Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
72 CAPÍTULO 7 CRESCIMENTO E TAXAS DE JUROS 7.1. Introdução Já foi discutido que o Brasil perdeu ritmo de crescimento a partir dos anos 1980, o que se associa, entre outros fatores, de forte queda na acumulação de capital. A questão que fica para muitos é o grau em que tal queda na acumulação não se deveria às altas taxas de juros praticadas no Brasil. A figura 7.1 mostra a tendência evolutiva da taxa real de juros SELIC no Brasil após o Plano Real. A taxa média do período foi 9,3% ao ano. Apresentou uma queda a partir de 2005, com mínimo em torno de 2013, com elevação a partir de então. -0,2 -0,1 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 19 96 .01 19 96 .09 19 97 .05 19 98 .01 19 98 .09 19 99 .05 20 00 .01 20 00 .09 20 01 .05 20 02 .01 20 02 .09 20 03 .05 20 04 .01 20 04 .09 20 05 .05 20 06 .01 20 06 .09 20 07 .05 20 08 .01 20 08 .09 20 09 .05 20 10 .01 20 10 .09 20 11 .05 20 12 .01 20 12 .09 20 13 .05 20 14 .01 20 14 .09 20 15 .05 20 16 .01 20 16 .09 Figura 7.1. Taxas Reais de Juros no Brasil, 1996-2017. Fonte: IPEADATA, cálculos do autor. OBS.: Taxas SELIC mensais anualizadas deflacionadas pelas taxas mensais anualizadas do IPCA. Mesmo nos anos 2000, em que as taxas tenderam a cair, o Brasil ainda é destaque em âmbito mundial, como ilustrado na figura 7.2. 73 Figura 7.2. Taxas Nominais e Reais de Juros no Brasil, EUA, Japão, Índia.-2000/09. Fonte: Tradingeconomics, http://www.tradingeconomics.com/Economics/Interest-Rate.aspx?Symbol=USD OBS.: Barras-taxas nominais; linha-taxas reais De que forma as taxas reais de juros afetariam a acumulação de capital? Através da sua confrontação com a produtividade marginal do capital, que determina o volume de investimentos que podem viavelmente ser realizados. Em k0 observa-se a condição de otimização, ou seja, rkf )(' onde AL K k , relação capital trabalho efetivo. Ver figura 7.3. Ademais tem-se que, sob crescimento balanceado: Por essa condição, tem-se ainda que um aumento em s (propensão a poupar) ao aumentar k vai reduzir f’(k) ou r. Haveria, teoricamente, a possibilidade de variando r alterar s? No modelo de Solow, não. Examina-se então esse ponto no modelo de Ramsey, em que s é determinado endogenamente. A resposta é igualmente negativa: tanto em Solow como 0])[())(( gntktksfk 74 em Ramsey, a taxa de juros é endógena: é apenas outro nome da produtividade marginal do capital. Figura 7.3. Taxa Real de Juros e Produtividade Marginal do Capital 7.2. O Modelo de Ramsey Em 1928, F.P. Ramsey desenvolveu um modelo em que a taxa de poupança da sociedade é determinada endogenamente, isto é, estabelecida pelos agentes econômicos com vida infinitamente longa que otimizam sua decisões, ao contrário do que foi visto no modelo de Solow, em que a taxa de poupança era exógena. Embora muitos outros modelos tenham sido desenvolvidos em seqüência ao de Ramsey - endogeneizando outras variáveis, culminando com o modelo de Paul Romer (1990), que endogeiniza o processo de acumulação de conhecimento – para os objetivos desejados esse modelo mais simples é satisfatório. Segue-se a apresentação de Romer (2006), capítulo 2. A Produção Na economia de Ramsey há um grande número de firmas, cada qual tendo acesso à função de produção 75 ),( ALKFY com as propriedades já estabelecidas. Tais firmas empregam trabalho (que cresce no agregado à taxa n) e capital recorrendo a seus respectivos mercados, empregando o primeiro e alugando o segundo junto a famílias. A é determinado exogenamente, crescendo à taxa g. Como o mercado é competitivo, o capital desloca-se para as atividades de maior retorno - produtividade marginal -, até que as oportunidades de realocação se esgotam. Aí a produtividade marginal do capital pode ser chamada de taxa real de juros (r(t)), considerando-se que a depreciação seja nula. )())((' trtkf (7.1) Analogamente o trabalho se distribui entre as alternativas de emprego recebendo a sua produtividade marginal do trabalho; quando as alternativas se esgotam a produtividade marginal é o salário real (W(t)): )( ),( tW L ALKF (7.2) ou )( )( )(')( )( )( 2 tW AL AK kALfkAf L AL K ALf L kALf E dividindo por A: )( )( )( ))]((')())(([ tw tA tW tkftktkf (7.3) onde )(tw é o salário real por unidade de trabalho efetivo. 