
2. A segunda espécie é constituída por exposições. Obras 
tardias, algumas delas derivadas do influxo que o liceu aristo-
télico exerceu nas artes de investigação e recompilação, já na 
ciência, já na história, representam uma fonte abundante de 
materiais doxográficos. A gama de exposições é vasta e, só a 
título de exemplo, consideraremos as seguintes: 
26 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
Opiniões (Vetusta placita), de Aécio; Vidas, doutrinas e 
sentenças dos filósofos mais ilustres (IlEp( ~lWV ÕOy!J.Ú'tWV XUl 
ànmp8EÚ!J.Ú1:WV núvw cplÀ.ooocpCa ÉuÔOXl!J.Y]Oávwu), de 
Diógenes Laércio; Miscelâneas (IIEpl 1:wu ápoxó1:wv 
cplÀ.ooócpmç cpumxwv õoy!J.ácwv), de Pseudo- Plutarco; 
Éclogas físicas ('Exf....oym), de Estobeu; e, enfim, a Doutrina 
dos físicos (<l>umxwv õo1;m) de Teofrasto, que parece consti-
tuir a fonte primeira de todas as demais doxografias citadas, 
as quais vieram a ser posteriormente utilizadas, já pelos filóso-
fos, já pelos padres da Igreja, já pelos que, até ao apareci-
mento da ciência moderna, se guiaram pelo saber pré-socrá-
tico em matéria científica. 
3. A terceira espécie consiste em imensa variedade de 
comentarística e de doxografia, atribuída a comentadores e a 
filósofos subsequentes. Tornar-se-ia moroso enumerar quan-
tos, desde Platão a Cícero, de Aristóteles a Marco Aurélio, e 
aos Estóicos em geral, comentaram e glosaram as fontes pré-
-socráticas. Mas, entre tantos, seria falta maior não citar o 
Contra os matemáticos (ou professores), (Adversus 
mathematicos), de Sexto Empírico, e bem assim, o 
Comentário, de Simplício. 
4. Enfim, referência à patrística que, no âmbito da 
aurora do cristianismo, observou, com rigor, umas vezes, com 
paixão ardente, outras, a sabedoria pré-socrática. O Contra 
]ulianum, de Cirilo, a Stromata, espécie de miscelânia, devida 
a Clemente de Alexandria, a Preparaçãoevangélica 
(Praeparatio evangelica), de Eusébio, a Refutação de todas as 
heresias ('Ef....Eyxoç xa1:á napwv aL"pf:mwv), de Hipólito, obra 
anteriormente dada à autoria de Orígenes, sob o título de 
Filosofoumena (<l>lÀ.oooyoiJ!J,EVa), bem como as obras de 
Justino, de Orígenes, de Hermias, e outros, foram documen-
tos gráficos muito importantes na tarefa de reconstrução do 
pensamento pré-socrático, e permitiram que nós soubéssemos 
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 27 
pelo menos o que, no seu tempo, era havido como o con-
junto mais significativo das teses pré-socráticas. 
Bem se poderia afirmar que as fontes mencionadas, 
como as muitas omitidas, são os olhos pelos quais a história lê 
o pré-socratismo. 
III. PERSPECTIVA HISTÓRICO-FILOSÓFICA 
No princípio era Homero, ou, como dizia Xenófanes, 
«desde o princípio todos aprendemos em Homero» - o que 
seria convertível à regra de que, no princípio, foi a poesia! 
Mas a poesia e a filosofia andam tão estreitamente vincu-
ladas uma à outra, que se torna difícil efectuar uma diferen-
ciação, ao menos antes de Anaximandro, que foi o primeiro a 
escrever em prosa, pois o logos (f..àyoç) tanto designa o dis-
curso poético com a razão intrínseca ao discurso poético. 
A noção criacionista, interposta na relação do logos para a 
poesia (:n:o(YJOLÇ), surge como a primeira congenital capaci-
dade de espanto do homem, face a esse sentir-se a si mesmo, 
e, mais, a esse sentir-se na envolvência de uma natureza cujos 
fenómenos se tornam bem evidentes, é certo, mas que 
esconde a profundeza da razão de ser, parecendo que ela 
mesma, natureza, aparece aos homens, não segundo a intrín-
seca realidade, mas como textura de símbolos, que o logos tem 
de interpretar. Mais tarde, logos sofre as alterações resultantes 
da evolução cultural, e, se por um lado continua designando 
o pensamento do ser, por outro passa a designar o discurso 
prosódico, por oposição a epos (É:n:oç) e a meios (f.tÉÀ.Óç), que 
se afirmam como termos designativos das espécies puramente 
poéticas. Em todo o caso, o que importa assinalar é a capaci-
dade de espanto em face da mundividência, sem cujo espanto 
a poesia e a filosofia certamente não seriam possíveis, nem 
como exercício filológico, nem como opção filosófica. 
28 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
Na confluência das culturas originárias do Oriente, da 
Caldeia e da Suméria, do Egipto e de Creta, a pura vivência 
acrescenta-se também aos dados formulados na textura da 
sapiência, ou seja, a vivência natural enriquece-se de contri-
butos culturais. As artes e as técnicas, as ciências e as letras, as 
religiões e as políticas, adicionam-se de forma sincrética ao 
simples facto de estar vivo. Ser e pensar funcionam concomi-
tantemente: o ser a si mesmo se afirma como o que pensa e 
como o que, pensando-se, se atribui uma realidade funda 
que, sem pensar, não ousaria possuir. Então, o homem surge 
como a expressão natural em que as categorias do ser e do 
pensar se imbrincam de tal maneira, que, se é homem, pensa, 
e que, se não pensa, não é homem. . 
1 -A COSMOGONIA REMOTA 
Ora, a dignidade com que os gregos se assumem homens 
é a nota de maior relevância nessa obscura idade em que, 
absortos nos vales, se perguntariam o que eram eles, onde 
estavam, qual a origem, ou princípio, de tudo isso, e a quanto 
montava o mundo para além dos vales. Haviam de subir às 
montanhas, perscrutar os horizontes, meditar, indagar, revul-
sionar a cabeça e o coração, ou, enfim, tentar obter uma res-
posta satisfatória aos quesitos de Édipo, um mito que, desde 
muito cedo, nos põe em contacto com a energia que deter-
mina o milagre da filosofia grega: a capacidade de interrogar, 
a persistência em face do enigma, o culto do mistério, o átrio 
de todo o possível descobrimento. 
Interrogar o princípio e a origem é o que de forma mais 
instante se nos dá a ler nos gregos. Que sabiam eles? 
Teogonia, cosmogonia, ou antropogonia? Onde o princípio, 
onde a origem? 
