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BEATRIZ DE SOUZA SILVA AUTISMO: A QUESTÃO ESTRUTURAL E SUAS IMPLICAÇÕES NA CLÍNICA São João del-Rei PPGPSI-UFSJ 2018 BEATRIZ DE SOUZA SILVA AUTISMO: A QUESTÃO ESTRUTURAL E SUAS IMPLICAÇÕES NA CLÍNICA Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia. Área de Concentração: Psicologia Linha de Pesquisa: Fundamentos Teóricos e Filosóficos da Psicologia Orientador: Júlio Eduardo de Castro Coorientadora: Maria Gláucia Pires Calzavara São João del-Rei PPGPSI-UFSJ 2018 AGRADECIMENTOS Ao longo do mestrado, tive ao meu lado muitas pessoas que me ajudaram, direta ou indiretamente, a trilhar este caminho, que é a escrita da dissertação. Por isso, agradeço e compartilho com os que caminharam comigo a alegria de ver os rascunhos de escrita tomarem forma de dissertação. Ao professor Júlio Eduardo de Castro, agradeço pela acolhida ao meu tema de pesquisa, pela leitura precisa, pela orientação segura e pela generosidade. À professora Maria Gláucia Pires Calzavara, pela parceria de trabalho desde a graduação. Foram anos de trabalho e o que fica é a certeza que nossa parceria ainda renderá muitos frutos. Agradeço pela dedicação, incentivo e confiança depositada em meu trabalho. Ao professor Roberto Calazans e à professora Ângela Vorcaro, componentes da banca examinadora, pelos significativos apontamentos. Aos meus pais, Zenaide e Benedito, que sempre me incentivaram a seguir meus sonhos. Aos meus irmãos, Fábio e Fabiana, e aos meus cunhados, Leila e Reynaldo, pelo apoio, confiança e alegria. Aos meus sobrinhos, Faila, Frederico e Lígia, por me encherem de ligações sempre me perguntando: “Que dia você chega, tia?” O amor de vocês e por vocês me torna uma pessoa melhor. Ao meu noivo, Carmito Júnior, pelo amor, paciência e companheirismo durante todo este tempo em que estive distante dedicando-me à graduação e depois ao mestrado. Aos amigos conquistados na UFSJ, por me presentearem com o convívio e por tornarem os desafios da pesquisa e da vida muito mais leves. Em especial, à Laís e à Thaís, pela amizade, apoio, risadas e incentivo nos momentos difíceis. Às amigas Márcia, Mariângela e Daniela, pela amizade mesmo que à distância. Aos professores do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFSJ, por toda a transmissão. À CAPES, pelo apoio financeiro. RESUMO A proposta da presente dissertação surgiu das inquietações decorrentes de um dos maiores debates teórico-clínicos no campo da psicanálise: o autismo é ou não uma psicose? O que é perceptível com a leitura de textos sobre essa temática é que há ainda muitas interrogações por parte dos autores em como situar o autismo estruturalmente. Diante dessa questão, há diferentes posicionamentos que destacam pontos de aproximação e distanciamento do autismo com a estrutura psicótica. Nesta pesquisa, consideramos que, se há diferentes posicionamentos a respeito da posição estrutural do autismo, isso deve ser discutido. Do mesmo modo, os aspectos que aproximam e distanciam o autismo das psicoses precisam ser elucidados. Tendo isso em vista, a pesquisa se propõe a apresentar as concepções de Jean-Claude Maleval e de Éric Laurent no que diz respeito à constituição do sujeito autista, às aproximações e distanciamentos para com a clínica da psicose, bem como à especificidade da transferência e dos efeitos terapêuticos na clínica do autismo. Além disso, contaremos com as contribuições de outros autores para discutir a especificidade do tratamento com sujeitos autistas. O objetivo de realizar este percurso é elucidar as implicações que se têm na clínica em decorrência da posição adotada pelos psicanalistas em relação à estruturação do sujeito autista. Por isso, a presente pesquisa tem a seguinte questão como proposta norteadora: até que ponto pensar o autismo inserido no campo das estruturas irá nos dizer sobre a direção do tratamento? Palavras-chave: autismo; psicose; estrutura; psicanálise; tratamento. ABSTRACT The proposal of the present dissertation emerged from the arising concerns from one of the major theoretical-clinical debates in the field of psychoanalysis: is autism a psychosis or not? What