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INTRODUÇÃO AO DEBATE SOBRE O CAPÍTULO “NIETZSCHE, A GENEALOGIA E A HISTÓRIA”, NA OBRA “MICROFÍSICA DO PODER” DE MICHEL FOUCAULT

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APRESENTAÇÃO - SÉRGIO: PODER, SERTÃO E IDENTIDADES 
THALES FERNANDES 
 
INTRODUÇÃO AO DEBATE SOBRE O CAPÍTULO “NIETZSCHE, A GENEALOGIA E A 
HISTÓRIA”, NA OBRA “MICROFÍSICA DO PODER” DE MICHEL FOUCAULT 
 
Neste segundo capítulo do livro “Microfísica do Poder”, um compilado de textos, aulas e entrevistas                             
de Michel Foucault, como o próprio título já evidencia, é feita uma densa análise da vasta obra de                                   
Friedrich Nietzsche no que concerne à uma teoria e metodologia de análise da realidade (a genealogia) e                                 
uma concepção de história radicalmente diferente do que Foucault chama de “história dos                         
historiadores”, uma história cumulativa regida por uma concepção metafísica e teleológica, como se a                           
humanidade tivesse uma origem miraculosa (​wunder-ursprung​), uma alma eterna, uma longa                     
continuidade, uma constância dentro de “um paciente movimento contínuo”.  
 
E para esta nova e radical concepção de história tomar corpo, criar vida, uma teoria e metodologia                                 
de análise da realidade - ou seja, da história - é necessária, a genealogia. Esta se baseia em duas                                     
perspectivas fundamentais: 1) a pesquisa da ​herkunft​, ou seja, da proveniência dos acontecimentos, do                           
corpo, da identidade; e 2) da pesquisa da ​entstehung​, ou seja, da emergência, do ponto de surgimento                                 
das forças em disputa. Esta proveniência não significa reencontrar em um indivíduo, ideia ou                           
sentimento características gerais que permitem assimilá-los a outros, mas sim descobrir suas marcas                         
sutis, singulares, que se entrecruzam neles e que formam uma rede difícil de desembaraçar; descobrir                             
começos inumeráveis, mil acontecimentos agora perdidos, manter o que se passou na dispersão que lhe                             
é próprio. A pesquisa da proveniência tem como propósito agitar aquilo que se percebia imóvel, de                               
fragmentar o que se pensava unido e de mostrar a heterogeneidade do que se imaginava em                               
conformidade consigo mesmo. Ela diz respeito sobretudo ao corpo, superfície de inscrição dos                         
acontecimentos, de onde nascem os desejos, os desfalecimentos e os erros, o lugar de dissociação do eu.                                 
A genealogia deve mostrar “o corpo inteiramente marcado de história e a história arruinando o corpo”.  
 
A emergência, o ponto de surgimento, se produz sempre em um determinado estado das forças. É a                                 
sua entrada em cena, sua saída dos bastidores. Se desenvolve no jogo casual das dominações, não se                                 
produz em um lugar determinado, mas sim no interstício, em um lugar indefinido. É desse jogo de                                 
forças que nasce a diferença dos valores entre os homens, a ideia de liberdade entre as classes e a lógica                                       
para a transformação da realidade. Estes combates não são sucessivos, progressivos até uma                         
“reciprocidade universal”, são efeitos de “substituição, reposição e deslocamento, conquistas                   
disfarçadas, inversões sistemáticas”. Se trata do devir da humanidade como uma série de interpretações,                           
e a genealogia como sua história: história das morais, dos ideais, dos conceitos. 
 
