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Fatores de influência sobre a precisão dimensional de peças usinadas no processo de torneamento Eduardo Umaras Marcos de Sales Guerra Tsuzuki Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Resumo O atual estado da arte tecnológica e a crescente demanda por qualidade de um mercado cada vez mais exigente fazem com que projetistas do produto especifiquem campos tolerâncias cada vez mais restritos. Este fato contrasta com a também crescente necessidade de redução de custos imposta pela manutenção da competitividade das empresas, fruto de características deste mesmo mercado. Os conjuntos mecânicos são formados por componentes unidos através do contato de superfícies acabadas. Estas superfícies são afetadas por requisitos de precisão dimensional e qualidade superficial que exigem acabamento por usinagem, o qual deve ser precedido por etapas de semi-acabamento. As etapas de semi-acabamento e acabamento, quando realizadas através de processos distintos, são afetadas por tempos individuais de manuseio, preparação, ajustes e controle que obviamente afetam os custos de produção do produto. Muitas vezes, as operações de desbaste e acabamento podem ser realizadas através de um mesmo processo de usinagem, dependendo da precisão dimensional e do acabamento superficial especificado. O impacto econômico positivo nestes casos é óbvio pelos motivos citados. O torneamento é um dos principais processos de fabricação, devido à sua versatilidade na produção de peças semi-acabadas e acabadas, até determinado nível de qualidade. O objetivo deste trabalho é o de identificar e analisar os fatores que influenciam as tolerâncias dimensionais e o acabamento superficial no processo de torneamento, sugerindo soluções para o seu devido controle e assim, dependendo do caso específico, permitir que processos adicionais possam ser eliminados. O trabalho também pode servir como suporte na identificação de causas especiais na análise de controle estatístico de processo. 1 – Introdução O conceito de tolerância dimensional resulta da constatação de que é impossível a fabricação de uma peça nas suas dimensões nominais, ou exatas, qualquer que seja o processo de utilizado em sua fabricação e por mais preciso que este possa ser. Observa-se também, que a especificação de tolerâncias dimensionais na dimensão de um componente somente aplica-se quando esta estiver vinculada a uma superfície que apresente contato ou outro tipo de interação com superfícies de outros componentes de um conjunto mecânico[1]. A fabricação de uma peça por torneamento deve partir de uma peça previamente fabricada por algum processo produtivo, incluindo este mesmo processo. Assim, o problema da obtenção de peças usinadas apresentando determinado nível de precisão dimensional consiste na determinação do volume do material pré-fabricado, na forma e dimensões aproximadas a da peça acabada, que deve ser removido. Pode ser definido, então, o índice de melhoria de precisão[2]: p b ω ω ε = (1) Onde: bω é a variação dimensional obtida no processo da peça pré-fabricada e, pω é a variação dimensional obtida no processo da peça acabada. Se forem utilizados vários processos para a obtenção da peça acabada a partir de um material bruto, o índice de melhoria de precisão será dado pelo produto dos índices relativos a cada processo consecutivo: nεεεε ⋅⋅⋅= ...21 (2) O objetivo deste trabalho é o de apresentar fatores de influência sobre as tolerâncias dimensionais resultantes de processos de usinagem por torneamento convencionais, para a obtenção de um maior índice de melhoria de precisão. Assim, índices de processos subsequentes podem ser eventualmente eliminados da cadeia produtiva da peça e reduções de custo do produto podem ser obtidas. De outra forma, o conhecimento dos citados fatores pode ser útil na identificação e análise de problemas para a melhoria de processos de torneamento e de identificação de causas especiais no controle estatístico de processos – CEP. Processos especiais de torneamento de aços de alta dureza (hard turning), os quais podem substituir parcialmente processos de retificação, não são tratados neste trabalho. 