76 O Consumo Há também um grande número (H) de famílias idênticas, cujo tamanho cresce à taxa exógena n. Cada membro da família oferece uma unidade de trabalho por unidade de tempo. Ademais, cada família aluga todo o capital (K/H) que possua às firmas. Desconsidera-se a depreciação. Em cada período, as famílias dividem a renda (do trabalho e do capital) entre consumo e poupança procurando maximizar uma função de utilidade intertemporal U. (7.4) sendo C(t) = consumo de cada membro de cada família no tempo t, u(.) = função de utilidade em t H tL )( = número de membros por família H tL tCu )( ))(( = utilidade total da família = taxa de desconto, ou seja, relação entre utilidade em t e (t+1) Ainda mais1: 1 )( ))(( 1tC tCu (7.5) com 0 e 0)1( gn de tal sorte que a economia converge ao caminho de crescimento balanceado2. A utilidade marginal é dada por 1 Trata-se da utilidade com coeficiente de aversão relativa a risco constante, dado por 11CC C C C C UM C C UM . O modelo, porém, não contempla a questão do risco. 0 )( ))((t t dt H tL tCueU 77 (7.6) que é positiva sempre3,4.O parâmetro dá diretamente o grau em que a utilidade marginal é decrescente; ou seja, o grau em que o consumidor preferirá nivelar (igualar) os níveis de consumo em períodos diferentes. Quanto maior θ, mais intensamente varia a utilidade total por período quando o consumo varia de um período t-1 para outro t. O consumidor preferirá evitar que os consumos entre períodos difiram: prefere que eles fossem iguais, se os preços fossem os mesmos, isto é, se a taxa de juros fosse zero. O parâmetro está, pois, inversamente relacionado com a elasticidade de substituição intertemporal5. As famílias têm de levar em conta sua restrição intertemporal, o que limita seu orçamento. A idéia é que as famílias possam transferir renda de um ano (com maior renda) para outro (de menor renda). Se a renda não é toda consumida num ano, a poupança é passada para o futuro, sendo remunerada pela taxa real de juros. As famílias também podem antecipar a renda que receberão no futuro para o presente, tomando empréstimo à taxa de real de juros. Dessa forma toda família tem que se ater à restrição de que o valor presente da sua riqueza tem de ser maior ou igual ao valor presente do consumo: 2 Se 0)1( gn então a chamada condição de transversalidade é observada. Essa condição é necessáriapara garantir que agente econômico não vai deter riqueza no final de seu horizonte temporal: a sua utilidade aumenta se ele consumir essa riqueza, ao invés de desperdiçá-la, deixando-a inutilizada. (Daron Acemoglu, http://econ-www.mit.edu/files/4803) 3 Além disso u’ é decrescente: 0)( )( ))(( '' )1( tC tdC tCdUM u 4 Notar que a função (63) tende para )(ln))((lim 1 tCtCu . 5 Com utilidade marginal dada em (64) tem-se que a elasticidade de substituição é dada por 1 )(' )1(' )( )1( tu tu tC tC )(1 )()1()( ))(())((' tCtCtdC tCdutCUMu 78 (7.7) em que: a) à esquerda está o soma (integral) dos valores presentes do consumo per capita multiplicado pelo número de membros na família b) à direita está a soma dos valores presentes de renda disponível, sendo o primeiro termo a riqueza inicial dada pelo estoque de capital da economia dividido pelo número de famílias e o segundo, a soma dos valores presentes das rendas do trabalho (salário vezes número de membros) c) o primeiro termo nas integrais é o fator de