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Prof. Jairo Luís Hoerlle 1 Bioquímica II Aula 3 – Cadeia Respiratória e Fosforilação Oxidativa Geração de ATP ATP pode ser gerado a nível de substrato ou a nível da cadeia respiratória de transporte de elétrons. No primeiro caso, substratos ricos em energia com ΔGº’ mais negativo que -7,3 Kcal/mol transfere sua energia de hidrólise ao ATP mediante o acoplamento com a reação de síntese de ATP (ADP + Pi → ATP + H2O), de ΔGº’= + 7,3 Kcal/mol. Na fosforilação oxidativa a reação de síntese de ATP é acoplada à da oxidação do NADH+H+ (e FADH2) pelo O2, de ΔGº’= -52,7 Kcal/mol, que ocorre a nível da cadeia respiratória. De fato, a geração de ATP é termodinamicamente "impossível" (ΔGº’= + 7,3 Kcal/mol), mas ocorre na mitocôndria porque está acoplada à oxidação de coenzimas reduzidas (NADH + H+ e FADH2), de ΔGº’ extremamente negativo. Apenas uma pequena fração da energia livre da glicose (686.000 cal/mol) é extraída pela célula viva. A transferência de energia é feita por etapas, em reações acopladas: Composto rico em energia + ADP → composto pobre em energia + ATP A fosforilação a nível de substrato gera ATP em pequena quantidade; a maior parte do ATP produzido é oriundo da fosforilação oxidativa, de elevado rendimento energético. A fermentação da glicose até lactato (fermentação láctica) ocorre de modo anaeróbio, gerando apenas 2 ATP/mol de glicose, pois nela somente ocorre fosforilação a nível de substrato. A respiração aeróbia, que oxida glicose até CO2 + H2O, gera 36 a 38 ATP (condições-padrão), pois é feita de modo aeróbio e envolve a fosforilação oxidativa mitocondrial. Estrutura Mitocondrial Mitocôndrias e bactérias são em geral de mesmo tamanho. A mitocôndria possui seu próprio DNA, que comanda a síntese de muitas proteínas importantes para seu funcionamento. Entretanto, a maior parte é oriunda de informação contida no genoma nuclear e depois importada pela mitocôndria. Existem duas membranas em cada mitocôndria: MME (membrana mitocondrial externa) e MMI (membrana mitocondrial interna). A MME guarda enorme semelhança com as demais membranas da célula, contendo várias proteínas e porinas que a torna permeável à maioria das moléculas e íons. A MMI é impermeável a estes metabólitos, possuindo translocadores que selecionam o que pode atravessá-la. A MMI possui enorme quantidade de proteínas, numa proporção 4:1. É maior do que a área disponível para ela, sendo obrigada a dobrar-se sobre si mesma, formando "cristas mitocondriais". Muitas proteínas desta membrana são translocases, bombas iônicas, canais iônicos, canais de prótons, enzimas. Na MMI estão incrustados todos os componentes da fosforilação oxidativa e da cadeia respiratória de transporte de elétrons. A fosforilação oxidativa tem necessidade absoluta de uma membrana que seja impermeável ao H+ (próton) e ao ATP. A MMI tem essa característica. Prof. Jairo Luís Hoerlle 2 Lógica Fundamental da Fosforilação Oxidativa A Membrana Mitocondrial Interna (MMI) contém os complexos da cadeia respiratória (numerados I, II, III, IV) e a ATP-sintase (complexo V, responsável direto pela fosforilação oxidativa. As membranas biológicas oferecem enorme resistência à corrente elétrica, por serem facilmente formadas por uma bicamada de lipídeos. Entretanto, a MMI é facilmente percorrida por elétrons. Permanentemente, uma corrente elétrica de 1 Ampère flui do complexo I ao complexo IV, numa ddp = 1,2 V (pouco menor que o de uma pilha comum disponível em qualquer supermercado). O fluxo dessa corrente elétrica