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Tópicos KEOHANE (1984) - After Hegemony (Parte I)

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Tópicos KEOHANE, Robert (1984). After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy. Parte I 
KEOHANE, Robert O. After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy. Princeton: Princeton University Press, 1984. 
Parte I – Questões e Conceitos
Capítulo 1 – Realismo, Institucionalismo e Cooperação
* Keohane dá início ao texto descrevendo um pouco do ‘estado das coisas’ no contexto em que escreve. Para o autor, ao passo em que a economia estaria se tornando uma ciência mais ‘otimista’, com perspectivas de maximização do bem-estar para amplos setores da população, a política estaria cada vez mais ‘sombria’. O século XX teria sido palco de extremas manifestações de violência internacional, real e potencial, de modo que Keohane identifica os conflitos políticos entre as nações como principal ameaça para a economia e a paz mundiais (p. 5).
* Ao mesmo tempo, a cooperação internacional entre os países de industrialização avançada teria atingido níveis maiores no cenário pós II-Guerra Mundial do que em qualquer outro período da história (p. 5). 
* O motivo identificado por Keohane para explicar essa expansão da cooperação internacional seria o aumento da interdependência econômica entre os países, bem como a necessidade de atuação conjunta entre governos para operacionalizar suas economias capitalistas modernas (p. 5). 
* O autor reconhece, porém, que a interdependência pode gerar tanto resultados positivos quanto negativos (ex dado pelo autor: produtores de aço estadunidenses podem ser prejudicados por subsídios concedidos no interior da “Comunidade Europeia”; altas taxas de juros nos EUA podem limitar a atividade econômica no exterior) (p. 5).
* Assim, um dos resultados gerados pela interdependência em governos democráticos seria a expansão da atividades estatal para proteger os cidadãos das “flutuações” na economia mundial (p. 5-6). Uma das formas de exercer essa proteção seria a transferência de custos para outros países, o que geraria mais discórdia do que resultados positivos da interdependência econômica internacional. Logo, mesmo em um cenário de cooperação crescente, a discórdia pode prevalecer devido aos altos índices de interdependência econômica e às intervenções governamentais, sendo ambas possíveis fontes de conflitos políticos internacionais. É necessário saber promover uma forma assertiva de cooperação para evitar esses efeitos nefastos (p. 6).
* A partir dessas premissas e considerações, Keohane estabelece o tema central de seu livro: estudar como a cooperação tem sido e pode vir a ser organizada na economia política mundial quando existe um interesse comum entre aqueles que dela participam. O autor também delimita claramente o que não pretende trabalhar: a questão de como os interesses comuns entre Estados podem ser criados. Assim, os interesses comuns são tidos como ‘dados e parte-se da premissa de que nem sempre a sua existência leva à cooperação. Sendo assim, o objetivo de Keohane é identificar as razões pelas quais a cooperação falha e pelas quais é bem sucedida, de modo a prescrever soluções para a promoção de formas de cooperação assertivas no cenário internacional (p. 6). 
O autor faz ainda uma maior delimitação de ‘a quem’ se aplica o seu estudo: aos países com uma economia de mercado avançada. Por que? Porque possuem múltiplos interesses comuns, uma vez que compartilham visões semelhantes (pelo menos em comparação aos países menos desenvolvidos ou aos de economia planificada) a respeito da forma de operar suas economias, já possuem fortes relações de interdependência econômica entre si e geralmente têm governantes que veem como benéficas essas relações, além de estarem com boas relações políticas entre si, de modo que a ameaça de um conflito militar é menor do quem relação aos países do Leste (p. 6). 
* Keohane porém afirma que seus argumentos podem ser utilizados para explicar a relação entre países mais e menos desenvolvidos, ou mesmo as interações Leste-Oeste, desde que hajam interesses em comum (p. 6-7). 
Realismo, Institucionalismo e Cooperação
* Keohane inicia essa seção apresentando alguns dos principais argumentos de autores realistas (cita nomeadamente Hoffmann e Waltz) que concebem a política mundial como um “estado de guerra” constante, regido pelo conflito de interesses e onde a cooperação só pode ser circunstancial e se dar na forma de alianças para garantir o equilíbrio na balança de poder. 
Para Keohane, essa seria uma concepção limitada, uma vez que incapaz de explicar possibilidades de cooperação que não sejam uma aliança contra adversários em comum. Formas de cooperação que o autor entende como de alcance sistêmico e mutuamente benéficas para diversos Estados – em temas como finanças, comércio, telecomunicações e meio ambiente – estariam fora do alcance explicativo das teorias Realistas (p. 7).
