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Microbiologia 3ª Fase – Fernando Netto Zanette – Med. UFSC 13.2 Microbiologia Homem e Microrganismos O corpo humano abrigada vasta população de microrganismos - essencialmente bactérias – em sua pele e membranas mucosas que revestem a cavidade oral; em suas vísceras; e nos sistemas excretor e reprodutor. Na maioria das vezes, tais microrganismos mostram-se benéficos para nós, sendo, em inúmeras ocasiões, necessários para a manutenção da saúde. Todavia, outros microrganismos – denominados patógenos – colonizam, invadem e causam danos ao corpo por meio de mecanismos diretos e indiretos. Tal processo se caracteriza como o das doenças infecciosas. Os patógenos apresentam incontáveis estratégias para ter acesso aos nutrientes presentes em um hospedei- ro, as quais incluem a produção de estruturas especializadas de ligação, fatores de crescimento singulares, enzimas associadas à invasão e potentes toxinas biológicas. Interação entre homem e microrganismos Nas atividades diárias normais, o corpo humano se encontra exposto constantemente a inúmeros microrganis- mos existentes no ambiente. Juntamente a isso, centenas de espécies e incontáveis células microbianas individuais – coletivamente referidas como a microbiota normal ou flora normal – crescem sobre ou no interior de nosso corpo. A maioria – mas não todos – mostra-se benéfica, ao passo que poucos contribuem diretamente com a nossa saúde e um número ainda menor salienta-se como uma ameaça. Colonização por microrganismos No interior útero materno, o ser humano se encontra em uma região relativamente estéril e livre de microrganismos. Após o seu nascimento, a colonização – crescimento de um microrganismo após o acesso aos tecidos do hospedeiro, com a permanência contínua desses microrganismos por longo período de tempo sem apresentar invasão tissular – inicia-se assim que passamos pelo canal do parto e à medida que ficamos expostos ao meio. A cavidade oral e o trato gastrintestinal adquirem microrganismos por meio da alimentação e da exposição ao corpo materno que, juntamente a outras fontes ambientais, iniciam a colonização da pele, cavidade oral e trato respiratório superior. Diferentes populações de microrganismos colonizam diferentes regiões do indivíduo em momentos distintos. Em países em desenvolvimento, p. ex., a Escherichia coli – habitante normal do intestino humano – coloniza o intestino de crianças no decorrer de um período de vários dias após o nascimento; em países Ilustração de alguns exemplos de microbiota normal do ser humano e seus principais locais de colonização desenvolvidos, todavia, tal bactéria demora meses para promover sua colonização, sendo o Staphylococcus aureus – uma bactéria Gram-positiva - e outros microrganismos associados à pele os primeiros a povoarem o intestino dessas crianças. Pode afirmar, logo, que a microbiota normal se mostra altamente dependente das condições às quais o indivíduo se expõe, bem como relativamente variável de uma pessoa para a outra. Além disso, outros fatores, como sexo, idade e genes, também desempenham papel na instalação da microbiota normal. Outro conceito importante que se deve ter em mente é o da contaminação. Esta se enquadra como a presença passageira de microrganismos – patogênicos ou não – na pele, em outras superfícies corpóreas ou em objetos inanimados, sem que, no caso do corpo humano, haja qualquer ferida ou invasão dos tecidos. Patógenos Um hospedeiro se qualifica como um organismo que abriga um parasita, outro organismo que vive na superfície ou no interior do hospedeiro, causando danos. Os parasitas microbianos recebem a denominação de patógenos. O resultado de uma relação hospedeiro-parasita depende da um fator conhecido patogenicidade - a capacidade de um parasita provocar danos ao hospedeiro. A patogenicidade difere consideravelmente dentre os potenciais patógenos, bem como a resistência ou suscetibilidade do hospedeiro em relação ao patógeno. Um patógeno oportunista, por exemplo, causa doença somente quando o hospedeiro se encontra imunologicamen- te debilitado ou quando perde sua resistência natural ao patógeno. A patogenicidade varia significativamente entre patógenos individuais. A medida quantitativa da patogeni- cidade recebe o nome de virulência. Esta pode se expressar quantitativamente como o número de células capaz de manifestar uma doença em um hospedeiro em um determinado período de tempo. Deve-se ressaltar o fato de que tanto a virulência do patógeno quanto a resistência relativa do hospedeiro se qualificam como fatores variáveis. Dessa forma, a interação hospedeiro-parasita se enquadra como uma relação dinâmica, influenciada pelas alterações nas condições do patógeno, do hospedeiro e do meio ambiente. Infecção e doença A palavra infecção se refere a qualquer situação em que um microrganismo se estabelece e cresce no interior do hospedeiro, prejudicando este ou não. O termo doença, por outro lado, significa o dano ou a lesão causado ao hospedeiro, afetando negativamente suas funções. Fica claro que, como elucidado, infeção não se enquadra como um sinônimo de doença, uma vez que o crescimento de um microrganismo no hospedeiro nem sempre promove danos a este. Vale dar uma pincelada no fato de que espécies da microbiota normal infectam o hospedeiro, apesar de raramente causarem doenças. Algumas vezes a microbiota normal, todavia, pode causar doenças caso o sistema imune do hospedeiro se encontre comprometido, como acontece em afecções como os cânceres e a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Interações hospedeiro-parasita O homem fornece ambientes favoráveis para vários microrganismos pelo fato de ser ricos em nutrientes orgânicos e fatores de crescimento requeridos por quimiorganotróficos – organismos que utilizam compostos orgânicos como fonte de energia -, fornecendo condições de pH, pressão osmótica e temperatura controladas. Contudo, cada região ou órgão do hospedeiro difere química e fisicamente dos outros, tornando-se assim um ambiente seletivo, onde a proliferação e crescimento de determinado microrganismo se mostra favorecido. O ambiente relativamente seco da pele, p. ex., favorece o crescimento de microrganismos resistentes à desidratação – como Staphylococcus aureus; o ambiente altamente oxigenado dos pulmões, o crescimento do organismo aeróbio obrigatório Mycobacterium tuberculosis; o ambiente anóxico do intestino grosso, o crescimento de bactérias anaeróbias obrigatórias – como Clostridium e Bacteroides. Processo de infecção As infecções usualmente se iniciam em regiões localizadas nas membranas mucosas do hospedeiro, as quais se encontram revestindo os tratos urogenital, respiratório e gastrintestinal. As mucosas possuem uma variável camada de muco de acordo com sua localização, o que serve como uma barreira protetora contra microrganismos que se associam fracamente ao nosso corpo e que são, por meio de processos físicos, eliminados. Alguns microrganismos podem, no entanto, aderir-se fortemente à superfície epitelial devido ao reconhe- cimento intercelular específico e, a partir desse momento, pode se processar a infecção do tecido, quando se rompe a barreira mucosa e se permite a invasão dos tecidos submucosos pelo microrganismo. Normalmente, os microrganismos se encontram nas superfícies corporais externas ao ambiente, não se localizando habitualmente sobre ou no interior de órgãos, ou nos sistemas sanguíneo, linfático ou nervoso. O crescimento de microrganismos nesses ambientes salienta-se como um indício de doença infecciosa grave. Microbiota normal Podemos dividir, no âmbito de microbiota normal ao homem, dois tipos principais: Microbiota residente A microbiota residente – tambémdenominada indígena, normal ou autóctone – encontra-se com regulari- dade em determinadas regiões do corpo, recompondo-se com facilidade caso perturbada. Esses microrganismos estabelecem uma residência relativamente permanente (colonizam o hospedeiro), e não produzem doença em condições normais. O ato de higienizar as mãos – desinfecção - remove apenas parte dessa microbiota, bem como alguns microrganismos transitórios. A microbiota residente apresenta papel importante na manutenção da integridade do hospedeiro, quando em equilíbrio em um sítio específico, já que: Oferece barreiras contra coloni- zação de patógenos; Produzem substâncias úteis ao hospedeiro – produtos do metabolismo bacteriano auxiliam no processo digestivo, por exemplo; Degradam produtos tóxicos; Participam da modulação do sis- tema imune dos hospedeiros; As bactérias da pele produzem ácidos graxos que dificultam a invasão por outras espécies; As bactérias intestinais liberam uma série de fatores com atividade antibacteriana e os outros pro- dutos do metabolismo - junto à ausência do O2 - impedem o estabelecimento de outras espécies. Juntamente a isso, essas bactérias produzem vitaminas B e K em quantidades suficientes para compensar uma dieta deficiente nesses componentes; Os lactobacilos vaginais mantêm o pH ácido no meio, o que suprime o crescimento de outros mi- crorganismos patogênicos. Isso acarreta ao bebê, em parto normal, a aquisição de uma microbiota residente que será benéfica a ele; Esquematização do papel da microbiota residente na prevenção da colonização e infecção por patógenos, bem como na modulação do sistema imune. Legenda: setas escuras – estímu- lo/indução; linha em forma de T – inibição; Microbiota transitória Na microbiota transitória, encontramos os microrganismos não patogênicos