é possível porque os complexos da cadeia respiratória contêm átomos de cobre e ferro (em centros ferro-enxofre, em grupamentos HEME, dentre outras formas) por onde os elétrons fluem sem entrar em contato com os lipídeos da membrana. Cada complexo está separado um do outro pelos lipídeos de membrana. Os elétrons podem passar de um complexo para outro pegando "carona" na coenzima Q (Ubiquinona) e no citocromo C. A Ubiquinona é solúvel nos lipídeos de membrana; apesar do citocromo C ser hidrossolúvel, ele se presta ao transporte de elétrons do complexo III ao complexo IV porque estes complexos atravessam a membrana mitocondrial de um lado a outro - o citocromo C percorre a superfície externa da MMI, servindo de "balsa" que transporta os elétrons um a um. A coenzima Q pega os elétrons que estão no complexo I e no complexo II e os transporta para o complexo III; o citocromo C faz o transporte do complexo III para o complexo IV, o último da cadeia de transporte. A corrente elétrica que percorre a MMI aciona bombas que expulsam prótons (H+) para fora da mitocôndria, criando uma diferença de concentração de prótons (ΔpH) de cada lado da MMI. Os prótons adquirem energia cinética, permanecendo em elevada agitação térmica fora da mitocôndria, no espaço intermembranas. Esses prótons chocam-se violentamente uns contra os outros e todos contra a MMI; possuem enorme tendência a reentrar na mitocôndria, movidos pelos gradientes elétrico (o interior é negativo) e químico (há mais prótons fora do que dentro da mitocôndria). O único caminho adequado é a ATP-sintase, que possui um canal iônico específico para prótons. Os prótons estocados, ricos em energia, são obrigados a reentrar na mitocôndria pelos canais de prótons da ATP-sintase e transferem sua energia para o sítio catalítico onde o ATP é formado e liberado. O processo é semelhante ao da produção de energia elétrica pelas hidrelétricas: a água é represada por uma barragem e obrigada a descer por um canas até atingir as pás do reator – energia cinética da água em movimento é convertida em energia elétrica. Componentes da Cadeia Respiratória de Transporte de Elétrons A cadeia respiratória é formada por 4 complexos enzimáticos (formados por flavoproteínas, centros ferro-enxofre e citocromos) e 2 transportadores da fase lipídica (coenzima Q e citocromo C). Prof. Jairo Luís Hoerlle 3 Os complexos enzimáticos são: 1. Complexo I: NADH-Ubiquinona redutase (NADH + H+ Desidrogenase). É o principal ponto de acesso de elétrons para a cadeia respiratória. É composto de 25 subunidades, tem FMN (flavina mononucleotídeo) como flavoproteína e 24 agrupamentos Fe-S (distribuídos em 5 centros ferro-enxofre). A FMN não difunde, pois está rigidamente presa ao complexo I.O complexo I possui uma bomba eletrogênica de prótons, que expulsa H+ da mitocôndria. O funcionamento desta bomba de prótons (que funciona a energia elétrica - fluxo de elétrons num circuito condutor) aumenta o gradiente de prótons em 4: 2 H+ são expulsos e 2 H+ são consumidos da matriz mitocondrial. Um aumento de 4 H+ no gradiente de prótons é capaz de gerar 1 ATP. 2. Complexo II: Succinato-Ubiquinona redutase (Succinato Desidrogenase) É o segundo local por onde os elétrons penetram na cadeia respiratória. Possui 11 subunidades, sua flavoproteína é o FAD (que também está preso ao complexo enzimático), 7 grupos Fe-S (organizados em 3 centros ferro-enxofre) e o citocromo b560. Esta enzima faz parte do ciclo de Krebs, onde recebe a denominação de Succinato Desidrogenase. Não possui bomba de prótons. Logo, não aumenta o gradiente de prótons. 