* O autor também critica os autores que chama de “Institucionalistas” (cita nomeadamente Mitrany, Haas e Young) que defendem que a cooperação é essencial em um mundo de interdependência econômica, e que interesses econômicos compartilhados entre os países levam à criação de instituições e regras internacionais (p. 7). 
Apesar de estar de acordo com parte das conclusões dos “institucionalistas”, Keohane afirma que estes frequentemente apresentam conclusões ingênuas com relação às relações de conflito e poder, dando importância excessiva ao papel das ideias ou da capacidade de os ‘homes de Estado’ aprenderem as ‘lições certas’ a respeito de como conduzir a política internacional (p. 7-8).
* Keohane porém reconhece algumas contribuições importantes das teorias institucionalistas. A primeira delas é o reconhecimento das instituições como algo mais do que organizações formais com sedes físicas e corpos burocráticos. Seriam, mais que isso, padrões de práticas mutuamente reconhecidos e que geram a convergência de expectativas nas relações internacionais, tendo assim o potencial de moldar o comportamento dos Estados (p. 8). 
* Keohane argumenta que, nas primeiras duas décadas pós II-Guerra Mundial, tanto os institucionalistas quanto os realistas podiam argumentar que os desenvolvimentos na economia política internacional corroboravam seus argumentos. 
Para os Institucionalistas, os arranjos comerciais e financeiros do pós-Guerra (chamados por Keohane de regimes internacionais, com regras, normas, princípios e processos decisórios próprios) seriam resultado da necessidade de coordenação política entre os governos em um cenário de interdependência (p. 8). Para os Realistas, esses “regimes” seriam uma prova da hegemonia estadunidense no sistema internacional, uma vez que cristalizariam princípios defendidos pelos Estados Unidos e dependeriam do apoio e anuência deste para serem construídos e mantidos (p. 8-9). 
* Sem embargo, a partir de meados da década de 60, algumas transformações na economia política mundial colocaram em xeque as previsões de ambas as perspectivas teóricas. Por um lado, a supremacia econômica dos EUA foi “ameaçada” pela recuperação econômica e crescente integração da Europa Ocidental e pelo rápido crescimento econômico do Japão. Por outro, ainda assim os EUA continuaram um envolvimento ainda mais acelerado com a economia política mundial, e a interdependência econômica entre os países continuou a crescer (p. 9). 
Para os institucionalistas, a crescente necessidade de coordenação política deveria ter conduzido a mais cooperação, e não competição (relações entre a “tríade” capitalista da década de 70 não seria de cooperação? Esse é o argumento de Varoufakis em O Minotauro Global). Para os realistas, a difusão de poder deveria ter levado à erosão da capacidade de se manter uma ordem no sistema internacional (realistas se preocupariam tanto com essa dimensão da economia política mundial? Waltz, pelo menos, separa nitidamente o “sistema político internacional” dos demais “sistemas internacionais” (como o econômico), levando só o primeiro em consideração em sua teoria. Estava perfeitamente satisfeito coma ordem bipolar no SI, que não foi alterada pelas transformações na economia mundial) (p. 9). 
* Diante de ambas as “falhas” de predição e do contexto internacional no qual escreve, Keohane constata um declínio da hegemonia estadunidense, põe em xeque a perspectiva de recuperação dessa hegemonia ou estabelecimento de qualquer outra em uma era nuclear (uma vez que a consolidação de hegemonia dependeria de uma guerra mundial, que nessas condições teria efeitos devastadores) e constata que, apesar disso, a economia política mundial segue funcionando e garantindo uma certa ‘ordem’ nas relações internacionais. A partir dessas premissas, coloca o seu problema (apontado como dilema político central naquele contexto): como organizar a cooperação sem a hegemonia? (p. 9-10). 
Cooperação e Valores
* Keohane inicia essa seção reconhecendo que a cooperação internacional é um tema complexo, que pode ter diversos significados, envolve múltiplas variáveis, é extremamente difícil de se quantificar e estudar com rigor científico. A escolha desse tema, portanto, se deve à sua importância normativa. Sendo assim, o autor reconhece que seus valores pessoais interferem em seu argumento, mas se julga “positivista o suficiente” para tentar distinguir entre suas afirmações normativas e as empíricas (p. 10).