Desta forma, a genealogia enquanto pesquisa da ​herkunft e da ​entstehung​, produz uma crítica radical                             
da “história supra-histórica”, baseada em uma totalidade bem fechada sobre si mesma, que se reconcilia                             
com o passado e que se reconhece em toda parte, que pretende tudo julgar segundo uma “objetividade                                 
apocalíptica”. A genealogia é, segundo Foucault, designada por Nietzsche por vezes como “​Wirkliche                         
historie​”, ou seja, uma “história efetiva” e por vezes como “sentido histórico”. Ela não deve repousar em                                 
nenhum absoluto, mas sim fazer ressurgir os acontecimentos no que eles podem ter de único e agudo.                                 
Deve distinguir, repartir, dispersar, dissociar e dissociar-se. Ela estuda o corpo, destroçado por “ritmos                           
de trabalho, repouso e festa”; intoxicado por venenos - “alimentos ou valores”; e o estuda também em                                 
suas resistências. A “história efetiva” efetua a genealogia da história possibilitada pelo sentimento                         
histórico, enquanto um saber perspectivo, não se escondendo por trás de uma suposta “objetividade”                           
neutra da história dos historiadores, mas sim consciente de que olha por um determinado ângulo, para                               
as descontinuidades, para uma “miríade de acontecimentos entrelaçados”, como um médico que                       
mergulha para diagnosticar e dizer a diferença. A genealogia se opõe ao desdobramento meta-histórico                           
das significações ideais e teleológicas, marcando a singularidade dos acontecimentos, espreitando-os                     
onde menos se esperava e naquilo que era tido como não possuindo história, como os sentimentos, o                                 
amor, a consciência, os instintos. Busca encontrar, longe de uma curva lenta de um evolução, as                               
diferentes cenas nas quais as forças desempenharam papéis distintos e até definir o ponto de suas                               
lacunas, o momento em que não aconteceram. 
 
A história religiosa, que se pretende racionalista, dissolve um acontecimento singular em uma                         
continuidade ideal, em um encadeamento natural. Foucault diz: “e assim como o demagogo deve                           
invocar a verdade, a lei das essências e a necessidade eterna, o historiador deve invocar a objetividade, a                                   
exatidão dos fatos, o passado inamovível” (p. 78). A ​entstehung da história se deu na Europa, no século                                   
XIX, diante da impossibilidade de criar, da sua ausência de obra, da necessidade de ter como base o que                                     
foi feito anteriormente e em outros lugares. Para Foucault, é necessário despedaçá-la, partir daquilo                           
que ela produziu para tornar-se mestre dela e para dela fazer um uso genealógico, ou seja, antiplatônico,                                 
antimetafísico. O sentido histórico, como demonstra Foucault, comporta três usos que se opõe às três                             
modalidades platônicas da história: 1) o uso paródico e destruidor da realidade que se opõe ao tema da                                   
história-reminiscência, reconhecimento (consciência de todo o conhecimento humano, uma verdade                   
eterna); 2) o uso dissociativo e destruidor da identidade que se opõe à história-continuidade ou                             
tradição (processo contínuo, enraizamento); e 3) o uso sacrificial e destruidor da verdade que se opõe à                                 
história-conhecimento (neutra, objetiva, despojada de paixão e instinto).  
 
O uso paródico revela o grande carnaval das máscaras, deixando claro que todas estas máscaras e                               
identidades sobressalentes são arbitrárias, são apenas um disfarce para uma realidade complexa onde o                           
plural a habita, onde existem almas inumeráveis em disputa. O uso dissociativo clarifica os sistemas                             
heterogêneos; nãotem por fim demarcar o território único de onde viemos, reencontrar nossas raízes,                             
mas se obstina em dissipá-la. O terceiro e último uso do sentido histórico, o uso sacrificial e destruidor                                   
da verdade, descobre o instinto e a paixão do querer-saber; multiplica os riscos, faz nascer os perigos,                                 
destrói ilusões, desfaz a unidade do sujeito. É sacrificial e violento, arrisca a “destruição do sujeito de                                 
conhecimento na vontade, indefinidamente desdobrada, de saber”. Desta forma, a genealogia retorna à                         
essas três modalidades da história que, segundo Foucault, Nietzsche reconhecia em 1874: `”a veneração                           
dos monumentos torna-se paródia; o respeito às antigas continuidades torna-se dissociação sistemática;                       
a crítica das injustiças do passado pela verdade que o homem detém hoje torna-se destruição do sujeito                                 
de conhecimento pela injustiça própria da vontade de saber” (p. 86).

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