is noticeable with the reading of texts on this subject is that there are still many questions on the part of the authors on how to situate autism structurally. In light of this situation, there are different positions that highlight points of approach and distance from autism to the psychotic structure. In this research, we consider that if there are different positions regarding the structural position of autism, this should be discussed. In the same way, the aspects that approach and distance autism from psychoses need to be elucidated. With this in mind, the research proposes to present the conceptions of Jean-Claude Maleval and Éric Laurent regarding the constitution of the autistic subject, the approximations and distances to the clinical psychosis, as well as the specificity of the transference and the therapeutic effects in the clinic of autism. In addition, we will rely on the contributions of other authors to discuss the specificity of treatment with autistic subjects. The objective of this course is to elucidate the implications that have in the clinic due to the position adopted by the psychoanalysts in relation to the structuring of the autistic subject. Therefore, the present research has the following question as a guiding proposal: to what extent to think the autism inserted in the field of the structures will tell us about the direction of the treatment? Keywords: autism; psychosis; structure; psychoanalysis; treatment. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Representa o Outro endereçando significantes ao campo do Sujeito .............. 24 Figura 2. O Sujeito está alienado ao primeiro significante, enquanto que o S2 surge no campo no Outro ......................................................................................................... 24 Figura 3. Lacan ilustra a alienação a partir do exemplo “a bolsa ou a vida” .................. 25 Figura 4. A interseção representa a perda do Sujeito em qualquer uma das escolhas ..... 25 Figura 5. Ilustração de quando o sujeito escolhe o ser e petrifica-se no primeiro significante ....................................................................................................... 26 Figura 6. O sentido, por surgir no campo do Outro, carrega um ponto de sem-sentido, de não senso .................................................................................................................... 26 Figura 7. Há uma justaposição de faltas: tanto o Sujeito quanto o Outro estão barrados pela falta ........................................................................................................... 27 Figura 8. Os três anéis separados e, depois, ligados pelo sinthoma, o quarto anel ......... 32 Figura 9. Nó de trevo (nó da paranoia), nó trivial (nó de trevo com erro) e nó joyciano 32 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 8 CAPÍTULO 1 – A NOÇÃO E O CONCEITO DE ESTRUTURA ................................. 13 1.1 Aproximações da psicanálise lacaniana com o estruturalismo ..................................14 1.2 A noção de estrutura na clínica ................................................................................. 17 1.2.1 Diagnóstico diferencial estrutural nos anos de 1950 .............................................. 18 1.2.2 Década de 1960: as operações de alienação e separação e o objeto a .................... 23 1.2.3 Década de 1970: a topologia dos nós ..................................................................... 29 CAPÍTULO 2 – AUTISMO: APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS PARA COM A CLÍNICA DA PSICOSE ............................................................................................. 34 2.1 Como o autismo é abordado por Maleval? ................................................................ 34 2.1.1 Retenção dos objetos pulsionais ............................................................................. 35 2.1.2 Estruturação do sujeito a partir dos signos ............................................................. 37 2.1.3 Aparelhamento do gozo pela borda ........................................................................ 