* O objetivo do autor ao longo da obra é fazer uma análise teórica com base na interpretação histórica, e não na base ingênua da aplicação ética. É construir uma perspectiva analítica sobre a cooperação que possa ser examinada e utilizada por pesquisadores que não compartilhem dos mesmos valores pessoais do autor. Não obstante, Keohane reconhece que sem esses valores, não teria priorizado a questão da cooperação e escrito uma obra a respeito dela. Reconhece até mesmo que não pode manter sua análise totalmente separada de seus valores. Portanto o objetivo estritamente dessa seção é apresentar quais são esses seus valores pessoais que levaram à produção da obra e da análise, para depois se dedicar a uma perspectiva mais ‘objetiva’ (p. 10). (Embora a possibilidade de algum nível (mesmo que pequeno) de ‘separação racional’ entre o normativo e o empírico seja bastante questionável, Keohane faz aqui um exercício de honestidade com o leitor difícil de ser encontrado nas teorias de RI). 
* Assim, Keohane se coloca contrário a formas de cooperação que possam gerar prejuízos para outros países fora de seu processo decisório (por exemplo, concertações entre países ricos que prejudiquem países pobres) ou para o bem-estar mundial em geral (p. 10-11). Mesmo em um cenário de interdependência, o aumento da cooperação não necessariamente significa a obtenção de resultados positivos, uma vez que nem sempre a cooperação segue a “sabedoria convencional da economia internacional” (qual?) (p. 11). 
* Teóricos economistas de diferentes matizes podem discordar acerca de qual seria a forma de cooperação ideal, mas todos exigem algum tipo de cooperação em seus pressupostos. Keohane cita especificamente o caso dos keynesianos – que defendem uma harmonização macroeconômica internacional guiada pelos governos – e dos teóricos do laissez-faire, que apesar de rejeitarem tal tipo de intervenção governamental na economia de mercado, reconhecem que o funcionamento do livre mercado deve partir de alguns pressupostos obtidos via cooperação, como o estabelecimento de direitos sobre a propriedade (p. 11). 
* Em geral, quando conduzidas ‘adequadamente’, as formas de cooperação internacional favorecem a possibilidade de estabelecer valores humanos na política mundial. Keohane defende que uma avaliação ética desses problemas, embora jamais conclusiva, deve ser sempre levantada (p. 11). 
O Plano do Livro
* Ausência de ‘jargões’ e termos muito técnicos da ciência política, para que possa ser compreendido por estudiosos das RI, economistas preocupados com a questão da política na economia internacional e cidadãos em geral interessados no tema (p. 11). 
* Capítulo 2: apresentação dos conceitos centrais de economia, política e do que é teoria.
* Capítulo 3: Exame da teoria da estabilidade hegemônica, parte do escopo realista. Conclusão: hegemonia pode facilitar a cooperação, mas não é um pré-requisito necessário para que ela ocorra. Mais importante na criação da cooperação do que para a sua continuidade (p. 11).
* Capítulo 4: Diferenciação entre os conceitos de cooperação, discórdia e harmonia. A cooperação não depende só de interesses mútuos (harmonia), mas também da necessidade de ajustes entre as interações e interesses próprios dos atores (discórdia, caráter conflitante entre interesses particulares que precisam ser ‘mitigados’ em prol dos interesses em comum). Assim, a mera existência de interesses em comum não é suficiente, uma vez que a incerteza e o acesso desigual à informação pode dificultar a percepção desses interesses ou a sua concretização em formas de cooperação (p. 12). Por isso, são necessárias as instituições para prover um caráter de previsibilidade e universalização da informação entre os atores para promover a cooperação entre eles (p. 12-13).
* Capítulos 5-7: apresentação da teoria funcional dos regimes internacionais proposta por Keohane (p. 13).
* Capítulo 5: teoria dos jogos e teoria dos bens comuns para demonstrar que a cooperação entre atores egoístas na ausência de um governo é possível, desde que mediada por instituições e regimes de tipo adequado (p. 13).
* Capítulo 6: teoria da escolha racional para demonstrar que os regimes internacionais não impõem regras ao comportamento dos Estados, apenas mudam o contexto no qual as decisões racionais e auto-interessadas dos Estados podem se dar. Empoderam os Estados em bases de ganhos mútuos, ao invés de minar o seu poder (p. 13). 
* Capítulo 7: “relaxamento” das premissas de ‘egoísmo’ e ‘racionalidade’ assumidos até então. Objetivo é demonstrar que o auto-interesse dos Estados não necessariamente é egoísta, mas pode conter elementos de empatia que favorecem a cooperação entre si (p. 14).
* Objetivo é fazer uma crítica e fazer um complemento às teorias Realistas. Não se trata de abandonar as análises do comportamento internacional fundamentadas no auto-interesse e no poder, mas de trazer novas formas de compreender esses conceitos e buscar entender o papel das instituições internacionais no fornecimento de um contexto capaz de modificar e constranger as dinâmicas de poder e o comportamento dos Estados (e demais atores transnacionais) na política internacional. Trata-se, em outras palavras, de uma “modificação institucionalista do Realismo” (p. 14).