Dilucidar o processo de como os gregos chegam mais 
depressa à teogonia do que à cosmogonia seria pretensão 
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 29 
estulta neste lugar, mas talvez importe assinalar a dúvida: se 
eles não chegaram à teogonia, porque de muito cedo antro-
pomorfizaram as ideias e as imagens do conhecimento, isto é, 
se de muito cedo intuíram o mundo como algo à semelhança 
do homem, de onde a personalização das divindades e das 
infernidades, a nominação quase antroponímica que a todo o 
momento assalta as suas vivências e determinações gnoseoló-
gicas? Em certa medida, o homem é, com a terra, os astros, as 
águas, personagem da mesma e única cena, onde os compar-
sas se mascaram de formas diferentes, para efectivação do 
jogo telúrico. E do celígeno também! Então, a teogonia é, em 
certa medida, uma antropoteogonia! 
Em Homero se encontram as remotas e poéticas noções 
das disponibilidades gnoseológicas dos gregos. Torna-se arris-
cado optar pelas soluções radicais de saber se a cosmogonia 
homérica deve ser lida literalmente, ou se deve ser lida mito-
graficamente para, sob os mitos, se descortinar o que ele pre-
tendia dizer. Mas o estado da ciência grega parece não ofere-
cer, ao tempo da sabedoria homérica, uma distinção entre o 
saber mítico e o saber sófico, pois, na verdade, se imbricam 
um no outro, e o mito (!A'Ü8oç), ou conto, que se conta, é o 
veículo pelo qual se comunica o mesmo saber sincrético, em 
que a razão se persuade a significar, sob os nomes e sob os 
contos, a íntima realidade de quanto é, e de quanto existe. 
Teogonia e cosmogonia são as duas contemplações da 
cosmogonia remota, e a vidência que de Homero se des-
prende é predominantemente telúrica, tal como nos precur-
sores da primitiva cosmogonia filosófica, ou cosmologia. 
A riqueza com que Homero descreve o escudo de Aquiles 
(!fiada, XVIII, 478-608) permite-nos observar o estado da 
cosmogonia à data de Homero: «Cinco eram as camadas que 
dispôs, e em cada uma delas I compõe lavores numerosos, 
com seus sábios, pensamentos. I Forjou lá a terra, o céu e o 
mar /o sol infatigável e a lua na plenitude I e ainda quantos 
30 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
astros coroam o céu» 01 • A importância da motivação poética 
de Homero reside em que ela se compõe de motivos míticos, 
históricos, e principalmente naturais, ou retirados da natu-
reza. A terra surge como a origem, <<a sólida mãe de todas as 
coisas, a mais antiga». Em toda a vida existe a pujança do 
oceano, o suporte da terra. Oceano, a terra, o firmamento, a 
noite e o dia- o tempo em suas fases cíclicas - são, enfim, 
o claramente visto que a cosmogonia remota sabe, porque vê. 
A cosmogonia homérica, tanto quanto a de Hesíodo, encon-
tra-se incapacitada para formular explicações racionais dos 
fenómenos - de onde a cosmogonia remota tem mais 
importância, pelo que o seu carácter descritivo nos permite 
conjecturar: o grego espanta-se e admira-sé. Descreve isso 
perante o que se espanta e se admira. Omite o discurso lógico 
explícito mas, na própria forma como descreve o que vê 
insere, ou implícita, uma lógica explicitação das causas e dos 
processos. 
Se a cosmogonia é uma tentativa para sistematizar toda a 
mítica relativa à natureza visível, a teogonia é outra tentativa, 
essa para sistematizar todas as histórias dos deuses <21 - ou 
toda a mítica relativa, não só à natureza visível, mas também 
à invisível, de onde a conspícua importância que Hesíodo, 
com o respeito devido à estética de Homero, assume, para 
quem deseje aprofundar o mistério, ou o enigma, do saber 
grego. 
Algo de diverso acontece em Hesíodo, relativamente a 
Homero. Verifica-se um aprofundamento das perspectivas 
originais, a teogonia obriga a saltar um pouco para fora da 
cosmogonia, de onde se predizer que a teogonia já constitui 
uma transição para a filosofia, ao menos na forma como viria 
a ser encarada, no subsequente cursoda história. 
Ol Tradução extraída de H é/ade (Coimbra, 1963), 34. 
<21 W. Jaeger, The theology of the ear!y Greek philosophers. 
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 31 
Da dimensionalidade perfeitamente telúrica lida em 
Homero, Hesíodo, catalogando a tradição homérica, as tradi-
ções misteriosas dos santuários, as míticas hieráticas (tEpol, 
f...àym); assumindo o saber de que a cosmogonia era tão velha 
quanto a humanidade; Hesíodo alarga a genealogia cosmogó-
nica para a dimensão teogónica, põe, antes da Terra, o Caos 
e, a seguir à Terra, a dynamis e a energeia de Eros, que é como 
que o laço que, dos fundamentos sólidos de quanto existe, 
fomenta a geração e a interminável sucessão de vidas, ou a 
força que, no dizer de um poeta mais tardio, Íbico, atira para 
«as redes intérminas de Cípria». O princípio da origem, ou o 
princípio da geração! As imensas e intermináveis motivações 
cosmogónicas e teogónicas de Hesíodo, por valiosas, não apa-
gam a importância capital da introdução dos dois conceitos 
que julgamos mais relevantes na sua obra: a noção de Caos 
(xáoç) e a noção de Eros, (Épwç) as quais irão, num futuro 
próximo, constituir o ternário de superior realce em toda a 
subsequente filosofia. Porque, se o Caos, aqui dito como o 
abismo, já em si traz as potenciais noções de princípio -
matéria original, espaço ilimitado, Deus! - então, teremos 
de verificar o significado da obra de Hesíodo para os poste-
riores filósofos, e compreenderemos qual o motivo porque, 
lançado para outras perspectivas, e para outras dimensões de 
espanto filosófico (n:apàôo~ov) Heraclito afronta a influência 
de Hesíodo na cultura popular, achando-a altamente perni-
ciosa. No entanto, o principal conceito de Hesíodo não podia 
deixar de ter algo de muito íntimo a ver com as perspectivas 
novas, determinadas por Heraclito. 
Entretanto, e apesar da notável redimensionação teogó-
nica de Hesíodo, tudo leva a crer (embora se não possa garan-
tir que a sua 8wyovLa é única, podendo ter havido outras) 
que a cosmogonia persistiu valorativamente sobre a teogonia, 
sendo óbvio o excesso de naturalismo no século VII, e, até, 
no século VI. Teria sido em vista deste excessivo naturalismo, 
32 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
com tudo o que ele acarretaria de imanentismo e de potente 
materialismo, que, no século VI, se assiste a uma renovação 
da vida religiosa, destinada a abafar, na medida do possível, a 
vaga de naturalismo que, desde Homero, predominava na 
cultura grega. Certamente que havia práticas religiosas, mas 
encontravam-se algo destituídas de motivação intrínseca. 