40 2.1.3.1 O duplo ............................................................................................................... 41 2.1.3.2 Objetos autísticos ................................................................................................ 42 2.1.3.3 Ilhas de competência ........................................................................................... 44 2.1.4 Comentários acerca do estudo de Kanner, de Asperger e dos Lefort ..................... 46 2.1.4.1 Kanner e Asperger: os estudos iniciais ................................................................ 46 2.1.4.2 Rosine e Robert Lefort ........................................................................................ 47 2.1.5 Em quais elementos o autismo pode ser apreendido? Aproximações e distanciamentos para com a psicose ................................................................................ 49 2.2 Como o autismo é abordado por Laurent? ................................................................ 52 2.2.1 A especificidade dos objetos: do sem forma ao em-fôrma do objeto a .................. 55 2.2.2 Reiteração do Um .................................................................................................. 56 2.2.3 Aproximações e distanciamentos do autismo com a psicose ................................. 58 CAPÍTULO 3 – A QUESTÃO ESTRUTURAL E A DIREÇÃO DO TRATAMENTO 60 3.1 Nasce uma nova clínica: a perspectiva de Jean-Claude Maleval frente à especificidade do tratamento dos autistas ............................................................................................. 60 3.2 O analista como parceiro frente ao singular da/na clínica do autismo: a perspectiva de Eric Laurent sobre o tratamento dos autistas ................................................................... 62 3.3 Diferentes perspectivas acerca do tratamento com autistas ...................................... 65 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 69 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 75 8 INTRODUÇÃO Como situar estruturalmente o autismo? Esse questionamento parece permear a maioria dos textos e eventos psicanalíticos que se propõem a falar sobre o autismo, pois ainda não há consenso sobre essa questão. Se, por um lado, há autores que seguem a leitura de que o autismo estaria no campo das psicoses, por outro, existem os autores que situam o autismo como uma quarta estrutura ou uma a-estrutura. Constata-se, com isso, que não somente não há consenso na área sobre essa questão, como também é uma das questões que mais levantam debates e discordâncias na psicanálise. A presente pesquisa surgiu de minhas inquietações decorrentes da leitura de textos psicanalíticos sobre autismo em conjunto com as questões originadas no trabalho clínico com crianças autistas. À medida que aparecia na clínica uma variedade de autismos, novas questões surgiam, fazendo-me recorrer aos textos na tentativa de entender a posição desses sujeitos perante o Outro. Nos textos, fui percebendo que não há uma única teoria que se propõe a falar sobre o autismo, assim como não há somente um autor que apresente suas perspectivas. Conforme fui me deparando com as inúmeras perspectivas teóricas, a interrogação a respeito da questão estrutural do autismo me indagava a ponto de eu questionar: quais são as implicações que se têm na clínica psicanalítica em decorrência do posicionamento adotado pelo analista a respeito da posição estrutural do autismo? Diante das interrogações, a questão desencadeadora desta pesquisa surgiu: até que ponto nomear um sujeito amparado em uma estruturação que seja autística diz sobre a direção do tratamento? Frente a isso, iremos desenvolver nesta pesquisa um debate que, apesar de fundamentado na clínica, não é uma pesquisa de cunho prático. Trata-se aqui de uma pesquisa teórica amparada na teoria psicanalítica de orientação lacaniana. Na atualidade, há inúmeras pesquisas (Bracks Faria, 2017; Oliveira, 2013; Gontijo, 2008) que apresentam detalhadamente o percurso do conceito do autismo desde a origem do termo, ao ser postulado como um sintoma, à sua transformação para uma entidade