* Capítulo 8: faz uma análise das duas décadas de hegemonia estadunidense nas quais os EUA realmente foram dominantes, do pós-II GM a meados de 1960. Objetivo é mostrar como a hegemonia e a cooperação são complementares, e como se deu a formação de regimes internacionais durante esse momento hegemônico (p. 15). 
* Capítulo 9: Aqui, Keohane pretende examinar os impactos do suposto declínio da hegemonia estadunidense sobre os regimes internacionais fundados durante o seu auge. As conclusões parecem ser de que o declínio realmente impactou negativamente alguns desses regimes, mas em outros – principalmente em áreas de economia – não teve grandes efeitos e verifica-se mesmo o aumento da cooperação entre os países após o declínio (p. 15-16). As instituições internacionais e os interesses mútuos continuam existindo; mediante a suposta ausência da hegemonia estadunidense, o que deve ser feito é a busca por novas formas de promover a cooperação (p. 16). 
* Capítulo 10: Investiga como os regimes internacionais impactam nas formas de cooperação internacional, através de um estudo de caso dos acordos sobre energia entre países industrializados consumidores de petróleo no âmbito da AIE (p. 16). 
* Capítulo 11: reexamina o valor moral da cooperação e o seu impacto para a implementação de políticas. Argumento é que os regimes internacionais ‘contemporâneos’ são moralmente aceitáveis, foco na questão da informação distribuída e tornadaacessível pelos regimes internacionais e sua capacidade de estabelecer “terrenos comuns” para mediar os interesses dos Estados de forma cooperativa (p. 17).
Capítulo 2 – Política, Economia e o Sistema Internacional
* Keohane inicia o capítulo apresentando a definição de Robert Gilpin de economia política mundial enquanto uma interação dinâmica de busca por riqueza e poder. Não há uma ‘hierarquia’ entre ambos os objetivos, um afeta diretamente o outro de maneira recíproca. 
Tal busca se dá entre atores independentes (os Estados), sem nenhum tipo de autoridade capaz de distribuir a riqueza e o poder de acordo com regras claras ou previsíveis. Sendo assim, não existem acordos ou regras permanentes entre os Estados nesse processo, no máximo barganhas momentâneas e sujeitas a alterações de acordo com as circunstâncias (p. 18).
* Em seguida, Keohane problematiza os conceitos de “riqueza” e “poder” que compõem o ‘núcleo duro’ da concepção de Gilpin da economia política internacional. Para Gilpin, a riqueza seriam recursos (capital, terra ou trabalho) capazes de gerar lucros futuros. P/ Keohane, tal concepção seria problemática por excluir bens cujo valor está somente no consumo, e não no potencial de investimento (comida e joias, p. ex.) (p. 19). 
* Keohane faz uma breve discussão de algumas concepções de “riqueza” e “valor” – a de Gilpin, Adam Smith, Polany e da escola neoclássica – e a partir disso faz a sua própria: riqueza enquanto recursos mercadológicos de satisfação de vontades (p. 19-20). 
* Para definir “poder”, Gilpin retoma a concepção de Morgenthau de controle de um ator sobre a ‘mente’ e as ações de outro ator. Keohane afirma que tal concepção é insuficiente, e que o poder deve ser entendido e mensurado de uma maneira capaz de compreender os seus recursos – materiais e imateriais – e como, em dadas circunstâncias, tais recursos geram certos tipos de resultados políticos. Sendo assim, uma compreensão mais acurada do poder só pode se dar depois de sua operacionalização concreta em política. Sendo assim, para o autor, mais do que uma explicação de comportamento, o poder é uma linguagem para descrever a ação política (p. 20). 
* Em suma, o argumento de Keohane é que tanto a riqueza quanto o poder são conceitos cujo efeito sobre o comportamento só pode ser compreendido após ser observado. Sendo assim, não podem constituir uma base explicativa adequada para a compreensão da economia internacional: contribuem para descrever, mas não para explicar (p. 20-21). 
* Para Keohane, as esferas política e internacional não podem ser separadas. A economia mundial e o sistema político internacional são abstrações que fazem parte de um mesmo todo no “mundo real das relações internacionais” (p. 21-22) (contraposição com a separação entre “sistemas” feita por Waltz). 
* Portanto, os conceitos de riqueza e poder, embora não sejam por si só adequados para uma explicação da EPI, servem para a sua interpretação – em todo regime internacional há interesses dos Estados em concretizar ambos os objetivos (p. 22). 