A evolução cultural havia-se rotinado num saber incons-
ciente, e o culto valia mais pelo aparato externo do que pelo 
teor significativo, uma vez o excesso de cosmogonia, em certa 
medida, atirar, para segunda instância, as exigências teogóni-
cas. A natureza visível é mais patente do que a natureza inví-
sivel, e entrar no templo do invísivel é correr o risco de 
defrontar o primeiro segredo do cosmos, ou o risco de pôr 
em causa a sistematização cosmogónica OJ. 
Mas foi pelos cultos cosmogónicos, qual o de Dionísio 
que, no século VI, cresceu de súbito, se derivou para uma 
mais fecunda teogonia, expressa na erupção de imensos cultos 
.locais e na veneração de mistérios antigos, caídos em desuso, 
entre os quais tiveram particular relevo os cultos purificató-
rios, os ritos de purificação, os teletai (TEÀETat) de cujo sin-
cronismo, e de cujo sincretismo, vem a surgir o orfismo que, 
apesar de todas as suas radicações cosmogónicas, se atira fran-
camente para uma vivencialidade religiosa que implica com 
todos os costumes de seus prosélitos, a pontos de se constituir 
uma ~LOÇ, um modo de vida. 
O Caos de Hesíodo talvez apareça, no orfismo, desig-
nado por Zeus, o «mestre do raio I o princípio e o fim I a 
cabeça, o meio, o pai do Universo I o ser masculino, a virgem 
imortal»: Zeus, a íntima união dos conceitos, que perfuram 
toda a problemática filosófica, pré e pós-socrática, o princípio 
e a ongem. 
c•J W. Jaeger, op. cit. 
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 33 
O orfismo deu lugar a uma vasta literatura, que podería-
mos chamar de propaganda órfica, e, embora as origens do 
culto sejam atribuídas a Orfeu, tal literatura é motivada e 
garantida cem outros nomes míticos, quais os de Museu e 
Sileno, e neles se faz a apologia dos deuses, se propõe uma 
ética, se explanam regulamentos ascéticos, se abomina o con-
su!no de carne (àljruxoç j)opà) e se procuram explicar as ori-
gens da natureza e do mundo, tudo isso constituindo como 
que uma espécie de teologia sem dogmática. Mas, para os 
gregos do tempo, a teologia tem pouca expressão. O que par-
ticularmente lhes interessa, os motiva e os entusiasma é a teo-
gonia. A teologia requer a incineração dos mitos, e a teogonia 
grega vivia, ainda, e continuaria vivendo, da enorme gama de 
conceptualidades míticas. 
O orfismo tende a englobar toda a literatura mística e 
religiosa, e sem dúvida que imensas conatações órficas são 
concentráveis em épocas posteriores, e em filósofos, como 
Heraclito. Mas a difusão dos testemunhos órficos é tardia, os 
hinos chamados órficos ainda são mais tardios, e torna-se 
problemático saber em que medida os hinos, compendiados 
por Eusébio, por Macróbio e outros, são assistidos por uma 
garantia de autenticidade e de fidelidade, em que medida eles 
não nos chegam carregados de certas intuições cristãs, ou de 
certas e variadas motivações de outras correntes filosóficas e 
gnósicas. O que de algum modo se deduz, de todo este longo 
processo, é o facto de a mitologia suportar, já a teogonia, já a 
cosmologia. Numa e noutra existem indícios de iluminações 
superiores, que parecem transcender do mito para a verdade, 
ou do enigma para a solução, mas a filosofia requer toda uma 
outra forma de encarar, e de pensar, os dados dos problemas. 
Até se aduz que a mitologia contempla o que a filosofia 
pensa, ou que a filosofia choca com a mitologia, enquanto 
pretende desvendar o enigma e o mistério e, assim, teremos 
compreendido os motivos pelos quais Homero e Hesíodo 
34 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
sofrem, por vezes, a cisma e a birra dos filósofos que vieram 
depois deles. 
As alegorias filosóficas de Hesíodo, as imaginações poéti-
cas de Homero, as ético-estéticas explanações de toda a mito-
logia, a propaganda política de Teseu para a unificação da 
Ática, as lendas morais, as sagas helénicas, as facções históri-
cas, todo esse vasto sincretismo literário não sabe, ainda, onde 
termina a mitologia e começa a filosofia, mas, se a mitologia 
tinha proposto os objectos e os temas, bom seria que a filoso-
fia tentasse, de futuro, discernir as causas e as origens de uns e 
de outros. 
2- A ESCOLAJÚNICA 
Julgamos desnecessário estabelecer uma rubrica separada 
para tratamento dos <<Sete Sábios», porquanto, além de terem 
sido incluídos com o tiro de não deixar de fora o que pode 
chamar-se uma catalogação da moral, da ética e da política 
gregas, a designação que lhes cabe afigura-se puramente sim-
bólica, pois nem todas as tábuas comportam os mesmos 
nomes. Demais, as sentenças constituem como que uma 
espécie de reflexão ética, a qual vamos encontrar em muitos 
dos pensadores pré-socráticos, não havendo também garantia 
de autenticidade dos apotegmas, uma vez previsto que a sua 
redacção é devida, não aos ditos sábios, _mas a quem, deles 
tendo recebido a tradição, os pôs em testemunho gráfico 0 l. 
Além disso, o conteúdo dos apotegmas constitui já uma 
derivação da filosofia para a moral, para a política e para a 
ética, consequências que devem ser da ciência das primeiras 
causas e dos últimos princípios, os quais são o leit-motiv de 
tudo a quanto a filosofia pré-socrática nos obriga. 
OJ P. Tannery, Pour l'histoire de la science hellene. 
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 35 
O agrupamento dos pré-socráticos por escolastem mais 
uma função didáctica do que uma fundação realista, por-
quanto a primeira ilação que se tira da leitura dos textos é a 
de uma considerável similitude de temários e de problemá-
rios, similitude essa de onde em onde perturbada pela efusão 
de um conceito novo, de uma chave que parece trazer a solu-
ção da abertura das portas dos segredos, que aos filósofos se 
punham. De facto, e mesmo em referência à função didáctica 
dos agrupamentos, existe uma certa discrepância entre os 
vários especialistas porque, enquanto uns abrem resoluta-
mente um capítulo para os jónicos, nele integrando todos, 
incluindo os mais tardios, qual um Anaxágoras, outros espe-
cificam a filosofia em ritmo de cronologia, e abrem dois capí-
tulos, um para considerar os primitivos, e outra para conside-
rar os posteriores lo. 