nosográfica. Por esse motivo, não vemos necessidade de apresentar esse percurso nesta dissertação, mas salientamos a importância histórica da construção desse conceito tanto do ponto de vista teórico quanto clínico. Na história da psicanálise, diversos autores se dedicaram à prática com crianças e investiram também no trabalho com sujeitos que apresentavam um funcionamento psíquico diferente. Donald Meltzer (1922-2004), Margaret Mahler (1897-1985), Bruno 9 Bettelheim (1903-1990), Melanie Klein (1882-1960) e Frances Tustin (1913-1994) são exemplos de autores pós-freudianos que se empenharam no trabalho com crianças autistas e contribuíram enormemente para o avanço do debate teórico-clínico. No entanto, as produções desses autores são marcadas pela lógica desenvolvimentista. A partir da década de 1960, surgiram contribuições à clínica com crianças autistas e psicóticas graves orientadas pela clínica lacaniana por meio dos nomes de Rosine e Robert Lefort. A grande diferença demarcada pelas considerações desses autores é o fato de eles utilizarem o conceito de sujeito introduzido pela psicanálise lacaniana distanciando-o da noção deficitária do autismo até então recorrente. Esses estudiosos apresentaram significativas contribuições para se pensar a clínica do autismo a partir do trabalho realizado com Marie-Françoise exposto no livro “Nascimento do Outro” (Lefort & Lefort, 1984). Essa criança havia sido abandonada pela mãe quando contava com dois meses de idade e tinha permanecido até os dez meses em creche com frequentes internações. Após a criança ter sido encaminhada por outros profissionais que a atenderam, Rosine começou o trabalho com Marie. Conforme esses profissionais, havia a dúvida diagnóstica entre autismo e esquizofrenia. Marie apresentava fenômenos clínicos próprios do quadro autístico, descrito inicialmente por Leo Kanner (1943/1997), como ausência da fala, olhar vago, dificuldade em se relacionar e transtorno alimentar. De acordo com Rosine, houve uma completa ausência do olhar do Outro para Marie, chegando a formular que, para Marie, havia uma dupla ausência: tanto o outro quanto o Outro faltaram. A partir do caso Marie-Françoise, Rosine e Robert Lefort introduziram um imenso debate na psicanálise, após formularem o autismo como uma a-estrutura, na tentativa de enfatizar a precariedade em que se encontrava o sujeito autista. Essa formulação introduziu uma discussão acerca da questão estrutural do autismo, uma vezque, até então, tanto na psiquiatria quanto na psicanálise, o autismo era integrado ao campo das psicoses. Apesar de diversos autores, como exemplo temos os já citados Leo Kanner e Melanie Klein, terem postulado diferenciações entre o autismo e a psicose, até aquele momento não havia questionamentos a respeito da inclusão do autismo no campo da psicose. Em uma Jornada do Campo Freudiano, Rosine e Robert Lefort (1995, p. 146) forneceram esclarecimentos acerca do termo “a-estrutura” ao dizerem que “ele assinalava a ausência de divisão do sujeito entre o Um e o Outro sem queda de um (a). O Outro do autismo ‘existe’ enquanto absoluto e sem corte”. No mesmo evento, esses autores 10 afirmaram que deixaram de empregar tal termo pelo fato de o considerarem “absoluto demais” (ibidem). Todavia, essa retificação não diminuiu o debate acerca da estrutura do autismo, pois este já havia se firmado. Atualmente, como nos relevam Pozzatto e Vorcaro (2014), há diferentes concepções teóricas e práticas a respeito das semelhanças e distinções nos quadros de autismo e psicose, que não são esclarecidas em muitos casos. Nesta pesquisa, consideramos que, se há diferentes posicionamentos a respeito da posição estrutural do autismo, isso deve ser debatido. Do mesmo modo, se existem pontos de aproximação e distanciamento entre o autismo e as psicoses, esses pontos precisam ser elucidados. Diante dessa problemática, o presente trabalho de pesquisa parte do pressuposto de que a clínica, a despeito de não ser o único espaço onde a psicanálise pode ser aplicada, é certamente um lugar adequado para investigar e interrogar suas teorias. Joel Birman (1989, pp. 196-197) contribui para essa colocação