conversão de valores futuros em valor presente, explicado como se segue. Nessa análise, taxa de juros e salário - endógenos no agregado - seguem caminhos que são dados para as famílias individuais. Quanto aos juros são contínuos: e )(tR define-se como a integral da função representativa da evolução da taxa de juros ao durante determinado intervalo de tempo: drtR t 0 )()( (7.8) ou seja, a soma das taxas de juros devidas em t anos contados a partir de 0 considerando que os juros variam ao longo do tempo segundo a função )(tr . Se r fosse constante, então essa soma seria simplesmente rttR )( .Assim $1 aplicado em t = 0 vai acumular $ rttR ee )( depois de t anos6. É conveniente rearranjar os termos de (7.7), colocando tudo do lado esquerdo: 6 Fazendo analogia com o caso de tempo medido discretamente, $1 renderia após t anos a $ t t r e r e r e r e 021 $...1 ,ou seja, t rtR 0 )( dt H t L t W e H K dt H t L t C e t t R t t R ) ( ) ( ) 0 ( ) ( ) ( 0 ) ( 0 ) ( 79 0 )( )]()([ 0 )()0( dt H tL tCtW t tRe H K (7.9) que é igual o valor presente (no momento t=0) da riqueza líquida (após consumo). Isso é ainda igual a 0 )( )]()([ 0 )()0(lim dt H tL tCtW s t tRe H K s (7.10) onde apenas se expressa o limite superior de integração de outra forma. Capitalizando o colchete em (7.10), chega-se à riqueza de uma família num momento s qualquer: s t tRRs dt H tL tCtWe H K e H sK 0 )( )()]()([ )0()( ou s t tRRs dt H tL tCtWe H K H sK e 0 )( )()]()([ )0()( que é a expressão em colchete em (7.10) - ou seja, o valor presente da riqueza em s. Logo 0 )()(lim H sKsRe s (7.11) significando que a riqueza de cada família tem de ter um valor finito por mais distante que esteja o momento considerado. Isso elimina o chamado “Efeito Ponzi”, que acontece quando a família toma um empréstimo e segue indefinidamente pagando as parcelas vencidas com novos empréstimos. Se isso for possível, o valor presente do consumo da família pode ultrapassar o valor presente de seus recursos, terminando a vida com dívidas a descoberto. 80 Maximização da utilidade das famílias e os Juros A família típica maximiza a utilidade ao longo da vida sujeito à restrição orçamentária. Seguindo Solow, expressa-se o consumo por unidade de trabalho efetivo. Tem-se que C(t) é o consumo por pessoa (trabalhador) e )(/)()( tAtCtc é o consumo por unidade de trabalho efetivo. Logo, no período t: 1 1)()1(1)0(1 1)(1])0([1 1)]()([1 1)( tcgteAtcgteAtctAtC (7.12) que inserido em (7.4): dt tc t teBU 1 1)(0 (7.13) com H L AB )0(1)0( e 0)1( gn (por hipótese). Formulada em termos de c(t), (6.6’) fica: 0 )()0()0( )]()([ 0 )()0()0()0( dt H tgneLA tctw t tRe H LAk ou, dividindo por H LA )0()0( : 0)()]()([ 0 )()0( dt tgnetctw t tRek (7.14) e (7.11) fica: 0)()()(lim sksgnesRe s (7.15) 81 O problema do consumidor é, pois, maximizar a utilidade dada em (7.13) condicionada à restrição (7.14). A condição de primeira ordem, que resulta da derivação da expressão de Lagrange dt tc t teBL 1 1)( 0 ])()]()([ 0 )()0([ dttgnetctw t tRek em relação a c(t), é dada por: 0)( )()( tgntRt eetcBe ou tgntRt eetcBe )()()( (7.16) sendo o multiplicador de Lagrange. Tomando log de (7.16): tgntRtctB )()(ln)(lnln tgn t drtctB )( 0 )(ln)(lnln Agora deriva-se o log da condição de primeira ordem em relação a t: )()( )( )( gntr tc tc Resolvendo para a taxa de crescimento do consumo e usando a definição de : gtr tc tc gntr tc tc )( )( )( )( )( )( (7.17) que é a chamada Equação de Euler deste problema de maximização. O consumo por trabalhador crescerá a taxa g em equilíbrio. Nos demais pontos: 82 )()( )( )( trgtr g tC tC (7.18) Conclui-se que sob otimização o consumo por trabalhador cresce na medida em que a taxa de retorno do capital (r, taxa de real de juros) excede a taxa de desconto ( ). É importante ter em mente que r(t) é uma variável endógena no modelo, uma vez que é dada pela produtividade do capital. Não faz sentido, portanto, analisar o efeito de variações exógenas em r sobre o consumo ou, analogamente, sobre a poupança. 