3. Complexo III: Ubiquinol-Citocromo C Redutase. Este complexo recebe elétrons oriundos tanto do complexo I quanto do III através da coenzima Q reduzida (QH2, ou Ubiquinol), que é oxidada neste sítio. É composto por 8 subunidades protéicas, 2 centros Fe-S e 3 citocromos (b560, b566 e C1). Possui bomba de prótons. Neste ponto, 2 H+ são expulsos da mitocôndria, mas nenhum próton é consumido ao nível da matriz mitocondrial. Em decorrência disso, a operação do complexo III leva à produção de apenas 0,5 ATP. 4. Complexo IV: Citocromo C Oxidase. Esta é uma enzima notável, uma das poucas que interagediretamente com o O2. É formada por 12 subunidades, 2 citocromos (a, a3) e 2-3 íons cobre (que usamos comercialmente na fabricação de fios para conduzir elétrons). Os 4 complexos difundem-se lateralmente na MMI, ora afastando-se, ora aproximando-se. Nunca se tocam. O transporte de elétrons de um complexo a outro requer um transportador (Ubiquinona e citocromo C). Os transportadores de elétrons da fase lipídica fazem a condução de elétrons de um complexo a outro através dos lipídeos da membrana. São 2: 1. Coenzima Q (Ubiquinona). Q vem de quinona; ubi é um prefixo que nos lembra de sua distribuição ubíqua ("em toda parte"). A coenzima Q move-se livremente pela membrana, transportando elétrons do complexo I e do complexo II para o complexo III. 2. Citocromo C. Citocromos são hemoproteínas e por isso são coloridos. É o agrupamento Heme que lhes confere cor. Os citocromos possuem heme de 3 tipos: a, b (que é o mesmo que ocorre na hemoglobina e na mioglobina) e c. Prof. Jairo Luís Hoerlle 4 Centros Ferro-Enxofre. Os centros Fe-S são pontos dentro dos complexos da cadeia respiratória por onde elétrons fluem. Na sua passagem, o ferro para alternadamente do estado férrico (Fe+3) para o ferroso (Fe+2) e deste para o férrico outra vez. Por isso, cada centro Fe-S transfere somente 1 elétron de cada vez. Os centros estão firmemente presos às proteínas onde ocorrem. Cada centro tem 1, 2, 4 ou vários íons de ferro, dependendo do complexo enzimático. O ferro é unido ao enxofre (sulfeto) e a grupamentos SH das cisteínas da proteína a que pertence. O Trabalho da Coenzima Q e do Citocromo C A coenzima Q leva elétrons para o complexo III; os elétrons são obtidos do complexo I e do complexo II. Por sua vez, o citocromo C transporta elétrons do complexo III para o complexo IV. Essa transferência de elétrons de um complexo a outro é exergônica, e isso fornece energia não apenas para o bombeamento de prótons, mas também para o movimento da coenzima Q e do citocromo C (eles trabalham: trabalho é o deslocamento de matéria a uma dada distância). A coenzima Q oxida o complexo I e o complexo II, migrando para o complexo III, a forma de QH2 (Ubiquinol). QH2 é oxidada pelo complexo III. O complexo III é oxidado pelo citocromo C, que se difunde pela MMI até ao complexo IV. O citocromo C é o único hidrófilo; por isso, pode destacar facilmente da membrana. Todos os outros citocromos são proteínas integrais da MMI; são lipófilos. O Trabalho dos Complexos Enzimáticos e sua Estequiometria Existem dois pontos de entrada de elétrons na cadeia respiratória: são os complexos I e II. NADH+H+ é oxidado pelo complexo I, ao passo que o FADH2 o é pelo complexo II. O fluxo de elétrons do NADH+H+ para a coenzima QH2, passando pelo complexo I, é exergônico. Do mesmo modo, o fluxo de elétrons do FADH2 para o complexo III é exergônico. Apesar disso, a produção de ATP é menor quando os elétrons entram na cadeia