ao nos apontar que, “mesmo quando as hipóteses teóricas tenham a sua origem em outros espaços de elaboração, a sua inserção no dispositivo da clínica psicanalítica é um momento decisivo de consolidação da hipótese em pauta”. Isso posto, a pesquisa que orientou esta dissertação buscou estudar as diferentes concepções teóricas sobre o autismo propostas por autores do campo psicanalítico de orientação lacaniana e, do mesmo modo, analisar as aproximações e distanciamentos teóricos acerca do autismo e da psicose. Foi a partir dessas discussões que se pretendeu elucidar um ponto angular nesta pesquisa: até que ponto a questão estrutural diz sobre a direção do tratamento? Isto é, até que ponto incluir o autismo no campo das psicoses ou como uma categoria distinta implica a direção do tratamento? E foi a partir dessa questão que esta dissertação se fez. Desse modo, no projeto de pesquisa, foi utilizado como orientação metodológica o que Canguilhem (1975) define como trabalho de conceito: Trabalhar um conceito é fazer variar sua extensão e compreensão, generalizá-lo mediante a importação de traços de exceção, exportá-lo para fora de sua região de origem, tomá-lo como modelo ou, inversamente, fornecer-lhe um; em resumo, dar- lhe progressivamente a função de uma forma (p. 256). A partir de uma epistemologia específica, essa posição baseia-se no princípio de que é preciso estender o conceito até seus limites e articulá-lo com outros conceitos, a fim de investigar até que ponto o conceito consegue ser fecundo (Calazans & Neves, 2010). Desse modo, o sentido de se interrogarem as proposições dos psicanalistas 11 acerca da questão estrutural do autismo é uma tentativa de elucidar efeitos que se têm no trabalho clínico em decorrência da posição teórica adotada pelo psicanalista. Em vista disso, dividimos esta dissertação em três capítulos e nas considerações finais. O primeiro capítulo, intitulado “A noção e o conceito de estrutura”, explora a origem desse termo no seio do movimento estruturalista até o momento quando Lacan o trouxe para o campo psicanalítico de forma a afastá-lo radicalmente de sua origem: a antropologia cultural. Além dessas modificações que Lacan introduziu no conceito de estrutura, houve alterações fundamentais no modo como ele fez uso de tal conceito ao longo do seu ensino. Ainda no capítulo 1, são discutidas não somente as diferentes formulações que Lacan postulou para falar sobre a constituição do sujeito, mas também como ele modificou o modo de se pensar a questão estrutural: se nos anos 1950 a estrutura carregava ainda uma dureza de origem do movimento estruturalista, ao longo dos anos a noção de estrutura se flexibilizou acompanhando os novos modos de se pensar o sujeito. Sob o título “Autismo: aproximações e distanciamentos para com a clínica da psicose”, o segundo capítulo tem como objetivo apresentar as proposições de dois autores a respeito da constituição do sujeito autista e sua relação com a estrutura psicótica. Os estudiosos escolhidos para tal empreitada foram Jean-Claude Maleval e Éric Laurent. A escolha por discutir a questão estrutural do autismo a partir das proposições desses dois autores se deu devido ao fato de eles se apresentarem como pesquisadores no âmbito internacional que recorrentemente expõem seus trabalhos sobre essa temática. Por esse motivo, e sabendo dos estudos de Laurent e Maleval há uma seção destinada a cada um desses autores, a fim de apresentar como cada um deles concebe a constituição do sujeito autista e em quais aspectos aproximam ou distanciam o autismo do campo das psicoses. Nesse momento, os conceitos psicanalíticos já discutidos no primeiro capítulo sobre a constituição do sujeito são fundamentais. No terceiro capítulo, denominado “A questão estrutural e a direção do tratamento”, o foco da discussão recai sobre as possibilidades de tratamento clínico de sujeitos autistas. Para essa empreitada, são utilizadas as contribuições de Jean-Claude Maleval, Éric Laurent, Alfredo Zenoni, Ângela Vorcaro, Tânia Ferreira, Maria Cristina M. Kupfer, Cristina Keiko, Carina Faria, Ana Beatriz Freire e Angélica Bastos no que concerne à especificidade do tratamento com esses sujeitos. Após esse percurso de estudo, chegamos às considerações finais, detendo-nos nas consequências das diferentes perspectivas acerca da estruturação do sujeito autista, 12 bem como na articulação entre a direção do tratamento e a estruturação do sujeito autista. 