Ora, tanto quanto julgamos acertar, o agrupamento deve 
ser feito em função das constantes ideiéticas, relegando para 
última instância as constantes cronológicas, dessa forma se 
definindo, o conjunto de razões a que, por via de regra, cha-
mamos «escola>>. 
A Escola Jónica, ou dos filósofos jónicos, desenvolveu-se 
em Mileto, na Jónia, e o temário que a preenche é, à seme-
lhança das outras escolas, a investigação dos primeiros princí-
pios, através de uma hermenêutica fisiológica, expressa num 
conjunto de tratados que, em suas variantes, remete sempre 
para o estudo acerca da natureza, ou para o que eles chama-
riam ntpl q>umuç. 
Os pensadores jónicos afirmam um pluralismo e um 
hilozoísmo, isto é, uma teoria pela qual admitem a multipli-
cidade ou a pluralidade dos elementos e dos seres, e uma teo-
1" Esta diferença é assinalável em vários compêndios de história da filoso-
fia, de que citamos, por um lado, Klimke e Abbagano e, por outro, 
Dilthey. 
36 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
ria pela qual denotam não categorizar entre o espírito e a 
matéria. 
O seu mestre teria sido Tales, a quem Aristóteles cogno-
minou de «Príncipe>>, ou de primeiro filósofo, e, segundo 
informação de Laércio, era vulgarmente conhecido pelo 
«Sábio>>, tendo sido ele quem iniciou o ensino da fisiologia, 
ou da física, entre os gregos. 
A sequência lógica e cronológica do magistério jónico 
mostra uma íntima relação de mestre a discípulo, e a sequên-
cia poderia ser salientada na indicação de que Anaximandro 
foi discípulo de Tales, Anaxímenes foi discípulo de 
Anaximandro, Anaxágoras, um jónico mais tardio, foi discí-
pulo de Anaxímenes, Arquelau foi discípulo de Anaxágoras e, 
enfim, Heraclito, ao que parece isolado, denota profundas 
correlações espirituais com toda a filosofia jónica, embora a 
tenha ultrapassado na formulação das teses essenciais. 
Dos pensadores, e da corrente em que se integram, dir-
-se-á que se enquadram em três momentos altos: o momento 
inicial do magistério de Tales, o momento do magistério de 
Anaximandro e o momento de surgência de Heraclito. O que 
fica entre os três momentos, com todo o relevo que merece, 
surge talvez menos original do que o conteúdo das três etapas 
antes mencionadas. 
No entanto, o desenvolvimento teórico do magistério 
jónico apresenta-se com uma rigorosa inclinação para o 
entendimento dos primeiros princípios, e a eles voltam rodos 
os que, no seguimento de Tales, se aparentam ao seu magisté-
rio. Tales propõe um único princípio imóvel (apxlÍ) que é a 
inteligência universal, e uma única origem, ou um único ele-
mento original, que disse consistir na água, (üôwp), o líquido 
elementar, que se deixa penetrar pela energia divina. 
A água seria a matéria-prima que, fecundada pelo princí-
pio, constituiria a origem de todas as coisas, animadas, ao fim 
e ao cabo, por uma espécie de substância cinética, a alma, que 
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 37 
reduziria a virtualidade da potência criadora e da actualidade 
geradora. No entanto, em Tales, a distinção radical e separa-
tizante entre o princípio imóvel e a origem, ou elemento ori-
ginal, não aparece afectada, e torna-se quiçá propício deter-
minar se ele conformaria, no mesmo princípio imóvel, ou na 
arké, a duálica unidade do que determina e do que surge 
como determinado, ou seja, do princípio e da origem, da 
energia criadora e do elemento primário, a água. 
Discípulo de Tales, Anaximandro terá ensejo de apro-
fundar as teses do mestre, e tudo leva a crer que o conceito de 
apeiron (iim:tpov) constitui uma nova dimensionação do itá-
lico conceito de apx'l'í, pois o apeiron não surge como um ele-
mento, mas como uma natureza infinita, indimensional, dis-
tinta da gradação dos elementos, sendo como que uma razão 
originante, ou um princípio que efectivamente se distingue 
do processo geracional, ao qual será, se não superior, pelo 
menos envolvente. Quer dizer, onde Tales havia posto a 
água, Anaximandro surge para destituir a intrínseca razão por 
Tales concedida a esse elemento, e para afirmar a existência 
de um elemento eterno, imortal e indissolúvel, no qual tudo 
se gera e se dissipa, insusceptível de excesso e de carência, e 
deixando omisso se esse apeiron deveria referir-se à água, ao 
ar, à terra, ou ao fogo, de onde parece lícito inferir que 
Anaximandro postulava, no hilozoísmo da escola, uma pers-
pectiva diferente, um arrepio, senão no sentido da física para 
a metafísica, pelo menos no sentido anterior, da física para a 
cisfísica, com o fito de descortinar, não propriamente o que 
se encontra para além da natureza, ou da IP'Úmç, mas o que se 
encontra antes dela, as causas que a determinam, ordenam e 
arquitectam. 
Justamente em virtude deste arrepio de Anaximandro, 
nos pareceu bem citá-lo como o segundo momento alto da 
escola em que, Tales, seu parente, fora também seu mestre. 
38 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
No trânsito de Anaximandro para Anaxímenes, o que 
favoravelmente se intui é a fidelidade do discípulo ao mestre. 
Anaxímenes, segundo os testemunhos disponíveis, aceita 
cabalmente as noções e as teses de Anaximandro, mas, con-
certeza perturbado pela indeterminação do apeiron, e pela 
referência de Tales ao elemento água, talvez se haja encon-
trado indeciso quanto ao radical seguimento da indetermina-
ção quinte-essencial de Anaximandro e ao particular projecto 
de Tales, quanto à principal originalidade da água. Dessa 
indecisão teria nascido o que, na doxografia, surge como con-
ciliação entre a noção do ilimitado de Anaximandro e a 
noção referenciada à água, de Tales. Simplesmente, ao efec-
tuar a conciliação, precisando de determinar o indeterminado 
de Anaximandro, fá-lo com a introdução de um elemento, o 
ar, que seria o primeiro princípio, ilimitado, sem dúvida, mas 
definido, melhor, nominado e referenciado a um dos elemen-
tos. Portanto, o pentágono de Anaximandro, constituído 
pelos quatro elementos e pelo ilimitado, é, na perspectiva do 
discípulo, rectificado para o quadrângulo dos quatro elemen-
tos, em que um deles, o ar, é o própro ilimitado, seja como ar 
enquanto tal (á+Jp), seja como vento ou sopro (n:vtu[!a) uma 
vez que, segundo a doxografia, Anaxímenes dava ambos 
como sinónimos. O que ainda se acrescenta é a dúvida de 
saber se Anaxímenes, ao citar o ar, não dava já, a este, a signi-
ficação de espírito - o que sopra - de onde, então, na sua 
perspectiva orgânica, termos apenas três elementos materiais, 
ou gerados, e um elemento anímico, o ar ... Em todo o caso, 
ainda na teoria deste pensador, o espírito e a matéria surgem 
como um todo único, insusceptível de diálese, ou de ôntica 
distinção, porquanto o ser que existe é também o ser que 
determina tal existência. A relação espírito/ matéria encontra-
-se altamente indiferenciada, porque mesmo o conceito de ili-
mitado é pensado como algo de profundamente inserido na 
matéria, ou na natureza, monobloco elementar onde se torna 
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 39 
possível pensar a elementaridade, mas onde os elementos se 
negam a uma análise, feitade rigores categoriais. 