2 – Níveis de precisão obteníveis no processo de torneamento Os processos de torneamento de produção permitem, de modo geral, a obtenção de campos de tolerâncias com precisão adequada para uma ampla gama de aplicações em componentes mecânicos. Os seguintes valores são usualmente obteníveis[3,4], dependendo do material, das dimensões da peça usinada e de outros fatores que são objeto deste trabalho: • ± 0,03 a 0,013 mm para diâmetros; • ± 0,08 mm para usinagem econômica de diâmetros; • ± 0,03 a 0,08 para tolerância de concentricidade, sem alteração na fixação; • ± 0,001 mm/mm para comprimentos; • ± 0,005 mm/mm para usinagem econômica de comprimentos; • ± 0,013 a 0,025 mm, para tolerâncias de batimento lateral. 3 – O conceito de encadeamento de dimensões e tolerâncias As dimensões toleradas de um conjunto mecânico são resultantes do encadeamento de dimensões toleradas dos componentes que o integram. Pode-se definir encadeamento como “uma sequência de elementos na qual cada elemento tem um ponto inicial em comum com seu predecessor e outro ponto final com seu sucessor na sequência”[5]. A figura 1 ilustra a representação esquemática de um encadeamento dimensional, formado por m elementos. Assim, a magnitude do elemento resultante é função de várias variáveis independentes representando os componentes do encadeamento: ),...,,,( )1(321 −= mr ddddfd (3) 4 – O sistema Máquina – Fixação – Ferramenta – Peça Para o estudo dos fatores que influenciam as tolerâncias de uma peça usinada, deve-se considerá-la como integrante de um sistema composto pelos componentes: Máquina – Fixação – Ferramenta – Peça, o sistema MFFP[2]. A figura 2 ilustra o exemplo para um processo de torneamento a partir do conceito de encadeamento de dimensões citado. O raio da peça usinada pode ser considerado o elemento resultante do encadeamento de elementos constituintes da máquina, do dispositivo de fixação e do conjunto da ferramenta, podendo seu valor ser calculado para o encadeamento da figura: 18765432 ddddddddd r −−+−−++= (4) Um requisito importante na inclusão da peça no sistema descrito é o de que ela deve ocupar uma posição determinada em relação às superfícies de referência da máquina e do dispositivo de fixação. 5 – Fases do processo de usinagem Para o estudo e análise da precisão dimensional da peça acabada, pode-se distinguir três fases, independentes e consecutivas, em um processo de usinagem: 5.1 – Colocação Esta fase consiste na colocação e fixação da peça no dispositivo de fixação da máquina. Caso o dispositivo de fixação seja especialmente desenvolvido para o processo, seu ajuste deve ser também considerado. O posicionamento da peça e do dispositivo é realizado em relação às superfícies de referência da máquina, para que o encadeamento dimensional do sistema seja atendido. d1 d2 d3 d(m-1) dr Figura 1 – Representação de um encadeamento dimensional. 5.2 – Ajuste estático do sistema MFFP Nesta etapa é realizado o avanço e a fixação das arestasde corte da ferramenta para a posição requerida em relação às superfícies de referência da peça e da máquina. Após a fixação da ferramenta, seu posicionamento deve ser novamente verificado; 5.3 – Ajuste dinâmico do sistema MFFP Nesta fase dá-se o início e o progresso da operação de usinagem, quando são desenvolvidas cargas dinâmicas, resultando em vários outros fenômenos relacionados ao processo de corte do material. Pode-se dividi-la em algumas subfases importantes para análise: - A partir do momento em que a aresta de corte da ferramenta faz contato com a superfície da peça, estas se movem no espaço fazendo, primeiramente, com que as folgas do sistema MFFP se anulem através do contato de superfícies de juntas e mancais da máquina; - A partir do contato superficial, por efeito da reação das forças de usinagem, ocorre uma deformação elástica destas superfícies; - Estes deslocamentos progridem até que as forças resistentes e seus momentos, desenvolvidos pelas tensões elásticas do material dos componentes do sistema (das camadas de lubrificante, das forças de atrito e da força da gravidade atuante nas peças) contrabalancem as forças de corte e os seus momentos. Este equilíbrio resultante gera a reação necessária no sistema MFFP para a remoção da camada de material da peça em usinagem; - Enquanto este equilíbrio não for perturbado, o ajuste dinâmico do sistema MFFP permanecerá constante durante o processo de usinagem e não ocorrerão desvios dimensionais. Para cada uma das fases descritas são definidos erros que afetam a precisão da usinagem pelo processo, os quais são denominados, respectivamente: 1) Erro de colocação cω ; 2) Erro de ajuste estático do sistema MFFP eω ; Figura 2 – Sistema Máquina – Fixação – Ferramenta – Peça considerando o raio da peça torneada como resultante do encadeamento de dimensões. Fonte Balakshin[2]. 