A Complementariedade da Riqueza e Poder
* Keohane afirma que a complementariedade entre riqueza e poder até a EPI contemporânea parece seguir os mesmos pressupostos identificados por Jacob Viner como próprios do mercantilismo do século XVII: (1) A riqueza é um meio essencial para a obtenção de poder (para segurança ou agressão); (2) O poder é um meio essencial para a obtenção e manutenção da riqueza; (3) riqueza e poder são ambos os fins absolutos da política nacional; (4) embora geralmente a relação entre ambos seja harmônica, por vezes é necessário fazer sacrifícios econômicos em nome da manutenção da segurança militar (p. 23).
* Keohane afirma que esses “tradeoffs” (“trocas”, “compensações”) entre economia e política são um tema-chave para os estudiosos de EPI. Mais propriamente, trata-se da dificuldade de conciliação entre os interesses de riqueza e poder de longo-prazo do Estado por um lado e os interesses de curto-prazo dos comerciantes, trabalhadores e da sociedade em geral por outro. Impossível para o Estado seguir seus ‘macro-interesses’ sem fazer algumas concessões para os interesses econômicos parciais (p. 23).
* Em termos mais concretos, na política este impasse se manifesta em priorizações do consumo dos recursos de riqueza e poder disponíveis, que atende aos interesses de curto-prazo (de maneira mais ‘emergencial’, sem considerar retornos futuros, sendo geralmente insustentável se adotado por muito tempo) e a poupança/investimento desses recursos, que favorece os interesses mais a longo-prazo. Observar qual das dinâmicas está sendo priorizada é um elemento central para uma análise precisa da economia política mundial (p. 24). 
Análise Sistêmica da Política Internacional
* Keohane inicia a seção reconhecendo que a busca pelo poder e riqueza na política internacional é seguida por múltiplos atores, dentre os quais as grandes corporações multinacionais. Não obstante, os atores que devem ser priorizados na análise são os Estados, uma vez que são os únicos capazes de estabelecer frameworks de regras e práticas – isto é, regimes internacionais – dentro das quais se dará essa busca por riqueza e poder (partindo desse pressuposto, Keohane parece ignorar a influência dos atores privados na determinação e direcionamento da política externa dos Estados. Falha especialmente problemática levando-se em consideração que é um autor estadunidense, portanto vindo de um país onde o lobby é legal e institucionalizado. Até que ponto o estabelecimento de regimes atende aos interesses “do Estado”, e não dos grupos privados dominantes em seu interior? É possível uma compreensão e teorização precisa sobre regimes e cooperação sem levar esse elemento em consideração?) (p. 25).
* Keohane se ‘esquiva’ de questionamentos desse tipo adotando um nível de análise sistêmico para as suas considerações. Em concordância com Waltz, o autor aponta que análises do tipo “inside-out” teriam base em elementos pouco precisos (como características pessoais dos líderes políticos) e seriam insuficientes por ignorar o contexto internacional mais amplo que constrange as possibilidades de decisões e ações nacionais. A perspectiva “outside-inside”, portanto, seria mais adequada por considerar os constrangimentos e incentivos presentes no cenário internacional que delineiam a ação dos Estados e demais atores em suas interações sistêmicas (p. 25-26).
* Assim, Keohane admite partir de uma perspectiva similar à do Realismo Estrutural por ser de nível sistêmico, mas que também difere-se desta por priorizar o papel das instituições internacionais – mais que meramente dos mecanismos de ‘balança de poder’ – na influência do comportamento dos Estados e outros atores no cenário internacional (p. 26). 
* O argumento é que os regimes internacionais, ao tornar a informação disponível para os Estados e as oportunidades abertas para todos eles, têm a possibilidade de modificar os cálculos de vantagens feitos pelos governos em seus processos decisórios sobre a ação internacional. Logo, seria impossível fazer uma análise precisa do comportamento estatal a partir de uma mera combinação da distribuição de poder sistêmica do Realismo Estrutural e o foco no processo decisório da análise de política externa – o papel dos regimes deve ser considerado (p. 26).
* Sem embargo, Keohane reconhece que a perspectiva “outside-inside” por si só pode ser insuficiente. No caso do estudo dos EUA que conduz ao longo da obra, o autor também traz um pouco de análise “inside-out” do país, uma vez que este moldou o sistema tanto quanto foi moldado por ele ao longo de seu período hegemônico (p. 26).
Limitações da Análise Sistêmica
* Keohane contextualiza os elementos centrais da análise política sistêmica, derivada das teorias microeconômicas. Parte-se do princípio de que o sistema é composto por atores (as empresas) com função utilitária (buscam a maximização de alguma coisa), que se comportam na busca desses objetivos de acordo com os constrangimentossistêmicos presentes na ‘macroestrutura’ na qual se inserem (o mercado, por exemplo). Nesse processo, pressupõe-se que os atores agem com racionalidade (possuem interesses bem definidos e são capazes de calcular qual seria a melhor forma de alcançar esses interesses) e egoístas (suas funções utilitárias seriam autocentradas, independentes daquelas dos demais atores) (p. 27). 