7.3. Digressão O sentido intuitivo da equação de Euler vem da constatação de que uma pessoa deixará de consumir uma unidade do bem este ano se o investimento dessa unidade resultar num consumo maior no futuro que compense o sacrifício. O aumento possível no consumo futuro depende da produtividade do capital (r). Abaixo supõe-se que o consumidor (trabalhador efetivo) troca consumo )(tc em t por )( ttc em tt , mantendo o consumo nos demais períodos. No caso que vem sendo desenvolvido, o valor presente da utilidade intertemporal é dada em (70): dt tc t teBU 1 1)(0 A utilidade marginal do consumo em t é )( )( tcBe tc U t Havendo redução em )(tc para investir, a redução em U será )()()( )( tctcBetc tc U t (7.19) Como o equilíbrio significa que t c c etcttc )()( 83 com c c dado em (74a), logo a utilidade marginal em ( tt ) será ])([ )( )( t c c tt etcBe ttc U Considerando retorno r no investimento, no momento ( tt ) o consumo por trabalhador efetivo poderáser aumentado por7 )()( ])([ tcettc tgntr Então o aumento de utilidade devido ao maior consumo em ( tt ) ])([)( )( )( t c c tt etcBettc ttc U )(])([ tce tgntr (7.20) As expressões (7.19) e (7.20) devem ser iguais para que não haja perda de utilidade com a troca intertemporal: )()( tctcBe t ])([)( t c c tt etcBe )(])([ tce tgntr Dividindo membro a membro por )()( tctcBe t e tomando log: 0])([ )( )( tgntrt tc tc t Dividindo por t e resolvendo chega-se à primeira expressão em (7.17) gntr tc tc )( )( )( 7 Notar que o aumento de consumo )()]([ tce ttr tem de ser dividido pelo por maior número de trabalhadores (que cresce a n) e de tecnologia (que cresce a g) então levando a )(])([ tce tgntr . 84 7.4. Equilíbrio estacionário A equação de Euler gtr tc tc )( )( )( mostra que o estado estacionário, isto é, quando kk tc tc 0 )( )( , implica que o produto marginal do capital ou taxa de juros é gtkftkr ))(´())(( (7.21) que indica que a economia convergirá para um r* que será tanto menor quanto menor for a taxa de desconto intertemporal ρ, quanto maior a elasticidade de substituição intertemporal do consumo /1 e menor o crescimento da produtividade g. Se uma economia está acumulando capital per capita na trajetória para o estado estacionário, sua taxa de juros cai durante a transição até o limite indicado em (7.21). Ademais como y e c estão constantes para k = k (constante), assim como também a poupança por trabalhador efetivo p (= P/AL) fica constante em p*(t). Sabe-se ainda que em k : 0)()())(()()( tkgntkftstk ))(( )()( )( tkf tkgn ts (7.22) Para uma função de produção do tipo Cobb Douglas: gtktkftr tktkfty 1)())(´()(* )())(()(* Logo 85 g g tkf tk g tkfty g tk 1 1 11 1 ))(( )( ))(()(*)( g gn ts )( )( (7.23) que será tanto maior quanto maior α e n e quanto menor ρ. O efeito de g é incerto. Notar que essa propensão a poupar é inferior àquela da Golden Rule. Ainda no tocante à relação consumo (ou poupança) e taxa de juros, vale ressaltar que em modelos mais completos e complexos, o setor governo é considerado8. Trabalha- se então com a pressuposição de que o governo financia seus gastos com dívida. O consumidor racional vai emprestar ao governo aumentando sua poupança, preparando-se para o dia de pagamento da dívida quando os impostos vão aumentar e usando-a em maior proporção para pagar o governo. Ou seja, o maior gasto do governo, atrai para ele a poupança, desviando-a, ainda que em parte, do investimento privado. Com isso, apesar do aumento na poupança, o investimento se reduz e a produtividade do capital aumenta, resultando num aumento dos juros reais. Uma relação direta é observada entre movimentos nos juros e poupança, mas a relação causal não é a comumente mencionada. 