13 CAPÍTULO 1 – A NOÇÃO E O CONCEITO DE ESTRUTURA Frente à interrogação teórica no que se refere à questão estrutural do autismo e suas implicações na prática clínica e, consequentemente, na direção do tratamento, o objetivo deste capitulo é discutir a acepção de estrutura em psicanálise. Além disso, ao longo deste, buscaremos destacar os principais elementos que aproximam e diferenciam as estruturas postuladas por Freud, para que, no capítulo seguinte, possamos interrogar como se relacionariam ou não com o autismo. O termo estrutura advém do latim structura e originalmente é utilizado para designar a forma como um edifício é construído. O sentido empregado para esse termo se expandiu com o passar dos anos até que, no século XIX, se estendeu ao campo das ciências humanas. Em 1900, em “A interpretação dos sonhos”, Freud começou a utilizar a noção de estrutura para se referir a um conjunto de elementos configurados seguindo as relações de uma ordem (Kaufmann, 1996). Nesse texto, Freud explica que a estrutura do aparelho psíquico é formada pelo inconsciente, a consciência, a censura que os separa, pelo fato de uma atividade inibir outra, e pelas relações das duas atividades com a consciência. Logo, Freud utilizava-se da noção de estrutura para caracterizar o aparelho psíquico. Porém, o conceito de “estruturas clínicas”, tal como utilizado atualmente na psicanálise, só surgiu posteriormente. O neologismo “estruturalismo”, por sua vez, foi empregado em 1928, no I Congresso Internacional de Linguística, porJakobson, quando este fazia uma referência a Ferdinand Saussure. Esse último foi o fundador da linguística, e Jakobson era um dos seus seguidores linguistas e pioneiro da análise estrutural da linguagem. Assim, foi a partir da linguística que esse movimento teve início. Apesar de Saussure ser indicado como o fundador do estruturalismo, ele usou o termo “estrutura” apenas três vezes durante o “Curso de linguística geral”, cabendo, na verdade, à Escola de Praga, nos nomes dos linguistas Trubetzkoy e Jakobson, a difusão dos termos (Barros, 2012). O êxito desse movimento na França foi decorrente, sobretudo, do encontro frutífero entre Jakobson e o antropólogo estruturalista Lévi-Strauss em 1942. Esse encontro aconteceu em Nova York quando Jakobson assistiu aos cursos de Lévi- Strauss sobre o parentesco e Lévi-Strauss frequentou o curso sobre o som e o sentido apresentado por Jakobson. A partir desse encontro, um iria influenciar os trabalhos posteriores do outro. Assim, nasceu o triunvirato estruturalista no qual Lacan se apoiou inicialmente: Lévi-Strauss, Jakobson e Saussure. 14 O estruturalismo se constitui como um movimento de pensamento e um método de análise praticado especialmente nas ciências humanas. O movimento estruturalista concentrava-se no uso da razão, a fim de entender como o homem é determinado por estruturas sociais, psicológicas e culturais (Barros, 2012). Segundo Coelho (1967), há uma pluralidade de estruturalismos, sendo o de Lévi-Strauss diferente do de Lacan, do de Greimas, do de Barthes etc. O que se apresenta como ponto em comum entre esses autores é o fato de o estruturalismo lançar contribuições para o desenvolvimento de suas teorias e o que afasta radicalmente a psicanálise lacaniana desse movimento é, principalmente, o fato de Lacan embasar sua teoria em uma aposta no sujeito. Para esta pesquisa, o importante neste capitulo é entender que estrutura é essa, a qual Lacan postulou. 