* O autor argumenta que tal perspectiva é adequada para explicar situações ‘extremas’ nas quais existe um único intercurso lógico de ação, independentemente de características ‘individuais’ dos atores envolvidos (por exemplo, em uma situação de pleno livre comércio ou pleno monopólio). Para situações de interdependência estratégica, como no caso da cooperação internacional, alguns elementos da escolha-racional ‘radical’ como a proposta na microeconomia precisam ser revistos, uma vez que a expectativa dos atores com relação à ação de outros atores é incerta e importa para a análise, podendo ser mitigada e melhor compreendida através do estudo das instituições (p. 28-29). 
Conclusões
* Reconhecendo as potencialidades e limitações acima mencionadas, Keohane sustenta que a análise sistêmica não é capaz de prover previsões concretas e determinísticas acerca do comportamento dos Estados em sua busca por riqueza e poder. Não obstante, tal perspectiva permite identificar os constrangimentos com os quais os governantes se deparam no momento de decidir suas ações na economia política mundial, e como estes constrangimentos influenciam no comportamento dos Estados (p. 29).
* Keohane admite algumas das vantagens da abordagem racional-egoísta: (1) simplificação das premissas; (2) facilita o foco nos constrangimentos sistêmicos, uma vez que as premissas ‘individuais’ (racionalidade e egoísmo) são tidas como constantes; (3) terreno comum com as abordagens Realistas. Portanto, o autor assume a estratégia de refutar o ‘pessimismo’ realista acerca da cooperação internacional a partir dessas mesmas bases, para em seguida, no decorrer da obra, flexibilizar os conceitos de ‘racionalidade’ e maximização utilitária ‘egoísta’ e refletir acerca do impacto dessa ‘flexibilização’ para a teorização sobre regimes internacionais (p. 29). 
* Assim, Keohane afirma ter uma preocupação tanto com a estrutura do poder mundial e sua distribuição quanto com as instituições e práticas derivadas das ações humanas e que influenciam nessa estrutura. Trata-se, portanto, de uma preocupação tanto com os constrangimentos quanto com a possibilidade de escolha na política mundial. Há, portanto, uma crença na possibilidade de ação humana para mudar o contexto que determina suas ações. Transpondo para o contexto internacional, seria a crença na capacidade de construir instituições capazes de alterar a realidade e promover uma cooperação mutuamente benéfica entre os atores no sistema internacional (p. 30). 
Capítulo 3 – Hegemonia na Economia Política Mundial
* Keohane dá início ao capítulo apresentando algumas afirmações da teoria da estabilidade hegemônica: (i) a ordem na política mundial é normalmente criada por um único poder dominante, isto é, uma única potência hegemônica capaz de propagar sua ‘visão de mundo’ através dos regimes e práticas internacionais; (ii) a noção de que a manutenção da ordem requer hegemonia continuada, ou seja, que a ruptura da hegemonia consequentemente leva a uma ruptura da ordem e dos regimes erigidos por ela (p. 31). 
* Keohane discorda com a formulação Realista dessa teoria, pensada estritamente em termos de interesses egoístas e de poder. O autor concorda em partes que a hegemonia pode facilitar a cooperação, mas não a vê como condição necessária ou suficiente para a existência de relações cooperativas no cenário internacional. Quanto ao segundo pressuposto da TEH, Keohane o refuta completamente, afirmando que a cooperação não requer a existência de uma liderança hegemônica uma vez que um regime internacional já tenha sido consolidado a seu respeito. A cooperação internacional ‘pós-hegemônica’ é possível (p. 31-32). 
Avaliando a Teoria da Estabilidade Hegemônica (TEH)
* Na TEH, a hegemonia é concebida em termos de preponderância de recursos materiais, especialmente de quatro tipos principais: (1) acesso a fontes de matéria-prima/recursos naturais; (2) controle sobre fontes de capital; (3) controle sobre os mercados; (3) vantagens competitivas na produção de bens de alto valor agregado (p. 32). 
* Ainda de acordo com a TEH, quanto maior for o domínio de uma única potência sobre a economia política mundial, maior será o grau de cooperação interestatal. Da mesma forma, a erosão desse domínio levaria à deterioração das relações de cooperação (p. 34). 