3) Erro de ajuste dinâmico do sistema MFFP dω . Estes erros são decorrentes de causas aleatórias e especiais no procedimento de controle estatístico do processo. Consequentemente, o erro o processo de usinagem, uω , pode ser definido genericamente pela seguinte relação: decu ωωωω ++= (5) 6 – Fatores de influência sobre a precisão dimensional da peça usinada Uma vez analisados e conhecidos os elementos do sistema de usinagem e os erros que resultam na imprecisão dimensional da peça acabada em relação às suas dimensões nominais, torna-se necessária a identificação dos principais fatores que podem causá-los. Segundo Balakshin[2], as principais causas que resultam no aumento da imprecisão de um processo de usinagem são as seguintes: 6.1 – Para o erro de colocação - Seleção incorreta das superfícies de referência de processo; - Erros de forma e dimensionais nas superfícies de referência, como por exemplo: dimensões, deslocamentos angulares, forma geométrica e acabamento; - Erros nas superfícies operacionais da máquina-ferramenta e do dispositivo de fixação utilizada para a determinação do posicionamento da peça; - Força inadequada de fixação – exemplos: força insuficiente que leva a um deslocamento da peça, pontos de aplicação de força incorretos, sequência incorreta de aplicação de força; - Escolha incorreta de superfícies de referência de medição, do método ou dos recursos de medição; - Alteração indevida da superfície de referência na fixação da peça; - Falta de habilidade do operador. 6.2 – Para o erro de ajuste estático do sistema MFFP - Seleção incorreta das superfícies de referência de processo; - Escolha incorreta de superfícies de referência de medição, do método ou dos recursos de medição; - Seleção incorreta do método e dos meios para ajuste estático da dimensão e das cadeias cinemáticas; - Ajuste inadequado das arestas de corte da ferramenta em relação às superfícies operacionais da máquina ferramenta que determinam sua posição; - Ajuste e fixação incorretos dos fixadores e acessórios que determinam as posições da ferramenta e da peça; - Precisão estática (geométrica) insuficiente da máquina, do dispositivo de fixação ou da ferramenta – Exemplo: erros de fabricação destes componentes; - Falta de habilidade ou erros cometidos pelo operador no posicionamento da ferramenta. 6.3 – Para o erro de ajuste dinâmico do sistema MFFP - Material da peça não homogêneo; - Variações no sobremetal; - Rigidez insuficiente ou variável do sistema MFFP ao longo das coordenadas de movimento relativo entre ferramenta e peça; - Variações na direção e magnitude das forças desenvolvidas durante a usinagem; - Baixa qualidade da ferramenta; - Má condição da máquina e do dispositivo de fixação - exemplo: manutenção inadequada ou fim de vida útil; - Variações de temperatura entre os componentes do sistema – peça, ferramenta, máquina, dispositivo de fixação, equipamento de medição e ambiente, flutuações de temperatura; - Características, método de aplicação e quantidade do fluido de corte; - Métodos ou meios de medição dos erros de ajuste dinâmico; - Vibração no sistema MFFP; - Falta de habilidade ou erros cometidos pelo operador durante o processo. 7 – Tratamento dos principais fatores de influência sobre a precisão dimensional de peças torneadas Algumas causas apresentadas no item anterior são de entendimento e tratamento de menor complexidade. Neste trabalho serão apresentados apenas os fatores relativos a causas que necessitem um tratamento diferenciado, devido a características específicas que demandam estudo mais detalhado. 