7.5. Famílias diferentes O que o modelo de Ramsey diz sobre a relação consumo e taxa de juros é que quando os juros aumentam, a relação entre consumo futuro e consumo presente aumenta. Não diz que o consumo presente diminui nesse processo. Ademais as famílias são idênticas e tomarão decisões idênticas: o consumo e a poupança serão iguais entre famílias. Na tentativa de cada uma consumir mais no presente, surgirá uma taxa positiva de juros e um certo nível de poupança e investimento, com crescimento da renda ao longo do tempo. Não trata também da interação entre 8 Ver, por exemplo, Romer, pp 70-76. 86 famílias na transferência de poupança entre famílias. Para famílias individuais, r é exógeno, o qual pode ter dois efeitos: renda e substituição. Num determinado momento, certas famílias são credoras e outras, devedoras. Ver figura 7.4. Considera-se uma família que é uma poupadora liquida no período corrente à taxa de juros em vigor. Quando essa taxa aumenta, a família se beneficia - fica mais rica. O contrário aconteceria se estivesse consumindo mais do que sua renda à taxa de juros em vigor Na sua primeira parte, o efeito renda predomina; na segunda, o efeito substituição é dominante. Este último torna mais atraente consumir no futuro (ou mais caro consumir no presente), pois, considerando dois períodos (1 e 2), se antes, deixando de consumir R$1 em t=1 permitia consumir R$ )01( r no período 2, agora com 01 rr o mesmo sacrifício permite consumir R$ )11( r em 2. Há, porém, ainda um efeito renda: uma dada poupança em 1 renderá mais em 2, permitindo maior consumo em 2; a família poderá decidir então nivelar os níveis de consumo entre os dois períodos, consumindo um pouco mais (e poupando menos) em 1 e ainda consumindo mais em 2. Este desejo de nivelar os níveis de consumo entre períodos está diretamente relacionado à magnitude de . Pode-se acrescentar, por fim, um terceiro efeito – efeito riqueza - que decorre de que um aumento nos juros deprime o valor atual da riqueza, o que reforça o efeito substituição9. 9 Os modelos de Ramsey e Diamond, p. ex., consideram que o consumo ou a poupança crescem ou não mais rapidamente se os juros aumentarem. Os efeitos (substituição, renda e riqueza) dos juros sobre os níveis de consumo e poupança são analisados por Barro & Sala-i-Martin, pp 93-94. Ver também D. Romer, pp. 361-365. 87 Figura 7.4. Aumento na Taxa de Juros e Efeitos no Consumo num dado momento 7.6. Dinâmica do Modelo de Ramsey Posto que ))(´( tkfr tem-se em (7.17): gtkf tc tc ))(´( )( )( Sabe-se que )).(())(()( tksftkftc No ponto onde k se estabiliza )()())(( tkgntksf ignorando a depreciação como faz Ramsey. Nesse ponto, portanto, )).()())(())(())(()( tkgntkftksftkftc Conclui-se que no ponto onde ambos c e k se estabilizam simultaneamente: gnkfc *)*('0* (7.24) já visto modelo de Solow. Para maximizar a utilidade intertemporal obedecendo à restrição orçamentária, chega-se a: gtkfc ))(('0 (7.25) Nota-se que k >k**, face à condição de transversalidade: ou ggn (7.26) Sob tal condição resulta que: )('*)*(' kfkf 0)1( gn 88 ou seja, vez que o produto marginal é decrescente, o consumo se estabiliza antes que atinja o máximo, ou a Golden Rule, como ilustrado na figura 7.5, em que curva marca os níveis de consumo no caminho balanceado. Percebe-se que a Golden Rule não é possível de ser alcançada. A economia, mesmo assim, vai caminhar para um ponto de estabilidade, que atende os princípios de Pareto. Todos os consumidores têm a mesma função de utilidade e todos otimizam o uso de recursos maximizando o valor presente do consumo intertemporal - isto é, obtendo o maior nível de valor presente de utilidade intertemporal possível. Lembra-se que no casoda Golden Rule, numa função Cobb Douglas, 1 1 ** gn k , o que seria alcançado com uma poupança **s . Já no caso em