* Keohane questiona essa forma de concepção de hegemonia e seus resultados. Apresenta então uma “versão refinada” da TEH, que entende como hegemonia a existência de um único Estado com capacidade (e vontade!) de estabelecer e manter as regras que regem as relações interestatais (p. 34-35). Nessa concepção, o “poder” meramente concebido em termos materiais não é explicação suficiente para a hegemonia. Deve haver a “vontade” de se exercer o papel de liderança hegemônica, definida por características políticas domésticas e processos decisórios nacionais (p. 35). 
* ‘Ponto fraco’ dessa ‘versão refinada’: impossibilidade de gerar previsões certeiras, uma vez que depende da avaliação de múltiplas características próprias da política doméstica do Estado potencialmente ‘hegemônico’. Sendo assim, Keohane delimita que quando se refere à TEH, está se referindo à versão mais ‘crua’ dessa teoria (p. 35).
* Keohane também questiona o potencial de alcance da TEH, construindo um argumento com base nas diferenças entre as hegemonias britânica e a estadunidense. Uma série de elementos próprios de cada uma delas fez com que a Grã-Bretanha falhasse em impor seu regime de livre comércio para a Europa Continental a partir de 1870, enquanto os EUA foram mais bem sucedidos em converter o predomínio material no estabelecimento de regimes econômicos globalmente aceitos (na esfera capitalista do globo). A aplicação restrita dos pressupostos da TEH a algumas hegemonias específicas, portanto, colocaria em xeque a sua validez (p. 36-37). Poucas evidências empíricas capazes de dar sustentação à teoria, fator reconhecido por parte de seus defensores (p. 38). 
* Assim, a TEH não seria suficiente para fornecer uma teoria sistêmica explicativa, mas teria contribuições importantes no sentido de pensar a hegemonia enquanto eixo analítico do papel da liderança de uma potência nas RI e a relação desta liderança com a capacidade e desejo de estabelecer determinadas regras e instituições para as interações entre atores no cenário internacional (p. 39). 
* Keohane aponta ainda que pensar a hegemonia não deve se dar apenas em termos de considerar as suas implicações e incentivos para os países capazes de exercer tal liderança, mas também para os “países secundários”, especialmente em relação aos motivos que os levam a considerar determinadas ‘ordens hegemônicas’ legítimas e aceitá-las com deferência (p. 39). 
Capítulo 3 – Poder Militar e Hegemonia na Economia Política Mundial 
* Um Estado hegemônico deve possuir poder militar suficiente para proteger a economia política internacional dominada por ele de adversários potenciais. Assim, assuntos econômicos, quando possuem um papel crucial para os valores nacionais defendidos por uma potência hegemônica, podem se tornar assuntos securitários/militares também (p. 39). 
* O poder militar da potência hegemônica, no entanto, não precisa ser absoluto, de alcance efetivamente global (isso nem seria possível). Deve ser o suficiente para proteger áreas estratégicas para a atividade econômica dessa potência (e, portanto, para a economia política mundial como um todo) de possíveis incursões inimigas (p. 40). 
* Porém, o poder militar não pode ser utilizado contra os aliados. Sendo assim, especialmente no caso da hegemonia estadunidense, o poder militar teria perdido partede seu grau de relevância nas relações entre países capitalistas, mais marcadas pela ‘interdependência complexa’ entre múltiplos atores em múltiplos temas, situação na qual os meios militares tem pouca chance de ser politicamente eficazes. Nesse contexto, o uso da força militar dos EUA teria ficado mais restrito à proteção de determinados aliados mediante a expansão comunista (caso do Japão e Alemanha) e na política de petróleo no Oriente Médio (p. 40-41).
* Por esse motivo, Keohane foca a análise feita no livro no poder econômico e em suas fontes, consideradas mais adequadas para fazer as considerações pretendidas pelo autor. Tal postura, porém, não significa dizer que o poder militar é inútil, apenas que é menos importante nas dinâmicas e processos priorizados no enfoque de Keohane (p. 41). 
Noções Marxianas de Hegemonia
* Desde uma perspectiva marxista, não faz sentido pensar na hegemonia sem levar a consideração o papel desempenhado por esta condição no marco de um sistema-mundo funcional às demandas da economia capitalista (p. 41-42). Assim, para os teóricos marxistas, toda crise de hegemonia é uma manifestação sintomática de uma crise no capitalismo (p. 42). 
* Na concepção de Keohane, o conceito marxista de hegemonia como é comumente utilizado traz implícita a noção de que se refere à mera dominação de uma potência sobre as demais em um marco capitalista, de modo que compartilha com o realismo a noção de relação intrínseca entre riqueza e poder. Além disso, assim como as perspectivas realistas, as marxistas buscam entender o papel da hegemonia estadunidense na consolidação da ordem internacional pós-IIGM e as consequências do declínio dessa hegemonia na erosão dessa mesma ordem (p. 42). 