7.1 – Superfícies de referência O primeiro fator a ser considerado na diminuição da variação dimensional de uma peça usinada é o da correta seleção de suas superfícies de referência de processo e de medição. Se a precisão requerida no valor das distâncias e deslocamentos angulares de superfícies operacionais de uma peça, em relação às suas superfícies de referência, não for mantida na usinagem, esta peça não será capaz de atender aos seus requisitos funcionais adequadamente. Dois problemas devem ser resolvidos na primeira operação, a partir do material bruto: a) O estabelecimento das inter-relações que determinam as distâncias e deslocamentos angulares entre as superfícies de referência e as superfícies não usinadas. A seleção da superfície para a usinagem da primeira operação é de fundamental importância, pois, se incorreta, poderá comprometer todas as dimensões subsequentes; b) A distribuição da espessura do sobremetal disponível para a usinagem das superfícies. Variações de espessura do sobremetal resultam em outros fatores que diminuem a precisão de usinagem, como será visto adiante neste texto. A especificação da primeira operação equivale a uma “traçagem” da peça para o equilíbrio das distâncias e do sobremetal[2]. As seguintes recomendações podem ser colocadas para tratamento do fator relativo às superfícies de referência: 1) Para a primeira operação, observar a melhor distribuição do sobremetal; 2) Utilização de superfícies de referência de maior comprimento como referências de processo, para aumentar a precisão de posicionamento angular da peça para usinagem de outras referências; 3) A sequência de operações do processo deve evitar ao máximo o reposicionamento da peça na fixação. Reposicionamentos são grandes geradores de desvios dimensionais. A figura 3 ilustra um exemplo. A superfície do diâmetro D2 do cubo à esquerda é usinada na primeira operação e, por apresentar maior comprimento, é posteriormente utilizada como referência de processo para a usinagem das demais referências operacionais da peça (diâmetro piloto D1 e sua superfície de contato axial), embora estas, por projeto, sejam as primeiras referências. Na engrenagem à direita, que é montada em conjunto com o cubo, a superfície do diâmetro D3 é usinada a partir da referênciade processo do diâmetro bruto externo. 7.2 – Características do material Os desvios dimensionais devidos às características do material estão diretamente relacionados com a variação da força de corte em peças de um mesmo lote de produção. Observa-se na prática que, mantidas outras características do processo, a força de corte aumenta com o aumento da dureza Brinell do material. Portanto, a solução para a redução na variação da força de corte, e consequentemente na variação dimensional entre peças, é a redução na variação da dureza do material. Isto pode ser conseguido por três medidas principais: - Melhoria da qualidade do material recebido, com menor faixa de variação de dureza; - Especificação de tratamento térmico no material recebido, que diminua a variação de dureza; - Seleção do material recebido em grupos de faixas de menor variação de dureza. Os dois primeiros itens sugerem um aumento no custo do fornecimento e dependem de decisões comerciais. O terceiro item pode ser conduzido internamente na empresa, através da medição da dureza, classificação do material em grupos e marcação destes para fins de usinagem. Para cada grupo, pode ser realizado um ajuste específico do sistema MFFP, gerando menor variação dimensional resultante nos lotes de peças acabadas. 7.3 – Tolerância do sobremetal Os desvios na tolerância do sobremetal do material bruto ou semi-acabado fazem com que existam deslocamentos espaciais entre arestas de corte da ferramenta e a superfície da peça usinada para um mesmo valor de ajuste do sistema MFFP, resultando em consequente variação dimensional na peça acabada. Portanto, a variação do sobremetal pode afetar tanto a variação dimensional da superfície de uma mesma peça, quanto a variação dimensional entre peças de um mesmo lote. Observa-se, na prática, que os desvios na tolerância do sobremetal tem efeito semelhante aos dos desvios da dureza no material, isto é, quanto maior a variação do sobremetal, maior será o desvio na tolerância da peça acabada. Observa-se também que a variação do Figura 3 – Exemplo para definição de superfícies de processo para torneamento de superfícies de referência da peça (dimensionamento parcial). sobremetal tem maior influência na usinagem entre peças distintas do que na usinagem da superfície em uma mesma peça. O tratamento para o problema é similar ao mencionado para a variação na dureza do material, ou seja, quando a variação do sobremetal for significativa em um mesmo lote de peças brutas ou semi-acabadas, estas devem ser medidas e identificadas individualmente e agrupadas em classes de menor variação. Assim, para um mesmo ajuste do MFFP haverá uma menor variação dimensional resultante quando do torneamento de cada lote selecionado de material bruto. 