ou potencialmente patogêni- cos que permanecem na pele ou mucosas por horas, dias ou semanas, provenientes do meio externo, não provocando doença (normalmente) e não se estabelecendo em definitivo na superfície. Esses microrganismos colonizam temporariamente o hospedeiro, sendo facilmente eliminados por mecanismos naturais de defesa ou por ações de higiene e limpeza como a antissepsia. Caso a microbiota residente esteja intacta, a microbiota transitória não causa danos e é facilmente elimina- da. Todavia, caso os microrganismos residentes se encontrarem em desequilíbrio, a microbiota transitória pode provocar doenças. Juntamente a isso, microrganismos de determinada região podem se tornar patógenos quando encontrados em outro local não habitual, como é o caso da Escherichia coli, bactéria intestinal pertencente à microbiota permanente responsável pelo maior número de infecções hospitalares. Interações danosas dos microrganismos com o homem Em diversas situações, as interações microbianas podem se mostrar prejudiciais ao hospedeiro, acarretan- do as doenças. Daremos enfoque, aqui, aos chamados mecanismos da patogênese – a capacidade dos microrganismos de causarem doenças. A patogênese microbiana se inicia pela exposição e adesão dos microrganismos às células hospedeiras, seguida de invasão, colonização e crescimento. Os patógenos possuem diferentes estratégias para estabelecer a virulência – capacidade relativa de um patógeno de provocar doença. Entrada do patógeno no hospedeiro Usualmente, um patógeno – antes que possa acarretar danos - necessita ter acesso aos tecidos do hospedei- ro e realizar uma multiplicação. Na maioria dos casos, tal processo requer que os organismos penetrem na pele, nas membranas mucosas ou no epitélio intestinal, superfícies essas que normalmente atuam como barreiras microbianas. Adesão específica A maioria das infecções microbianas se inicia por meio de rupturas ou ferimentos da pele ou das mem- branas mucosas dos tratos respiratório, digestório ou geniturinário. Os microrganismos capazes de provocar uma infecção costumam se aderir especificamente às células epiteliais por meio de interações macromoleculares entre suas superfícies. Grande parte dos patógenos não se adere com a mesma eficiência a todas as células epiteliais, ligando-se seletivamente às células de uma região corpórea em particular. A espécie do hospedeiro também influencia a especificidade. Algumas macromoléculas responsáveis pela adesão bacterina não se encontram covalentemente ligadas às bactérias. Essas geralmente se demonstram como polissacarídeos, proteínas ou misturas proteínas-carboidratos sintetizadas e secretadas pelas bactérias. Uma rede frouxa de fibras poliméricas, estendendo-se para fora da célula, recebe a denominação de camada limosa. Um envoltório polimérico consistindo em uma camada densa e bem definida que circunda a célula ganha a nomenclatura de cápsula. Tais estruturas salientam-se importante para a aderência não somente aos tecidos hospedeiros, mas também a outras bactérias. Em diversos casos, Principais mecanismos de adesão bacteriana às células do hospedeiro essas estruturas podem até mesmo proteger as bactérias dos mecanismos de defesa do hospedeiro – como a fagocitose. As fímbrias e pili salientam-se como estruturas proteicas da superfície bacteriana que também podem atuar no processo de adesão. Dentre as fímbrias melhor caracterizadas estão as fímbrias tipo I de bactérias entéricas (Escherichia, Klebsiella, Salmonella, Shigella). Fímbrias tipo I se distribuem uniformemente sobre a superfície celular. Os pili, comumente, mostram-se mais longos que as fímbrias, havendo um menor número de pili presente na superfície celular. Tanto os pili como as fímbrias atuam pela ligação às glicoproteínas de superfície da célula hospedeira, iniciando o processo de adesão. Juntamente a isso, os flagelos também apresentam capacidade de aumentar a adesão às células hospedeiras. Uma quantidade esmagadora das linhagens de E. coli se mostra não patogênica, compondo a microbiota normal do ceco – primeira porção do intestino grosso – e do cólon. Geralmente, várias linhagens de E. coli encontram-se presentes no corpo humano simultaneamente e muitos desses organismos não patogênicos passam de forma rotineira pelo organismo, sendo eliminados nas fezes. Todavia, linhagens enterotoxigênicas da E. coli contêm genes que codificam CFA (colonization factor antigens, antígenos de fator de colonização) fimbrial, proteínas que se ligam especificamente às células do intestino delgado. Na região, as bactérias podem colonizar e produzir enterotoxinas, as quais provocam diarreia, bem como outras enfermidades. Colonização e crescimento No instante em que o patógeno tem acesso as tecidos, ele pode se multiplicar e colonizá-los. Uma vez que o inóculo inicial de um patógeno se mostra usualmente insuficiente para causar danos ao hospedeiro, no entanto, o microrganismo deve encontrar nutrientes e condições ambientais apropriados que permitam seu crescimento. Nem todas as vitaminas e fatores de crescimento se encontram presentes em quantidades suficientes em todos os tecidos a todo o momento. Nutrientes solúveis – como açúcares, aminoácidos e ácidos orgânicos – mostram-se limitados, o que favorece organismos capazes de utilizar nutrientes específicos do hospedeiro. A Brucella abortus, por exemplo, cresce lentamente na maioria dos tecidos de bovinos infectados, contudo prolifera rapidamente na placenta, devido às altas concentrações de um açúcar específico localizado em altas concentrações nesta. Outros fatores também influenciam o estabelecimento do patógeno. A concentração de ferro, por exemplo, atua significativamente sobre o crescimento microbiano. A administração de uma solução contendo ferro a um animal infectado aumenta de modo não desprezível a virulênciade alguns patógenos. Muitas bactérias produzem compostos quelantes de ferro denominados sideróforos, os quais auxiliam na obtenção de ferro a partir do meio. Os siderófos de alguns patógenos se mostram tão eficientes que removem o ferro de proteínas de ligação de ferro, como a transferrina. Invasão A maioria dos patógenos precisa penetrar no epitélio para dar início à patogenicidade, processo denominado invasão. No sítio de entrada - normalmente pequenas rupturas ou lesões na pele ou nas superfícies mucosas – o crescimento se estabelece. O crescimento também pode se dar início em superfícies mucosas intactas, especialmente se a microbiota normal sofrera modificação ou eliminação por, por exemplo, terapia antibiótica. Em tais circunstâncias, os patógenos podem colonizar mais facilmente o tecido e promover o processo de invasão. O crescimento dos patógenos, além disso, apresenta capacidade de se estabelecer em sítios distantes do local original de entrada. O acesso a regiões distantes – geralmente internas – processa-se por meio do sistema sanguíneo ou linfático. Virulência A virulência se qualifica como a capacidade relativa de um patógeno de acarretar doença. A virulência de um patógeno pode ser estimada por estudos experimentais da DL50, a dose de um agente capaz de matar 50% dos animais em um grupo teste. Mecanismos comuns de adesão e invasão bacteriana. Em A), o organismos se liga aos receptores celulares por meio de adesinas sendo, logo em seguida, engolfado para o interior da célula. Em B), usado por Salmonella spp., o organismo injeta efetores que promovem mudanças no citoesqueleto, permitindo a entrada do patógeno A virulência de um microrganismo gira em torno da capacidade deste promover dano ou lesão ao hospe- deiro que habita por meio de duas características: toxicidade e invasividade. A toxicidade consiste na capacidade de um organismo provocar uma doença por meio da uma toxina pré-formada que inibe a função da célula hospedeira ou mata as células hospedeiras. A invasividade, por sua vez, qualifica-se como a capacidade de um patógeno crescer intensamente no tecido do hospedeiro, de modo a inibir as atividades deste. Clostridium tetani e Streptococcus pneumoniae exemplificam os extremos de toxicidade e invasividade, respectivamente. A maioria dos patógenos se enquadra entre esses extremos, sendo a sua virulência resultante da combinação de toxicidade e invasividade. Fatores de virulência Os fatores de virulência se definem como estruturas, produtos ou estratégias que contribuem para que os microrganismos consigam se instalar e estabelecer a relação de parasitismo. A adesão por meio de adesinas, a invasão por invasinas, a permanência no organismo por evasinas e a eventual produção de toxinas que lesam as células, tecidos ou órgãos do hospedeiro compõem a maior parte dos fatores de virulência. Toxinas Dos produtos elaborados por bactérias e alguns fungos, as chamadas toxinas enquadram-se como os mais importantes e mais estudados. Podemos classificar, didaticamente, as toxinas em endotoxinas e exotoxinas. Exotoxinas As exotoxinas classificam-se como proteínas tóxicas liberadas pela célula do patógeno à medida que este cresce. Tais toxinas – com produção não somente por bactérias Gram positivas, em sua maioria, mas também por Gram negativas - deslocam-se facilmente de um sítio de infecção e acarretam danos em regiões afastadas. Podemos listar como características dessas toxinas de um modo geral: Não acarretam febre; Seus genes se encontram nos plasmídeos ou fagos; Apresentam alta instabilidade (temperaturas acima de 60ºC costumam destruí- las) e alto caráter antigênico, estimulando a formação de antitoxinas em altos