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Correntes marinhas profundas estão enfraquecendo

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Correntes marinhas profundas
esta˜o enfraquecendo
Descoberta pode dar pistas sobre o clima que a Terra podera´
enfrentar
Nosso planeta ja´ passou por di-
versos per´ıodos glaciais, mais ou
menos intensos, que sobretudo re-
velaram a fragilidade e sincronia
do clima terrestre devido a` al-
terac¸o˜es ocorridas nos oceanos.
Mas, afinal, o que move os
oceanos? Basicamente, pode-se
dividir a circulac¸a˜o ocaˆnica em
duas sec¸o˜es distintas: uma super-
ficial, que vai da interface oceano-
atmosfera ate´ cerca de 1000 me-
tros de profundidade e e´ gerada
pelos ventos, e uma profunda, ori-
ginada pelo afundamento de a´guas
ge´lidas nas regio˜es polares.
Entretanto, existem algumas
poucas a´reas onde essas a´guas
afundam, e dois desses pontos
esta˜o localizados no Atlaˆntico
Norte; um na regia˜o do Mar do
Labrador, no Canada´, e outro no
Mar da Noruega. Sa˜o nesses lo-
cais onde se forma o principal
ramo da circulac¸a˜o oceaˆnica pro-
funda, a chamada Ce´lula de Re-
volvimento Meridional do Atlaˆntico
(AMOC) (ver Figura abaixo).
Estudos realizados na Univer-
sity College London (UCL) e no
Potsdam Institute for Climate Im-
pact Research (PIK), conduzidos
independentemente, convergem a`
um mesmo resultado: a AMOC
esta´ enfraquecendo.
Publicados na edic¸a˜o de abril
da revista Nature, ambos apon-
tam que a AMOC se encontra
15% a 20% menos intensa com
relac¸a˜o ao per´ıodo base empre-
gado em cada estudo. Para os
cientistas, a descoberta e´ uma
grande resposta da hidrosfera ter-
restre frente a`s mudanc¸as clima´-
ticas que sucedem ha´ de´cadas.
Segundo a Dra. Delia Oppo,
cientista seˆnior do Woods Hole
Oceanographic Institute e co-
autora no trabalho conduzido pela
UCL, “nosso estudo proveˆ a pri-
meira ana´lise compreensiva base-
ada em registros sedimentares ma-
rinhos que demonstra a relac¸a˜o
entre o in´ıcio do enfraquecimento
da AMOC e o fim da Pequena
Era do Gelo, que aconteceu por
volta de 1850”. Em contrapar-
tida, Levke Caesar e Stefan Rahms-
torf, ambos pesquisadores do PIK,
dizem que tal enfraquecimento
teve in´ıcio por volta de 1950 e
pode ser visto como uma resposta
a`s emisso˜es de dio´xido de carbono
na atmosfera.
Transporte de calor
A raza˜o que preocupa os pes-
quisadores se deve justamente ao
modo que a AMOC e´ formada.
Para que a a´gua afunde, primeira-
mente e´ necessa´rio que ela venha
de algum lugar. Quem faz esse
papel e´ uma corrente superficial,
originada no Golfo do Me´xico, e
que carrega a´gua quente da regia˜o
equatorial ate´ a`s altas latitudes,
aquecendo a costa leste dos Esta-
dos Unidos e do Canada´.
Esta corrente ca´lida, chamada
Corrente do Golfo, vai esfriando
1
e ficando salina conforme se des-
loca para o norte, o que a deixa
mais densa. De modo semelhante
ao se misturar o´leo e a´gua, onde
o segundo e´ mais denso que o pri-
meiro e por essa raza˜o permanece
na camada mais inferior, uma parte
dessa corrente comec¸a, lentamente,
a se dirigir a`s profundidades
oceaˆnicas ate´ atingir um estado
de equil´ıbrio.
Acontece que, ale´m de levar
calor ao longo de quase toda costa
leste norte-americana, uma boa
parte da Corrente do Golfo migra
para o oceano aberto em torno
de 40oN, em direc¸a˜o a` costa oeste
europeia. Ha´ pesquisas que defen-
dem, inclusive, ser essa a raza˜o
pela qual os invernos em Dublin
sejam entre 15oC a 20oC mais
amenos comparativamente aos in-
vernos na Terra Nova, mesmo am-
bos estando aproximadamente na
mesma latitude.