7.4 – Rigidez do sistema A rigidez R de um sistema pode ser definida pela seguinte relação[2]: l∆ ∆ = FR (6) onde: F∆ = incremento de carga [N]; l∆ = incremento de deflexão elástica [mm]. Na medida em que a peça usinada é parte integrante do sistema MFFP, a reação da força resultante do corte deve ser equilibrada pelos componentes do sistema, o que causará uma deflexão elástica. Através da equação (6), pode-se elaborar uma relação entre a força de corte e o deslocamento da aresta de corte: R Fc c =δ (7) Onde: cF = força de corte [N]; cδ = deslocamento da aresta de corte [µm]. Uma análise da equação 7 mostra que quanto menor a rigidez do sistema, maior será o incremento de deflexão elástica para um mesmo incremento da reação à força de corte. Uma maior deflexão elástica do sistema resultará num maior deslocamento da aresta de corte da ferramenta e consequentemente numa maior variação dimensional da peça acabada. Segundo Balakshin[2], o deslocamento da aresta de corte não apresenta um comportamento totalmente elástico, sendo afetado por um fenômeno de histerese, ou seja, o deslocamento devido ao carregamento do sistema não é igual ao deslocamento observado quando ocorre seu descarregamento. Este fenômeno está relacionado à compensação de folgas em juntas e mancais do sistema. Em resumo, pode-se afirmar que a rigidez do sistema MFFP depende das seguintes características: 1) Projeto da máquina (materiais, acabamento de superfícies de contato, desvios de forma, etc.); 2) Condição da máquina; 3) Viscosidade do lubrificante e folgas nos mancais; 4) Temperatura: testes indicam um aumento da rigidez de 44% em uma máquina aquecida por 30 minutos[2]. Operacionalmente, existem limitações no tratamento da rigidez do sistema MFFP, pois o fator está principalmente relacionado à qualidade e à condição da máquina, ou seja, máquinas mais robustas no início de sua vida útil fornecem peças com a maior precisão dimensional obtenível quando o fator rigidez é preponderante, fato que é, inclusive, intuitivo. O uso de lubrificante adequado e o controle de sua temperatura em faixas restritas de trabalho podem colaborar para o aumento da precisão da peça acabada. 7.5 – Vibração O efeito da vibração no sistema MFFP pode, além de afetar negativamente a precisão e a qualidade superficial da peça torneada, gerar nível de ruído inaceitável no ambiente e danos na ferramenta, reduzindo sua vida útil[6]. A vibração no sistema MFFP, na prática, consiste no movimento relativo adicional entre seus componentes, principalmente ferramenta e peça; pode ser de três tipos[2,6]: 1) Livre 2) Forçada 3) Auto-excitada O efeito da vibração livre, quando comparado aos dos outros tipos tem efeito desprezível devido à sua magnitude[6]. A vibração forçada é geralmente causada por[2]: - Desbalanceamento dinâmico de componentes rotativos, da máquina ou da peça usinada; - Flutuações no sobremetal; - Corte interrompido; - Folga excessiva em juntas e mancais da máquina; - Vibração transmitida por outros equipamentos através da fundação da máquina. A vibração auto-excitada pode ser entendida como uma vibração sustentada do sistema, mantida por uma fonte contínua de energia; é iniciada sob determinadas condições e continua até que estas condições sejam alteradas. Suas causas não estão completamente esclarecidas[2] e são derivadas de instabilidade dinâmica do processo de torneamento[6]. Qualquer fator que introduza alterações na condição de equilíbrio existente entre as forças de corte e suas forças reativas pode ser causa de vibração, tais como a variação na dureza do material e variações na rotação e avanço. Quando a vibração causada por algum fator torna-se muito próxima da frequência natural do sistema, inicia-se uma condição de ressonância, que causa ondulações na superfície usinada. O principal problema relativo à vibração do sistema sobre a precisão dimensional de