O magistério de Anaxímenes propiciará o currículo filo-
sófico de Anaxágoras que, embora tardio no esquema jónico, 
parece ter sido o primeiro a efectuar uma pertinente relação 
entre o espírito e a matéria. De facto, refluindo à iniciática 
noção de Caos, onde eram todos os elementos, Anaxágoras 
precisava de justificar a passagem da ordem caótica à ordem 
noética; e sendo o Caos isso em que a geração se afigura 
impossível, e havendo necessidade de transitar para a ordem 
noética, Anaxágoras havia necessidade de um terceiro dado 
que, na relação da física para a cisfísica - ou da Natureza 
para o Caos - tomasse a decisão do pensamento e do movi-
mento que tal passagem exigiria. Para ele, todas as coisas se 
encontravam juntas, indistintas, inesperadas, no estado de 
homeomerias, ou de uma mistura original, de onde, por 
superior instância, as coisas se separam, dando lugar à enorme 
multiplicidade material. A origem é una, é uma substância 
primordial, e, por sistemas de revoluções, as coisas separaram-
-se umas das outras, aparecendo na pluralidade, mas man-
tendo a unidade, pelo que o todo não passou a ser, nem 
maior nem menor, dado existir para além das partes que o 
integram, ou o revelam, em multiplicidade de aspectos. 
Que elemento novo é o de Anaxágoras? É a própria 
noção de inteligência (vouç), de espírito cognoscente, que é 
uno, separado, distinto, eterno, que está onde estão as coisas, 
no que a ele se encontra homeomericamente unido e no que, 
por revolução, dele se separa. Autónomo, independente da 
matéria, em virtude dele nada nasce e nada morre - tudo se 
separa, tudo se interpenetra, ou, em termos de hoje, tudo se 
transforma. <<As coisas combinam-se ou separaram-se>>, como 
a água se separa das nuvens, a terra da água, as pedras da 
terra, e assim sucessivamente, num projecto combinatório e 
40 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
dissolutório, que a realidade noética contempla, ou que a 
dinâmica noética transforma em actualidade hilética. 
Que tem a ver o vouç de Anaxágoras com o arrnpov de 
Anaximandro? Está um distante do outro? Ou, melhor, o 
conceito de Anaxágoras não constituirá uma rectificação, um 
apuramento conceptual, uma refinação ideiética, uma refor-
mulação do ilimitado, do eterno e do imenso, atributos, tem-
poral e espacial, do ilimitado? Não nos repugnaria aceitar 
que, na dialéctica escolar, a concepção de Anaxágoras tenha 
de imbricar-se numa psicologia de profundezas, com as con-
cepções de Anaximandro. Todavia, a problemática da exegese 
pré-socrática continua sendo a problemática da leitura ... que, 
a não existir, como existe, nos levaria a considerar aporéticas 
situações de valor, quais as de saber a relação entre um e 
outro e, mais, o que a teoria da separação teria a ver com a 
tese de Anaxímenes sobre o motor aéreo, ao provocar a 
multiplicidade material pelos processos da condensação 
(m1xvwcnç) e da dilatação (ápaíwcnç). 
Em Anaxágoras, a escola jónica reassume um momento 
alto, não talvez tão alto como seria justo inferir, mas, logo de 
seguida a dimensionalidade predominantemente especulativa 
de Anaxágoras se vê subsumida na preferência pragmática de 
Arquelau que, tendo sido mestre de Sócrates (há notícias de 
uma viagem de Sócrates e de Arquelau a Samos), se interes-
sou mais pela especulação imediata do que pela especulação 
mediara, hesitando entre a propedêutica da ética e a ciência 
física. Arquelau de Atenas, embora tendo introduzido uma 
visão original na cosmogonia - talvez dando novas sugestões 
na exposição das doutrinas - , manteve-se fiel ao mestre e 
aceitou, como ele, os mesmos princípios noéticos e homeo-
méricos, assinalando a identificação da razão noética com o 
princípio aéreo. 
Ora, o jonicismo poderia ter ficado por aqui. Arquelau 
já apanha Sócrates, e este, em certa medida, surge para ultra-
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 41 
passar o estádio cosmogónico, em busca de uma nova dimen-
são para a filosofia, talvez a dimensão de uma antropoteogo-
nia. No entanto, havia Heraclito, natural de Éfeso, que, 
orgulhoso e insolente -, chamavam-lhe <<O obscuro» 
(ó oxo•nvóç) aparece desgarrado dos pensadores jónicos, dos 
quais acusa, todavia, determinadas influências, ou, senão 
influências, pelo menos coincidências gnoseológicas que 
importa reter, pois Éfeso não ficava assim tão longe de 
Mileto, e se com o tempo se transformou num misantropo, é 
de crer que houvesse recebido as óbvias influências de uma 
escola que tinha reafirmado uma tradição poética e filosófica 
tão importante como a que vem de Tales a Anaxágoras. 
O admirável solitário, o perturbante contestário da sabe-
doria estabelecida, o opositor da erudição polimática, o asceta 
que se fecha numa estrumeira, aguardando a cura da hidrop-
sia, depois de verificar que os médicos não sabiam responder 
à sua enigmática questiúncula, o contemplador dos mistérios, 
o senhor de uma obscura clareza que é, por isso, o acme do 
paradoxal -, Heraclito não se pronuncia sem que sintamos 
algo de nós em causa. É toda uma seriedade de pensar e de 
ser, uma íntima e corajosa coerência entre o pensamento e a 
vida, o pensamento e o movimento, que o corpo fragmentá-
rio disponível nos propõe, num estilo em que a alegria pura 
contrasta com a acutilante ironia, e em que um dinamismo 
optimista nos leva a olvidar o hilozoísmo mecanicista de 
outros pensadores jónicos. Que pensava Heraclito? 
