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Lacan. Teoria do Sujeito. Entre o outro e o grande Outro. 
Apresentação 
LIVRO - "A Psicanálise depois de Freud" 
AUTOR: Bleichmar & Bleichmar 
1. Aspectos gerais 
 Jacques Lacan (1901-1981) formulou uma teoria profunda e complexa que, sob a égide do 
retorno a Freud, redefiniu, sob a perspectiva do estruturalismo e da lingüística, todas as 
categorias psicanalíticas conhecidas, ao mesmo tempo que criou muitas outras. 
 
 Discutido e ao mesmo tempo admirado, para alguns o maior depois de Freud, ou até mesmo 
de seu tamanho; desviacionista, fator de retrocesso da psicanálise, para outros, é necessário que 
se passe mais tempo para que esta figura, tão controvertida, adquira seu exato lugar na história 
da evolução da psicanálise. 
 
 Lacan é um dos grandes pós-freudianos. Procedeu a uma reformulação das próprias bases 
da teoria, da metapsicologia e da clínica. A outra figura equiparável a ele, em grandeza, 
certamente é Melanie Klein. 
 
 Em princípio, a modificação conceptual proposta por Jacques Lacan deve ser entendida no 
contexto criado pela influência estruturalista na França, principalmente com a lingüística de 
Saussure e com a antropologia de Lévi-Strauss. 
 
 Obra erudita, difícil de compreender, obscura em suas formulações, com linguagem alusiva, 
cheia de jogos de palavras, gongorismo estilístico, pedantismo intelectual, desprezo a toda 
formulação próxima da sua, exceto algumas exceções momentâneas; é tudo isto ao mesmo 
tempo e em graus diferentes, segundo o texto que considerarmos. O leitor se encontra diante de 
um verdadeiro desafio para compreender e assimilar os enfoques lacanianos. 
 
 Nas páginas que se seguem, não procuraremos dar uma visão completa das idéias de Lacan, 
mas descrever os vetores principais em que sua teoria se desenvolve. Pretendemos fazer uma 
ordenação conceptual que ilustre, panoramicamente, aquilo que, em nossa opinião, Lacan 
fornece. 
 
 Comecemos por destacar que estamos em presença de um discurso, para usar uma palavra 
grata a Lacan, resultante de uma interação entre dois enfoques diferentes: o filosófico e o 
psicanalítico. Neste sentido, Lacan é completamente original. Devemos recordar que, na França, 
diferentemente do resto do mundo, é comum que os psicanalistas também tenham formação 
filosófica e médica. Lacan escreve em termos psicanalíticos, filosóficos, antropológicos e 
lingüísticos; sua reflexão sobre o sujeito, quiçá uma das temáticas principais, orienta-se em todas 
estas direções. É oportuno recordar que Freud contribuiu em problemas vinculados à cultura, de 
uma forma um tanto colateral. Apesar disso, esses estudos tiveram grandes implicações. 
 
 Mesmo que a discussão de problemas filosóficos e antropológicos interesse a um grande 
número de psicanalistas, não constituem temas que tenham preocupado, centralmente, a 
totalidade do movimento psicanalítico. O psicanalista de formação tradicional, que em geral 
provém da medicina e da psiquiatria, tem, portanto, uma dificuldade inicial para se confrontar com 
a obra de Lacan. O tipo de linguagem que emprega o surpreende, propõe-lhe obstáculos e até 
pode lhe causar desagrado. 
 
 Pelo contrário, muitos dos seguidores de Lacan são filósofos ou provêm das ciências 
humanísticas, não médicas, motivo pelo qual a linguagem lacaniana lhes é mais acessível. 
 
 Freud usou, para suas teorias, modelos biológicos como o do neurônio e o da evolução de 
Darwin. Lacan, por seu turno, valeu-se da lingüística de Saussure, da antropologia de Lévi-
Strauss e da dialética de Hegel (relação com o semelhante, dialética do desejo e do olhar). 
 
 Todavia, a lingüística, em Lacan, é muito mais do que um modelo aplicado à resolução de 
certos problemas ou à exemplificação de uma idéia. Está incorporada de maneira constitutiva à 
teoria lacaniana. O inconsciente se estrutura como linguagem e existe porque há linguagem ou 
convenção significante, como Lacan gosta de chamá-la, em um sentido muito amplo. O desejo do 
ser humano desliza, incessantemente, de um objeto para outro, seguindo o caminho que a 
linguagem lhe indica, com sua organização de deslocamento sintagmático ou metonímico. A 
reformulação que Lacan obtém, ao introduzir a lingüística na psicanálise como elemento 
fundamental, é muito radical; a linguagem determina o sentido, engendrando as estruturas da 
mente. 
 
 Toda a metapsicologia se modifica, assim como a clínica. Os termos utilizados por Lacan: 
pulsão, desejo, libido, pulsão de morte, para citar somente alguns, adquirem outro significado no 
conjunto de sua teoria. Isto nos Faz pensar (problema que examinaremos com mais vagar na 
parte de comentários) que se trata de um desenvolvimento psicanalítico original e não de um 
retorno a Freud, pelo menos não à estrutura da teoria psicanalítica tal como Freud a pensava. 
Concordamos que se sustenta no espírito freudiano, mas não nas concepções clássicas da 
psicanálise. Não pensamos que a teoria de Lacan, nem a de Melanie Klein, possam ser 
consideradas como simples desenvolvimentos do legado de Freud. 
 
 A discussão das hipóteses de Lacan, como as dos demais autores estudados neste livro, 
interessa-nos no plano das idéias e das concepções teóricas. Os problemas do movimento, 
políticos ou de ambições pessoais, não serão levados em consideração. 
 
 
2. Definição de alguns termos lingüísticos 
 
 Como a lingüística na obra de Lacan tem o papel decisivo que mencionamos, antes de entrar 
no assunto, impõe-se uma breve revisão dos conceitos lingüísticos fundamentais. Deste modo 
será mais fácil, depois, acompanhar os desenvolvimentos lacanianos. Começaremos, 
necessariamente, por uma menção de Saussure. 
 
 No momento em que a figura de Saussure emerge, na lingüística européia, as correntes em 
voga realizavam estudos de tipo comparativo e histórico. A língua era comparada a um organismo 
vivo, cujas origens e evolução deviam ser elucidadas. Este era o tipo de tarefa que os gramáticos 
comparativistas e os neo-gramáticos realizavam. Apesar de ter feito parte do movimento neo-
gramático, Saussure decidiu separar-se desse grupo, propondo que se suspendesse toda 
investigação lingüÍstica até que fossem revisa= das as premissas gerais desta ciência. A isso 
dedicou os cursos que ministrou em Genebra, entre 1906 e 1911. 
 
 Assim surgiu uma nova corrente na lingüística, claramente estruturalista; esta é uma 
perspectiva teórica que, segundo veremos mais adiante, também abriu novos rumos em outras 
disciplinas, como é o caso da antropologia. 
 
 A primeira pergunta a que Saussure procurou responder foi a relativa ao objeto de estudo da 
lingüística, que ficou definido como "o conjunto de manifestações da linguagem humana, sem 
nenhuma restrição; isto implica todas as línguas, todos os períodos da história, todas as formas 
de expressão" (Fuchs e Le Goffic, 1975, p. 15). Portanto, o objeto de estudo do lingüista é a 
língua em sua estrutura mais geral. 
 
 A perspectiva saussuriana é eminentemente dualista. A linguagem é, ao mesmo tempo, um 
fato individual e social; é um sistema estabelecido e em evolução, é uma associação de sons e 
idéias. 
 
 A primeira das oposições que acabamos de mencionar, correspondem, respectivamente, os 
conceitos de fala e língua. A fala é um fenômeno individual. A língua o é, em nível social. Fuchs e 
Le Goffic pensam que a oposição entre língua e fala pode ser interpretada pelo menos em três 
sentidos: 
 
 - como a correspondente aos códigos universais, em contraposição aos códigos particulares; 
 - como oposição entre o aspecto virtual da linguagem (conjunto de elementos e suas possíveis 
combinações) e sua atualização (combinações que efetivamente têm lugar); 
 - como a resultante do contraste entre o código universal, dentro de uma comunidade 
lingüística, e oato livre de utilização deste código pelos sujeitos. 
 
 Se, agora, considerarmos a relação da linguagem com o eixo temporal, podemos ver que 
surge outra dualidade: sincronia versus diacronia. A língua é, em um sentido sincrônico, um 
sistema de relações entre signos lingüísticos. Estes permanecem unidos através de certas leis de 
associação e cada um ocupa um lugar na estrutura, que o define e o distingue, simultaneamente, 
dos demais signos. Porém, Saussure adverte que este sistema não permanece estático. O 
enfoque diacrônico se interessa pelas mudanças que a estrutura sofre com o transcorrer do 
tempo. 
 
 No último parágrafo, introduzimos um conceito ao qual é necessário dedicar algumas linhas: o 
signo lingüístico. Saussure propõe que a língua seja composta de unidades discretas, 
descontínuas, que estabelecem uma combinação. As unidades também se definem a partir de 
uma dualidade: som/idéia. Em seu Cours de Línguístique Générale, diz: "O papel característico 
da língua, diante do pensamento, não é o de criar um meio fônico material para a expressão das 
idéias, mas o de servir de intermediário entre o pensamento e o som, em condições tais que sua 
união leve, necessariamente, a delineamentos recíprocos de unidades" (Saussure, 1915 p. 192). 
A unidade fundamental da linguagem é o signo, que é composto de uma imagem acústica ou 
significante, e um significado ou conceito. Notemos, no entanto, que o significante é incorpóreo. 
Embora seja suscetível de se tornar sensível, não é requerida sua presença física para que entre 
na categoria de significante. O que o caracteriza é a diferença que há entre sua imagem acústica 
(que pode potencialmente se tornar sensível) e todas as demais imagens acústicas do sistema. 
 
 O significado é aquilo a que o significante se refere. Ducrot e Todorov (1972, p. 122) explicam 
que o significado é o que está ausente na parte sensível do signo. 
 