respiratória através do Complexo II. A energia livre obtida quando os elétrons percorrem os circuitos internos com complexo I é elevada e usada para expulsar H+ da mitocôndria numa quantidade suficiente para gerar 1 ATP: 2 H+ são expulsos da mitocôndria e 2 H+ são consumidos da matriz, aumentando em 4 H+ o gradiente de prótons. Ao contrário, o fluxo de elétrons do FADH2 para QH2 (passando pelo complexo II), apesar de também exergônico, não provoca expulsão de prótons. Nenhum ATP poderá ser formado por esse fluxo de elétrons dentro do complexo II. Esse complexo, que também faz parte do ciclo de Krebs, está próximo à superfície interna da membrana mitocondrial interna, não alcançando a camada externa da MMI. Desse modo, não é possível haver expulsão de prótons. A energia liberada é dissipada na forma de calor. Portanto, a oxidação do NADH+H+ gera 1 ATP a mais que a oxidação do FADH2 na cadeia respiratória de transporte de elétrons. A coenzima QH2 é oxidada pelo complexo III, liberando energia para a expulsão de 2 H+. Como não há consumo de H+ no complexo III, essa enzima aumenta o gradiente de prótons apenas em 2 H+, uma quantidade que é suficiente apenas para gerar 0,5 ATP. O citocromo C retira elétrons do complexo III e os leva ao complexo IV, que por sua vez oxida o citocromo C. Prof. Jairo Luís Hoerlle 5 A passagem dos elétrons do citocromo C para o O2, através do complexo IV, expulsa prótons na mesma quantidade do complexo I, podendo então ser formado mais 1 ATP. A citocromo oxidase (complexo IV) expulsa 2 H e 2 H+ são consumidos (para formar água), o que resulta num aumento de 4 H+ no gradiente de prótons. Conclui-se que são formados 2,5 ATP por cada NADH+H+ oxidado e 1,5 ATP por cada FADH2 oxidado na cadeia respiratória. Complexo I: 1 ATP Complexo III: 0,5 ATP Complexo IV: 1 ATP Cada par de elétrons reduz ½ O2, gerando H2O. No entanto, não existe ½ O2 e sim O2. Assim, são necessários 4 pares de elétrons (2 NADH+H+ ou 2 FADH2) para que a citocromo c oxidase (complexo IV) consiga reduzir o O2 até H2O. O trabalho do Complexo I A NADH+H+-Ubiquinona redutase é a principal porta de entrada dos elétrons na cadeia respiratória. Ela transfere 2 elétrons do NADH+H+ para a coenzima Q, formando QH2. Há nesse processo um detalhe: o NADH+H+ libera 2 elétrons de cada vez (íon hidreto, H-), mas a Ubiquinona só aceita um elétron por vez. Q + 1 elétron ---------------> Q- + 1 elétron + 2 H+ ---------------> QH2 Ubiquinona semiquinona ubiquinol Para que esse processo possa ocorrer, há necessidade de uma flavoproteína. Flavoproteínas possuem Riboflavina (vitamina B2). O NADH+H+ é oxidado pelo FMN, que aceita 2 elétrons por vez, formando FMNH2 dentro do complexo I e liberando o NAD. O FMN pode liberar 1 elétron de cada vez, liberando próton. Cada elétron é transferido para um centro ferro-enxofre, e daí para a coenzima Q. Reagentes Intermediários 1 Intermediários 2 Produtos Finais NADH+H+ NAD H+ (que é expulso) H+ (expulso) FMN FMNH2 FMNH FMN 1 elétron 1 elétron Cada elétron é transferido para um centro ferro-enxofre separado. FMN converte o fluxo aos pares de elétrons num fluxo de elétrons únicos (modalidade mais comum na cadeia respiratória). No complexo I o gradiente de prótons aumenta em 4 H+: 2 H+ são expulsos após o FMNH2 ser descarregado, e 2 H+ são retirados da matriz pela Ubiquinona. Esse último é chamado de "mecanismo de aniquilamento". A diferença dentro e fora da mitocôndria aumentou em 4 prótons. Isso é bastante para gerar 1 ATP. Prof. Jairo Luís Hoerlle 6 O Trabalho do Complexo II A succinato