- Que há um ser, principiai e original, que tem o poder 
de conceber e de criar, ser esse que, Deus embora, identifica 
com o fogo (ll. O fogo (nüp) é a origem de todas as coisas, e 
ill Em algumas traduções, como a hebraica (e mesmo em determinadas 
instâncias da cultura grega), o Espírito é simbolizado pelo fogo, e não pelo 
ar. Espinosa analisou a simbologia do fogo, com teológica profundidade, 
no seu Tratado teológico-político. No entanto, a palavra grega que melhor 
traduz a hebraica Ruah (sopro) é pneuma. 
I 
I! 
I 
42 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
o fim de todas elas, seja por transformação, seja por sublima-
ção, seja por condensação. O fogo propõe-se como uma cor-
rente em que há curso e recurso, ou discurso, isto é uma teo-
ria de oposição dos contrários, por cuja oposição os seres se 
geram, e por cuja concordância os seres se integram de novo 
no seio do rio eterno. A terra surge como o fogo condensado, 
a terra é o berço da água por liquifação, enquanto, num ciclo 
dinâmico, onde nada se encontra inerte - tudo flui, (rrav-ra 
pei) -os seres surgem e se dissipam, num cosmos que, con-
cebido e gerado pelo fogo, mantém a unidade superior do seu 
criador, o mesmo carácter ciclíco, a mesma determinação 
fatalista, a mesma lógica, a razão de movimento, porque o 
cosmos se gera em função do movimento e nunca em função 
do tempo- o tempo que é, enfim, uma relação enganosa do 
movimento para os sentidos. Na verdade, o tempo resulta das 
modificações aparentes, porque nenhuma coisa permanece 
como parece num dado instante, encontrando-se em perpé-
tuo processo de modificação. 
O logos cognoscente absorve indícios das modificações 
havidas, de onde cria a noção de tempo e adquire a certeza de 
que nenhuma coisa sensível é passível de conhecimento ade-
quado. No momento em que julgamos estar a conhecê-la, é o 
momento em que já se não apresenta como a julgávamos 
conhecer. <<Banhamo-nos e não nos banhamos nas águas do 
mesmo rio)). De onde os filósofos deverem alertar-se quanto 
ao real valor das coisas, uma vez que, dormentes ou vigilan-
tes, os sentidos nos enganam sempre; na medida em que <<O 
que é em nós é sempre um, e o mesmo, vida e morte, vigília e 
sonho, juventude e velhice, porque a passagem de estado é 
recíproca)). 
Somos e não somos, pensamos e não pensamos, não 
podemos descer duas vezes às águas do mesmo rio, os olhos e 
os ouvidos são más testemunhas para conhecimento das apa-
rências do real- o cosmos, como o julgamos pelo conheci-
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 43 
mento sensorial - e porque só o logos conhece e o logos, 
que a si mesmo se multiplica, pertence ao espírito. 
O fluxo heraclitino apela para um modo de vida. É uma 
filosofia que bule com o ser do homem; um discurso sobre o 
real realizado e o real ideado, ou sobre a aparência e a reali-
dade, ou sobre a existência e a essência. 
A existência é o que da essência flui, corre, como as 
águas do rio; nós não conhecemos o movimento do rio, limi-
tamo-nos a ver a posição das águas, mas a unidade intrínseca, 
a essência de tudo isso, é algo que nos foge. Efectuar distin-
ções no essencial, pelas aparências existenciais, constitui um 
risco igual ao que corremos quando a Deus damos o nome de 
Deus porque, enfim, Deus, que é Deus, quer, e não quer, ser 
invocado por tal nome! Nominar é um modo de definir, e 
Deus persiste como o que não se define 0 l. Como o inominá-
vel! Não é, nem para demonstrar, nem para provar, mas para 
contemplar. Como o deus, cujo oráculo se encontra em 
Delfos: «nem fala, nem finge, mostra>> 
Admirável é a universalidade do pensamento filosófico 
de Heraclito que, partindo de uma teoria do conhecimento 
rigorosamente modesta, assume a noção dos limites gnoseoló-
gicos humanos e, como tal, se nega a toda a formulação pró-
pria de filosofias regulamentares, estabelecendo, a partir dessa 
teoria, uma ética (relação do homem com Deus), uma política 
(relação do homem com as instituições) e uma moral (relação 
individual), cujo vértice consiste numa já esboçada axiologia, 
em que a salvação devém da obediência íntima aos projectos 
incognoscíveis do Uno, isso em que se crê, através de uma 
doença sagrada, que é a crença: a justificação recíproca, em 
que o crente garante a crença e, esta, o crente. 
O pensamento filosófico de Heraclito oferece, por vezes, 
o risco de negar a própria filosofia. Sendo, a filosofia, o amor 
<•> A inefabilidade divina tem tido muitos defensores, entre eles um 
Dionísio Aeropagita, cujas relações com Heraclito se deveriam equacionar. 
'l 
44 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
da sabedoria, que interroga e se interroga, no sentido de 
garantir-se um saber, e sendo sua razão o logos, mas, não 
sendo o logos humano possuidor de pensamento próprio, 
que todo o pensamento é divino, como pode o homem filo-
sofar? Aliás, ao escrever obscuramente, para que as suas dou-
trinas se não vulgarizem, talvez Heraclito estivesse assumindo 
a dificuldade própria da sua visão filosófica que, a ser assim, 
devia quanto possível ser dada apenas a iniciados, ou a discí-
pulos, preparados para darem testemunho da verdade e para 
assumirem todas as contingências mundanais que a filosofia 
de Heraclito recusa como não verdadeiras. A Sibila, que, nos 
textos de Heraclito aparece mencionada, é, talvez, o próprio 
Heraclito: «faz ouvir palavras enigmáticas, sem ornamentos e 
sem floreados, faz ecoar seus oráculos por mil anos, pois 
recebe a inspiração dos deuses». 
Ocorre memorar que Anaxímenes, discípulo de 
Anaximandro, e com possíveis ligações com Parménides, pos-
tulara um primeiro princípio, o ar - que tanto invocava sob 
a forma aérea, como sob a forma pneumatológica - que 
delimita o cosmos, surgindo, assim, como uma espécie de 
apeiron aeriforme, envolvendo e gerando o Universo. 