títulos; Juntamente a isso, as exotoxinas se dividem em três categorias: as toxinas citolíticas, as toxinas AB e as toxinas superantígenos. As toxinas citolíticas destroem a integridade da membrana citoplasmática, promoven- do a lise celular. As toxinas AB consistem em duas subunidades, A e B. O componente B usualmente se liga a um receptor superficial da célula hospedeira, promovendo a transferência da subunidade A através da membrana da célula-alvo, que culmina em danos à célula. Os superantígenos, por fim, estimulam um grande número de células imunológicas, o que resulta em intensas reações inflamatórias e lesão tecidual. Entre os exemplos mais relevantes, podemos citar a toxina tetânica, a toxina botulínica e a toxina colérica – todas exotoxinas AB. Endotoxinas As endotoxinas, por sua vez, compõem-se pelo lipopolissacarídeo (LPS) presente exclusivamente na parede celular de bactérias Gram negativas. De forma diferente às exotoxinas, as endotoxinas encontram-se ligadas à célula, sendo liberadas em grandes quantidades apenas quando as células sofrem lise, além de possuírem uma dose letal maior que as exotoxinas. Em oposição a estas, as endotoxinas têm relativa estabilidade – suportam temperaturas maiores que 60ºC durante horas -, e também não são facilmente neutralizadas pelas antitoxinas. Esquematização das exoto- xinas e seu papel sobre o ataque celular O LPS causa um processo inflamatório sistêmico e severo caracterizado por ativação do complemento, degranulação mastocitária, ativação plaquetária, secreção de citocinas de fase aguda (IL- 1, IL-6 e TNF), o que pode culminar em uma coagulação intravascular disseminada (CIVD), característica do choque séptico. Promove a vasodilatação periférica com lesão endotelial. Dessa maneira, dentre as princi- pais manifestações fisiológicas desencadeadas por essas toxinas, podemos destacar febre - manifestação quase universal à exposição a endotoxinas, ocorre devido ao estímulo às células hospedeiras a liberarem proteínas denominadas pirogênios endógenos, que afetam o centro cerebral que controla a temperatura; diarreia; rápida diminuição leucocitária e plaquetária; inflamação generalizada; fraqueza; dores musculares. Dessa maneira, altas doses de endotoxinas podem causar a morte por choque hemorrágico e necrose dos tecidos. Entre os principais exemplos estudados, temos os efeitos decorrentes da febre tifoide, de infecções do trato urinário e da meningite meningocócica. Microbiota normal dos diferentes aparelhos corpóreos Pele A superfície da pele (epiderme) não se demonstra um local favorável ao crescimento abundante de microrganismos em vista de estar sujeita à desidratação periódica. Dessa maneira, a maioria dos microrganismos da pele se encontra – direta ou indiretamente – associada às glândulas sudoríparas, as quais se concentram nas axilas, regiões genitais, nos mamilos e no umbigo. A microbiota da pele se mostra colonizando, logo, preferencialmente tais regiões quentes e úmidas, ao passo que, nas superfícies lisas e secas, observa-se um crescimento pouco significativo. O odor axilar, tão característico em diversos indivíduos, por exemplo, resulta da atividade bacteriana nas secreções apócrinas das glândulas, levando ao mal cheiro. Os folículos pilosos, juntamente a isso, fornecem também um habitat atraente para microrganismos situados imediatamente abaixo da epiderme. A microbiota normal da pele consiste em populações não somente residentes, mas também transitórias de bactérias e fungos - principalmente leveduras. De um modo geral, predominam as bactérias Gram positivas – mais estáveis nessa região -, incluindo várias espécies de Streptococcus, Sthapylococcus (S. epidermidis e S. aureus), Corynebacterium e Propionobacterium (como o Propionibacterium acnes, que contribui para o estabelecimento da acne). As bactérias Gram negativas compõem constituintes ocasionais da microbiota dapele, embora raramente consigam crescer nessa região devido à Esquematização das endotoxinas e efeito desencadeador da febre incapacidade de competir com as bactérias Gram positivas. Vias aéreas superiores Fossas nasais: nessa região, predominam espécies bacterianas de Corynebacterium e Staphylo- coccus; Cavidade bucal: presença de Streptococcus viridans – nas primeiras quatro a doze horas de vida -, Neisseria bacilliformis e gonorrhoeae, Bacteroides fragilis, Veillonella parvula, Lactobacillus, Fusobacte- rium nucleatum e necrophorum, Actinomyces, Corynebacterium, entre outras espécies. Orofaringe e nasofaringe: nessas áreas, podemos encontrar espécies de Streptococcus spp. (S. viridans), Staphylococcus spp. (S. aureus), Corynebacterium, entre outras; A microbiota da cavidade oral se apresenta bastante diversificada e complexa, além de possuir elevada importância em decorrência do fato de que as afecções periodontais – e até endocardites subagudas – podem ser causadas por constituintes dessa microbiota, quando em desequilíbrio. Devido ao fato de saliva possuir enzimas antibacterianas e baixas concentrações nutricionais, ela não se mostra um meio propício para o crescimento microbiano, embora a presença de alimentos promovam altos níveis nutricionais nas superfícies próximas – como dentes e gengivas -, o que cria condições favoráveis ao intenso crescimento microbiano local, ao dano tecidual e à doença. Vias aéreas inferiores Embora o trato respiratório de adultos saudáveis não apresente uma microbiota residente, um grande número de microrganismos potencialmente patogênicos se mostram capazes de alcançar essa região durante a respiração. As células ciliadas e o muco se encarregam de agregar e expulsar bactérias e partículas em direção ao trato respiratório superior, as quais são expelidas pela saliva e pelas secreções nasais. Todavia, alguns patógenos conseguem atingir esses locais e acarretar doenças, principalmente pneumonias provocadas por determinadas bactérias ou vírus. Assim, de modo geral, o trato respiratório inferior – traqueia, pulmões, brônquios e bronquíolos - qualifica- se como regiões naturalmente estéreis, sem a presença, normalmente, de microrganismos colonizadores. Trato urogenital Nos sistemas reprodutor e urinário predominam, de forma geral, as bactérias Gram negativas. Vagina: no ambiente vaginal, encontramos uma população microbiana variada devido às caracte- rísticas alterações hormonais femininas. As recém-nascidas sofrem colonização por lactobacilos nas primeiras seis semanas de vida. Após esse período, a taxa de estrógeno decai, e se processa a colonização por estreptococos, estafilococos e enterobactérias. Logo no início da puberdade, a alteração nas taxas de estrógeno promovem novas mudanças, acidificando o até então ambiente alcalino vaginal e permitindo a colonização predominante de Lactobacillus acidophilus. O pH também se Microbiota normal dos tratos urogenital feminino e masculino Microrganismos causadores de infecções no trato respiratório inferior. salienta como responsável pela população microbiana vaginal. Os Lactobacillus acidophilus promovem a fermentação do glicogênio em ácido láctico, diminuindo o pH vaginal e dificultando o desenvolvimento de certas bactérias. Com o período compreendido após a menopausa, a produção de glicogênio cai, alcalinizando o meio vaginal, e este retorna às características de antes da puberdade. Uretra anterior: possui uma colonização variada, podendo se encontrar Lactobacillus, Strepto- coccus, Staphylococcus (S. epidermidis) e bactérias difteróides. Streptococcus fecalis, Candida e E. coli podem também estar presente de forma transitória e, caso se proliferem para as porções mais superiores do trato urinário, podem provocar infecções e doenças. Ureteres, bexiga e rins: de forma semelhante aos pulmões, essas porções do sistema urinário não apresentam microbiota residente, consistindo em sítios estéreis. Quando há colonização por microrganismos, geralmente se processam infecções e doenças. Conjuntiva A região da conjuntiva ocular se mostra, usualmente, estéril, com as lágrimas apresentando enzimas – como as lisozimas – bactericidas. Ela pode, no entanto, encontrar-se colonizada por difteróides, Staphylococcus epidermidis e estreptococos não hemolíticos. A microbiota da conjuntiva é controlada rigorosamente pela ação do fluxo das lágrimas. Ouvido externo Essa região apresenta uma população microbiana de conformação semelhante à da pele, com presença de Staphylococcus spp. (S. coagulase negativo, S. aureus), difteroides, Streptococcus spp. e Pseudomonas aeruginosa. Trato gastrintestinal Esôfago: encontramos aqui, normal- mente, uma microbiota pouco numerosa, na maior parte das vezes composta apenas por colonização transitória; Estômago: em decorrência do pH altamente ácido, poucas bactérias tolerantes sobrevivem nesse ambiente inóspito, como espécies de bactérias Gram positivas, Proteobactérias, Bacteroides, Actinobactérias e Fusobactérias. Juntamente a isso, a Helicobacter pylori – responsável por manifestações como gastrites e úlceras em hospedeiros susceptíveis – mostra-se o microrganismo mais comumente observado, colonizando a parede estomacal de quase todos os indivíduos; Intestino delgado: apresentam-se com relativa frequência nessa microbiota Staphylococcus spp., Streptococcus spp. e Lactobacillus spp., sendo encontrados, devido à crescente região anóxica, número ascendente de microrganismos anaeróbicos. Pode-se ainda, eventualmente, encontrar na porção proximal do duodeno cocos Gram positivos resistentes à acidez gástrica. Os ácidos biliares se mostram inibidores do