1.1 Aproximações da psicanálise lacaniana com o estruturalismo Em 1953, Lacan tomou conhecimento das produções de Saussure relacionadas à linguística, sobretudo a partir da obra de Lévi-Strauss. Lacan se interessou pelas ideias de Saussure e buscou aprofundar seu conhecimento com a leitura do “Curso de linguística geral”. Essa leitura teve consequências diretas para o ensino de Lacan, já que, em 1957, em um pronunciamento, ele fez uso de um vocabulário novo, oriundo de Saussure. Esse pronunciamento, intitulado “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”, foi publicado em 1966 em Escritos. Neste, já é possível identificar o quanto esse autor foi influenciado pela linguística mesmo que apresentando modificações em suas conceituações centrais, tais como a noção de estrutura, as figuras retóricas metáfora e metonímia e o algoritmo saussuriano. Em “Observações sobre o relatório de Daniel Lagache: ‘Psicanálise e estrutura da personalidade’” (1960a[1958]/1998), Lacan conceitua o termo “estrutura”, destacando-o como uma máquina que põe em cena o sujeito. Nas palavras de Lacan (1960a[1958]/1998): Pois é ou não é o estruturalismo aquilo que nos permite situar nossa experiência como o campo em que isso fala? Em caso afirmativo, “a distância da experiência” da estrutura desaparece, já que opera nela não como modelo teórico, mas como a máquina original que nela põe em cena o sujeito (p. 655). Lacan articula e estende o termo “estrutura” à teoria psicanalítica estabelecendo a relação entre o sujeito e a estrutura a partir das elaborações freudianas. Para esse autor, ao analisar as formações do inconsciente – lapsos, chistes, atos falhos, transferências, 15 sonhos e sintomas –, podemos identificar que a estrutura do inconsciente “é estruturada como uma linguagem” (Lacan, 1965/1998, p. 882). Já a linguagem é estruturada a partir da articulação dos significantes entre si com seus mecanismos de metáfora e metonímia. Por ser estruturada como linguagem, a lógica do inconsciente segue os mesmos mecanismos. Miller (1988) nos indica que a aproximação de Lacan com o estruturalismo é uma tentativa de [...] formalizar a estrutura que sustenta a fenomenologia da experiência analítica. É, evidentemente, uma estrutura complexa, pois os fenômenos que ocorrem na experiência analítica dão, à primeira vista, a impressão de que não podem estar estruturados, mas a metáfora [condensação] pode ser estruturada, a metonímia [deslocamento] pode estar estruturada, o equívoco pode estar estruturado, a função do Outro na delimitação do sentido pode estar estruturada (p. 44). Desse modo, a aproximação de Lacan com o movimento estruturalista tem como um dos frutos para a psicanálise o fato de esse autor conseguir explicar a lógica de funcionamento do inconsciente mediante a apropriação e ampliação de postulados do estruturalismo linguístico. Além da apropriação dos mecanismos da metáfora e metonímia, outra ideia tomada como empréstimo da linguística foi o conjunto dos significantes. Ferdinand de Saussure postulou o signo linguístico como sendo dividido em duas partes: o significado e o significante. O segundo seria a imagem acústica de um conceito e o primeiro, o conceito em si. Para Saussure, a palavra não remete diretamente à coisa, mas sim à ideia da coisa (significado) e a um som (significante). O signo linguístico de Saussure foi pensado com o significado acima do significante e separados pela barra de significação. Lacan apropriou-se do signo linguístico saussuriano e inverteu a posição conferida ao significante e ao significado dando maior ênfase ao primeiro. Lacan destacou em sua teoria que cada significante remete a outro significante formando, assim, uma cadeia. Deduziu, além disso, que o significante se separa do significado e continua sendo relevante para o desenvolvimento da cadeia de discurso promovendo significação para o sujeito (Roudinesco & Plon, 1944/1998). Por esse motivo, Lacan dá ao sujeito, em seu grafo do desejo, o mesmo lugar do significado. Em “Subversão do sujeito e a dialética do desejo no inconsciente freudiano” (1960b/1998, p. 814), Lacan interroga: “Uma vez reconhecida a estrutura da linguagem no inconsciente, que tipo de sujeito podemos conceber-lhe?” O sujeito pode ser reconhecido no intervalo dos significantes, na descontinuidade da cadeia. Ele é efeito da 16 cadeia; é efeito da relação entre significantes. “Por esse efeito, ele não é causa dele mesmo, mas traz em si o germe da causa que o cinde. Pois sua causa é o significante sem o qual não haveria nenhum sujeito no