De Diógenes de Apolónia, que alguns autores preferem 
ligar directamente à escolaridade jónica, para respeitar a tradi-
ção, segundo a qual Diógenes é um discipulo de Anaxímenes, 
existem testemunhos de que este discipulato se refere a uma 
comparticipação em teses de Anaxímenes, e não a uma 
directa e oportuna actividade no seio da escola, uma vez que 
a- passagem de Laércio (IX, 57) referente a Diógenes assenta 
em Antístenes, e certos autores 01 dizem constituir uma erró-
nea interpretação que Laércio teria feito do testemunho de 
Antístenes. É difícil introduzir lógica na perspectiva crónica, 
e não nos cabe resolver o problema da situação época! de 
" 1 Kirk and Raven, The presocratic philosophers. 
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 45 
Diógenes de Apolónia, embora, tendo aceite que se trata de 
um autor pós-pan:nenidino, pudéssemos incluí-lo no final do 
eleatismo. 
Advertidos destas dificuldades, assinale-se o desejo de 
clareza que dita a obra de Diógenes, o qual, segundo as bio-
grafias, teve como preocupação primeira estabelecer postula-
dos sólidos e comunicar com os outros, através de uma lin-
guagem precisa e acessível, não querendo seguir o mesmo 
processo de Heraclito, quanto à obscura comunicabilidade 
dos textos. 
A semelhança de Parménides, Diógenes entende que o 
mundo é finito, à semelhança de Anaxímenes, entende que o 
mundo devém do ar infinito, que, segundo o grau de ponde-
rabilidade, gera os seres da natureza. O nada não existe, o ar 
constitui esse caos ignoto e insondável a que o autor alude, e 
a terra constitui o centro do Universo. Já se deixa ver que, a 
partir destes postulados, dando o infinito como incognoscí-
vel, Diógenes poria de parte toda a especulação metafísica, ou 
ontológica, desviando a atenção para o que hoje designamos 
por ciências da natureza. Os fragmentos disponíveis dão 
franco testemunho da sua preocupação intelectual, e o atri-
buto de fisiólogo, bem como a grande nomeada que parece 
haver tido, justificam-se plenamente, pois, mais do que um 
filósofo, Diógenes foi um físico, pesem embora as passagens 
em que emite afirmações sobre a metafísica, as quais servem 
apenas para demarcar o seu campo de trabalho e de investiga-
ção: os fenómenos naturais, incluindo o corpo humano, de 
cuja circulação efectuou uma curiosa anatomia. 
A validade filosófica de Diógenes garante-se principal-
mente pela forma como, através da física, introduz, na filoso-
fia, o conceito da razão (vàtJmç). 
Há uma evidente relação filológica entre o nous de 
Anaxágoras e a noêsis de Diógenes, uma vez que o étimo radi-
cal é o mesmo. O nous de Anaxágoras vem dado com seus 
46 FILOSOFIA 
atributos e para s1 
o 
um determinismo 
para o Universo 
a substância existencial com o 
, mas 
ao 
razão, 
afirma que esta governa e 
seres sentem, entendem e 
cotsas, e que os 
da razão. 
A razão é, no esquema de 
rior, não mero instrumento 
fim de a e 
de muito supe-
ria, como, de resto, Sócrates não teve dificuldade em 
nhecer, e isto a crermos no 
C!J Fétlon, 98, B7. Tradução do P. Dias Palmeira, Coimbra, 1954. 
FILOS O FIA PRÉ-SOCRÁTICA 47 
perfeita consciência desse valor, razão fundamental, que é 
razão de razão- a que de si mesma sabe, e de todo o outro. 
O florescimento da filosofia na Jónia apresenta-se como 
um trânsito e como um regresso - por um lado, a tentativa 
de prosseguir o apuramento das razões de ser e, por outro, 
um esforço no sentido de identificar o ser de razão. Entre as 
primevas concepções de Tales e as posteriores visionações de 
Heraclito, é todo um longo caminho em que tudo flui, em 
que, mesmo quando não parece, as ideias de cada um se 
geram nas ideias do outro, em que os debates escolares e as 
argumentações discorrem, mas ao mesmo tempo concorrem, 
para a tarefa de construção de uma disciplina, cada vez mais 
liberta do culturalismo sincrético, e cada vez mais ciente das 
suas limitações e, p~r isso, pouco a pouco mais assenhoreada 
das inestimáveis possibilidades. 
3- A ESCOLA ITÁLICA 
Escolas itálicas houve, pelo menos, duas: a pitagórica e a 
eleática. As designações, fundadas em motivos geográficos, ou 
de geografia política, têm destes paradoxos pouco, ou nada, 
razoáveis. No entanto, como a escola de Eleia obteve o nome 
próprio de eleática, nada impede que a escola de Pitágoras se 
chame itálica e, para evitar confusões com a eleática, se chame 
também pitagórica. 
Quem fundou esta escola foi Pitágoras, oriundo da ilha 
de Samos, que se fixou em Crotona, onde passoua ensinar. 
Pitágoras, na data em que se fixa em Crotona, traz consigo, a 
crermos nos biógrafos e doxógrafos, uma longa experiência de 
vida e de saber. Viajara imenso, estivera no Egipto, na Fenícia 
e na Caldeia e, entretanto, teria sido discípulo de Ferécides de 
Siro, um cosmógono e um teógono que, na melhor das hipó-
teses, teria lato conhecimento das ciências ocultas dos fení-
48 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 
cios, que teria efectuado alguns milagres, e passado a 
Pitágoras muito do seu saber, a pontos de, em certos porme-
nores, haver dificuldade em certificarmo-nos sobre o que 
deve ser atribuído a Ferécides e o que deve ser atribuído a 
Pitágoras. (De acordo com o doxógrafo Apolónio, na data em 
que Ferécides adoeceu, em Delos, foi Pitágoras quem o 
tomou' a seu cuidado, dele herdando a sabedoria que, acres-
centada de outras contribuições, veio a desenvolver, e a trans-
mitir, sob a forma do pitagorismo). 
Pelos motivos expostos, pareceu-nos justo situar 
Ferécides à cabeça da escola de Crotona, porque, em obe-
diência ao critério filosófico das teses, Ferécídes apresenta-se 
como o remoto fundamento do pitagorismo, ou, pelo menos, 
como o consabido mestre de Pitágoras. 
Ferécides teria escrito o livro dos «Sete esconderijos» 
('E:rr-rártuxoç) '1>, onde expõe o seu saber, do qual nos chegou, 
entre o mais, a explicação relativa à problemática da origem. 
Ferécides resolveu-a, não através de uma criação a partir do 
Nada, mas pela defesa de que Zeus e Ctónia existiram desde 
sempre, um como o céu, outra como a terra. Os elementos 
restantes são o fogo, o ar e a água, que resultaram das combi-
nações do movimento, expresso na noção de tempo, Cronos. 
Temos, desta forma, cinco e não sete esconderijos, ou reces-
sos, ficando, portanto, por saber quais eram os outros dois 
recessos a que o título da obra de Ferécides alude, ou se a 
transmissão histórica do título terá sido correctamente efec-
tuada. 