 Entre significado e significante existe um equilíbrio impossível de romper: um não existe sem 
o outro. O significante não existe sem o significado, é apenas um objeto. O significado, por sua 
vez, sem o auxílio do significante, é impensável, indizível é o inexistente. 
 
 A aliança entre significado e significante, como acabamos de ver, é indissolúvel. Mas é 
arbitrária. Não há nada em um que remeta, de maneira específica, ao outro. Prova disso é o fatõ 
de que significados iguais se associam em línguas diferentes, com diferentes significantes 
(exemplo: mãe, mother etc.). Portanto, a única forma de explicar um signo é em relação com os 
demais signos do sistema e não com a relação recíproca de significante-significado. Esta idéia foi 
formulada por Saussure (1915, pp. 130-133) com sua teoria da arbitrariedade do signo lingüístico. 
 
 Saussure outorga ao signo lingüístico outra característica especial: seu valor. Assim como 
uma moeda, cada signo vale em relação aos demais signos da estrutura (ibid. pp. 192-202). Tem, 
com eles, uma relação fixa e, além disso, é intercambiável. O signo cumpre, assim, duas 
premissas básicas: a) como designa algo que Ihe é alheio, tem poder de mudança e b) seu poder 
significativo depende das relações estabelecidas com os outros elementos do sistema. 
 
 Saussure destacou o fato de que há dois tipos de ordenamentos dos signos: a concatenação 
e a substituição de um signo por outro. A partir destes conceitos, Jakobson (1963) distinguiu, 
dentro da linguagem, os termos relacionados, por semelhança, com os associados por 
contigüidade. Um exemplo dos primeiros seria "fogo" e "paixão"; em troca, um conceito contíguo 
a fogo poderia ser "calor". A substituição de um significante por outro, na base de uma relação de 
similitude, constitui a metáfora. Se, em compensação, um significante for substituído por outro 
que tenha, com o primeiro. uma relação de contigüidade, estar-se-á efetuando uma metonímia. 
 
 O processo metafórico é criador de sentido. Se dissermos, referindo-nos a um homem: 
"atirou-se sobre seu inimigo como um lobo", estamos ampliando o sentido da frase, criando, 
assim, um novo significado para o conceito de "homem", que o associa, neste exemplo, à 
ferocidade e à brutalidade. 
 
 Na metonímia, como já dissemos, um significante substitui outro, associado por contigüidade. 
Este seria o exemplo da substituição do termo "psicanálise" pela palavra "divã". Neste caso, não 
há criação de sentido. No processo, nem um nem outro significante sofre modificações no que se 
refere à sua significação. Se, na frase, "aproximou-se do fogo", substituirmos o último termo por 
"calor", não mudamos o sentido geral do que quisemos dizer. 
 
 A obra de Lacan hierarquizou os conceitos lingüísticos que acabamos de expor, ao se servir 
deles para a elaboração e formalização de sua teoria. Sobre os processos metafóricos e 
metonímicos, Lacan constrói sua tese de que o inconsciente se estrutura como linguagem. 
Também o lapsus, os atos falhos, os sonhos e os sintomas, em suma, todas as formações do 
inconsciente, surgem como resultado das substituições metafóricas ou metonímicas de um ou 
mais significantes por outros, vinculados aos originais por diferentes tipos de relações. 
 
 Esta tese fundamental leva Lacan a prestar especial atenção à organização da linguagem; 
dela extrai numerosos conceitos que, depois, aplicará ao conhecimento do objeto psicanalítico 
por excelência: o inconsciente. 
 
 
3. Narcisismo. Papel do outro(a) na constituição do sujeito 
 
 No Congresso Psicanalítico Internacional de 1936, Lacan abriu uma nova perspectiva, com o 
trabalho que depois se converteria em um clássico e que, em 1949, assumiu sua versão 
definitiva: posteriormente, foi incluído em seus Ecrits de 1966. Referimo-nos, evidentemente, a 
"Le stade du miroir comme formateur de la fonction du Je telle qu'elle nous est revélée dans 
l'expérience psychanalytique". 
 
 Lacan parte de um fato observado na psicologia comparada: o bebê, ao redor dos seis 
meses, reage jubilosamente diante da percepção de sua própria imagem refletida no espelho. 
Esta reação contrasta com a indiferença que outros mamíferos demonstram ante seu reflexo 
especular. 
 
 A que se deve esta resposta? Que conseqüências tem no desenvolvimento psíquico do ser 
humano? Em torno destas perguntas, o autor desenvolve uma teoria sobre o narcisismo e a 
identificação primordial. 
 
 Em nossa opinião, este tema constitui uma das contribuições mais destacadas da teoria 
lacaniana, pois encara o estudo do fenômeno narcisista de uma perspectiva original. Em sua 
formulação se conjugam, de maneira ajustada, fatos de observação clínica, conceptualizações de 
nível teórico e um modo muito profundo de entender as relações do homem, não somente com a 
mãe, mas também com o contexto cultural em que vive. 
 
 Lacan pensa que o ser humano tem uma representação fantasmática do corpo, na qual este 
aparece fragmentado. A imago de seu esquema corporal fragmentado continua a se expressar 
durante a vida adulta nos sonhos, delírios e processos alucinatórios. Concebe seu corpo como 
quebrado ou sujeito a se partir em pedaços. Sinal de imaturidade? De prematuridade? Resultado 
das vivências relacionadas à incoordenação motora, própria dos primeiros meses de vida? Imago 
arcaica compartilhada por todos os homens, em todas as culturas? Mito? Lacan recorre a todas 
estas explicações, em diferentes momentos, para explicar um fato de inquestionável verificação 
clínica. 
 
 A imagem de seu próprio corpo, refletida no espelho, surpreende o lactente, pois se vê 
esculpido em uma gestalt que nada mais é do que uma imagem antecipatória da coordenação e 
integridade que não possui naquele momento. "O fato de que sua imagem especular seja 
assumida, jubilosamente, pelo ser ainda mergulhado na impotência motora e na dependência da 
lactância, em que estáo homenzinho, nesse estágio infans, parecer-nos-á, portanto, que 
manifesta, em sua situação exemplar, a matriz simbólica na qual o Eu(je) se precipita, em uma 
forma primordial, antes de se objetivar na dialética da identificação com o outro e antes que a 
linguagem lhe restitua, no universal, sua função de sujeito" (1949, p. 87). "É que a forma total do 
corpo, graças à qual o sujeito se adianta, em um espelhismo, à maturação de seu poder, não lhe 
é dada senão como Gestalt, isto é, em uma exterioridade onde, sem dúvida, esta forma é mais 
constituinte do que constituída, mas onde, principalmente, tudo lhe aparece em um relevo de 
estatura que a coagula e sob uma simetria que a inverte, em oposição à turbulência de 
movimentos com que se experimenta a si mesmo, animando-a" (Ibid., pp. 87-88) (1). 
 
 Nesta identificação com uma imago que não é mais do que a promessa daquilo que virá a ser, 
há uma falácia: o sujeito se identifica com algo que não é. Na verdade, acredita ser o que o 
espelho ou, digamo-lo logo, o olhar da mãe lhe reflete. Identifica-se com um fantasma; usando o 
termo lacaniano, com um imaginário. Desde muito cedo, o homem fica preso a uma ilusão, da 
qual procurará se aproximar pelo resto de sua vida. Ser um herói, ser Superman ou o Cavaleiro 
Solitário, ser um gênio, não são mais do que versões do processo imaginário. Portanto, vemos 
que o estágio do espelho não é apenas um momento do desenvolvimento do ser humano. É uma 
estrutura, um modelo de vínculo que operará durante toda a vida. No seio da teoria lacaniana, é 
conceptualizado como um dos três registros que definem o sujeito: o registro imaginário. 
 
 "Porém, o ponto importante é que esta forma situa a instância do eu, ainda antes de sua 
determinação social, em uma linha de ficção, irredutível, para sempre, pelo próprio indivíduo; ou 
então, que só assintoticamente tocará o devir do sujeito, seja qual for o êxito das sínteses 
dialéticas por meio das quais tem de resolver, enquanto eu (je), sua discordância a respeito de 
sua própria realidade" (ibid., p. 87). 
 
 Somente pelo fato de viver com outros homens, os seres humanos ficam presos, 
irreversivelmente, em um jogo de identificações que os impelem a repetir aquela relação com a 
imago antecipatória. Quando uma mulher diz a seu filho: "és a criança mais linda do mundo", o 
está introduzindo nesta dialética, da qual a criança, futuro adulto, jamais poderá escapar. A 
introdução do registro simbólico, através da problemática edípica, atenuará ou modificará estas 
imagos especulares, mas nunca conseguirá acabar com elas. 
 
 O Eu assim constituído é, para a teoria lacaniana, o ego ideal, diferente do ideal do ego. O 
ego ideal é uma imago antecipatória prévia, o que não somos mas queremos ser. Imagem mítica, 
narcisista, cujo alcance persegue o homem incessantemente. A estátua, o uniforme, o herói são 
significantes com que o ser humano substitui aquela ilusória assimetria primitiva. O ideal do ego, 
pelo contrário, surge da inclusão do sujeito no registro simbólico. Por ser impossível se tornar 
esse personagem lendário, poderoso, perfeito, o indivíduo aceita fazer parte de uma estrutura, da 
qual é perpetuador. Seu papel é transmitir a lei. E apenas um elo da cadeia: o homem entregará a 
seus_filhos o nome (e as normas) que, por seu turno, recebeu de seu pai, que as recebeu de seu 
próprio genitor, e assim sucessivamente. 
 
 Portanto, o ingresso na conflitiva edípica constitui o grande desafio às ilusões narcisistas 
forjadas no estágio do espelho. Mas estas marcam, de maneira definitiva, o que sucederá no 
Édipo. Assim, o ego ideal e o ideal do ego estão em permanente luta e interação. 
 