consideração, 1 1 1 )´( gkgkkf o que seria alcançado com g gn ts )( )( dada em (7.23) Figura 7.5. Consumo Máximo e Consumo Estacionário 0 k 89 No crescimento balanceado com utilidade intertemporal máxima, as variáveis renda, poupança e consumo expressos em termos per capita de trabalho efetivo são constantes, tal que Dessa forma as variáveis agregadas crescerão todas a taxa constantes dadas por : Ademais, a produtividade do trabalho simples crescerá de acordo com: 7.7. Taxa natural atrelada à taxa de juros internacional É comum falar-se em taxa natural de juros ou taxa de equilíbrio para uma economia. Em tese seria a taxa real que iguala poupança e investimento sob pleno emprego. Num contexto de crescimento corresponderia à produtividade marginal do capital em estado estacionário. Muinho e Nakane (2016) estimaram que, com base nesse critério, a taxa real de juros no Brasil seria de 15% ao ano em 2000. Para Barbosa et al (2016) essa taxa – num modelo de agente representativo - dependeria da taxa intertemporal de preferência, da taxa de substituição no consumo e da taxa de crescimento da produtividade - modelo de Ramsey, equação (7.21). Segundo esses autores, o modelo do agente representativo é apropriado para economias fechadas, não sendo adequado para uma economia pequena e aberta, em que a taxa de juros está atrelada à taxa do mercado internacional. O Brasil, apesar de não ser uma economia )()()( tctyts gn S S C C K K Y Y g L Y L Y 90 aberta, desde a securitização da dívida externa em 1994, teve essa dívida transformada em títulos em dólares emitidos pelo governo que pagam juros correspondentes aos do governo americano mais o riscos-país. Por arbitragem, a taxa de juros de títulos públicos em reais deve, no longo prazo, ser igual à taxa dos títulos em dólares. Dessa forma, os autores avaliam a taxa natural no Brasil como sendo a soma da taxa internacional (Federal Funds/EUA ou Libor) mais (a) risco soberano, mais (b) risco cambial. Os resultados são apresentados na figura 7.6. Para os autores, a queda de juros no Brasil entre 2003 e 2007 se explica pela redução do risco soberano e do câmbio. De 2008 a 2013, prevaleceu a redução dos juros americanos. A partir de então, os riscos voltaram a aumentar – crise fiscal, inflação fora do controle, incerteza quanto à política econômica – e taxa real de juros voltou a subir, Figura 7.6. Taxa real de juros (Selic) e taxas naturais de juros no Brasil com base nos Federal Funds (FF-EUA) e Libor Obs. Linha cheia mais escura: Selic real; linha pontilhada: com base na libor; linha cheia cinza: com base em FF-EUA 91 7.8. Investimento e Juros Nesta parte apresenta-se uma análise da decisão de investir, focando na sua relação com a taxa de juros. Vale lembrar que estudos empíricos não têm apontado para um efeito apreciável da taxa real de juros sobre o investimento e, portanto, sobre o crescimento econômico. Estudo do Banco Mundial10 mostrou que podem ser observados períodos de altas taxas de juros e altas de crescimento e vice-versa. Aparentemente há dois aspectos a considerar ao examinar tal relação. Por um lado, países em desenvolvimento podem ter seu crescimento algo prejudicado por altas de juros, por serem esses países devedores líquidos. Já em países desenvolvidos períodos de altos juros e crescimento (e vice-versa) são mais freqüentes, aparentemente prevalecendo o fato de que os juros tendem a ser afetados pela maior rentabilidade dos investimentos em períodos de crescimento (e vice-versa). Hausmann (2008) levanta duas importantes hipóteses sobre a relação investimento e juros no Brasil, especificamente. Por um lado, apresenta evidência de uma forte relação inversa entre juros e investimento após o ano 2000. Na figura 7.7, relaciona taxa de juros para o tomador e o nível de investimento para um grande grupo de