* Keohane faz algumas críticas às concepções marxistas de hegemonia. Cita a de Wallerstein, e a crítica por retirar o foco analítico característico do marxismo das classes sociais para os países, deixando a questão de classe “nas sombras” (p. 43). Retoma também o debate entre Lenin e Kautsky, afirmando que Lenin estava equivocado, uma vez que o ‘ultraimperialismo’ não significou um colapso inevitável do capitalismo ou sua decorrência em uma série de guerras intercapitalistas (p. 43). 
* A questão no marxismo contemporâneo, mediante o declínio da hegemonia estadunidense (não é um fato consensualmente aceito pelos principais teóricos marxistas da época), é se o ultraimperialismo poderia ser revivido sobre bases de cooperação interestatal entre as principais potências capitalistas ou se as contradições inerentes ao capitalismo e seu desenvolvimento enquanto economia-mundo teriam chegado a tal ponto que um empreendimento ultraimperialista seria inviável. Para Keohane, a questão central de seu livro – se (e como) a cooperação internacional entre os países capitalistas desenvolvidos pode ser mantida na ausência da hegemonia estadunidense – seria exatamente a mesma dos teóricos marxistas contemporâneos, apenas formulada a partir de outras bases (p. 43). 
* Argumento do autor, então, seria semelhante ao de Kautsky na disputa teórica com Lenin: os países capitalistas dominantes possuem interesses comuns suficientes para manter a cooperação entre si mesmo na ausência de hegemonia, principalmente com base nos regimes internacionais consolidados durante o auge do período hegemônico e que persistem mesmo na ausência de um hegemon (p. 43). 
* Apesar dessas semelhanças de preocupação, Keohane justifica que deixará as concepções marxistas de fora de sua análise por serem excessivamente obscuras e imprecisas acerca de questões fundamentais, como as ‘leis do capitalismo’ e de quais exatamente são as contradições existentes na dinâmica de funcionamento do sistema-mundo capitalista (p. 44). 
* Keohane parte então para outra concepção marxiana acerca da hegemonia, como a composta por Antonio Gramsci e trazida para o campo das RI por Robert Cox (p. 44). Para o autor, essa concepção, que aglutina aspectos materiais (‘coerção’) e imateriais (‘consenso’) da hegemonia (p. 44) é especialmente válida para se pensar na deferência dos “países secundários” às ordens hegemônicas estabelecidas (p. 45). O argumento é que a hegemonia não é conquistada pela força, mas sim pela legitimação ideológica junto às elites dos países secundários – que também se beneficiam dela –, o que por sua vez exige que o hegemon faça algumas concessões de curto-prazo para garantir essa aquiescência e, dessa forma, estabilidade para os ganhos de longo-prazo (p. 45).
* Duas reticências ao uso dessa perspectiva: (i) não se deve – como os marxistas geralmente fazem – assumir que a aquiescência das elites e governantes dos países secundários é motivada por “interesses egoístas” e parasitários, que não trazem nenhum benefício para o restante da sociedade desses países. Pelo contrário, para o autor, muitas vezes a deferência à ordem hegemônica leva a um grande crescimento econômico dos países periféricos (p. 45); (ii) deve-se reconhecer a fragilidade de uma ‘legitimação ideológica’ construída em bases internacionais, constantemente ameaças pelas fortes ‘legitimações ideológicas domésticas’ do nacionalismo ou outras de cunho internacional, como o cosmopolitismo, geralmente utilizadas pelos países mais fracos para contestar a ordem hegemônica (p. 45-46). 
Conclusões
* Tanto a TEH realista quanto os enfoques marxistas são muito pretensiosos com relação ao alcance explicativo que creem possuir. Porém, ambos trazem insights importantes para se pensar a questão da hegemonia nas relações internacionais. Partindo de uma consideração das contribuições de ambas as perspectivas, Keohane reconhece que a liderança hegemônica depende de uma cooperação assimétrica, composta pela deferência dos “países secundários” à liderança e predomínio do hegemon. Não obstante, ao contrário do que ocorre no imperialismo, uma potência hegemônica não pode estabelecer regras e padrões de comportamento internacional sem um certo grau de consentimento dos demais Estados soberanos. 
Uma das formas de garantir esse ‘consentimento’ e dar-lhe legitimidade é a criação de instituições. Assim, a cooperação pode ser incentivada pela hegemonia, e a hegemonia depende da cooperação para criar e ‘forçar’ regras de comportamento aos demais Estados. Ambas estão em uma relação simbiótica.

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