crescimento de bactérias in vitro; Intestino grosso: sítio de maior concentração de microrganismos, com incremento considerável das bactérias anaeróbicas, que chegam a superar as outras espécies. A partir do cólon, bactérias anaeróbicas facultativas consomem qualquer oxigênio remanescente, tornando o intestino grosso estritamente anóxico, Microbiota normal do trato gastrintestinal condição que promove o crescimento de microrganismos anaeróbios obrigatórios, incluindo espécies de Clostidium e Bacteroides. Além disso, nessa microbiota normal, predominam as espécies de Eubacterium, Bifidobacterium e Bacteroides. A E. coli – anaeróbia facultativa - se encontra caracteristicamente nessa região em todos os seres humanos. Citologia Bacteriana As bactérias possuem várias formas e tamanhos. Elas podem variar desde menos de 0,1 um a até 1 mm, sendo somente visíveis à microscopia óptica. Quanto à forma, podemos classificar as bactérias, didaticamente, em cocos esféricos, em bacilos (forma de bastão) e em espiral. Tais formas podem, ainda, apresentar variações. Os cocos, por exemplo, possuem também conformação oval (cocoíde), alongada (cocobacilos) ou achatada em uma das extremidades. Variações entre os bacilos – com extremidades arredondadas, afiladas (fusobactérias) ou quadradas (retangulares) e em forma de meia lua – e entre as bactérias espirais – vírgulas (vibriões), afiladas, espiraladas (espirilos) ou com corpo flexível (espiroquetas) – também costumam ocorrer. Essas células apresentam a capacidade de se agrupar, dando origem a uma gama muito grande de arranjos. Os cocos demonstram a possibilidade de aparecerem isolados, aos pares (diplococos), em cadeia (estreptococos), em cachos (estafilococos) e em grupos de quatro células (tétrades) ou de oito células (sarcina). Os bastonetes, por sua vez, também podem se apresentar isolados ou agrupados, localizados em duplas (diplobacilos), formando uma cadeia(estreptobacilos), entre outros. A forma bacteriana se encontra intrisiciamente determinada por fatores genéticos e pela presença da parede celular. Estruturas bacterianas A célula bacterina possui várias estruturas, algumas delas se mostrando essenciais à sobrevivência – estando sempre presentes nas células -, ao passo que outras fazem parte somente de determinadas espécies ou grupos. Cápsula A cápsula qualifica-se como uma camada gelatinosa que envolve toda a bactéria – externamente à parede celular - e está fortemente associada à superfície celular. Essa camada Ilustração dos principais tipos de morfologias bacterianas Esquematização da morfologia bacteriana típica gelatinosa se compõe por polipeptídeos e/ou polissacarídeos, estando intrinsicamente relacionada com a resistência bacteriana ao sistema imunológico. Nem todas as bactérias possuem essa estrutura, dividindo-as em capsuladas e acapsuladas. A cápsula recebe papel importante na determinação da virulência de muitas espécies patogênicas, como das dos gêneros Streptococcus, Staphylococcys e Bacillus. Em uma mesma espécie patogênica, as espécies capsuladas mostram- se, normalmente, mais virulentas que as acapsuladas. Glicocálice O glicocálice – também denominada glicocálix – corresponde a açúcares ligados às proteínas (glicoprote- ínas) que formam filamentos presos à membrana plasmática, voltadas para o lado externo da célula. O glicocálice ajuda a proteger a superfície celular de lesões mecânicas e químicas. Nas bactérias, esse revestimento comumente se encontra presente – embora não em todas – e, quando ele é denso e bem constituído, recebe o nome de cápsula. Ele se relaciona com o poder patogênico, com a resistência bacteriana aos mecanismos de defesa do hospedeiro e ao meio ambiente, e com a aderência do microrganismo às células. Parede celular A parede celular se enquadra como uma estrutura comum a todas as bactérias, com exceção de uma espécie – Mycoplasma -, que se encontra circundada apenas pela membrana celular. A parede celular atua conferindo rigidez e mantendo a forma celular. Apresenta, além disso, função de suportar a pressão de turgor sofrida pela célula bacteriana devido às altas concentrações de solutos diluídos em seu interior, e se demonstra importante na divisão celular, dando origem ao septo que separa as duas células. A parede celular de procariotos é de difícil visualização à microscopia óptica, podendo, no entanto, ser observada à microscopia eletrônica. A estrutura, os compo- nentes e as funções da parede celular distinguem as bactérias em Gram positivas e Gram negativas e em álcool- ácido resistentes (BAAR), estas sendo representadas pelo gênero Mycobacterium. O constituinte básico da parede celular das bactérias Gram positivas e Gram negativas são os peptideoglicanos, também denominados de mureína ou mucopeptídeo, que são polímeros complexos. As bactérias Gram positivas apresentam uma espessa camada de peptideoglicanos (90% da parede), além de ácidos teicóicos e lipoteicóico, ao passo que as Gram negativas – mais complexas - possuem uma fina camada de peptideoglicanos (10% da parede), um espaço periplasmático e uma membrana externa, incluindo lipopolissacarídeos (LPS). Dentre os principais exemplos de bactérias Gram negativas, podemos citar a Representação esquemática das principais diferenças das paredes celulares de Gram positivas e Gram negativas Escherichia coli, Salmonella e Shigella, e inúmeras enterobactérias, como Pseudomonas, Helicobacter e Stenotrophomonas. Para as Gram positivas, temos as do filo Firmicutes, que incluem bacilos, estreptococos, estafilococos, e enterococos. As bactérias Gram positivas se coram de violeta, ao passo que as Gram negativas se coram de vermelho. Membrana plasmática A membrana celular bacteriana apresenta uma estrutura em bicamada lipídica semelhante às demais membranas celulares, sendo constituída por 70% proteínas e 30% fosfolipídeos. Ela difere da membrana de eucariotos, no entanto, pela ausência de esteroides, com exceção dos micoplasmas que incorporam colesterol quando crescem em meios que o contém. A membrana plasmática forma uma barreira, separando o meio interno do externo, e a ela se atribuem muitas das funções encontradas na membrana eucariótica. Entre suas principais funções, destacamos a permeabilidade seletiva e o transporte de solutos; o transporte de elétrons e fosforilação oxidativa em espécies aeróbias; excreção de exoenzimas hidrolíticas; localização das enzimas e moléculas transportadoras que atuam na biossíntese do DNA; e a localização dos receptores e outras proteínas do sistema quimiotático dos sistemas de transdução sensorial. Citoplasma O citoplasma apresenta duas áreas distintas quando visualizado à microscopia eletrônica: uma matriz amorfa que possui ribossomos, grânulos nutrientes, vacúolos gasosos, metabólitos e íons; e uma região mais interna contendo o nucleoide – região de algumas células procarióticas onde se concentra o material genético. Ribossomos: assim como os de eucariotos, os ribossomos se enquadram como o sítio de síntese proteica, diferindo apenas em tamanho (70S em procariotos, 80S em eucariotos) e em composição química; Grânulos: o citoplasma apresenta vários tipos diferentes de grânulos que funcionam como sítios de armazenamento para nutrientes e se coram caracteristicamente com determinados corantes; Vacúolo gasoso: encontrados em procariotos que vivem flutuando em lagos ou mares. Sua parede celular se compõe apenas de unidades repetidas de proteínas, formando uma estrutura rígida que permite apenas a entrada de gases; Mesossomo: enquadra-se como uma invaginação enovelada da membrana plasmática que atua como um apoio para ligar e, posteriormente, separar os cromossomos das células filhas durante a divisão celular. Nucleoide As bactérias não possuem membrana nuclear, ficando o material genético empacotado e compactado em uma região denominada nucleoide. Usualmente, encontramos nas bactérias um cromossomo circular contínuo, embora certas espécies – como Vibrio cholerae e Brucella melitensis – apresentem mais de um cromossomo por célula. A quantidade de cromossomos depende, basicamente, da velocidade de crescimento da bactéria – quanto maior a velocidade, maior a necessidade de uma quantidade grande de nucleoide. O DNA bacteriano se demonstra de cadeia dupla e, por ter somente uma cópia de cada gene, todas as bactérias se mostram geneticamente haploides. A replicação é semiconservativa, os genes se organizam em operons, não há presença de íntrons, além de possuírem baixa frequência de sequências repetidas. Plasmídeo Os plasmídeos se enquadram como pequenos fragmentos de DNA de fita dupla, de localização extracro- mossomal, com replicação independente do cromossomo, sendo a maioria circular e podendo haver um ou múltiplos na célula. Eles se mostram mais comuns em bactérias Gram negativas, e, embora não sejam essenciais à sobrevivência bacteriana, conferem-lhes vantagens seletivas. O principal mecanismo de transferência de plasmídeos de uma célula bacteriana à outra é a conjugação, e aqueles que comandam sua própria transferência recebem a denominação de plasmídeos conjugativos. Dentre os plasmídeos estudados, o que adquire maior destaque é o plasmídeo de resistência (Fator R), que concede resistência a drogas e a vários inibidores de crescimento. Os genes carregados pelo plasmídeo R codificam proteínas que inativam antibióticos ou interferem na sua captação pela célula. Muitos fatores de virulência têm seu centro de codificação nos genes plasmidiais. Endósporos Os endósporos qualificam-secomo estruturas