uma peça torneada é o deslocamento relativo entre a aresta de corte da ferramenta e a superfície da peça. Este deslocamento, aliado ao movimento de rotação da peça, gera um movimento de forma elíptica da ferramenta em relação à peça[2]. O tratamento dos fatores que causam a vibração do sistema MFFP é complexo e depende das condições específicas de cada caso. A principal medida para a atenuação da vibração do sistema MFFP é o aumento de sua capacidade de amortecimento da energia envolvida. Algumas soluções podem ser colocadas nesta direção: 1) A colocação de isoladores na fixação da máquina em sua fundação pode atenuar o problema da transmissão de vibração externa causada por outros equipamentos; 2) O aumento da rigidez do sistema MFFP tem papel fundamental na diminuição do nível de vibração, principalmente por elevar a frequência natural do sistema e diminuir a amplitude de vibração. Folgas emjuntas e mancais causam equilíbrio instável no sistema e afetam negativamente o controle da vibração e, quando possível, devem ser controladas. A escolha de máquinas de boa qualidade e um plano de manutenção adequado é fundamental para o controle da vibração do sistema MFFP; 3) Balanceamento de elementos rotativos. Peças assimétricas podem ser balanceadas através de contrapesos apropriados; 4) O uso de dispositivos de amortecimento na ferramenta tem sido reportado[6,7] como eficaz no controle da vibração e da precisão dimensional da peça usinada. Dispositivos para compensação ou sintonização da vibração, recentemente desenvolvidos[8], também foram considerados eficazes principalmente no aumento da qualidade da superfície usinada; 7.6 – Características da ferramenta As características da ferramenta afetam a precisão dimensional da peça usinada, principalmente em relação a seu desgaste, que é por sua vez dependente de outros fatores: - Forças de atrito; - Vibração; - Forças de corte; - Temperatura na região do corte; - Propriedades do fluido de corte; - Material da ferramenta; - Material da peça. O desgaste da ferramenta neste caso é denominado desgaste dimensional, para distingui- lo do desgaste de flanco considerado no estudo da mecânica do corte[2]. Para que sua influência na precisão dimensional da peça possa ser analisada, pode-se dividi-lo nas três fases ilustradas na figura 4, onde se pode observar: a) No primeiro segmento (0-a), denominado desgaste inicial, sua inclinação é alta e observada num curto período de tempo. Sua intensidade depende da rugosidade das superfícies da ferramenta que estão em contato com as superfícies da peça; b) No próximo segmento (a-b), denominado desgaste normal, a inclinação é moderada e varia linearmente com o tempo. Nesta fase, o desgaste está sob controle e o sistema pode ser ajustado continuamente para a manutenção dimensional da peça usinada; c) No último segmento o desgaste é intenso e acaba com destruição da ferramenta. A substituição da ferramenta é feita geralmente no final da fase de desgaste normal, para que a peça não seja danificada. O tratamento do desgaste da ferramenta para o aumento da precisão dimensional da peça torneada pode ser realizado a partir do conhecimento dos fatores que o influenciam e do aspecto de sua curva de progressão no tempo, sendo sugeridas as seguintes providências: 1) Aquisição de ferramentas de boa qualidade e controle sobre sua estabilidade; 2) Lapidar, se necessário, as arestas de corte da ferramenta antes de seu primeiro uso, para que o período de desgaste inicial seja minimizado; 3) Estabilizar as forças de corte através da redução da variação da dureza do material cortado e do sobremetal; 4) Reduzir o nível de vibração do sistema MFFP; 5) Selecionar as velocidades de corte e de avanço mais adequadas; 6) Substituir ou afiar a ferramenta em períodos planejados; 7) Selecionar e aplicar o fluido de corte apropriado; 8) Reajustar o sistema conforme o desgaste normal projetado para a ferramenta; O controle sobre o desgaste da ferramenta, além do efeito positivo sobre a precisão da peça usinada, resulta em maior eficiência geral do processo, pois diminui o número de paradas. 