Poéticas e cosmogónicas, as alegorias de Ferécides têm 
grande importância, e acentuam uma forma de singular 
absorção de contribuições culturais, sendo possível que a sua 
obra haja recebido tais contribuições da filosofia e da teogo-
Cll Certos autores, entre eles, Diels e Jaeger, inclinam-se para «cinco 
esconderijos», em vez de «sete>>. 
FILOSOFIA 
ou porque, em 
já existente entre as várias ~J'-~'aJ, 
ricos tomavam os cuidados necessários à não 
seus conhecimentos, de 
da 
que 
50 FILOSOFIA 
FILOSOFIA 
V !Ce-versa: 
1. Limitado 
2. Ímpar 
3. Unidade 
4. Direita 
5. Macho 
6. 
7. Recta 
8. Luz 
9. Bem 
10. 
Par 
Fêmea 
Movimento 
Curva 
(1) 
51 
52 FILOSOFIA 
fl0 vVU01-''-'''V 
à Tétrade. 
É este o 
antes 
que as significa e que 
com o demais. 
mátíco na sua 
já a coisa em 
FILOSOFIA 
tem, nem excesso, 
mula no 
do uno, e, por 
dela são sempre 
Amor que une o ser 
cinde o ser 
mecânico. 
O poema sobre a 
53 
e, ao que parece, 
que, em 
54 FILOSOFIA 
reverter à e à 
onde se não morre! 
A tanto havia levado o 
metria. 
4- A ESCOLA ELEÁTICA 
em Eleia, na Itália 
Zenão. 
Dilucidar a as 
ções acerca das que se levantam quanto a 
parte integral da 
cujas teorias abrem o conti-
FILOSOFIA 55 
avant Socrate. 
FILOSOFIA 
cosmos são um e o mesmo - o ser eterno, incriado e incor-
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 57 
dó nem piedade, designadamente a tendência de antropo-
morfização dos deuses - assinalando Xenófanes uma noção 
correcta, já expandida nas tradições médio-orientais, de que a 
divindade não tem imagem (l>. Muito embora, Xenófanes 
tinha inteira certeza de que a verdade, tal como a concebia, 
não era para divulgar, porque as imagens da opinião, ou do 
senso comum, são historicamente mais fortes do que a justiça 
da verdade, ou a verdade da justiça. O fragmento 34 é alta-
mente explícito quanto ao juízo de Xenófanes, e serve para 
alertar o filósofo sobre o valor das essências e das aparências, 
garantindo-lhe que o vulgo não quer senão as aparências, 
enquanto a filosofia não quer senão as essências. De onde 
haver muita coisa, dada como filosofia, que não é senão uma 
forma refinada de opinião, ou de logos comum. 
Apesar da valorização atribuída a Parménides, a filosofia 
deste, que foi discípulo de Xenófanes, já se encontra projec-
tada nos fundamentos da escola xenofónica. Todavia, além 
do magistério que recebe de Xenófanes, Parménides liga-se 
também ao jonicismo de Anaximandro de quem, se não acei-
tou todos os ensinamentos, aceitou, pelo menos, a teoria do 
princípio único, bem como algo da tradição pitagórica, que 
lhe teria sido transmitida por Amínias, iniciador de Parmé-
nides na via mística, muito mais do que o seu primeiro mes-
tre, Xenófanes. 
Grande parte da celebridade de Parménides deriva da 
viagem efectuada a Atenas, na companhia de Zenão, onde, a 
crer na historicidade dos diálogos platónicos, haveria propi-
ciado um encontro com Sócrates, para discussão da teoria das 
ideias. Dedicando um diálogo ao acontecimento, Platão é em 
parte responsável pela notabilidade do filósofo eleático, um 
dos mais seguros interlocutores de Sócrates, a cujas teses 
Aristóteles dedicou considerável atenção. 
<•J E. W. F. T omlin, The Eastern philosophers. 
58 FILOSOFIA 
incriado, imprincipial, per-
idêntico a si mesmo, uno e 
deixar de ser, porque é 
IJ'-lcl~d.RW.lHV de 
surge-nos um pouco 
meta designa apenas uma categoria adverbial, a categoria 
substancial sendo a física. Portanto, a 
da se pro-
através do enriquecimento modal do 
Mas o que na verdade Parménides nega é tanto a 
cisfísica (o que se encontra como a 
possibilidade da tisica (o que se encontra 
bilidade da metafísica (o que se encontra O que nega 
em é a física, como sujeito substantivável, e tanto 
nos leva a pôr que, a física, se tem de toda a 
intrínseca realidade da negar o adver-
bialmente pode depender, a e a A qualifi-
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA 59 
cação de racionalismo metafísico, atribuído ao pensamento 
de Parménides, oferece alguma garantia de autenticidade? Se 
os elementos gramaticais suportam um pensamento lógico, 
temos que a relação se oferece na afirmação dos elementos 
relativos: ora, se nego a realidade de um deles, não posso fazer 
depender os outros desse que nego. Logo, se nego a física, 
tenho de negar a metafísica. 
Que qualificativo atribuir, então, ao pensamento parme-
nidino? Cremos que só um lhe calha em absoluto, com todas 
as garantias de adequação ao conteúdo do que, de 
Parménides, sabemos: racionalismo do ser, racionalismo 
ontológico, ou, porque estabelece a univocidade do ser, onto-
logismo unívoco. Não vemos que outra solução possa justifi-
car-se, uma vez definidas as noções de racionalismo metafí-
sico e de racionalismo ontológico, e bem demarcadas as 
fronteiras entre ontologia e metafísica. A ontologia é garan-
tida, a metafísica é o que resta da física, e Parménides quer e 
crê o Ser, não o que resta do possível Ser. 
Racionalismo ontológico é também o de Zenão. Difere 
do de Parménides na matéria formal da argumentação, por-
que, enquanto Parménides prefere a via poética, Zenão pre-
fere a via dialéctica, sendo em virtude deste acidente formal 
que se classifica de dialéctico o racionalismo de Zenão. 
De facto, a diferença deveria ser estabelecida em três termos: 
de um lado, o racionalismo ontológico-poético de Parmé-
nides; de outro, o racionalismo ontológico-dialéctico de 
Zenão. Cremos atingir maior grau de clareza adoptando essas 
tríades, das quais constam o sujeito, o objecto, e o processo 
de um para o outro. 
Ora, Zenão, segundo Laércio, era filho adoptivo de 
Parménides, e seu discípulo. Aristóteles e Platão concordam 
em que o poder de conversação dialéctica do discípulo de 
Parménides era notável, e que tanto seguia a linha afirmativa,

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