exclusivas de alguns gêneros de bactérias Gram positivas, como Bacillus (aeróbio obrigatório), Clostridium (anaeróbico obrigatório), Thermoactino- myces, Sporolactobacillus, Sporosarcina, Sporotomaculum, Sporomusa e Sporohalobacter. Quando submetidas a situações desfavoráveis do meio ambiente ou à escassez de nutrientes (carbono, nitrogênio ou fósforo) ou água, essas bactérias possuem a capacidade de formar estruturas denominadas esporos ou endósporos (do grego, endos, dentro), por um processo denominado esporulação ou esporogênese. O esporo resulta da desidratação da célula bacteriana e da criação de uma parede grossa e resistente em todo o citoplasma desidratado. Dessa maneira, o esporo consegue suspender completamente sua atividade metabólica, sobrevivendo em situações adversas como calor intenso e depleção hídrica. Estruturalmen- te, os esporos se mostram altamente complexos, possuindo várias camadas. A mais externa recebe a denominação de exósporo, um envoltório fino e delgado composto por lipoproteínas; abaixo deste encontramos uma camada de queratina, a qual recebe o nome de capa. A terceira camada se chama córtex, constituído por peptideoglicanos frouxamente associados. E, por fim, na camada mais interna podemos localizar o protoplasma, o qual se qualifica como o citoplasma compactado e um núcleo, circundados por uma membrana. No processo de formação do esporo, o cromossomo se duplica e uma das cópias produzidas se isola do restante da célula e se envolve por uma membrana plasmática. Após isso, há formação de uma grossa parede em torno dessa membrana, constituindo o esporo dentro da célula. A outra porção do conteúdo celular sofre degradação e a parede se rompe, libertando o esporo. Em ambiente favorável, o esporo se reidrata, germina e reconstitui uma nova bactéria, que passa a se reproduzir por reprodução binária. Os esporos bacterianos se mostram muito relevantes para a medicina principalmente pela sua resistência ao calor e à esterilização química quando comparados às células normais. A maneira mais eficiente de se eliminar esses esporos consiste na esterilização pela técnica de autoclavagem em uma autoclave ou pela técnica de irradiação. Fímbrias As fímbrias – também chamadas de pili comuns – qualificam-se como estruturas similares aos flagelos, constituídas pela proteína pilina. Elas comumente apresentam adesinas em suas pontas e, devido a isso, predispõem da capacidade de fixação, estando relacionadas à adesão de certas bactérias simbióticas e patogênicas a superfícies, além de participaram da formação de películas ou biofilmes. Pili sexual Os pili sexuais enquadram-se como estruturas semelhantes às fimbrias, apresentando como distinção seu número – de um a quatro por células, ao passo que as fímbrias se encontram entre 100 a 200 por célula – e sua função – os pili sexuais se encontram envolvidos no processo de conjugação, fixando a bactéria doadora à receptora e, dessa maneira, participando da transferência de material genético e da reprodução bacteriana. Processo de formação do endósporo em condição ou meio desfavoráveis Imagem esquemática dos componentes do endósporo Flagelo Os flagelos se caracterizam como apêndices longos e finos, em forma de chicote, que movem as bactérias em direção a nutrientes e outros atrativos, ou as deslocam em direção contrária, no caso de algum fator hostil. Eles se formam por meio de estruturas proteicas – as chamadas flagelinas - em arranjo helicoidal. Os flagelos se demonstram em número variado nas diversas bactérias, sendo mais comuns em bastonetes e em bactérias curtas (Vibriões, E. coli, Samonella, Bacillus). O comprimento do flagelo se mostra, normalmente, maior que o da própria célula. Sua forma e tamanho se determinam pela flagelina, sendo que em sua base encontramos uma região mais alargada – chamada de gancho -, conectando o filamento à região do motor flagelar. A estrutura do flagelo se apresenta semirrígida, quase não sofrendo flexão, e se deslocando rapidamente em um movimento flagelar rotatório, semelhante a uma hélice. Metabolismo bacteriano Os microrganismos têm a capacidade de realizar reações químicas e de organizar as moléculas em estrutu- ras específicas, para que se processe a replicação celular. O metabolismo bacteriano reúne todas as reações bioquímicas que esses microrganismos podem realizar para a manutenção das atividades vitais da célula. Tais reações se classificam como catabólicas – quando há liberação energética – ou anabólicas – com o consumo de energia. As reações anabólicas envolvem a síntese de compostos orgânicos estruturais – como as proteínas – e funcionais – a exemplo de enzimas e hormônios. Essas reações desempenham vital função para o crescimento, a construção e o reparo de estruturas celulares. As reações catabólicas, por sua vez, envolvem a degradação de compostos orgânicos em moléculas mais simples, concedendo à célula energia para realizar processos vitais, tais como motilidade, transporte e síntese de moléculas complexas. Obtenção energética Quanto às formas de obtenção de energia, podemos dividir as bactérias em autotróficas (produzem seu próprio alimento) e heterotróficas (não produzem o próprio alimento). Autotróficas Apresentam a capacidade de utilizar o CO2 como principal fonte de carbono, e obter energia pela síntese de ATP pela oxidação de compostos inorgânicos (sendo denominadas, nesse caso, quimiossintetizantes ou quimioautotróficas) ou captação de energia luminosa (conhecidas como fotossintetizantes ou fotoautotróficas). Nas fotossintetizantes, a captação da energia solar fica a cargo de uma clorofila especial denominada bacterioclorofila. Heterotróficas As bactérias heterotróficas realizam a síntese de ATP a partir da energia liberada pela oxidação de com- postos orgânicos, transformando-os em moléculas mais simples e utilizando-as como fonte de carbono. No grupo das heterotróficas, encontramos três tipos básicos de bactérias: as parasitas, as decompositoras e as simbiontes. As bactérias parasitas se enquadram como aquelas que, por meio de inúmeros mecanismos, agridem outros seres vivos para a obtenção de alimento orgânico e, dessa maneira, acarretam inúmeras doenças. Morfologia flagelar As decompositoras – frequentemente denominadas saprófitas -, por sua vez, adquirem o alimento orgânico por meio da decomposição de matéria orgânica morta. Essas bactérias possuem importância vital na reciclagem dos nutrientes na biosfera. Por fim, as bactérias associadas a outros seres vivos, não os agredindo, recebem a denominação de simbiontes. Temos como exemplo as bactérias encontradas no estômago de ruminantes, que se nutrem da celulose ingerida por esses animais, fornecendo, em troca, aminoácidos essenciais ao metabolismo proteico deles. Utilização de oxigênio Agora, em relação ao critério de utilização de oxigênio, podemos dividir as bactérias didaticamente em aeróbicas (crescem na presença de O2) e anaeróbicas (multiplicam-se na ausência de O2). Aeróbicas estritas As bactérias aeróbicas estritas crescem exclusivamente em ambientes onde haja disponibilidade de oxigênio. Temos como exemplo para essa categoria as bactérias do gênero Pseudomonas. Microaerófilas As bactérias microaerófilas requerem uma quantidade reduzida de oxigênio para sobreviver, com altas concentrações desse composto sendo tóxicas a esse tipo, crescendo em ambientes com elevadas concentrações de CO2. Podemos citar as bactérias do gênero Campylobacter pertencente a essa categoria. Anaeróbicas facultativas As anaeróbicas facultativas utilizam oxigênio em seu metabolismo energético, embora possam também se multiplicarna ausência desse composto. As bactérias Escherichia coli e espécies de Staphylococcus – bons exemplos desse grupo - encontram-se no trato intestinal e urinário, sítios com baixa disponibilidade de oxigênio. Anaeróbicas aerotolerantes Esse grupo de bactérias suporta a presença de oxigênio sem, no entanto, utilizá-lo em seu metabolismo. A bactéria Lactobacillus acidophilus – encontrada no intestino humano, na boca e na vagina, protegendo-os de organismos patogênicos - salienta-se como o principal exemplo aqui. Anaeróbicas estritas As bactérias anaeróbicas estritas não conseguem crescer na presença de oxigênio, composto extremamen- te tóxico a elas. A maioria das espécies anaeróbicas estritas encontra-se no solo ou em microambientes em organismos animais que tenham se tornado anaeróbicos, como ferimentos profundos ou a junção das gengivas com os dentes. Os exemplos clássicos de organismos anaeróbicos estritos destacam-se como as bactérias Clostridium tetani, Clostridium botulinum – responsáveis, respectivamente, pelo tétano e pelo botulismo – e as bactérias associadas a doenças periodontais, como Porphyromonas gingivalis e Prevotella intermedia. A grande maioria das bactérias associadas aos intestinos animais se enquadra como anaeróbicas estritas. Fermentação Metabolismo no qual os compostos orgânicos servem como doadores e receptores de elétrons (hidrogênio). A fermentação conduz, geralmente, à cisão parcial de moléculas de glicose (glicólise). O conceito clássico estipula que a fermentação consiste na decomposição microbiana de carboidratos na ausência de oxigênio. Dentre os vários tipos de fermentação, podemos citas a homolática (produção de ácido lático) e a alcoólica (produção de álcool). Algumas bactérias fermentadoras têm importância econômica, como as espécies Streptococcus thermophi- lus e Lactobacillus bulgaricus, produtoras de iogurte. Todos os organismos fermentadores têm nichos