 Para Lacan, o complexo de Édipo se desenvolve em três momentos, dos quais o estágio do 
espelho constitui o primeiro. O devir psíquico transcorre desde a identificação narcisista, na 
ordem imaginária, até a identificação simbólica com a Lei do pai, ao concluir o Édipo. Entre estes 
dois pontos, situa-se o momento em que a relação diádica com a mãe marca a criança, definindo 
sua identificação com o outro, ou melhor, com o desejo do outro. No estágio do espelho, a criança 
se identifica com uma imago antecipatória de si mesma. Em um segundo momento, fá-lo com o 
desejo da mãe. Finalmente, ao assumir a castração e compreender que nem seu pai nem ela 
mesma são o falo, que somente podem transmiti-lo de geração em geração, ingressará na ordem 
simbólica, aceitará a lei. Este último passo constituiria o que, tradicionalmente é denominado de 
"dissolução do complexo de Édipo", embora, na realidade, os três estilos de identificação 
coexistam, misturando-se durante toda a vida. 
 
 O tipo principal de identificação, com o qual funciona um sujeito, tem grande importância 
psicopatológica. Lacan propôs que tanto as psicoses como as perversões se assentam mais em 
um estilo identificatório da ordem do imaginário, do que da ordem do simbólico. O não aceder à 
ordem do simbólico, à lei, produzirá no psicótico, segundo Lacan, o uso peculiar da linguagem 
que o caracteriza. O psicótico tem um vínculo com sua mãe no qual não há espaço para um 
terceiro, não há lugar para a triangulação edípica. A mãe ilude o filho com a crença de que ele é 
seu falo, o filho vive a ilusão de sê-lo. A ausência do pai (não nos referimos aqui à ausência real 
do pai, mas à sua ausência no discurso da mãe) obstaculiza o ingresso do sujeito na ordem do 
simbólico. Mãe e filho compartilham uma ficção e, na verdade, esta ficção é a psicose. 
 
 A agressividade, fenômeno que sempre foi polêmico em psicanálise, produz-se quando é 
questionada a imago especular que se construiu. 
 
 Na conferência intitulada "L'agressivité en psychoanalyse" (1948), Lacan enuncia várias teses 
que, em conjunto, procuram demonstrar que a agressividade como vivência essencialmente 
subjetiva, surge do encontro entre a identificação narcisista, da qual o indivíduo é portador, e as 
fraturas, clivagens, rupturas, às quais esta imago está submetida. Esclarece que este efeito da 
ação do outro sobre o ego especular somente pode ser verificado porque, antes da identificação 
antecipatória, o sujeito tem uma imago fantasmática de si mesmo correspondente à do corpo 
fragmentado. 
 
 No começo do trabalho mencionado, em sua tese II, explica: "A agressividade na experiência, 
nos é dada com intenção de agressão e como imagem de deslocamento corporal, e é deste modo 
que se demonstra eficiente" (p. 96). Basta recordar os jogos e os desenhos das crianças, nos 
quais arrancar a cabeça, abrir o ventre, estripar a boneca constituem eventos completamente 
naturais. Acrescenta: "Deve-se folhear um álbum que reproduza o conjunto e os detalhes da obra 
de Hyeronimus Bosch, para reconhecer neles o atlas de todas estas imagens agressivas que 
atormentam os homens..." 
 
 "Voltamos a encontrar, constantemente, estas fantasmagorias nos sonhos, especialmente no 
momento em que a análise parece ir se refletir no fundo das fixações mais arcaicas... São todos 
dados primários de uma gestalt própria da agressão no homem, ligada ao caráter simbólico..." 
(ibid., p. 98). Tomando como base estas evidências primitivas e a função integradora que o 
estágio do espelho realiza, Lacan postula: "A agressividade é a tendência correlacinada, à 
maneira de identificação, que chamamos de narcisista, e que determina a estrutura formal do ego 
do homem e do registro de entidades características de seu mundo" (ibid., p. 102). 
 
 Com o imaginário, que instaura o estágio do espelho, começa, em Lacan, a reflexão sobre a 
intersubjetividade humana. Relação entre o sujeito e o semelhante, entre a criança e a mãe, do 
homem com o outro. Captação do desejo humano no desejo do outro, através do olhar. Lacan 
retoma a reflexão hegeliana da Fenomenologia do Espírito, especialmente a "Dialética do Senhor 
edo Escravo". É na relação interdependente, mútua, de imprescindível necessidade entre os dois 
membros do diálogo, que se constitui a identidade. É-se senhor porque existe o escravo, e vice-
versa. Dialética da intersubjetividade em uma organização dos lugares, através da estrutura. O 
olhar do outro produz em mim minha identidade, por reflexo. Através dele, sei quem sou e, nesse 
jogo narcisista, me constituo a partir de fora. 
 
 O olhar deve ser entendido como uma metáfora geral: é o que pensam de mim, o desejo do 
semelhante, o cartel e o espetáculo de propaganda, o posto na família, no trabalho e na 
sociedade. Identificação no outro e através do outro, este é meu eu. Lacan diz, em uma fórmula: 
o lugar do moi é i(a), identificação com o desejo de a, autre (outro). Torna-se evidente que então 
também se inicia a temática da alienação. 
 
 Com a ajuda samaritana, a vocação de curar, a "alma bela" e a chamada "lei do coração", 
mantêm-se as imagos narcisistas. Tu és meu discípulo, portanto sou teu mestre. Uma coisa leva 
à outra, circularmente. Nada irrita mais do que a intenção do outro de sair do jogo, pois tropeça 
no que sou. Se o paciente não admite sê-lo, desgosto narcisista no analista. Se o analista 
questiona uma certeza do paciente, desperta nele outra tensão agressiva. 
 
 O imaginário interage com a ordem do simbólico do tesouro do significante. 
 
 Lacan, com sua teoria do imaginário, produz uma reviravolta muito interessante no problema 
da agressividade humana. Propõe que todo questionamento de nossas fascinações especulares 
causa uma visão paranóica do mundo. Basta dizer a alguém que não tem razão, que não é quem 
acredita ser, mostrar-lhe um ponto onde se limita a asseveração de si, para que surja a 
agressividade. Lacan considera a pulsão de morte como expressão do narcisismo. 
Posteriormente, fa-la-á interagir, também, com o registro do simbólico, dizendo que o que insiste, 
o que se repete, é a cadeia do significante. Ao abandonar a biologia, como fator explicativo para a 
agressividade, resta apenas o efeito da estrutura narcisista, tornando tudo mais simples e lógico. 
Por outro lado, para que a fratura seja possível, deve-se admitir que, antes da identificação com a 
gestalt antecipada, o indivíduo devia ter uma imago ou representação deslocada, fragmentada de 
si mesmo. A citação na qual se refere à obra de Hyeronimus Bosch, ou aos desenhos e jogos 
infantis, indica-nos que Lacan acredita que estas imagens fantasmáticas são originárias. Fazem 
parte de uma herança mítica, simbólica, que o homem recebe de seus antepassados de maneira 
ineludível. Se uma pessoa sentir como agressiva a afirmativa: "creio que isto te será muito difícil" 
é, diria Lacan, porque esta afirmativa está questionando a imago onipotente, poderosa, íntegra, 
com a qual se identificara no estágio do espelho. Mas, simultaneamente, se o questionamento se 
tornar possível, é porque, em alguma parte de sua mente, o indivíduo percebe a possibilidade de 
ser fragmentado, criticado ou desintegrado. Esta representação a priori faz parte do acervo que 
herdou, somente pelo fato de existir como ser humano. 
 
 
4. O inconsciente estruturado como linguagem Primazia do significante e do grande Outro 
(A) 
 
 Lacan utiliza os elementos da lingüística em diversos planos e níveis. Por vezes, faz deles um 
uso antropológico e, em outras, sua reflexão sobre a linguagem tem aplicações psicanalíticas. 
Torna-se claro que seu pensamento não se move de maneira homogênea, nem sempre no 
mesmo plano, mas que os diversos elementos interagem de maneira variada. No entanto, com 
finalidades explicativas, é útil procurarmos discriminar estes diferentes níveis. 
 
 Em uma reflexão basicamente antropológica, Lacan destaca que o homem está inserido em 
um universo de linguagem. De fato, o ser humano é, graças à sua inclusão em um sistema de 
significantes, e é esta diferença essencial que distingue o homo sapiens das outras espécies do 
mundo animal. As abelhas, por exemplo, comunicam-se entre si, podem transmitir umas às outras 
a localização das flores, necessária para a fabricação do mel. Mas estes insetos estão 
completamente incapacitados de criar, mediante seus meios de expressão, novos sentidos. 
Devem se limitar a "dizer-se" aquilo para o qual estão etologicamente programados. O homem, 
em compensação, pode utilizar seu meio de expressão para criar novos sentidos. Isto demonstra 
que a linguagem é muito mais do que um meio fixo de comunicação. Seu uso é que faz do 
homem um ser especial. 
 
 Através de que mecanismo pode a linguagem permitir esta criação? Sua própria estrutura é 
ambígua. Recordemos os conceitos de sincronia e diacronia. A linguagem é combinatória nos 
dois sentidos: um, horizontal, transcorre com o passar do tempo; no outro, vertical, um 
significante desloca outro, que está ausente. Se dissermos "traze-me a mesa", em lugar de 
"traze-me a cadeira", a substituição do significante "mesa" por "cadeira" muda o sentido. 
Obviamente, há substituições que dão muito mais sentido. Voltemos à utilizada páginas atrás: a 
substituição de "paixão" por "fogo" ou de "lobo" por "homem", evidentemente, é criadora de um 
novo sentido. Segundo a opinião de Saussure, e também de Lacan, o que permite estes 
malabarismos é a própria estrutura da linguagem, sua disposição em forma de trama, de 
entrecruzamento, com linhas que se associam, em sentido vertical e horizontal. Esta trama é o 
que chama de "cadeia significante", descrita como "anéis, cuja corrente se fecha no anel de outra 
corrente feita de anéis" (1957 p. 481). 
 