desidrogenase do ciclo de Krebs é a mesma succinato-Ubiquinona redutase (complexo II) da cadeia respiratória. FAD é o agente oxidante do succinato. Succinato + FAD ---------------> Fumarato + FADH2 O FADH2 assim formado transfere seus 2 elétrons para 2 centros Fe-S (um elétron para cada centro ferro-enxofre), liberando 2 H+ que são liberados para a matriz mitocondrial. Dos centros Fe-S os elétrons seguem para a coenzima Q, que recolhe os 2 H+ da matriz e se converte em QH2. Assim, elétrons que foram extraídos por oxidação do succinato são transferidos para QH2. FADH2 + 2 Fe+3-S ---> FAD + 2 Fe+2-S + 2 H+ + Q ---> 2 Fe+3-S + QH2 Essa reação não leva à expulsão de prótons. Em outras palavras: a operação do complexo II não aumenta o gradiente de prótons. Os elétrons que penetram na cadeia respiratória pelo complexo II (via FADH2) geram 1 ATP a menos que aqueles que entram pelo complexo I (via NADH+H+), que foi contornado. O trabalho do Complexo III A ubiquinol-citocromo C redutase oxida QH2 e transfere os elétrons para o citocromo C. Essa corrente elétrica pelo complexo III promove expulsãode 2 H+ - quantidade suficiente para a síntese de ½ ATP. A recepção dos elétrons da QH2 é um processo especialmente complexo; foi elucidado recentemente, e será descrito mais adiante com o nome de "Ciclo da Coenzima Q". O trabalho do Complexo IV A citocromo oxidase oxida o citocromo C e transfere elétrons que reduzem uma molécula de O2, gerando H2O. Nesse processo, o gradiente de prótons aumenta em 4, permitindo a síntese de 1 ATP (2 H+ são expulsos e 2 H+ são consumidos da matiz - mecanismo de aniquilamento). Parte das 12 cadeias polipeptídicas da citocromo oxidase é codificada pelo genoma mitocondrial e o restante pelo genoma nuclear. O complexo enzimático possui 2 citocromos (a e a3) e 3 íons cobre, que são sucessivamente reduzidos (até Cu+1) e oxidados (até Cu+2). A citocromo C oxidase é uma das poucas enzimas no organismo humano a interagir diretamente com o O2. A oxidação do citocromo C pelo O2, catalisada pelo complexo IV, é exergônica, sendo a energia liberada capaz de aumentar o gradiente de prótons numa quantidade suficiente para gerar 1 ATP. O transporte de elétrons pelo citocromo C ocorre um por vez. A redução do O2, portanto, passa por etapas intermediárias em que são formadas espécies reativas de oxigênio: O2 + 1 elétron ---> O2- (íon superóxido) O2 + 1 elétron ---> H2O2 (peróxido de hidrogênio) H2O2 + 1 elétron ---> 2 OH- (íon hidroxila) OH- + 1 elétron + 1 H+---> H2O Prof. Jairo Luís Hoerlle 7 Assim, radicais livres são produtos naturais da cadeia respiratória de transporte de elétrons. A célula dispõe de proteção antioxidante, representada por enzimas (superóxido dismutase, catalase, glutationa peroxidase) e vitaminas (ácido ascórbico ou vitamina C, alfa-tocoferol ou vitamina E). A citocromo oxidase consome mais de 95% de todo o O2 consumido pelo organismo, gerando em média 300 ml de água (dita "água metabólica", porque é produto final do metabolismo). Aproximadamente 1% de todo o O2 consumido dá origem a espécies reativas de oxigênio. Eles são gerados não apenas no complexo IV, mas também nos complexos I e III. Nesses locais, a coenzima Q é carregada (QH2) e descarregada (Q), respectivamente. Coenzima Q transporta elétrons aos pares, mas só outros ferro-enxofre e citocromos o fazem um elétron por vez. Elétrons individuais podem reagir com O2, gerando O2-, H2O2 e OH-. Assim caminha a Coenzima Q: o ciclo Q A recepção de elétrons trazidos como QH2 é um fenômeno de complexidade incomum. Coenzima