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2018 - 06 - 05 Novo Curso de Processo Civil – Volume 2 - Edição 2016 PARTE II - A TUTELA DOS DIREITOS MEDIANTE O PROCEDIMENTO COMUM. O CONHECIMENTO DA CAUSA 6. JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO 6. Julgamento conforme o estado do processo SUMÁRIO: 6.1 Tutela adequada e sumarização formal do procedimento – 6.2 Extinção do processo – 6.3 Julgamento antecipado do mérito: 6.3.1 Julgamento integral; 6.3.2 Julgamento parcial. 6.1. Tutela adequada e sumarização formal do procedimento Compõe o direito ao processo justo (art. 5.º, LIV, da CF) o direito à tutela adequada (art. 5.º, XXXV, da CF). O princípio da adequação da tutela jurisdicional impõe que o processo seja pensado da forma mais rente possível ao direito material, adaptando-se às particularidades do direito tutelado em juízo, o que inclui a maneira como o direito apresenta-se no processo. Como direito fundamental, o princípio da adequação da tutela tem como primeiro destinatário o legislador. É o legislador que tem o dever de adequar o procedimento às especificidades do direito material. Como é notório, porém, os direitos fundamentais não têm como destinatário apenas o legislador, sendo que também o juiz tem o dever de promover a densificação do direito fundamental à tutela adequada mediante adequada interpretação da Constituição e da legislação (art. 8.º) e atenta condução do processo (art. 139). Com a possibilidade de julgamento conforme o estado do processo (arts. 354 e ss.), nosso legislador não só mantém uma das grandes inovações do Código Buzaid em termos de adequação do processo ao direito material,1 mas também o alarga sensivelmente. Além de manter as tradicionais espécies de julgamento conforme o estado do processo (extinção do processo, art. 354, e julgamento antecipado do mérito, art. 355), o legislador inova ao prever inquestionavelmente como hipótese de julgamento fundado em cognição exauriente a tutela da parcela incontroversa da demanda (art. 356, I) e a possibilidade de julgamento parcial de todo e qualquer pedido que não necessite de instrução diversa da prova documental já produzida na fase postulatória (art. 356, II). Com isso, quebra definitivamente com a regra chiovendiana da unità e unicità della decisione, que dominava o horizonte do Código Buzaid, não fechando os olhos para a óbvia necessidade de o tempo do processo não pode prejudicar o autor que tem razão.2 O julgamento conforme o estado do processo constitui um encurtamento do procedimento. Basicamente, deixa-se de seguir o procedimento comum porque é desnecessário: dado o estado do processo e do direito material que constitui objeto do litígio, seguir adiante constitui apenas perda de tempo. Daí que o legislador sumarizou formalmente o procedimento, encurtando-o, atento ao princípio da adequação da tutela jurisdicional. Nessa linha, o julgamento conforme o estado do processo constitui uma técnica de sumarização do procedimento que visa à concretização do princípio da adequação do processo.3 Cumpre ao juiz de ofício aferir a desnecessidade de seguir adiante no procedimento e desde logo encurtá-lo, julgamento o processo no estado em que se encontra. 6.2. Extinção do processo A primeira hipótese de julgamento conforme o estado do processo é a de extinção do processo (art. 354). Em sendo o caso de extinguir o processo sem resolução de mérito (art. 485), de atender à autocomposição das partes – por atos unilaterais ou bilaterais (art. 487, III) – ou de julgar pela existência de prescrição ou decadência (art. 487, II), pode o juiz fazê-lo a qualquer tempo. Esse é o sentido do termo conforme o estado do processo: em qualquer estado em que se encontra, pode o juiz extingui-lo na forma do art. 354. A extinção do processo pode ocorrer em relação ao litígio no todo ou em parte. Se a extinção for total, o recurso cabível é o de apelação (art. 1.009). Se a extinção for parcial (quando disser “respeito a apenas parcela do processo”), o recurso cabível é o de agravo de instrumento (art. 354, parágrafo único). 6.3. Julgamento antecipado do mérito No direito anterior, o julgamento antecipado do mérito chamava-se julgamento antecipado da lide. O instituto é o mesmo: julga-se o mérito no estado em que o processo se encontra por não ser necessário praticar mais nenhum ato preparatório ao julgamento. Rigorosamente, portanto, não há propriamente aí um julgamento antecipado: o julgamento ocorre no momento em que tem de ocorrer, na medida em que processo com duração razoável é processo sem dilações indevidas. Se, portanto, o processo encontra-se maduro para julgamento, toda e qualquer dilação posterior a esse momento é indevida. O julgamento ocorre no momento em que tem de ocorrer: em seu momento apropriado. Daí que a terminologia apropriada para o instituto é a de julgamento imediato do mérito ou do pedido. O julgamento imediato do pedido pode ocorrer de forma integral (“julgamento antecipado do mérito”, art. 355) ou parcial (“julgamento antecipado do mérito”, art. 356). No direito anterior, uma das hipóteses que dá lugar ao julgamento parcial do mérito (a incontrovérsia) era tratada como caso de tutela antecipada, nada obstante a doutrina tenha sempre assinalado o fato de o julgamento aí ocorrer fundado em cognição exauriente e não em cognição sumária. Com a nova alocação do instituto, atende-se à antiga proposta da doutrina.4 6.3.1. Julgamento integral Diz o art. 355: “o juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I – não houver necessidade de produção de outras provas; II – o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349”. O critério que legitima o julgamento imediato do pedido e que está presente nos dois incisos do art. 355 é a desnecessidade de produção de outras provas além daquelas já produzidas com a petição inicial e com a contestação. Nesse caso, estando o juiz convencido a respeito das alegações de fato da causa, deve julgar imediatamente o pedido. Não sendo cabível a colheita de prova oral (depoimentos pessoais e oitiva de testemunhas), de prova pericial e nem a obtenção de esclarecimentos do perito a respeito do laudo pericial, cabe o julgamento imediato do pedido. Mesmo se há revelia, o que determina a possibilidade de julgamento imediato é a desnecessidade de prova, na medida em que a presunção de veracidade das alegações dela oriunda é relativa e pode ser superada pela produção de prova em contrário – que pode ser determinada de ofício pelo juiz (art. 370). Assim, para que o julgamento antecipado do mérito possa ocorrer, duas condições devem concorrer: i) inexistência de fato controverso, pertinente e relevante a ser esclarecido (desnecessidade de prova); e ii) estar o juiz convencido das alegações de fato. Quanto à primeira, importa ter presente que a desnecessidade da prova tem de ser evidenciada pela circunstância de as provas admissíveis já terem sido produzidas ou de as alegações de fato serem insuscetíveis de prova. Para serem objeto de prova, as alegações fáticas devem ser controversas, pertinentes e relevantes. Alegação controversa é aquela sobre a qual as partes não se encontram em acordo. Alegação pertinente é aquela que tem relação com o mérito da causa. Alegação relevante é aquela que pode influir sobre a resolução do mérito da causa. Se a alegação de fato não reveste alguma dessas características, a produção probatória é inadmissível e tem o juiz o dever de indeferir eventual requerimento de prova nesse sentido (art. 370, parágrafo único). Do contrário, sendo a alegação controversa, pertinente e relevante, a parte tem direito fundamental à produção da prova dessa alegação (art. 5.º, LVI, da CF). Daí a razão pela qual não pode o juiz inadmitir a produção de prova de alegações fáticas controversas, pertinentes e relevantes. Como consequência, também não pode julgar imediatamente o pedido. Nãopode indeferir a produção de prova antecipando a valoração do seu resultado.5 Observe-se que não se pode confundir de modo nenhum o juízo de admissibilidade com o juízo de valoração da prova. O critério de seleção de necessidade ou de desnecessidade da prova recai na relação objetiva que se estabelece entre prova e thema probandum. Se a parte requer, portanto, a produção de prova sobre alegação fática controversa, pertinente e relevante, e o juiz a indefere, julgando ainda de maneira imediata o pedido, há violação do direito fundamental à prova. Diante do direito fundamental à prova, é evidente que o juiz não tem a prerrogativa de, uma vez requerida a prova nessas condições, optar ou não por produzi-la, ciente de que seu resultado pode – ainda que em tese – ser importante para a resolução do mérito. Quanto à segunda, interessa perceber que a segunda condição – em grande medida análoga à primeira – para que caiba o julgamento imediato do pedido é a existência de convencimento judicial a respeito das alegações de fato da causa. Vale dizer: não pode o juiz julgar de maneira imediata o pedido alçando mão da regra do ônus da prova na sua acepção de regra de julgamento (art. 373). Se o pressuposto para incidência do art. 355, é estar o feito bem instruído, evidentemente não pode o juiz julgá-lo de maneira imediata quando há insuficiência probatória, contingência que o forçaria a formalizar o seu julgamento com a aplicação do art. 373. De duas, uma: ou o feito está bem instruído e julga-se de maneira imediata o pedido ou observam-se todas as etapas do procedimento, utilizando-se ao seu final, como última medida para o julgamento da causa, a norma do ônus da prova na sua acepção de regra de julgamento (art. 373). Nesse sentido, já se decidiu que o juiz, ao dirigir o processo, tem de analisar o contexto probatório, só podendo “antecipar o julgamento da lide quando substancioso e suficiente para a compreensão das questões de direito, sem aprisionar-se a quem competiria o ônus da prova”.6 Havendo o julgamento imediato do pedido, a sentença é fundada em cognição exauriente e o recurso cabível é o de apelação. 