 Portanto, o homem nasce em um universo que fala, em um universo de linguagem. O fato de 
ser nomeado o introduz no sistema lingüístico e este sistema o transforma em mais um 
significante da cadeia. O sujeito é, segundo Lacan, um significante, para outros sujeitos ou outros 
significantes. A única forma de designar um sujeito, em particular, é através dos significantes da 
linguagem; dizer "Pedro" ou enunciar "aquele homem de óculos" requer nossa submissão ao 
sistema significante da linguagem. Portanto, nada mais somos do que significantes, em um 
sistema de significantes. E o somos pelo próprio efeito do sistema. 
 
 Do dito até o momento, pode-se deduzir o sentido radical que possui o enunciado lacaniano: 
"O sujeito é falado pelo Outro". O Outro é a lei, as normas e, em última instância, a estrutura da 
linguagem. O sujeito, enquanto o é não existe mais do que no e pelo discurso do Outro. Somos 
alienados pela linguagem, pois somos efeito dela. Recordemos que o sujeito também está 
alienado no imaginário, segundo o descrevemos para o estágio do espelho. Dupla alienação: no 
desejo do outro (o semelhante) e no discurso do Outro (a lei, a linguagem). Cada um de nós crê 
ser o que, na realidade, não é (nível imaginário), ao mesmo tempo que não é mais do que um 
significante, produto da estrutura que o transcende (nível simbólico). 
 
 Falamos da criação de sentido, mas não nos detivemos em analisar o mecanismo de sua 
produção. Dissemos que o que permite esta criação é a própria estrutura da linguagem. Mas, 
como é que isso acontece efetivamente? Lacan introduz uma metáfora: a do ponto de capitonê 
("point de capiton"). Do mesmo modo que o ponto com que o tapeceiro une entre si as diferentes 
partes de um estofado, o ponto de capitonê fixa a significação em uma detetminada cadeia de 
significantes. O último significante da cadeia é o que dá sentido aos que o precederam. Um 
exemplo servirá para esclarecer esta idéia. Pensemos o quanto é diferente dizer: "a mesa está 
vazia", do que "a mesa está". O significante "vazia" fecha o sentido, de uma maneira muito 
diferente do que é feito com o verbo "está". Sublinhemos, então, um efeito retroativo de cada 
significante sobre os significantes que o precederam o que dá a significação, ou sejao sentido. 
 
 Mais adiante, veremos que Lacan utiliza este enfoque na formalização de sua teoria do 
desejo, aplicação que tem não poucas conotações. A mais evidente é que, de fato, nosso autor 
postula que o desejo humano é, do mesmo modo que o próprio sujeito, efeito da estrutura da 
linguagem, cumprindo, portanto, suas regras e normas. Até o momento, descrevemos o retrato do 
homem tal como Lacan o concebe: aprisionado entre dois sistemas, o imaginário e o simbólico. 
Este último o determina como sujeito, nomeia-o, situa-o, distingue-o como homem. Em poucas 
palavras, torna-o ser. 
 
 Como se exprimem estas considerações, aplicadas ao homem como sujeito analítico? 
Partiremos de uma das mais célebres e, também, controvertidas propostas lacanianas. Aquela 
que postula que o inconsciente está estruturado como linguagem. Em seu trabalho "L'instance de 
la lettre dans I'inconscient ou la raison depuis Freud" (1957), Lacan diz: "Nosso título dá a 
entender que, além desta palavra, é toda a estrutura da linguagem o que a experiência 
psicanalítica descobre no inconsciente. Pondo em alerta, desde o princípio, o espírito, advertido 
sobre o fato de que pode ser obrigado a revisar a idéia de que o inconsciente não é mais do que 
a sede das pulsões" (ibid., pp. 474-475). A letra, por sua vez, é definida como "... este suporte 
material que o discurso concreto toma da linguagem..." (Ibid.). O que, na verdade, nada mais é do 
que o significante. 
 
 "Digamos que o sonho é semelhante àquele jogo de salão, no qual se faz com que os 
espectadores adivinhem um enunciado conhecido ou sua variante somente por meio de uma 
cena muda. O fato do sonho dispor da palavra nada muda a este respeito, porque, para o 
inconsciente, ela nada mais é do que um elemento de colocação em cena, como os demais... Os 
procedimentos sutis que, não obstante, o sonho costuma empregar para representar estas 
articulações lógicas, de maneira muito menos artificial do que aquela que o jogo geralmente 
utiliza, são objeto, em Freud, de um estudo especial no qual se confirma, uma vez mais, que o 
trabalho do sonho segue as leis do significante" (Ibid., p. 492). 
 
 Para Lacan, o significante tem um peso maior do que o significado. De fato, propõe a primazia 
do significante. No seminário sobre o conto de Edgar Allan Poe, "A carta roubada" (Ecrits, pp. 5-
55), fica evidente este ponto de vista, em contraste, digamo-lo, com o equilíbrio interno do signo 
lingüístico que Saussure postulara. 
 
 No relato, Poe cria uma trama em torno do desaparecimento de uma carta, cujo conteúdo 
todos desconhecem. A presença ou ausência da carta põe os protagonistas em um jogo: quem a 
tiver, possuirá poder sobre quem não sabe onde ela está. Na carta há, ao que parece, uma 
informação incriminatória sobre a rainha. Seu desaparecimento e substituição por um envelope 
idêntico, mas com conteúdo diferente, gera a tensão e causa os diferentes movimentos 
executados pelos protagonistas. 
 
 Lacan utiliza o conto de Poe para demonstrar como o significante tem primazia sobre o 
significado. A carta é um envelope, cujo conteúdo é sus peitado mas não conhecido. Neste 
sentido, nada mais é do que um significante. Sua posse é o que situa cada um dos personagens 
em cena: quem o possui, está em situação de incriminar a rainha; quem o perde, fica em 
desvantagem. O espectador pode suspeitar do conteúdo do envelope ( o significado), através de 
sua circulação entre os diferentes personagens (significantes). Mediante esta metáfora, Lacan 
encena a posição do sujeito, quanto ao significante. O indivíduo move-se em torno, por causa 
dele. 
 
 Também fica estabelecido seu ponto de vista acerca do que, em sua opinião, tem prioridade 
no interior do signo lingüístico: o significante. Em síntese, o conto de Poe ilustra duas idéias 
diferentes, mas vinculadas entre si: o significante tem prioridade sobre o significado e é sua 
circulação que define o lugar que cada indivíduo ocupa na estrutura. Mas qual é o valor 
representativo do significante? Lacan propõe que este decreta a morte da coisa. O significante é 
aquilo que a coisa não é, o que determina uma carência que lhe é intrínseca. E, na medida em 
que algo lhe falta e, ao mesmo tempo, existe, em relação aos outros significantes do código; é, 
porque não é outro significante. Se, como vimos acima, o sujeito nada mais é do que um 
significante, para outro significante, então podemos lhe aplicar esta mesma fórmula, da qual 
resulta que o sujeito também possui uma carência de ser fundamental. 
 
 A combinação peculiar que os significantes adquirem no inconsciente diz respeito também às 
leis da linguagem. A análise do sonho, uma das expressões mais notáveis do inconsciente, exige 
a descoberta de uma frase oculta. Os mecanismos, pelos quais se deu este ocultamento, são 
proporcionados pela linguagem: referimo-nos à metáfora e à metonímia. 
 
 A importância destes conceitos, na obra de Lacan, nos obriga a Ihes dedicar umas linhas, 
para que se possa compreender, em toda sua grandeza, a aplicação clínica que esta teoria nos 
propõe. 
 
 A metáfora se apóia na primazia do significante, dentro do signo lingüístico. 
 
 Se, como faz Lacan, expressarmos, com um algoritmo, o signo lingüístico, poderíamos dizer 
que este pode ser representado mediante S/s, onde S é o significante e s o significado. A 
presença, no numerador, da fração do significante, indica sua primazia sobre o significado. Na 
metáfora, a substituição operada é a de um significante por outro significante. Sua notação é a 
seguinte: 
 
 
 
 Aqui, o significante 2 substitui o significante 1, mas este, junto com seu significado, passam 
sob a barra de significação. Ficam como conteúdos latentes. Na metáfora, ao substituir um 
significante por outro, deve-se colocar, na parte inferior da barra do algoritmo, o signo completo 
substituído (significante e significado), pois não sendo assim criar-se-ia um novo signo e não uma 
metáfora. 
 
 No exemplo que demos em paginas anteriores, esta substituição seria feita do seguinte modo: 
 
 
Processo metafórico 
 
 Com o signo completo correspondente a "homem", conservando-se "latente", temos a criação 
do próprio sentido da metáfora. 
 
 Passemos, agora, ao processo metonímico. Como já o mencionamos, na metonímia, 
permuta-se um significante por outro, que tem, com o primeiro, uma relação de contigüidade. Dor 
(1985, p. 59), em seu didático livro sobre Lacan, exemplifica-a assim: substituímos o significante 
psicanálise pelo significante divã. Expressando-o com o algoritmo lacaniano, diríamos que: 
 
 
processo metonímico 
 
 No processo metonímico, não e possível tirar o significante substituído do algoritmo, pois sua 
presença é necessária para que se constitua a metonímia. O significante 2 somente tem seu 
sentido em função da contigüidade com o significante 1. Na metonímia, toma-se necessário um 
processo de pensamento capaz de criar o sentido. Na metáfora, em compensação, o sentido 
surge imediatamente. Explica-se pelo fato de que neste ú'timo caso, o significante franqueou a 
barra de significação, ocupando o lugar do significado. 
 
 Apoiado nestes conceitos, Lacan estudou as diversas formações do inconsciente, propondo 
que o inconsciente se estrutura como linguagem. Logo veremos as implicações metapsicológicas 
que estas idéias possuem. 
 
 Dois dos fenômenos oníricos descritos por Freud têm notáveis semelhanças com os 
processos metafóricos e metonímicos, próprios da linguagem. São a condensação e o 
deslocamento. 
 
 Na condensação, que para Lacan é análoga à metáfora, um significante substitui outro 
significante, que passou ao estado latente. Uma casa, no sonho, pode ser, simultaneamente, a 
casa em que passamos a infância, a escola e nosso atuallocal de trabalho. O significante "casa", 
que faz parte do conteúdo manifesto do sonho, substituiu os demais significantes, porém estes, 
como revela o trabalho da interpretação, não desapareceram. Apenas ficaram sob a barra de 
significação, como conteúdos ou significados latentes. A substituição é plena de sentido, pois sua 
descifração revela uma associação que, até então, era desconhecida para o sujeito. 
 