restritos a ambientes anaeróbicos. Crescimento bacteriano O crescimento bacteriano se deve a um aumento no número de células em uma população. As bactérias, de modo geral, multiplicam-se por divisão binária, originando duas novas células idênticas à parental. Dessa maneira, diz-se que as bactérias possuem crescimento exponencial, ou seja, para qualquer quantidade de células crescendo exponencialmente, quanto maior a quantidade existente dessas células, mais rápida crescerá a população bacteriana. Logo, o crescimento exponencial se apresenta inicialmente com uma taxa lenta de divisão celular, acelerando posteriormente e havendo um número gigantesco de células nos estágios finais. O ciclo de crescimento de uma população bacteriana pode ser dividido didaticamente em quatro fases: fase de latência, fase exponencial, fase estacionária e fase de declínio. Fase de latência A fase de latência – também denominada fase lag – engloba o período em que a população microbiana se inocula em um meio de cultura, adaptando-se a ele, promovendo a colonização e não ocorrendo crescimento significativo. Essa fase se caracteriza pela produção de enzimas necessárias para o crescimento – que ocorre na próxima fase - e por um intervalo de tempo de crescimento inexpressivo ou inexistente, podendo variar de curto a longo. Essa discrepância de tempo depende do estado fisiológico da cultura usada e das condições de crescimento. A presença de uma porcentagem elevada de células não-viáveis e um meio contendo poucos nutrientes ou nutrientes de difícil metabolização, por exemplo, conduzem, normalmente, a fases de latência extensas. Outro exemplo é quando se inocula uma colônia de células danificadas, mesmo que estas já estejam em algum dos estágios mais avançados do crescimento. A demora aqui ocorre devido à necessidade de reparação celular. Fase expo- nencial A fase exponencial – conhecida como fase log – representa o momento em que se observa o crescimento exponencial, com grande crescimento bacteriano. Células que passam por essa fase geralmente se encontram em condições favoráveis. A taxa de crescimento exponencial se mostra variável, sofrendo influências do ambiente – como temperatura e composição do meio - e das características genéticas do próprio organismo. Usualmente, ao final da fase exponencial, as bactérias passam a expressar fenótipos novos, decorrentes do processo de comunicação denominado quorum sensing – sistema de comunicação intra e interespécies de microrganismos, baseado na emissão de estímulos e respostas dependentes da densidade populacional. Representação gráfica das quatro fases do crescimento bacteriano Fase estacionária A fase estacionária se caracteriza por uma limitação no crescimento populacional, decorrente de uma carência de nutrientes devido ao seu consumo excessivo, e/ou da presença de algum produto de excreção que atinge uma concentração inibitória e promove a interrupção do crescimento exponencial. Nessa fase não se observa aumento ou diminuição no número de células, uma vez que está se processando crescimento lento e morte celular concomitantemente e em proporções semelhantes, equilibrando a contagem celular. Fase de declínio Após atingir a fase estacionária, as células podem continuar vivas ou morrer por lise celular, entrando, neste caso, na fase de declínio ou de morte. Essa fase também pode ser exponencial ou acontecer em uma taxa inferior à de crescimento exponencial, o que é mais comum. A duração dessa fase se mostra variável de acordo tanto com as características genéticas da bactéria quanto das condições ambientais. Condições necessárias para o crescimento microbiano As bactérias estão presentes em todos os ambientes, tendo de crescer e sobreviver neles, necessitando, para tal feito, de uma ampla variedade de exigências nutricionais. Nem todos os nutrientes são exigidos nas mesmas quantidades pelas células. Os macronutrientes – carbono e nitrogênio, principalmente -, por exemplo, necessitam-se em grandes montantes, ao passo que os micronutrientes, em níveis menores. Os fatores de crescimento se enquadram como compostos orgânicos, como as vitaminas, os aminoácidos, as purinas e as pirimidinas, necessários em pequenas quantidades por alguns tipos celulares. Deve-se ressaltar o fato de que a água se enquadra como um fator que afeta decisivamente o crescimento microbiano. A sua disponibilidade depende do conteúdo aquoso do ambiente e da concentração de solutos, uma vez que a associação de solutos às moléculas de água as torna indisponível ao microrganismo. Além de condições nutricionais específicas, as condições físicas do ambiente também precisam estar adequadas para o crescimento de uma população bacteriana. Temos três principais fatores físicos, citados a seguir. Temperatura A maioria dos microrganismos cresce bem nas temperaturas ideais para os seres humanos (em torno de 37ºC). No entanto, certas bactérias se mostram capazes de proliferar a temperaturas extremas, onde a maioria dos organismos eucarióticos não sobreviveria. Dividimos as bactérias em relação à temperatura em: Psicrofílicas: funcionam perfeitamente em temperaturas baixas, como a Polaromas vacuolata a 4ºC; Mesofílicas: otimizadas a temperaturas medianas, como a Escherichia coli, em torno de 39ºC; Termofílicas: excelentes em altas temperaturas, como Bacillus stearothermophilus com seus 60ºC; Hipertermófilas: muito eficientes a temperaturas extremamente elevadas, como Pyrolobus fuma- rii e seus 106ºC; pH A maioria das bactérias cresce melhor dentro das variações pequenas de pH sempre perto da neutralidade, entre pH 6,5 e 7,5. Poucos grupos de bactérias se apresentam capazes de sobreviver em pH ácido como pH 4. Em relação ao pH, dividimosas bactérias em: Acidófilas obrigatórias: com ótimo funcionamento em pH ácido, como Thiobacillus e vários gêne- ros de Archaea; Neutrófilas: perfeitas no pH em torno de 7; Alcalofílicas: excelentes em ambientes de pH básico, como as bactérias aeróbias marinhas e mui- tos Bacillus; Pressão osmótica Os microrganismos retiram da água presente em seu meio a maioria dos seus nutrientes solúveis. A água presente no interior celular pode ser removida por elevações na pressão osmótica. Quando uma célula microbiana se encontra em uma solução contendo contração de sais superior àquela de seu interior se processará o fenômeno de osmose, promovendo a perda de água e levando à plasmólise ou diminuição da membrana plasmática da célula. Uma aplicação prática desse conhecimento gira em torno da adição de sais na preservação dos alimentos, pois a alta concentração de sal ou de açúcar remove a água do interior da célula microbiana, impedindo seu crescimento. Em relação à concentração do sal, temos: Halotolerantes: microrganismos que possuem uma taxa de crescimento constante até certa concen- tração de sal, a partir da qual o seu crescimento diminui, sendo completamente inibido para uma determinada concentração de sal. Ou seja, toleram altos níveis de sais. Halofílicos: microrganismos cujo crescimento se favorece pela presença de sal, existindo uma con- centração de sal em que a funcionalidade do organismo se mostra ótima, a partir da qual seu crescimento é afetado. Em outras palavras, requerem altos níveis de sais. Meios de cultura Quando criamos um meio de cultura – preparação líquida ou sólida usada para o crescimento, transporte e armazenamento de microrganismos – podemos nos deparar com dificuldades na produção do meio nutritivo adequado a determinada espécie e, consequentemente, no isolamento desta. De acordo com essa dificuldade, encontramos diferentes tipos de microrganismos face às necessidades nutricionais: Prototróficos: microrganismos que se apresentam nutricionalmente autossuficientes, sem neces- sidade de uma fonte exógena de fator de crescimento, e que podem existir num substrato de sais inorgânicos simples e com uma fonte de energia. Esses organismos conseguem, logo, sobreviver em um meio mínimo. Auxotróficos: microrganismos que não se desenvolvem em um meio mínimo, necessitando da adi- ção de fatores de crescimento – como aminoácidos ou vitaminas – para sobreviver; Fastidiosos: microrganismos que necessitam de meios de cultura e condições atmosféricas especí- ficas para o seu isolamento. Mostram-se exigentes nutricionalmente e exigem um meio muito rico nutricional- mente; Reprodução bacteriana As bactérias se qualificam como organismos procariotos que se reproduzem pelo processo de bipartição ou divisão binária. Essa forma de reprodução assexuada se mostra muito menos complicada do que a reprodução sexuada que se processa em organismos eucariotos. A divisão binária permite que a molécula de DNA bacteriano se replique, formando uma cópia idêntica. A nova célula, então, separa-se da célula progenitora, dividindo os cromossomos e criando uma célula bacteriana totalmente nova e idêntica à original. Com exceção de raras mutações espontâneas, as células formadas por esse tipo de divisão se compõem geneticamente idênticas às suas células-mãe. Não devemos nos esquecer, contudo, da existência de outras formas de reprodução, como a esporulação, já citada anteriormente, e as formas de reprodução bacteriana sexuada. Nestas, processa-se a transferência de material genético de uma bactéria para a outra e, posteriormente, a combinação desse DNA externo com o da bactéria receptora, dando origem a organismos geneticamente distintos, o que permite o surgimento da bactérias resistentes a determinadas condições, como antibióticos. Nesse âmbito, podemos listar três maneiras