7.7 – Temperatura As variações de temperatura em um processo de torneamento afetam a precisão dimensional da peça usinada, pois provocam deformações nos componentes do sistema MFFP. Como estes componentes estão relacionados no encadeamento de dimensões, deslocamentos espaciais são provocados e posições relativas são também alteradas. Variações de temperatura são geradas por diferentes fontes de calor: a) Trabalho das forças de atrito desenvolvidas no processo de corte; b) Trabalho de atrito nas diversas partes móveis do sistema; c) Calor gerado nos sistemas hidráulico e elétrico; d) Calor transferido do ambiente por convecção do ar e por radiação de equipamentos da vizinhança. O calor desenvolvido no processo de corte é removido parte pelo cavaco, parte na ferramenta e parte para o ambiente, através de radiação peça usinada. A precisão dimensional da peça usinada é afetada, portanto, pela deformação dos componentes do sistema MFFP, cujos fatores devem ser tratados de formas distintas: 1) Componentes da máquina Como a peça participa do encadeamento dimensional do sistema, a variação dimensional de seus componentes, devido à elevação da temperatura, afeta as dimensões da peça usinada. 2) Ferramenta A ferramenta sofre uma elevação significativa de temperatura durante o processo de corte e seu comprimento varia também significativamente, afetando diretamente a precisão dimensional da peça usinada. A figura 5[2] ilustra o efeito da velocidade, da profundidade de corte e do avanço da ferramenta no seu alongamento durante o torneamento sem resfriamento por fluido de corte, onde se pode notar que existe um rápido aumento no início do processo e uma estabilização dimensional após 24 minutos de operação. Segundo Balakshin[2], o alongamento da ferramenta é função do comprimento em balanço, da espessura da pastilha de corte: a redução do primeiro e o aumento dos do segundo e do terceiro itens tem efeito positivo na redução do alongamento, melhorando a precisão dimensional da peça usinada. 3) Peça usinada As deformações pelo efeito da temperatura em peças usinadas geralmente estão na ordem de grandeza de sua precisão dimensional e, portanto, apresentam grande importância no seu estudo. De forma similar ao ilustrado na figura 5 para a ferramenta, a quantidade de calor transmitida para a peça usinada depende da velocidade e profundidade de corte, do avanço e da refrigeração ou não da ferramenta, podendo atingir 50 a 60% do calor total nas operações de semi-acabamento e acabamento[2]. A peça, portanto, além de sofrer deformações por efeito da temperatura, é também distorcida pelo efeito da fixação, ocorrida quando a temperatura antes da usinagem era mais baixa. Após o término do processo, quando a peça é removida do dispositivo, sua contração resulta em variações dimensionais e de forma. Tempo D e sg a st e di m e n si o n a l Figura 4 – Desenvolvimento do desgaste dimensional da ferramenta com o tempo. Fonte: Balakshin[2]. 0 a b O tratamento dos fatores acima pode ser realizado através de diferentes providências: 1) Resfriamento da região do corte com vazão de fluido, expressa em l/min, de cinco a dez vezes maior que a potência do motor principal, expressa em kW[2]; 2) Aumento da velocidade de corte para maior remoção de calor pelo cavaco; 3) Fixação de peças, usinadas entre centros, com dispositivos de compensação de deformações lineares nas contra-pontas. Exemplo: dispositivos pneumáticos ou hidráulicos; 4) Correção antecipada do posicionamento no ajuste estático do sistema MFFP (colocação/fixação da peça) para que as deformações previstas devidas à temperatura sejam compensadas; 5) Manutenção da temperatura do ambiente estável, com sistemas de ventilação adequados; 6) Pré-aquecimento da máquina antes do início da produção; 7) Não desligamento da máquina para interrupções de intervalos de alimentação, descanso e troca de turnos de trabalho. 7.8 – Flexibilidade da peça usinada No processo de usinagem, a força resultante da reação às forças de corte é equilibrada pela peça, gerando sua deformação elástica. Como o valor da variação dimensional resultante deste processo depende da geometria da peça e das suas condições de apoio, seu cálculo não pode ser realizado de forma padronizada e deve consideraras características do caso específico. Vários trabalhos sugerem cálculos por elementos finitos para torneamento de peças em balanço[9, 10, 11, 12] e biapoiadas[13]. Outra obra, de Jianliang et al.