 Seguindo esta linha, o processo metonímico é análogo ao fenômeno de deslocamento descrito 
por Freud. Nele, os elementos significativos são substituídos por outros que, embora façam parte 
da mesma idéia geral, são os aspectos menos importantes dela ou guardam uma relação de 
causa-efeito ou de continente-conteúdo. Neste caso, a relação entre um significante e outro é 
direta e ambos os significantes estão, de uma ou outra maneira, presentes no material manifesto 
do sonho. Uma mulher sonhou que desmanchava o vestido da irmã, no dia em que o estreava. As 
associações poderiam revelar um sentido de inveja da irmã e o desejo oculto de que esta fosse 
lesada. Aqui, o significante "vestido" substitui, metonimicamente, o significante "irmã", que se 
torna evidente, porque ambos os significantes conservam entre si uma relação de contigüidade. 
 
 Os lapsus, os atos falhos, o sintoma e o chiste podem ser interpretados desta mesma 
perspectiva. No trabalho "Fonction et champ de la parole et du langage en psychoanalyse", Lacan 
descreve isto com a seguintes palavras: "O inconsciente é aquela parte do discurso concreto, 
enquanto transindividual, que falta à disposição do sujeito para restabelecer a continuidade de 
seu discurso consciente" (1963, p. 248), donde se deduz, claramente, que o inconsciente se 
revela nos vazios do discurso. E mais adiante: "O inconsciente é o capítulo de minha história que 
foi deixado em branco ou ocupado por um embuste: é o capítulo censurado. Mas a verdade pode 
ser de novo encontrada; freqüentemente já está escrita em outro lugar. A saber: 
 
 - nos monumentos: este é meu corpo, isto é, o núcleo histérico da neurose, onde o sintoma 
histérico mostra a estrutura de uma linguagem sendo decifrada como uma inscrição que, uma vez 
recolhida, pode, sem grandes perdas, ser destruída; 
 - também nos documentos de arquivo: são as recordações de minha infância, tão 
impenetráveis como elas, quando não conheço sua proveniência; 
 -na evolução semântica: isto corresponde tanto ao estoque e às acepções do vocabulário que 
me é próprio, como ao estilo de minha vida e de meu caráter; 
 - também na tradição e, ainda, nas lendas que, sob uma forma heróica, veiculam minha 
história; 
 - finalmente, nos rastros que, inevitavelmente, conservam as distorções necessárias para a 
conexão do capítulo adulterado com os capítulos que o cercam, e cujo sentido minha exegese 
restabelecerá; (ibid., p. 249). 
 
 Este enfoque conceptual indica, de maneira decisiva, a forma de trabalho proposta por Lacan. 
Se o inconsciente se revelar, através das formações que lhe são próprias, e se estas forem efeito 
da estrutura da linguagem, será pelos cortes e erros do discurso que se tornarão acessíveis à 
consciência. Assim, não haveria outra forma de acesso ao inconsciente, senão a escuta atenta do 
discurso do paciente, à espera de que um lapsus, um chiste, um sonho, desvendem a 
combinatória peculiar de associações, que subjaz a estas produções. Isto devolve à palavra o 
papel essencial que teve, no início da psicanálise e, em sentido inverso, diminui a eficácia que 
alguns analistas atribuem às experiências emocionais ocorridas na sessão. Lacan critica 
duramente as idéias daqueles que, como Balint, Winnicott e outros, propõem que a presença e a 
atitude empática do analista na sessão têm um efeito curativo. Em sua opinião, o sentido é 
revelado ao sujeito através dos cortes do discurso e de atos que possuem, em última instância, o 
efeito de u na palavra. Privilegia-se a palavra, no sentido de que é por meio dela que temos 
acesso ao inconsciente. Suas pontuações, seus erros, seus esquecimentos, a cadeia do discurso 
(seqüência de significantes que, finalmente, se tornam significados, em virtude do último 
significante da cadeia), tudo isso são ferramentas com que conta o analista. 
 
 Até o momento, vimos a posição que o sujeito mantém com a linguagem e como Lacan extrai 
seus postulados, a partir da hierarquia que a estrutura lingüística possui, em sua teoria. Vejamos, 
agora, mais pormenorizadamente, como a linguagem aliena o sujeito. Em outras palavras, 
devemos considerar o estudo do mecanismo pelo qual o sujeito se inscreve na ordem do 
significante. Este é o tema da Lei e do Outro. 
 
 
5. O falo. A metáfora do nome-do-pai 
 
 O que é o falo, na obra de Lacan? Começaremos por esclarecer o que não é: não é o pênis. A 
referência à castração não é, em nenhum momento, uma alusão à privação do órgão genital 
masculino. Constitui uma referência à função do pai, como mediador da relação entre a mãe e a 
criança. Essa função paterna se interpõe na relação diádica, imaginária, especular, que é 
verificada entre o bebê e a mãe. É isto a castração. 
 
 Para poder ser o terceiro e intermediar o vínculo diádico, o pai deve transmitir a Lei, fato que 
se atualiza por ser o portador do nome. É o pai quem nomeia o filho e, neste ato, está 
simbolizado que é o possuidor do falo, da Lei. 
 
 Ao sair da fase identificatória do estágio do espelho, a criança está alienada em um imaginário 
da mãe. Anseia ser o desejo da mãe. Isto implica ser o que a mãe não possui: o falo. Há, neste 
momento, uma segunda etapa identificatória: a identificação com o desejo do outro. O dilema em 
que o sujeito se debate, neste momento, é o de ser ou não ser o falo, o que posterga a temática 
da castração; esta será enunciada mais adequadamente, se dissermos que o que ela trata é de 
ter ou não ter o falo. 
 
 Em um segundo momento do processo edípico, o pai passa a participar, momento em que 
privará a mãe de seu filho-falo e a este da satisfação imaginária, proporcionada por ser o falo da 
mãe. A criança se vê forçada, simultaneamente, a pôr em dúvida sua identificação fálica e a 
renunciar a ser o desejo da mãe. Correlativamente, do ponto de vista da mãe, o pai a priva do falo 
que se supõe seja o filho. O pai parece ser, para a criança, o objeto fálico possível. 
 
 Precisamos esclarecer que, para que esta mediação seja possível, não basta que o pai 
interponha a proibição. A mãe deve se fazer eco dela, transformando-se em porta-voz do que 
Lacan chama de "Lei do pai". A criança então descobre que o desejo de cada um deve se 
submeter à lei do desejo do outro. Neste ponto, a segunda etapa do Édipo, passa-se da ilusão de 
"ser" o falo para a de "ter" o falo, pois se supõe que o pai tem o objeto do qual a mãe depende, a 
ponto de impor uma lei que lhe causa, por sua vez, uma privação. 
 
 Neste segundo momento do processo edípico, a criança ingressa na simbolização da lei que, 
mais tarde, permitirá o declínio do complexo. É confrontada com a castração, que implica a 
necessidade de "ter" aquilo que preenche o desejo da mãe. O pai real, ao impor sua lei, 
transforma-se em pai simbólico. 
 
 Este momento é crucial para o indivíduo, pois só assumindo a castração torna-se possível 
aspirar a ter o falo, ou o que é o mesmo, a transmitir a Lei. Qual é o motivo pelo qual o homem 
julga que seu pai é possuidor transitório do falo e não que é o próprio falo? A resposta é dada 
pelo fato de que o pai é portador de um nome, que, por sua vez, lhe foi dado por outro homem, 
seu próprio pai. 
 
 Assim, chegamos a uma terceira etapa do Édipo. É comprovada pelo fato de que a criança 
recebeu a significação. Ela renuncia à sua condição de "ser" para ingressar na dialética da 
negociação, que lhe permitirá "ter". Entra em jogo a identificação dovarão com o pai e da menina 
(que assume o "não ter") com a mãe. 
 
 Na teoria lacaniana, este processo é estruturante. O ingresso no mundo do significante e, 
portanto, na constituição do inconsciente e o recalcamento originário, estão sujeitos a ele. É isto 
que Lacan teorizou, sob o nome de "A metáfora do nome-do-pai". 
 
 Que o falo se constitua no significante por excelência, no significante primordial, é explicado 
pelo fato de que é ele que ordena e distribui os papéis do drama vital. Quem o têm? A quem 
falta? Quem gostaria de sê-lo? Pai, mãe, filho. Assim como no conto de Poe, os papéis estão 
definidos, em relação à posse ou carência deste significante primordial. Não há outra forma de 
definir o papel que cabe mais a um do que a outros e esta relação está, por sua vez, firmada pelo 
falo, indicador do lugar correspondente a cada um, na estrutura. 
 
 A aceitação da lei do pai produz uma primeira substituição metafórica: substitui-se o 
significante "falo" pelo "nome-do-pai". Possuir o falo é substituído pela "posse do nome-do-pai", 
pois esta posse é que identifica, na estrutura, a posição do próprio pai. Esta primeira substituição 
de um significante por outro é a metáfora originária, a metáfora do nome-do-pai. Também é o 
primeiro processo de simbolização e o que indica o advento, para o sujeito, da ordem significante. 
A partir de então, o objeto do desejo da mãe tem um nome que, embora nunca seja dito, será 
enunciado por intermédio de infinitas verbalizações. A partir deste momento inaugural, todos os 
objetos de desejo que o sujeito enuncia não são mais do que deslocamentos metonímicos do 
significante primordial: o falo. 
 
 No curso de sua substituição pelo nome-do-pai, o significante fálico se torna inconsciente. 
Porém, o falo é um significante altamente investido, em virtude de ser o desejo da mãe. Isso faz 
com que este significante, já in- consciente, atraia outros significantes, associados 
metonimicamente com ele. Os sucessivos significantes, que se tornarão objeto do recalcamento, 
conservam entre si uma relação semelhante à que a estrutura da linguagem lhes confere, pois é 
de suas leis que provêm. 
 