Vincent Saba, co-autor no tra-
balho realizado pelo PIK, comen-
tou sobre as mudanc¸as que tal
enfraquecimento pode gerar ”...
ha´ aquecimento ao longo da costa
nordeste dos EUA e na regia˜o
da Corrente do Golfo ao mesmo
tempo que o giro subpolar do
Atlaˆntico Norte esfria”.
O que o passado nos diz?
Uma breve pesquisa online so-
bre glaciac¸o˜es nos fornece uma
mir´ıade de termos associados a`
per´ıodos que a Terra enfrentou
ao longo de sua histo´ria.
De uma maneira muito ampla,
pode-se dividir o clima da Terra
entre per´ıodos glaciais – aqueles
que apresentam grandes geleiras,
temperaturas mais baixas e ar
mais seco – e interglaciais, como o
que estamos vivendo atualmente.
Um desses per´ıodos, representado
pela animac¸a˜o Estadunidense ”A
Era do Gelo”, e´ cientificamente
conhecido como U´ltimo Per´ıodo
Glacial (UPG) e ocorreu entre
120 mil e 11 mil e quinhentos anos
atra´s.
Entretanto, assim como ob-
servado em outros per´ıodos gla-
ciais e interglaciais, o UPG na˜o
foi uma e´poca esta´vel em termos
clima´ticos; na realidade, apresen-
tou oscilc¸o˜es onde o clima ora
se apresentava mais quente e ora
mais frio. Tais eventos recebem
nomes especiais: Eventos de
Dansgaard-Oeschger1 (D-O) –
quando a temperatura se encon-
trava mais elevada – e Eventos de
Heinrich1 (H) – quando a tempe-
ratura se encontrava mais ge´lida
–.
Mas, afinal, o que causou es-
ses eventos? Pois bem, apesar
do tema ainda estar em debate
na comunidade cient´ıfica, pesqui-
sadores apontam que eventos de
D-O e H sa˜o respostas da varia-
bilidade da AMOC, isto e´, se ela
esta´ mais (H) ou menos intensa
(D-O).
Todavia, como apontado por
estudos feitos em amostras de gelo
na Anta´rtica, apesar da formac¸a˜o
da AMOC se dar em grande parte
no Hemisfe´rio Norte, a tempera-
tura no Hemisfe´rio Sul tambe´m
sofreu alterac¸o˜es durante os even-
tos de D-O e H, revelando a co-
nexa˜o inter-hemisfe´rica existente
na Terra.
Por u´ltimo, vale salientar que
essas observac¸o˜es na˜o sa˜o restri-
tas a` apenas o U´ltimo Per´ıodo
Glacial. Na realidade, eventos
que sucederam apo´s o te´rmino
deste, como por exemplo o Aque-
cimento de Bølling-Allerød2, o
Dryas Recente (Younger Dryas)3
e a Pequena Iadade do Gelo4, apre-
sentam cena´rios semelhantes.
Esforc¸os conjuntos
Parcerias acadeˆmicas interna-
cionais teˆm sido realizadas ao longo
dos anos a fim de elevar o n´ıvel de
conhecimento acerca do asunto.
Um desses programas e´ o SAMOC5
(South Atlantic Overturning Me-
ridional Circulation), o qual tem
como objetivo avaliar o papel do
Atlaˆntico Sul na circulac¸a˜o oceaˆnica
profunda e, consequentemente, no
clima terrestre. Essa iniciativa
conta com a participac¸a˜o de cen-
tros de pesquisa de nove pa´ıses,
incluindo o Brasil, onde pesquisa-
dores Edmo Campos e Olga Sato,
ambos do Instituto Oceanogra´fico
da Universidade de Sa˜o Paulo,
contribuem ativamente ao projeto.
Com essa e outras parcerias exis-
tentes, novas descobertas podem
fornecer pistas do que o clima fu-
turo nos reserva.
Ilustrac¸a˜o da AMOC realizada por Na-
talie Renier, do Woods Hole Oceano-
graphic Institution, onde o ramo ver-
melho representa a ca´lida e superficial
Corrente do Golfo (Gulf Stream) e o
ramo azul a corrente profunda, formada
no Mar do Labrador (Canada´) e no Mar
da Noruega.
Leitura complementar
1. https://www.ncdc.noaa.gov/abrupt-
climate-change/Heinrich%20and%20
Dansgaard%E2%80%93Oeschger%20
Events
2. http://home.sandiego.edu/
sgray/MARS350/
deglaciation.pd
3. https://www.ncdc.noaa.gov/
abrupt-climate-change/
The%20Younger%20Dryas
4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/
articles/PMC34299/
5. http://www.aoml.noaa.gov/phod/
SAMOC international/
samoc background1.php
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