diferentes de reprodução sexuada: conjugação, transformação e transdução. Conjugação A conjugação salienta-se como o processo de transferên- cia de material genético de uma bactéria doadora – a chamada “bactéria macho” – para a bactéria receptora – uma “bactéria fêmea” – por meio de estruturas denominadas pilli sexual, já faladas anteriormente. O fragmento de DNA transferido se recombina com o cromossomo da bactéria receptora, produzindo novas misturas genéticas, que serão transmitidas às células-filhas na próxima divisão celular. Transformação A transformação consiste na capacidade das bactérias em obter o DNA do ambiente. Normalmente, a transformação é realizada por bactérias vívas retirando DNA de células mortas bacterianas, seguida pela ligação das bactérias ao DNA antigo, transportando-o através da membrana celular. As células bacterianas, então, incorporam o novo DNA ao seu, criando uma célula bacteriana nova e alterada que transmite a mudança genética às suas células-filha pela bipartição. O processo de transformação ocorre espontaneamente na natureza. Os cientistas têm utilizado o mecanismo de transformação como uma técnica de engenharia genética para introduzir genes de diferentes espécies em células bacterianas. Transdução A transdução se enquadra como um dos tipos mais complicados de transferência de DNA. Esse tipo de recombinação bacteriana envolve a participação de bacteriófagos, que agem como vírus que infectam as células bacterianas. No momento em que um bacteriófago se junta à célula bacteriana, ele insere pedaços do seu DNA na bactéria e age como um parasita. O vírus, então, utiliza as enzimas da célula bacteriana para se replicar – por lise ou divisão dela. A chave que permite que a transdução altere o DNA bacteriano gira em torno do fato de que, durante a replicação dos bacteriófagos, o DNA de algumas células hospederias geralmente se incorpora a eles. Dessa maneira, quando o bacteriófago modificado infecta uma nova bactéria, esse DNA pode ser passado adiante e recombinado. Em outras palavras, ao infectar outra bactéria, o vírus que leva o DNA bacteriano o transfere à bactéria juntamente ao seu. Caso a bactéria infectada sobreviva, ela pode passar a incluir os genes de outra bactéria em seu genoma. Temos, ainda, uma categoria especial denominada recombinação genética artificial, que consiste na inserção de DNA em determinados microrganismos visando a tornar tais células, usualmente, benéficas ao ser humano, como no caso da administração de vacinas e remédios. Conjugação bacteriana evidenciando o pilli sexual Esquematização de transformação bacteriana a partir de material genético de outra bactéria Esquematização do processo de transdução bacteriano Controle do crescimento microbiano Limpeza Antes de se dar início a processos de desinfecção ou esterilização, deve-se remover – por meio da aplica- ção de água, sabão ou desincrustantes – toda a matéria orgânica residual do artigo a ser processado, procedimento conhecido como limpeza. A limpeza dos artigos pode ser manual ou com o auxílio de máquinas – de lavagem ou de ultrassom – que utilizam água e sabão, e produtos enzimáticos e/ou químicos. Os desincrustantes se enquadram como substâncias capazes de remover qualquer substância orgânica de artigos hospitalares. Eles são capazes de dissolver soluções como sangue e outros restos orgânicos, apesar da não possuírem qualquer ação desinfetante ou germicida. Desinfecção Define-se desinfecção como a destruição da maioria dos microrganismos presentes em um determinado ambiente, sem, no entanto, afetar as formas de resistência, como os esporos bacterianos. Os métodos de desinfecção visam a, essencialmente, destruir as formas microbianas patogênicas ao homem - embora também possam destruir formas não patogênicas – por meio da utilização deum agente desinfetante ou antimicrobiano. Os diversos tipos de agentes antimicrobianos podem ser divididos em três grupos: agentes químicos, físicos e quimioterápicos. O grau de eficiência de cada um deles depende da concentração ou intensidade, das condições do ambiente e do estado das células. A desinfecção pode, ainda, dividir-se em três níveis de acordo com sua intensidade ou eficiência. Baixo nível: destrói-se bactérias em forma vegetativa, alguns vírus e fungos. Os esporos bacteria- nos, o vírus da hepatite B (HBV), o bacilo da tuberculose e outros microrganismos mais resistentes, no entanto, sobrevivem a esse método. As soluções usadas nesse nível são os álcoois etílico, n-propílico e isopropílico, o hipoclorito de sódio e o quaternário de amônia. Indica-se a desinfecção de baixo nível no dia a dia das pessoas, como antes das refeições. Médio nível: elimina bactérias vegetativas, grande parte dos vírus, fungos e micobactérias. Os es- poros permanecem resistentes nesse nível. Enquadram-se como soluções usadas o álcool etílico (70%) e o álcool isopropílico (92%), o hipoclorito de sódio, os fenólicos e os iodóforos. A desinfecção de médio nível se indica para as Unidades Básicas de Saúde (UBS). Alto nível: destrói todos os microrganismos, com exceção da maioria dos esporos e alguns tipos de vírus. Nesse método, as principais soluções empregadas são hipoclorito de sódio, glutaraldeído, solução de peróxido de hidrogênio, cloro e compostos clorados, ácido peracético e água superoxidada. A desinfecção de alto nível se recomenda para certas áreas hospitalares. Esterilização A esterilização se qualifica como o processo de eliminação completa de todas as formas de vida de um material ou ambiente. Por meio da esterilização dos meios de cultura e do instrumental usado nos trabalhos, o isolamento e a manutenção de culturas puras de microrganismos se tornaram possíveis. A esterilização pode ser feita por diferentes processos que empregam, usualmente, dois tipos de métodos. Métodos físicos Calor úmido: o vapor quente sob pressão se mostra o método mais usado para a esterilização de materiais médico-hospitalares do tipo crítico. Evidencia-se não tóxico, de baixo custo e esporicida. O calor úmido destrói os microrganismos por coagulação e desnaturação irreversíveis de suas enzimas e proteínas estruturais. Enquadram-se nesse tipo de método as consagradas autoclaves. Calor seco: reserva-se esse método aos materiais sensíveis ao calor úmido. O calor seco apresenta vantagens no que diz respeito à penetração do calor e na não corrosão dos metais e instrumentos cortantes, destruindo os microrganismos por meio da oxidação dos componentes celulares e queima das proteínas estruturais. Esse método, todavia, exige um período maior de exposição dos materiais para alcançar seus objetivos, sendo seus principais representantes as estufas e o método de flambagem na chama. Métodos físico-químicos Radiação ionizante: realizado com materiais que não podem entrar em contato com altas tempera- turas – como luvas cirúrgicas, tecidos destinados a transplantes, drogas, entre outros. A radiação, embora insuficiente para induzir radioatividade nos materiais em questão, mostra-se capaz de lesionar o DNA de microrganismos e promover a morte destes. Podem ser utilizados raios gama ou ultravioleta, e apresenta como uma das vantagens a capacidade de se utilizado mesmo que o produto a ser esterilizado esteja em sua embalagem final. Pasteurização A pasteurização utiliza um aquecimento precisamente controlado para reduzir a carga microbiana – não eliminando todos os microrganismos e não se qualificando, logo, como sinônimo de esterilização – presente no leite e em outros líquidos sensíveis ao calor. Filtração A filtração se enquadra como um método que promove a descontaminação – e até mesmo a esterilização – sem exposição de substâncias – como gases e líquidos – sensíveis à temperatura ao calor desnaturante. Antissepsia A antissepsia se caracteriza como o conjunto de medidas propostas para inibir o crescimento de micror- ganismos ou removê-los do tecido, mediante o uso de substâncias antissépticas ou desinfetantes de baixa causticidade e hipoalergênica. A higienização das mãos se mostra um método de antissepsia bastante comum. Assepsia A assepsia compreende as medidas que visam a impedir a penetração de microrganismos em um ambien- te que naturalmente não os contêm. A esterilização de materiais cirúrgicos, por exemplo, compõe um método de assepsia. Resistência a fármacos antimicrobianos A resistência aos fármacos antimicrobianos consiste na capacidade – adquirida ou inata – de determina- do organismos de resistir aos efeitos de um agente quimioterápico. Na adquirida, o microrganismo naturalmente se mostra susceptível ao quimioterápico, tornando-se resistente por meio da transmissão de material genético ou mutação, ao passo que na inata ele já se apresenta naturalmente resistente ao medicamento em questão. Bases genéticas da resistência aos antibióticos A resistência se processa por meio de dois grandes mecanismos: mutação em um loci do cromossomo ou transferência horizontal de genes – em outras palavras, aquisição de genes de resistência anteriormente presentes em outros Representação dos diversos tipos de resistência bacteriana microrganismos. Podemos citar, como exemplo desses mecanismos, respectivamente, a resistência cromossomal – envolve modificações no alvo do antibiótico - e a resistência extracromossomal – os genes responsáveis pela resistência se encontram nos plasmídeos, e normalmente codificam enzimas que inativam os antibióticos ou reduzem a permeabilidade das células a ele. Deve-se ressaltar o fato que o uso indiscriminado de antibióticos, muito