 A cadeia de significantes inconscientes responde a leis que estruturam a linguagem, o 
recalcamento secundário se produzindo conforme estas mesmas leis. Vemos, então, por que é a 
lei do Outro que define seus conteúdos inconscientes; aquilo que será reprimido não é totalmente 
alheio; depende, completamente, da estrutura da linguagem e da lei da cultura, é algo que nos 
precede e cujo controle escapa às nossas possibilidades. 
 
 Esta teorização também serve para Lacan dar uma feliz resposta ao problema da memória, 
em psicanálise. Propõe que a memória nada mais é do que a estrutura da linguagem, presente no 
inconsciente. Isto explica a in- destrutibilidade do desejo inconsciente. * * * "Não há outro meio de 
conceber a indestrutibilidade do desejo inconsciente - quando não há necessidade que, ao ver 
que lhe é proibida sua sociedade, não se quebre, em caso extremo pela consunção do próprio 
organismo. E em uma memória, comparável ao que se chama com este nome em nossas 
modernas máquinas de pensar (fundadas sobre a realização eletrônica da composição 
significante), que reside essa cadeia que insiste em se reproduzir na transferência, e que é a de 
um desejo morto" (Ecrits, p. 499). 
 
 O recalcamento primário, isto é a metáfora paterna, também é induzido pela Lei que o 
representa, através da proibição do incesto e da castração. É necessário aceitá-lo para ser 
portador, por seu turno, da Lei. 
 
 O sujeito psicológico nasce ao ser incluído na ordem do significante e na lei do pai, 
reconhecendo a castração. Mas, por este mesmo ato, seu psiquismo é clivado, uma parte dele 
ser-lhe-á inteiramente desconhecida: seu inconsciente. Então aparece uma alienação inicial. Não 
é sujeito até que ingresse na ordem simbólica da linguagem e, quando o faz, fica dividido, clivado 
pelo efeito da própria ordem simbólica. 
 
 O que, portanto, se impõe, é a castração; aliena-nos na estrutura da linguagem que não nos 
deixa resquícios para ser mais do que sujeitos alienados na demanda. O Outro, ao ditar as leis da 
linguagem, que nos estruturam, e das relações de parentesco que estabelecemos, também dita 
as normas a que se subordinarão nossos desejos e, conseqüentemente, nossas demandas. 
 
 Os três registros, imaginário, simbólico e real, interagem simultaneamente. São o nó 
borromeu, uma figura na qual, ao desatar um dos cordões, os demais ficam soltos. Há uma 
solidariedade constitutiva entre todos os registros, embora se indique a primazia do simbólico, 
como primazia do significante, em seu efeito sobre o imaginário e o real. Donnet diz, em seu 
trabalho "Evolución histórica del psicoanálisis" (1974) que, se Melanie Klein é o imaginário e 
Hartmann o real, Lacan é o simbólico. Embora demasiado definitivo, o julgamento encerra, de 
todo modo, uma verdade, o papel principal que Lacan outorgou ao simbólico. 
 
 O que é o real? Não se trata da realidade, no sentido tradicional, materialista, com a tomam 
Freud e a psicologia do ego. Não temos uma percepção imediata da realidade. Os significantes a 
segmentam e a criam. Quando vemos uma porta em um quarto não é só isto o percebido, o 
significante "porta" decompõe o plano da parede, organizando o mundo externo e as emoções. 
 
 Lacan não dedica ao registro do real a mesma quantidade de trabalhos que aos demais. Um 
dos sentidos que lhe atribui é o de um corte entre os dois registros, simbólico e imaginário. 
 
 
6. O desejo humano e sua topologia 
Entre o outro e o Outro 
 
 Lacan estuda a temática do desejo em vários trabalhos. Destacam-se especialmente seus 
seminários sobre Les formations de I’ïnconscient e O desejo e sua interpretação (1957-58 e 1958-
59); retoma o tema em "Subversão do sujeito e a dialética do desejo no inconsciente freudiano", 
lido, primeiramente, em setembro de 1960, em Royaumont, sob os auspícios dos "Colóquios 
Filosóficos Internacionais" e, posteriormente, publicado nos Ecrits (773-807). 
 
 Estamos, novamente, diante de proposições que, ao reformular, de maneira original, os 
conceitos psicanalíticos clássicos, tornam-se de difícil compreensão. Acreditamos que há várias 
leituras possíveis do discurso de Lacan a respeito deste tema, pois suas idéias, algumas vezes, 
se expressam de forma ambígua, não ficando claramente entendido o que pensa o autor. Disto 
decorre que nossa apresentação seja muito pessoal e, logicamente, passível de causar 
discordâncias. 
 
 As idéias tradicionais sofrem uma notável modificação: a estrutura da intersubjetividade 
humana, na ordem imaginária (identificação narcisista), é articulada com as idéias de Lacan sobre 
a linguagem e a incidência do Outro ou tesouro do significante. Há problemas a respeito deste 
tema que Lacan não consegue definir ou resolver, adquirindo suas afirmativas, em alguns 
momentos, um caráter demasiadamente axiomático. No entanto, tudo isto pode ser estudado com 
o espírito de constituir um vento renovador, que permite repensar aspectos muito significativos da 
psicanálise. 
 
 Para Lacan, o desejo humano remete a algo diferente da necessidade biológica imediata. Em 
Freud, esta questão foi apresentada ao separar Instinkt (instinto animal) de Trieb (pulsão 
humana). Lacan discute o desejo humano fazendo interagir o registro do imaginário com o do 
simbólico: as relações entre os processos da identificação imaginária e os que pertencem ao jogo 
do significante. Intitulamos este item de "Entre o outro e o Outro", para explicar, resumidamente, 
sob que ótica este autor encara o desejo. 
 
 Façamos um breve resumo das categorias que iremos encontrar nesta exposição. 
 
 - O outro (a) = autre (a): o ser humano se identifica com a imagemque lhe é devolvida pelo 
olhar do semelhante. É a base da identificação narcisista. Alienado no desejo alheio, a criança e o 
adulto mimetizam as aspirações que vêm de fora. Também é o ego ideal da figura heróica, 
construída sobre imagos antecipatórias. O que não se é, mas se deseja ser. Nossa própria 
imagem refletida. 
 
 - O Outro (A) - Autre (A): a linguagem e o significante constituem um tesouro. É o lugar do 
Outro. O homem fica inscrito no universo de palavras e no nome que lhe dá seu lugar, outra 
alienação primordial em um discurso que procede do exterior. 
 
 - O ideal do ego, que nos diz: "Deverás ser como teu pai, como ele buscarás esposa, mas não 
a dele". Surge a Lei e seus significantes ou símbolos, por exemplo, as tábuas da lei, a Santíssima 
Trindade. 
 
 Os gráficos que Lacan usa em seus seminários (os do desejo, I, II e III, o do sujeito, L), 
ilustram e são, ao mesmo tempo, metáforas. Não possuem rigorismo matemático ou geométrico. 
Incluem vários níveis simultâneos de leitura. Lacan pensa que uma das vertentes do desejo 
humano é que o sujeito procura se constituir em objeto do desejo de seu semelhante, o outro, em 
primeira instância, a mãe. Desejo de (a). Desejo como (a) e que (a) nos tome como objeto de seu 
desejo. Ali estaria uma das bases do amor (e se isto não ocorrer, do ódio). A criança quer ser o 
desejo da mãe; como esta deseja um falo, a criança deseja ser o falo, para se constituir no objeto 
do desejo da mãe. Esta estrutura é definida, em Lacan, como axiomática. O narcisismo remete a 
uma topologia e a uma estrutura. É assim e acabou, não há livre arbítrio diante disto, a estrutura 
se prende como uma máscara de ferro. 
 
 Recordar-se-á que já mencionamos o apoio em Hegel e na "Dialética do Senhor e do 
Escravo". A intersubjetividade é definida a partir da demanda do reconhecimento. És meu escravo 
e, por isso, reconheço-me como teu amo. Para ser, defino-me na relação. Sem ti, nada valho. 
Verdadeira carência de ser que a estrutura detém, momentaneamente, por meio de uma 
identidade que se estabelece na alternância com o outro. Sou o que o outro não é. Portanto, 
minha existência e meu desejo são definidos pelo desejo e a falta do outro. 
 
 A outra vertente do desejo humano vem do grande Outro. Esta incidência é múltipla. É o 
Outro quem dá, desde o início, as palavras para desejar. Quando o bebê tem uma necessidade, a 
mãe a inscreve, junto com a satisfação desta necessidade, em um universo de linguagem. A 
palavra que nomeia a coisa também encerra o gozo e o amor da experiência. O Outro indica o 
que desejar. Sua mensagem aparece no sujeito de maneira invertida quando é expressa como 
desejo próprio. 
 
 Há um duplo desejo de reconhecimento: pelo outro e pelo Outro. Porém, assim como 
estrutura o sujeito, a linguagem confere ao desejo uma das características essenciais: o efeito de 
deslocamento metonímico de um para outro objeto. Recordemos que, na metonímia, um 
significante sempre remete, por contigüidade, a outro significante. Trinta velas, diz Lacan, 
substitui o significante "trinta barcos". A linguagem transcorre neste contínuo deslocamento. O 
inconsciente, ao acompanhar a estrutura da linguagem, repete este fenômeno. Isto leva a um 
deslocamento interminável do objeto do desejo. 
 
 O objeto a, objeto da pulsão, a cria e é seu efeito. Neste objeto a, que Lacan vincula ao 
fantasma, é onde a pulsão busca sua descarga e o êxito da satisfação. Quando o ser humano 
deseja beber, o líquido satisfaz o nível pulsional, mas o desejo fica, inevitavelmente, insatisfeito. 
Salta desta para outra experiência, em uma circulação metonímica incessante. O significante liga 
o desejo a outro significante, mas o que pode um significante fazer senão se deslocar, sem nunca 
se deter? Só dá um sentido em um corte sincrônico fugaz que, rapidamente, retoma sua marcha. 
 