países para constatar que, apesar da taxa muito alta de juros, o Brasil tem investimento (% do PIB) parecido ao de muitos outros países de taxas de juros muito mais baixas. Isso sugere que no Brasil a produtividade do capital é bem mais alta do que na maioria de países. Hausmann levanta a hipótese de que talvez o Brasil tenha uma das maiores produtividades do capital, se for considerada ainda a elevada carga tributária e o ambiente institucional desfavorável ao investimento. Adicionalmente verifica com base na figura 7.8 que o investimento no Brasil é muito influenciado pela taxa de juros. Ou seja, uma queda nos juros pode ajudar significativamente o investimento. Conclui que o Brasil tem uma elevada produtividade do capital, mas o juro alto não deixa de ser relevante fator inibidor do investimento e do crescimento. 10 Shafic, N., J. Jalali. 1991. “Are High Real Interest Rates Bad for World Economic Growth?” Working Paper, WPS 669. 92 Figura 7.7. Taxas de Juros e Investimento Bruto, 2005/2006. Conjunto de Países Fonte: Haussman Figura 7.8. Taxa de Juros e Investimento no Brasil, 2000/07 Fonte: Hausmann 93 Teoricamente, toma-se o ponto de partida adotado é a formulação usada por D. Romer11, num modelo de tempo discreto. O conjunto de firmas decide o quanto investir maximizando o valor presente da soma das receitas líquidas (π) presente e futuras, sendo: tttkttttt LWIpLAKF ),( (7.27) onde )(F representa o produto obtido no período avaliado ao preço unitário e constante 1tP para todo t. O bem de capital é adquirido em quantidade It ao preço pkt que será dado na curva de oferta desse bem, que pode ser positivamente inclinada; assim, um aumento em I pode levar a um aumento em pk. O valor presente da soma dos lucros periódicos será dado por R, que pode ser interpretado como o valor do conjunto de firmas. n ot ttr R )1( 1 (7.28) R será maximizado sujeito a uma restrição, usada para definir investimento com a variação no estoque de capital. 01 ttt KIK (7.29) Por simplicidade, ignora-se a depreciação. Forma-se então a expressão de Lagrange: })(]),({[ )1( 1 1 n ot tttttttktttt KIKLWIpLKF r L (7.30) 11 Ver D. Romer, pp.391-394. 94 Notar que t pode ser interpretado como o valor para as firmas de um aumento de $1 no momento t. As condições de primeira ordem para maximização, relativas a K e I, são as seguintes 0 )1( ][ )1( 1 1 1 t t tktt t r F rK L (7.31) 0])[( )1( 1 t t kt tktt t I p Ip rI L (7.32) admitindo-se que o preço do bem de capital varie com o volume comprado (It), conforme indicado pela derivada na expressão. A partir de (7.31) tem-se 0))(1( 1 ttktFr ou r r F tttkt 1 )( 1 (7.33) De (7.32) chega-se a t t kt tkt I p Ip )( ) 1 1( k ktte p (7.34) Ou seja, o valor marginal do capital para a empresa é o preço do bem de capital pago pelas empresas investidoras, que é dado por ) 1 1( k ktt e p . Esse preço depende da elasticidade de oferta de bens de capital, sendo pkt se ke . Será ktp3 se .5,0be 0])[( t t kt tkt I p Ip 95 Então de (7.34): ) 1 1]([ 11 k ktkttt e pp que substitui-se em (7.33): r e pp e pr F k kttk k kt kt 1 ) 1 1]([)] 1 1([ )1( resultando que r pprp e F kttkkt k kt 1 ][ ] 1 1[ )1( (7.35) r p p pp r e F kt kt kttk k kt 1 ][ ] 1 1[ )1( r pgr e F ktkt k kt 1 ][ ] 1 1[ (7.35´) Ou seja, o produto marginal do capital é igual custo do uso do capital, dado pelo numerador do último termo à direita, que inclui juros (r) menos ganho de capital ( ktg ). Lembra-se que a depreciação foi desconsiderada. Para verificar o efeito de variação na taxa de juros sobre o capital, deriva-se a igualdade em (7.35) em relação a r: 2 1 )1( )]([)1( ] 1 1[ r pprprp er K F ktktktkt kt t kkt 96 2 1 )1( ] 1 1[ r p er K F kt kt t kkt 0 )1( ] 1 1[ 2 1 rF p er K kkt kt kt t (7.36) Notar que: t t t t ttt r K r I KKI 1 ou seja, o impacto de rt sobre It é igual ao impacto sobre Kt. A esses