6.3.2. Julgamento parcial Como o direito de ação tem de promover uma tutela jurisdicional tempestiva, então é evidente que o processo deve consumir apenas o tempo estritamente necessário para viabilizar o adequado conhecimento da causa e a pertinente execução do julgado (arts. 5.º, LXXVIII, da CF, e 4.º). Por vezes, o processo alberga um litígio que pode ser fracionado ou então pedidos formulados em regime de cumulação simples que podem ser decididos autonomamente. Nesses casos, representaria certamente uma má gestão do tempo do processo deixar de decidir parte incontroversa da demanda ou um dos seus pedidos que se afigure incontroverso apenas para que se tenha a oportunidade de decidir o litígio como um todo ao mesmo tempo. Se a parte tem direito à tutela tempestiva, certamente constitui violação a esse direito fazê-la aguardar o desfecho de seu pedido – ou de parcela dele – para além do tempo necessário para maturação do julgamento.7 É por essa razão que o legislador refere que “o juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I – mostrar-se incontroverso; II – estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355” (art. 356). A primeira hipótese que autoriza o julgamento parcial é a de incontrovérsia. A segunda, a de desnecessidade de prova diversa daquela já produzida com a petição inicial e com a contestação. Como essa já foi analisada acima, interessa ter presente a primeira. Incontroverso é aquilo sobre o qual não há discussão entre as partes. A incontrovérsia pode defluir do não desempenho do ônus de impugnação específica das alegações fáticas do autor (art. 341), de transação parcial, de reconhecimento jurídico do pedido parcial, de admissão em audiência de alegações de fato incontroversas e, em geral, da existência no processo de alegações de fato que não dependem de prova (art. 374). A incontrovérsia fática só leva à tutela definitiva da parcela incontroversa se for suficiente para caracterizar a incontrovérsia do pedido ou de parcela do pedido. Caracterizada, pode levar ao julgamento imediato de parcela do pedido ou de um dos pedidos cumulados em regime de cumulação simples. Nesses casos, cabe o julgamento parcial. A decisão que julga parcela do mérito é impugnável mediante agravo de instrumento (art. 356, § 5.º). O restante do processo segue para elucidação probatória. O que foi decidido mediante julgamento antecipado parcial é decidido com base em cognição exauriente e não pode o juiz voltar a examiná-lo no decorrer do processo. A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida. A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso interposto contra a decisão. Se houver trânsito em julgado da decisão, formar-se-á a coisa julgada e a execução será definitiva. A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz. Trata- se de medida que visa a demarcar com maior nitidez aquilo que pertence à fase de conhecimento e aquilo que já teve essa etapa vencida. NOTAS DE RODAPÉ 1 Alfredo Buzaid, Linhas fundamentais do sistema do Código de Processo Civil brasileiro, Estudos e pareceres de direito processual civil, p. 40. 2 Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento imediato e execução imediata da © desta edição [2016] sentença, p. 233. 3 A propósito, não se pode confundir sumarização do procedimento com sumarização da cognição. O julgamento conforme o estado do processo é um exemplo clássico de sumarização do procedimento (assim como era o procedimento comum sumário existente no direito anterior, que o Código vigente aboliu). A técnica antecipatória é um exemplo clássico da sumarização da cognição. Como se sabe, deve-se essa distinção a Hans Karl Briegleb, Einleitung in die Theorie der summarischen Processe. Em sua Einleitung, Briegleb mostra que a sumariedade formal tem sua origem remota na Clementina Saepe, Decretal do Papa Clemente V, de 1306 (p. 15-168), ao passo que a sumariedade material (summaria cognitio) descende do processo civil romano (p. 169-502). A tese de Briegleb ganhou grande divulgação na doutrina hispânica por obra de Victor Fairén Guillén, El juicio ordinaio y los plenarios rapidos, e na doutrina brasileira por obra de Alvaro de Oliveira, Do formalismo no processo civil, p. 58-60. Sobre o assunto, ainda, Daniel Mitidiero, Antecipação da tutela, p. 94-97. 4 Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento imediato e execução imediata da sentença, p. 233. 5 Assim, Michele Taruffo, Studi sulla rilevanza della prova, p. 77; Nicolò Trocker, Processo civile e costituzione, p. 521; Daniel Mitidiero, Colaboração no processo civil, p. 145-147; Danilo Knijnik, A prova nos juízos cível, penal e tributário, p. 19-24. 6 STJ, REsp 9.088/SP, 1.ª T., j. 30.08.1993, rel. Min. Milton Pereira, DJ 04.10.1993. 7 Luiz Guilherme Marinoni, Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda, passim; Rogéria Dotti, A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda, passim; Daniel Mitidiero, Processo civil e estado constitucional, passim.