 Assim, desejamos porque falamos. A linguagem é a estrutura que nos torna desejantes e, ao 
mesmo tempo, o modelo do desejo. Lacan usa ambos os critérios, simultaneamente. O desejo 
Fica, ao mesmo tempo, inscrito e oculto na demanda. Está antes dela. Na realidade, o que se 
demanda é ser amado, como sucede na análise, tanto no paciente como no analista. O Outro 
regula esta relação, assim como todas as relações. Porque há linguagem, expressa-se a 
demanda de amor onde está o desejo de reconhecimento. Este, por efeito de ordem significante, 
nunca pode ser preenchido. Aparece sempre de outra forma. Assim como o dicionário explica um 
termo com outro e este remete, por sua vez, a um terceiro, um significante só encontra seu 
sentido na cadeia de significantes. 
 
 Lacan aborda a questão do desejo, combinando o discurso psicanalítico com o lingüístico. 
Embora, em um sentido, amplie a teoria, também pode produzir um efeito redutor. Discuti-lo-emos 
no setor de comentários. 
 
 Lacan diferencia a necessidade, no nível biológico e etológico, do desejo, inscrito em um nível 
simbólico e imaginário. Deve-se distinguir o comer ou beber, como necessidade para sobreviver, 
do desejo de gozo oral que, em sentido estrito, não é satisfeito com o líquido que acalma a sede. 
Requer vinho, champagne ou Coca-Cola. Gozo e prazer são categorias estritamente humanas do 
plano do desejo. Na demanda, pede-se reconhecimento e amor. Demanda do paciente de ser 
amado por seu analista, de ser reconhecido em seu sintoma e em sua presença. A ferida 
narcisista surge diante da frustração da demanda. Aparece a agressão. Podemos tolerar muitas 
coisas, mas não suportamos não sermos reconhecidos. No México se diz "me ningunea" (ignora-
me, N. do T.), para exprimir que alguém não se sente levado em consideração, que é 
subestimado, não reconhecido. Ferida terrível. 
 
 Em seu seminário "Les formations de l'inconscient", Lacan utiliza o chiste (freudiano, N. do 
T.), para nos introduzir na temática do desejo. Um judeu que visita um familiar, rico personagem, 
diz, com humor, que o receberam bem, com um tratamento verdadeiramente familionário. Lacan 
diferencia o riso provocado pelo chiste, daquele que é causado por algo cômico. Faz a seguinte 
reflexão: quando rimos diante da queda de uma pessoa, nossa reação se deve a um fenômeno 
de ruptura do imaginário. O indivíduo, ao cair, também tropeça em uma imagem, a do homem e 
sua pompa bípede, a figura solene. Junto com o homem que cai, vem abaixo o ego ideal. O riso, 
que surge da ruptura imaginária, é efeito de uma ocorrência cômica. 
 
 No chiste do familionário, criou-se um neologismo que causa riso, porque há uma referência 
ao tesouro do significante (familiar, milionário). O Outro está presente, fornecendo os elementos e 
como ponto de ancoragem, para que surja o sentido oculto. O chiste, eis sua diferença com o 
cômico, está escondido no significante, irrompendo por seu jogo. 
 
 Lacan pensa que o sintoma neurótico ou o sonho, do mesmo modo que o chiste, é a 
metonímia do desejo. Este se esconde neles mas não tanto que não seja alcançado. 
 
 Da identificação narcisista surge o desejo de ser o desejo do outro (o semelhante), ocupando 
o lugar do objeto de seu desejo. Desejamos ser reconhecidos. Porém, este mesmo semelhante 
nos introduz, ao exprimir em palavras nosso desejo, em um universo significante que exige nossa 
subordinação às leis da linguagem (o Outro). Como resultado disso, nosso desejo não poderá ser 
nomeado jamais e circulará metonimicamente, de um para outro significante. Desejo de uma 
roupa nova, mais tarde de outros sapatos, depois, de uma ceia com caviar, e assim 
sucessivamente. A estrutura me obriga a continuar desejando. Definitivamente, desejo desejar. 
Este seria o desejo oculto na metonímia dos significantes "roupa", "sapatos", "ceia". 
 
 Depois de descrever, em grandes traços, a teorização lacaniana do desejo, vamos 
acompanhar, passo a passo, a inscriçãodo sujeito em sua dialética. 
 
Satisfação da necessidade e objeto da pulsão 
 
 No início da vida, diante de uma situação biológica de tensão e desprazer (por exemplo, a 
fome), aparece no mundo externo 0 objeto que a satisfaz. A criança, antes de que este objeto 
existisse; está em uma situação de necessidade que exige ser satisfeita, e esta se produz em um 
registro basicamente orgânico. 
 
 O mundo externo propõe-lhe um objeto que ele antes não buscava. Este objeto, junto com a 
sensação de satisfação, transformar-se-á em uma marca mnêmica, constituída pela experiência 
da necessidade, ligada à representação do objeto que satisfaz. A marca mnêmica, com seus dois 
componentes, passará a fazer parte do cenário do repertório pulsional do bebê. 
 
 Quando o estado de tensão reaparece, reativa-se esta representação. Reinveste-se a 
imagem do objeto que satisfaz. Em um primeiro momento, a criança confundirá o objeto real com 
o objeto representado. Assim se produz a satisfação alucinatória da pulsão. A partir de 
sucessivas experiências, a imagem representada será distinguível da real, orientando as buscas 
de objetos para um objeto real que permita satisfazer a necessidade. Tudo 0 que dissemos sobre 
a experiência de satisfação foi proposto por Freud, e Lacan o acompanha ponto por ponto. 
 
 A relação do desejo com o processo pulsional é peculiar. O desejo é a busca de satisfação da 
pulsão, através do reinvestimento do objeto primário, o que equivale a dizer que o desejo só 
encontra satisfação de forma alucinatória. 
 
 Portanto, não se pode falar de satisfação do desejo, na realidade. A pulsão pode, em 
oposição, encontrar ou não sua satisfação. Isto é possível graças, precisamente, ao desejo, que 
mobiliza a pulsão para o objeto pulsional. Mas o desejo, como tal, não tem objeto na realidade. 
 
 
O outro (a) como espelho e lugar do desejo 
A formulação da demanda 
 
 Lacan chama o objeto do desejo de objeto a. Como tal é, ao mesmo tempo, um objeto perdido 
e a causa e objeto do desejo. 
 
 O desejo, assim concebido, pressupõe a presença de um outro. No iní- cio da vida, as 
manifestações de tensão produzidas pela necessidade não têm, para a criança, valor 
comunicativo. E o outro que as considera signos e, portanto, demandas. Isto demonstra que o 
bebê está submergido, desde o começo, em um universo semântico, que significa suas próprias 
vivências. É o outro que introduz o bebê neste referencial simbólico, processo através do qual se 
transforma no Outro (ocupando o que, para a criança, é um lugar privilegiado). 
 
 A mãe responde à necessidade manifestada pela criança com gestos e palavras, que dão à 
satisfação obtida um gozo que transforma a necessidade em desejo. A partir deste momento, a 
criança poderá desejar, mas sempre através de uma demanda dirigida ao Outro. 
 
 A demanda, enquanto expressão do desejo, é essencialmente uma demanda de amor dirigida 
ao outro; é demanda de ser o único objeto de desejo do Outro. 
 
 Pelo modo como Lacan considera o narcisismo, surge a idéia de que o desejo é uma busca 
da satisfação primária. Na obra lacaniana, estas proposições têm valor de axiomas que se 
enquadram na conceptualização global do sujeito, em sua relação consigo mesmo e com o outro. 
Mas, além da busca primária, nas sucessivas buscas há, por parte da criança, uma intenção de 
significar o que deseja. Este ingresso na significação, mediado pela linguagem, é 
necessariamente incompleto, o que torna impossível reencontrar o júbilo primário. 
 
 O desejo, enquanto desejo do desejo do outro, transforma-se no desejo de um objeto 
impossível de significar; o desejo renasce constantemente, sobre a falta deixada pela Coisa. 
Todos os objetos com que se procure preencher esta falta serão, apenas, objetos substitutivos. O 
objeto do desejo é o objeto "eternamente faltante". Assim, o objeto a, enquanto objeto faltante é, 
em si mesmo, o objeto produtor da falta. A criança pressente, embora não chegue a descobrir, 
que o outro padece, em seu desejo, da mesma falta que ela sofre e, por isso, aspira a se 
converter no objeto faltante (o falo). 
 
 De certa maneira, ser o único objeto do desejo do outro transforma-se, na criança, em uma 
negociação da essência fundamental do desejo, que é a falta. Recusa tanto esta dimensão de 
falta como a falta no outro, ao se apresentar, a si própria, como objeto desta falta. Inversamente, 
reconhecer a falta no outro, como algo impossível de preencher, é o que faculta ao sujeito notar a 
irreversibilidade de sua própria falta. Este é o primeiro passo para o desenvolvimento edípico. Na 
dialética do Édipo, a criança deve abandonar a posição de objeto do desejo, ocupando, portanto, 
uma posição na qual passa a ser sujeito do desejo de objetos substitutivos. 
 
 
7. A técnica psicanalítica. A transferência 
O Sujeito Suposto Saber 
Palavra plena e ato simbólico 
 
 Antes de entrar no assunto, impõem-se alguns comentários gerais sobre a relação entre a 
teoria psicanalítica e a técnica. Quanto mais precisa for a teoria da técnica, a prática clínica, ao se 
ajustar a ela, deverá percorrer um caminho mais científico e seguro. Não pode ser subestimada, 
portanto, a intenção de estabelecer as categorias da técnica, seus parâmetros e operações, que 
são deduzidos a partir de concepções mais gerais, como a do inconsciente, a transferência ou a 
estrutura do conflito. Os princípios da associação livre, a análise dos sonhos, a neutralidade do 
analista, a análise da transferência, universalmente aceitos, servem para encaminhar a tarefa 
clínica do analista, tornando-a mais eficaz. Mas, assim acontece com as constituições dos países. 
Existe a letra, e também sua aplicação. Não é irrelevante que a letra seja adequada, a melhor 
possível. Porém, depois virá sua aplicação e, então, o problema será dirimido na saúde mental do 
analista, em sua capacidade, integridade e análise pessoal. Qualquer constituição pode ser 
subvertida em sua aplicação e qualquer teoria da técnica pode ser invocada para os piores 
excessos e erros. 
 