resultados D. Romer adiciona a condição de transversalidade: 0 )1( lim T T T r (7.37) segundo a qual não vale a pena manter capital, que representa um custo, para sempre. Deduz-se ainda que o efeito de variação em pk é obtido a partir de: r pprp e F kttkkt k kt 1 ][ ] 1 1[ )1( ] 1 1[ 1 1 ] 1 1[ kkkt t kkt er r ep K F 0 1 1 kk k kt t F e p K (7.37) 97 Verifica-se, assim, que uma alta em pk originária do lado da oferta causa uma redução no estoque de capital; o efeito é maior quando a oferta de bens de capital for menos elástica. Posto que 1 ttt KKI , então tt dKI e 0 1 1 kk k kt t k t F e p K p I (7.38) Esse efeito teria sido captado por Bacha & Bonelli ao explicar o comportamento do capital no Brasil a partir dos anos 1970. EXERCÍCIOS 1. Mostrar que a função de utilidade 1 )( ))(( 1tC tCu tende para )(ln))((lim 1 tCtCu . Primeiro, subtraia 1 1 da função de utilidade (o que não altera seu comportamento); a seguir aplique a Regra de L’Hopital. 2. Ainda com relação à função de utilidade 1 )( ))(( 1tC tCU . (a) qual é a taxa marginal de substituição entre os consumos em 2 períodos (C(1) e C(2), por exemplo), sabendo-se que )2( )1( 2 1 12 P P UM UM TMS é a condição para otimização; (b) qual é a elasticidade de substituição ( 12 ) entre C1 e C2 sabendo-se que ] )2( )1( ln[ ] )2( )1( ln[ ] )2( )1( [ ] )2( )1( [ ] )2( )1( [ ] )2( )1( [ 12 P P C C C C P P P P C C 3. Tome a equação de Euler dada em (74’), ou seja, 98 )()( )( )( trgtr g tC tC Considerando as relações possíveis entre r e , mostre sob quais condições os consumidores prefeririam (a) manter o mesmo nível de consumo todos os períodos, (b) aceitariam adiar parte do consumo. Qual é o papel de nessa decisão? Mostre que mede o efeito do consumo sobre a sua utilidade marginal. 4. Considerando uma função de produção Cobb Douglas 1)]()([)()( tLtAtKtY , (a) expresse a propensão a poupar s num estado estacionário qualquer em termos de k(t) e dos parâmetros do modelo, (b) qual a propensão a poupar necessária para se ter o estado estacionário em que se maximiza o consumo por trabalhador efetivo, ou seja, para a Golden Rule como no modelo de Solow; (c) mostre que a propensão a poupar necessária para se ter o estado estacionário em que se maximiza o valor presente da utilidade intertemporal, como no modelo de Ramsey, é g gn ts )( )( considerando 0 (d) compare as magnitudes das duas propensões a poupar em (b) e (c) tendo em conta a condição de transversalidade. (e) avalie as propensões a poupar em (b) e (c) para 01,0;02,0;5,0;1;05,0 gn . 5. Um país tem um estoque de capital de K (0) = R$16 trilhões e uma força de trabalho de L(0) =100 milhões de pessoas atualmente (momento 0). Então, considerando uma função do tipo Cobb Douglas, 1)()()()( tLtAtKtY , com 5,0 : a. Qual o valor de A (0) (capacitação do trabalho) se o PIB total for de R$2,4 trilhões? Qual a produtividade por trabalhador? b. Quais os valores de k e y para t=0? Qual a taxa de juros dessa economia? 99 c. Se 0;,02,0;012,0;25,0 gns , para quais valores de k* e y* essa economia deve convergir, no equilíbrio estacionário? Qual a taxa de juros r* nessa situação? d. Se houvesse maximização do consumo por trabalhador efetivo, qual seriam s**, k** e y** ? E a taxa de juros r**? Quantos períodos se passarão para que metade da distância entre k* e k** seja percorrida? e. Suponha que a função de utilidade de cada uma das H famílias desse país, com vida infinitamente longa, seja ))(ln())(( tCtCU . Valendo-se de sua riqueza inicial K(0) e da renda do trabalho remunerado pela produtividade marginal deste fator, quais os níveis yk, para os quais economia convergiria se cada família maximizar o valor presente de sua utilidade intertemporal. A taxa de desconto da utilidade intertemporal é 07,0 . Qual a taxa de poupança s e a taxa de juros r nessas condições?
Compartilhar