Q transporta elétrons aos pares, mas dentro do complexo III a condução é de um elétron por vez. O ciclo ocorre em duas etapas: 1. QH2 libera 2 H+ (que são expulsos) e 1 elétron (que passa para um centro Fe-S), gerando Q- (semiquinona). Esse elétron flui do centro Fe-S para o citocromo C1, que o encaminha para o complexo seguinte (IV) através do citocromo C solúvel. Q- transfere seu elétron para o citocromo b566, formando Q (a qual migra para o lado da MMI voltado para a matriz). O citocromo b566 passa o elétron para o b560 que, por sua vez, o devolve à coenzima Q, regenerando Q-. 2. Nova molécula de QH2 chega ao complexo III. Seus 2 prótons são expulsos e os 2 elétrons são passados um ao centro Fe-S (seguindo o fluxo da cadeia respiratória) e o outro para os citocromos b566 e b560. A coenzima Q é liberada. O elétron que permanece no complexo III reage com a Q- (do ciclo anterior) e 2 H+ (da matriz), regenerando QH2. O ciclo ocorre na forma de uma dismutação, em que 2 moléculas de QH2 são transformadas em Q e QH2, tendo Q- (semiquinona) como intermediária. Assim, a coenzima Q existe em 3 formas: QH2, Q e Q-, sendo as duas primeiras solúveis (movem-se pela membrana) e a semiquinona (Q-) não lipossolúvel fica presa, próximo à fase aquosa da matriz. O ciclo da coenzima Q só é possível porque Q e QH2 difundem de um lado a outro da MMI e os dois citocromos b formam um caminho, dentro do complexo III, para elétrons migrarem do lado externo para o lado interno da MMI. O ciclo é necessário porque funciona como um transdutor que converte o fluxo de elétrons aos pares num fluxo de elétron único. No complexo III, apenas 2 H+ são expulsos por cada par de elétrons que segue para o complexo IV. Isso é suficiente apenas para a síntese de ½ ATP. Prof. Jairo Luís Hoerlle 8 Fosforilação Oxidativa Os mecanismos até aqui estudados compõem a cadeia respiratória de transporte de elétrons, com seus 4 complexos enzimáticos. Nesse processo, nenhuma molécula de ATP é gerada. O que a corrente elétrica faz é criar um gradiente de prótons (ΔpH), acumular ácido (H+) no espaço intermembranas. O processo de síntese do ATP (fosforilação oxidativa) ocorre ao nível de complexo V, a ATP-sintase. Lógica Molecular Desidrogenases geram NADH+H+ e FADH2 que, na cadeia respiratória, geram uma corrente elétrica capaz de fazer transporte ativo de prótons para fora da mitocôndria. A energia contida nas moléculas combustíveis (glicose, ácidos graxos) é transferida aos prótons que, durante sua reentrada na mitocôndria, permitem a síntese de ATP. O acoplamento entre as reações de oxirredução da cadeia respiratória e a de síntese de ATP ocorre a nível da ATP- sintase. O complexo V não participa do transporte de elétrons nem contribui para aumentar o gradiente de prótons. Ao contrário, a ATP-sintase consome esse gradiente. O complexo V é conhecido como "ATP-sintase F1Fo", em que "F" significa "fator de acoplamento", "o" significa "sensibilidade à oligomicina" (um antibiótico que bloqueia a enzima) e "1" representa "primeiro sítio catalítico" (onde ocorre a fosforilação do ADP gerando ATP). É possível separar os componentes da ATP-sintase (F1, Fo e a haste que une os dois). Isoladamente, F1 é uma enzima que hidrolisa ATP (F1 ATPase ou hidrolase 1). Fo é um canal iônico exclusivo para prótons capaz de dissipar completamente o gradiente de prótons se for separado de F1. Os prótons que penetram no canal Fo ligam-se a aminoácidos. À medida em que vão chegando à matriz, desviam o equilíbrio da reação abaixo no sentido da formação de ATP ADP + Pi + H+ ↔ ATP + H2O É relativamente fácil aproximar Pi e ADP no centro ativo, vencendo a repulsão de carga entre os átomos de fósforo. É ainda mais fácil separar um do outro, hidrolisando o ATP. A ATP-sintase originalmente é uma ATP hidrolase - daí ser também conhecida como "ATPase Mitocondrial". Devido ao gradiente de prótons (elevada concentração local de H+), a reação de hidrólise é revertida. O ATP sintetizado fica preso ao centro ativo da enzima, pois está num poço termodinâmico. Isso significa que o ATP tem energia de ligação (ao centro ativo) tão alta que sua liberação fica bloqueada, formando um complexo enzima-produto estável. É necessário o fornecimento de energia adicional para liberar o ATP. Assim, para sair do poço termodinâmico, é necessária a torção (deformação) do centro ativo, para deslocar o ATP formado preso à enzima. É por isso que o ΔG’ para a síntese de ATP é de + 12,9 Kcal/mol (e não apenas + 7,3 Kcal/mol). A ATP-sintase possui 3 centros ativos interligados. A qualquer tempo, um dos centros ativos está vazio (estado o, de open, aberto), um contém ADP+Pi sendo aproximados (estado l, de loose, frouxo) e um contém ATP preso no poço termodinâmico (estado t, de tight, firme). Prof. Jairo Luís Hoerlle 9 A entrada de prótons pelo canal Fo altera o equilíbrio da reação ADP+H2PO4=+H+ no centro ativo l (frouxo), ao mesmo tempo que sua elevada energia cinética deforma esse centro ativo. A torção desse centro ativo provoca uma mudança recíproca no formato do centro ativo "t" (que contém o ATP antes firmemente preso). Este centro ativo torcido passa a ter fraca ligação ao ATP, resultando na sua liberaçãopara a matriz. O influxo de prótons modifica o estado dos centros ativos, de modo que há um "giro" no qual o centro t (firme) passa a o (open), o centro l (frouxo, contendo ADP+Pi) passa a firme (com ATP) e o centro o (aberto) passa a l (frouxo). O processo ocorre até que todo o ADP seja convertido em ATP, ou até que o gradiente de prótons seja dissipado. A Translocação dos prótons: Força Próton-Matriz ou Proticidade Peter Mitchel cunhou o termo "proticidade" (por analogia com eletricidade - que é devida ao fluxo de elétrons) para a energia protônica que dirige a síntese de ATP na mitocôndria. Elétrons energizam prótons. A energia elétrica alimenta bombas de prótons, que expulsam por transporte ativo prótons da mitocôndria, fenômeno conhecido como "translocação de prótons". Os prótons são acumulados no espaço intermembranas, criando uma diferença de potencial protônico. A força próton-matriz é a fonte de energia para a síntese de ATP. Existem fórmulas que permitem calcular essa energia. A força próton-matriz tem dois componentes: o gradiente químico (há mais prótons fora que dentro da mitocôndria) de concentração e o gradiente elétrico (o bombeamento de prótons é eletrogênico, o espaço intermembranas fica positivo enquanto que a matriz vai ficando negativa. A energia contida no gradiente químico é calculado por: ΔGquímico = 2,3 nRT ΔpH Onde: n: concentração ΔpH: pH dentro- pH fora 2,3 nRT: constantes (pressão, temperatura, conversão para logaritmo decimal) A energia devida ao gradiente elétrico é: ΔGelétrico = nF Em Onde: Em: diferença de potencial dentro e fora da mitocôndria nF: constantes. A energia total será então: ΔGtotal = ΔGquímico + ΔGelétrico ΔGtotal = 2,3 nRT ΔpH + nF Em Essa energia (ΔG total) é a energia protônica ou potencial protônico, representada por Δp e expressa em volts. Δp = z DpH + Em z representa 2,3 RT/F
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