 Interessa-nos discutir e apresentar as idéias de Lacan, no plano da teoria da técnica. 
Estabelecemos, oportunamente, a diferença entre teoria psicanalítica e movimento psicanalítico. 
O movimento inclui muitos problemas de diferentes níveis: conflitos das pessoas, características 
das instituições como fenômenos sociais e, evidentemente, questões ideológicas gerais que se 
misturam com as do movimento. Também na teoria incidem alguns destes fatores. 
 
 Lacan mudou vários dos critérios técnicos clássicos da psicanálise freudiana. Isto, entre 
outras coisas, foi um dos motivos manifestos de sua expulsão da Associação Psicanalítica 
Internacional. Ele pensa que no discurso do paciente pode haver palavra vazia e palavra plena. 
Há algo que se omite no discurso, quando o paciente recorre ao "molinete de palavras", 
esperando a gratificação narcisista de seus conflitos ou envolver neles o analista. O imaginário é 
mantido, ficando obstaculizado o acesso à verdade. Para tirar o paciente das fascinações 
especulares, Lacan apela mais à interrupção da sessão do que à interpretação. Crê que um corte 
adequado conseguirá, através do ato, um efeito simbólico, instaurando o Outro e a palavra plena. 
Procura-se desalienar o sujeito de suas imagos, restaurando a verdadeira história, os 
determinantes de seu ser, os enganos do sintoma. O ato acentua, rompe, causa uma saída do 
imaginário; leva à palavra plena. 
 
 Podemos acompanhar o pensamento clínico e técnico de Lacan através de vários de seus 
artigos: "Intervention sur le transfert" (1951), Le seminaire de Jacques Lacan. Les écrits 
techniques de Freud (1975), e grandes trabalhos como "Function et champ de la parole et du 
langage en psychoanalyse" (1953) e "L'instance de la lettre dans I'inconscientou la raison depuis 
Freud" (1957). 
 
 As considerações técnicas de Lacan são solidárias com a hierarquia que a linguagem técnica 
lhe dá (tesouro do significante) em sua interação com o registro imaginário (identificação 
narcisista). 
 
 Se a linguagem aliena o sujeito e o converte em significante dentro de uma estrutura, é a 
linguagem que deve desaliená-lo. Lacan questiona as correntes pós-freudianas que seguem a 
linha das relações de objeto, hierarquizando a importância do vínculo emocional com o analista. 
Para ele, o esquecimento da função da palavra, entre outros fatores, levou ao estancamento da 
disciplina. 
 
 Quanto à teoria da transferência, afasta-se do critério clássico em vários pontos. Em alguns 
trabalhos, Lacan considera que, se o analista interpretar adequadamente mantendo o processo 
analítico dentro de comparações dialéticas adequadas, não só a análise não se interrompe, como 
não se instala a transferência. Em seu trabalho de 1951, diz que a transferência do paciente é a 
resposta a um preconceito do analista. Se o analista surgir, de imediato, como aquele que sabe, 
fica instalada a transferência. Em princípio, é a estrutura intersubjetiva que dá lugar ao seu 
aparecimento. 
 
 Para Lacan, como estruturalista, o que explica a transferência é a disposição e a organização 
do campo. E um ponto de vista alternativo àquele que sustenta que a transferência, desdobrada 
como expressão do conflito do paciente, é que organiza o campo. Lacan acredita que Dora vê 
Freud como seu pai (com todas as conseqüências que isto traz), porque Freud tinha um 
preconceito acerca de sua escolha de objeto: como Dora era mulher, seu objeto de amor devia 
ser o Sr. K. Do ponto de vista sustentado por outros analistas, para a compreensão da 
transferência, pensa-se que Dora repetiria, inexoravelmente, o vínculo com seu pai e poderia ver 
Freud como se fosse aquele, independentemente do que este interpretasse ou qual fosse a 
contra-transferência do analista. 
 
 Um último conceito, que queremos introduzir nesta síntese da técnica lacaniana, é a idéia do 
Sujeito Suposto Saber. Pareceria, como o nome diz, que o analista sabe tudo o que o paciente 
ignora. 
 
 Revelará seu saber na interpretação; o paciente procurara este conhecimento e, ao 
reconhecer este papel no analista, também procurará seu amor. O analista pode, 
equivocadamente, assumir este papel e "enche" o paciente com seus conhecimentos, em lugar 
de deixá-lo revelar sua verdade pela palavra. 
 
 Se se colocar no lugar imaginário ou especular, oferecer-se-á ao paciente como aquele que 
conhece a verdade, mas como garantia de que se utiliza de um método, a palavra, com a qual a 
verdade será posta em evidência. O analista, como o pai do complexo de Édipo, pode crer e fazer 
seu paciente crer que é o falo, desconhecendo que haja uma Lei, um Outro, ao qual ambos, 
paciente e analista, devem se remeter. 
 
 Voltemos ao trabalho de Lacan, "Intervention sur le transfert", em que assenta as bases para 
algumas das reformulações que acabamos de comentar. 
 
 A experiência analítica se diferencia de outras doutrinas psicológicas porque se desenrola, 
inteiramente, de sujeito a sujeito. Na psicanálise, há um diálogo intersubjetivo, por existir uma 
escuta. 
 
 O caso Dora pode ser reexaminado, à luz destas idéias, como uma sucessão de inversões 
dialéticas. "Trata-se de uma escansão das estruturas na qual a verdade se transmuta para o 
sujeito e que não toca apenas sua compreensão das coisas mas sua própria posição, enquanto 
sujeito, do qual os 'objetos' são função. Isto é, o conceito da exposição é idêntico ao progresso do 
sujeito, ou seja, à realidade da cura" (1951, p. 207). 
 
 Na epicrise do caso Dora, Freud define a transferência como o obstáculo contra o qual se 
chocou a análise. Lacan estuda este tratamento, destacando as etapas através das quais é 
decidido seu destino. Cada momento da análise corresponde a um desenvolvimento de Dora, ao 
qual Freud contesta com uma inversão dialética. O processo se detém quando cessam estas 
inversões. Acompanhemos Lacan em sua exposição. 
 
 O primeiro desenvolvimento da verdade consiste em uma afirmativa (dados biográficos 
amores de seu pai com a Sra. K etc.), nos quais se expõe como objeto, dizendo a Freud: "Estes 
fatos estão aí, procedem da realidade e não de mim. O que você quer mudar neles?" 
 
 Freud responde com a primeira inversão dialética: chama Dora, para observar que parte toca 
a ela nas desordens daqueles de quem se queixa. Isto dá lugar a uma segunda formulação da 
verdade. Dora admite sua cumplicidade com os amantes. Revela uma relação edípica, na qual 
aparece manifestamente ciumenta da relação entre o pai e a Sra. K. 
 
 Freud responde com uma segunda inversão dialética. Não é o pretenso objeto do ciúme que 
dá seu motivo, mas mascara com ele um interesse pela pessoa do sujeito-rival, expressado de 
forma invertida. Isto é, Freud sugere que Dora não sente ciúme de seu pai por sua relação com a 
Sra. K, mas da relação desta com seu próprio esposo. 
 
 Isto leva Dora a uma terceira formulação da verdade. A atração de Dora pela senhora K., que 
deveria ter suscitado em Freud uma terceira inversão dialética: como é que, se você tem em tão 
alta estima esta pessoa, não sente como uma traição o jogo de intriga que a senhora K. fez 
contra você? 
 
 Esta terceira inversão poria a descoberto a escolha de objeto homossexual de Dora e o valor 
de "mistério" que a sra. K. tem para ela, que representa por sua vez o mistério de sua própria 
feminilidade corporal. 
 
 Qual teria sido, então, o quarto desenvolvimento? 
 
 Provavelmente, a recordação infantil de Dora, chupando o polegar e puxando a orelha de seu 
irmão. Esta recordação mostraria a identificação imaginária em que Dora tinha ficado presa: seu 
irmão. 
 
 Assim, Dora se identificara com o Sr. K e com Freud e sua relação com ambos "manifesta 
essa agressividade, na qual vemos a dimensão própria da alienação narcisista" (Ibid., p. 211). 
Desvendar.este fenômeno teria evita- do a interrupção do tratamento. 
 
 Freud, por seu turno, diz que: 1) o erro foi não interpretar a transferência; 2) poderia haver 
uma identificação homossexual. 
 
 Das duas afirmativas, Lacan sintetiza que é a dificuldade de Freud para interpretar a 
homossexualidade de Dora (por preconceitos admitidos pelo próprio Freud), o que precipitou a 
transferência negativa. É devido à contratransferência que Freud não consegue ver o conflito em 
sua paciente. 
 
 Lacan assim define a transferência: "Ela não pode ser considerada como uma entidade 
totalmente relativa à contra-transferência, definida como a soma dos preconceitos, das paixões, 
das perplexidades, até da insuficiente informação do analista, naquele momento do processo 
dialético? O próprio Freud não nos diz que Dora teria podido transferir para ele o personagem 
paterno, se ele tivesse sido bastante tolo para acreditar na versão das duas coisas que o pai lhe 
representava? 
 Dito de outra maneira, a transferência não é nada real no sujeito, mas o aparecimento, em um 
momento de estancamento da dialética analítica, dos modos permanentes segundo os quais 
constitui seus objetos" (1951, p. 214). 
 
 A interpretação da transferência consiste, sob este ponto de vista, em uma operação que 
procura encher, com um embuste, o vazio deste ponto morto. "Mas este embuste é útil, pois, 
mesmo falaz, volta a lançar o processo" (lbld.). 
 
 "Assim, a transferência não leva a nenhuma propriedade misteriosa da afetividade, e mesmo 
quando é delatada, sob um aspecto de emoção, esta não adquire seu sentido senão em função 
do momento dialético no qual é produzido. 
 Mas este momento é pouco significativo, pois, comumente, traduz um erro do

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