comum, não induz à mutação dos genes bacterianos à resistência, e sim seleciona as bactérias mais resistentes – diversas vezes mutantes – a sobreviver. Como esses microrganismos resistentes não são tão afetados pela ação antimicrobiana, eles passam a predominar naquela espécie, permitindo que a mutação favorável à bactéria se propague às gerações seguintes. A transferência horizontal de genes se mostra um processo de aquisição de material genético entre bactérias da mesma espécie ou de espécies distintas, e ele tende a ocorrer pelos mecanismos de transformação, transdução ou conjugação – já referidos na seção reprodução bacteriana – e ainda por transposição. Resistência inata A resistência inata ou natural se qualifica como uma característica intrínseca de determinado microrga- nismo que se processa sem uma exposição prévia ao antibiótico, conferindo-lhe proteção contra o fármaco. O conhecimento da resistência intrínseca das diferentes espécies auxilia na escolha de estratégias de tratamento empírico. Dentre as razões para tal resistência, podemos citar três mais conhecidas e possíveis: Ausência de um processo ou mecanismo metabólico influenciável pela ação do antibiótico; Existência de enzimas que apresentam a capacidade de inativar o antibiótico; Presença de particularidades inerentes à morfologia bacteriana – certos antibióticos atuam lisan- do a parede celular bacteriana; bactérias ausentes em parede celular, logo, são naturalmente resistentes a esses antibióticos; Resistência adqui- rida Existem quatro principais mecanis- mos de resistência adquirida aos antibióticos: a alteração da permeabilidade, a alteração do alvo do antibiótico, a bomba de efluxo e o mecanismo enzimático que altera a estrutura química do antibiótico. Alteração da permeabi- lidade A permeabilidade de membrana celular salienta-se como essencial para que o efeito desejado do antibiótico, independente deste ser bactericida– destruição bacteriana - ou bacteriostático – inibe o crescimento bacteriano. A composição da membrana interna – fosfolipídeos – e externa – lipídeos – das bactérias Gram negativas confere uma lenta penetração do fármaco, sendo que a passagem pela membrana externa se realiza por meio de porinas, as quais formam canais hidrofílicos. Os medicamentos, por sua vez, apresentam três mecanismos de penetração celular: pelas porinas, por difusão da bicamada fosfolipídica ou por self promoted uptake. A penetração na bactéria depende, basicamente, das características intrínsecas das moléculas de antibiótico. Dessa forma, compostos hidrofílicos, por exemplo, penetram pelo auxílio das porinas – como fármacos beta-lactâmicos – ou por self promoted uptake – como os aminoglicosídeos. Na resistência devido à alteração da permeabilidade, a modificação da permeabilidade do antibiótico pode se dever a alterações estruturais, de número, de seletividade ou de tamanho das porinas. Qualquer diminuição Antibióticos afetados pelos diversos tipos de resistência bacteriana na função ou quantidade de porinas levará à resistência das bactérias ao antibiótico, diminuindo o nível deste no interior da bactéria e, logo, seu efeito. Antibióticos mais afetados: beta-lactâmicos, aminoglicosídeos, fluoroquinolonas e te- traciclinas. Alteração do alvo A resistência pela alteração do local de ação se caracteriza pela diminuição ou ausência de afinidade do antibiótico ao local de ligação. Essa resistência se processa por meio de alteração da estrutura do peptideogli- cano – na resistência à beta-lactâmicos -, por interferência na síntese de proteínas ou na síntese de DNA. Neste caso, a modificação pode ocorrer em sítios específicos do ribossomo, impedindo a ligação correta do antibiótico a este ou não promovendo o efeito antimicrobiano esperado. Antibióticos mais afetados: aminoglicosídeos, beta-lactâmicos, tetraciclinas, eritromici- na, sulfonamidas e trimetoprim. Bomba de efluxo As bombas de efluxo se qualificam como proteínas específicas presentes nas membranas que promovem a saída ativa de conteúdo celular. Nesse tipo de resistência, processa-se o efluxo dos antibióticos do meio intracelular para o meio extracelular. Tal mecanismo afeta todas as classes de antibiótico, mas principalmente as tetraciclinas. Mecanismo enzimático O mecanismo enzimático de resistência devido à inativação do fármaco resulta da produção, pela bactéria, de enzimas que degradam ou inativam o antibiótico. As três principais estratégias dessa inatividade listam-se como hidrólise, transferência de grupos – enzimas transferases - e processo de redox. Merece destaque especial aqui, do ponto de vista da hidrólise, as enzimas beta- lactamases, que apresentam a capacidade de clivar o anel beta-lactâmico das penicilinas e cefalosporinas, inativando esses antibióticos. Antibióticos mais afetados: beta-lactâmicos, aminoglicosídeos, fosfomicina e tetraciclina. Representação do mecanismo de bomba de efluxo Representação do mecanismo de inativação enzimática Vírus Os vírus podem ser conceituados como parasitas intracelulares obrigatórios. Eles se classificam como organismos desprovidos de organelas e de metabolismo próprio, são acelulares e carregam consigo apenas um tipo de ácido nucleico. Consideram-se os vírus como organismos vivos especiais por apresentarem a capacidade de autoduplicação e a variabilidade genética. Em sua estrutura, além do ácido nucleico, podem ser encontradas proteínas e, eventualmente, fosfolipídios e polissacarídeos, o que também contribui para classifica- los como seres vivos. Estrutura viral básica A estrutura viral não se mostra tão complexa quanto à das células, sendo constituída basicamente por ácido nucleico e proteínas. Ácido nucleico O vírus contém, de modo geral, apenas um tipo de ácido nucleico – DNA ou RNA – com uma cópia de cada gene (haploide), com exceção do genoma dos retrovírus, os quais apresentam duas cópias de cada gene (diploide). Somente os citomegalovírus - da família Herpesviridae – e os mimivírus – vírus de DNA – possuem pequena quantidade de RNA, que logo se traduz nos ribossomos. Os genomas virais podem se apresen- tar em dupla fita, fita simples, sendo estas circulares ou lineares. Podem também possuir genoma único ou segmentado, no qual a informação genética se divide em diferentes segmentos do ácido nucleico. Capsídeo O capsídeo se enquadra como o envoltório proteico que contém o ácido nucleico. O capsídeo demonstra uma simetria característica – usualmente icosaédrica ou helicoidal -, decorrente do agrupamento de proteínas virais que compõem essa estrutura. O genoma de ácido nucleico juntamente à capa protetora recebe a denominação de núcleocap- sídeo. Capsômero O capsômero se define como as subunidades proteicas que, em conjunto, formam o capsídeo. Em diversas espécies virais as proteínas que dão origem ao capsômero são do mesmo tipo. Envelope viral O envelope viral se mostra uma estrutura que recobre o capsídeo, estando presente, todavia, somente em alguns tipos de vírus. O envelope viral se constitui por uma bicamada lipídica com proteínas e carboidratos. Os vírus que possuem o envelope recebem a denominação de envelopados, e esse envelope provém de parte da membrana plasmática da célula hospedeira anteriormente parasitada. Nessa classificação, enquadra-se com destaque o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Esquematização da estrutura viral básica de vírus nu ou desnudo e vírus envelopado Espícula A espícula se demonstra um complexo de glicoproteínas expostas na superfície viral, constituindo o principal antígeno viral. Incontáveis vírus utilizam as espículas para se ancorarem na célula hospedeira, agindo com receptores para o reconhecimento das proteínas de membrana das células a serem infectadas. Unidades estruturais Qualifica-se como o conjunto de subunidades proteicas básicas não idênticas do envelope. Descreve-se, frequentemente, como protômero. Enzimas Alguns vírus possuem enzimas que participam de seus processos infecciosos. Os retrovírus, por exemplo, contêm a transcriptase reversa, necessária à replicação, ao passo que alguns bacteriófagos possuem a lisozima, necessária à perfuração da parede celular para penetração do genoma viral. Princípios da replicação viral Os ciclos replicativos dos vírus variam de acordo com a duração, o local da multiplicação, o destino final da célula infectada (lise ou não) e a produtividade viral. Vírus como os picornavírus, por exemplo, levam 68 horas para se multiplicarem, ao passo que os herpesvírus podem levar até 40 horas. Os vírus apresentam tropismo celular devido à presença de receptores específicos na superfície celular, limitando dessa forma seu local de multiplicação. O vírus do HIV, por exemplo, possui tropismo somente por células com receptor TCD4 + , não infectando hemácias, que não expressam esse receptor. O ciclo de multiplicação viral varia de espécie para espécie, no entanto seis passos básicos são encontrados: adsorção, penetração, desnudamento, biossíntese, morfogênese e liberação. Adsorção Essa etapa consiste na interação entre o vírus e a célula hospedeira. As partículas virais colidem com sítios específicos na superfície celular e se ligam aos receptores, que apresentam suas peculiaridades para diferentes vírus. A presença ou ausência de receptores desempenha importante papel no tropismo celular e na patogenia viral, visto que incontáveis células do organismo não produzem esses receptores e, logo, encontram-se livres da infecção viral. Penetração Logo após o
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