[14] reporta o cálculo de peças biapoiadas com apoios intermediários. Para o tratamento deste fator, podem ser previstas duas medidas: 1) Utilização de apoios intermediários na peça que limitem a deformação da peça durante o corte; Figura 5 – Efeito da velocidade, profundidade de corte e avanço da ferramenta no seu alongamento devido ao aumento da temperatura em função: a) da velocidade de corte (v); b) da profundidade de corte (p); c) do avanço (a). Fonte: Balakshin[2]. 2) Cálculo da deformação da peça através de métodos apropriados e compensação da variação resultante no ajuste estático do sistema MFFP. 7.9 – Nível de tensões internas na peça As tensões internas, ou residuais, são tensões que permanecem na estrutura do material após a remoção de cargas ou de outros fatores externos. Elas geralmente se compensam internamente e não se manifestam na superfície do material até que este estado de equilíbrio seja perturbado, por exemplo, por uma operação de desbaste por torneamento. O reequilíbrio de tensões na camada superficial da peça causa deformações plásticas responsáveis por variações dimensionais. Tensões residuais são geradas no material a ser usinado principalmente por: - Resfriamento não uniforme em peças fundidas com variações significativas em seções e espessuras de paredes, geralmente de formas complexas; - Tratamentos térmicos por resfriamento agressivo, tais como processos de têmpera superficial; - Soldagem de componentes; - Processo de forjamento; - Endireitamento a frio de barras de laminadas; - Processos de laminação a frio para a obtenção de características superficiais. O tratamento destes fatores deve ser estudado para cada caso específico, com consideração do histórico de fabricação do material bruto disponibilizado para o torneamento. Recomendações podem ser: 1) Especificação de tratamentos para alívio de tensões do material bruto antes da usinagem; 2) Não utilização de barras laminadas endireitadas a frio; 3) Considerar operação de torneamento de desbaste. Nestes casos a peça deve ser removida da fixação antes da operação de acabamento para que a deformação superficial se complete. 8 – Conclusão Vários são os fatores que influem sobre a precisão dimensional de uma peça submetida a um processo de torneamento, podendo eles ser independentes ou inter-relacionados. Para cada fator podem ser tomadas medidas objetivando a eliminação ou, ao menos, a atenuação de seus efeitos. A caracterização de alguns destes fatores e a recomendação para seu tratamento, descritas neste trabalho, podem auxiliar pessoas das áreas de processo, qualidade e, até de projeto, a entenderem o mecanismo de geração de uma variação dimensional numa peça torneada e tentarem uma solução eficaz. A melhoria decorrente desta prática talvez possa, em alguns casos, eliminar operações intermediárias. 9 – Referências bibliográficas 1] UMARAS, E. Tolerâncias dimensionais em conjuntos mecânicos: Estudo e proposta de otimização. Dissertação de mestrado: Escola Politécnica da USP, 2010; 2] BALAKSHIN, B. Fundamentals of manufacturing engineering: Mir Publishers. Moscow, 1971; 3] ASME Handbook – Metals Engineering – Processes, 1958; 4] YANKEE, H. W. Manufacturing processes: Prentice Hall Inc., 1979; 5] BJÖRKE, O. Computer-aided tolerancing: Tapir Publishers, 1978; 6] LEE, E. C.: NIAN, C. Y.; TARNG, Y. S. Design of a dynamic vibration absorber against vibration in turning operations: Journal of Materials Processing Technology 108, p. 278-285, 2001; 7] TARNG, Y. S.; KAO, J. Y.; LEE, E. C. Chatter suppression in turning operations with a tuned vibration absorber: Journal of Materials Processing Technology 105, p. 55-60, 2000; 8] OVERCASH, J. L., CUTTINO, J. F. 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Tem grande experiência profissional em dimensionamento mecânico, projeto de tolerâncias dimensionais e especificação de tolerâncias de forma e posição, com vários artigos publicados sobre o assunto. Marcos de Sales Guerra Tsuzuki Engenheiro graduado pela EPUSP em 1985. Obteve título de mestre pela Yokohama National University (YNU) em 1989. Obteve título de doutor pela EPUSP em 1995. Realizou pós- doutorados pela YNU em 1997 e 2005. Tem interesses em Sistemas CAD/CAM, Computação Gráfica, Técnicas de Otimização Evolutiva.
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