real” (Lacan, 1964[1960]/1998, p. 849). Essa questão se apresenta como um ponto de distanciamento entre a estrutura lacaniana e a do movimento estruturalista, uma vez que, para Lacan, a estrutura é efeito e preexiste a cada sujeito, diferentemente para o movimento estruturalista, que a entende como uma construção (Martinho, 2012). Além disso, outra divergência entre essas duas correntes teóricas é que a estrutura dos estruturalistas não considera o Real como aquilo que resiste à simbolização. A ênfase dada ao registro do Real a partir de O Seminário 20 (Lacan, 1972-1973/1985) é um marco na teoria lacaniana. A transmissão desse registro passa a ser possível quando Lacan, em um diálogo com a matemática, faz uso da topologia dos nós. O recurso dos nós apresenta, conforme Lacan, a possibilidade de colocar o registro do Real em primeiro plano sem, no entanto, estabelecer hierarquia entre os registros. Nesta seção, em relação à topologia dos nós, o que nos interessa é que Lacan se refere ao nó como uma estrutura que comporta o Real. Essa colocação implica uma segunda ruptura entre a psicanálise e o estruturalismo. Por não considerar o Real, a estrutura para o movimento estruturalista traz a marca de uma completude entre o significante e o significado, não dando margem para o aparecimentodo sujeito do inconsciente. Dessa forma, o conceito de estrutura está relacionado à ideia de totalidade para o estruturalismo, sendo tal noção incompatível com a psicanálise. Por não incluir o sujeito em suas análises, a estrutura do movimento estruturalista faz referência à completude e à coerência. Por outro lado, a psicanálise, por levar em consideração, sobretudo, o sujeito do inconsciente, admite uma falta na estrutura, um Real que resiste à simbolização. Por isso, a estrutura que a abordagem psicanalítica considera é necessariamente incompleta. Todavia, apesar desses pontos de divergência, há uma característica fundamental da estrutura que está presente nas diferentes propostas teóricas: a pretensão da estrutura de manter uma constância. Cada estrutura apresenta características que tendem a se manterem e é o modo como essas características se articulam que particulariza cada estrutura. Vladimir Safatle (2000) formula, em seu artigo intitulado “O circuito fetichista do desejo e seus restos”, três fatores necessários para se construir uma estrutura. Para esse autor, o primeiro fator seria uma multiplicidade, isto é, um conjunto de elementos a serem estruturados, cujo estatuto poderá ser percebido por retroação. Nesse primeiro fator, Safatle (2000) destaca, portanto, que a estrutura é percebida somente a posteriori, assim 17 como a multiplicidade inconsistente é fundamental para a ação da estrutura. O segundo fator destacado diz respeito à necessidade de uma regra que seja capaz de estabelecer condições para que a multiplicidade de elementos inconsistentes passe a ser articulada tornando-se um conjunto consistente. O terceiro e último fator se refere a um fundamento para a regra, pois ela possui uma posição específica no interior da estrutura. Se, por um lado, a regra articula a estrutura desdobrando-a na multiplicidade, por outro, ela é exatamente o que não pode ser articulado no interior da estrutura. Por fim, Vladimir Safatle (2000) destaca dois procedimentos essenciais para se construir uma estrutura: uma articulação interna e uma fundamentação externa. Para esse autor, a metonímia faz a função do primeiro e a metáfora, do segundo, assim como o desejo e a função do sujeito podem exercer essas funções, respectivamente. Mas, afinal, o que seria uma estrutura aplicada ao campo analítico? Quais os elementos necessários para se pensar em uma estrutura psíquica? 1.2 A noção de estrutura na clínica Iremos percorrer neste tópico a noção de estrutura na clínica ao longo do ensino lacaniano e os elementos destacados como relevantes para se fazer um diagnóstico diferencial estrutural a partir do modo como Lacan pensa a constituição do sujeito. Assim sendo, é preciso destacar que, ao longo de seu ensino, há alterações fundamentais na forma como esse autor concebe a constituição do sujeito. Podemos situar que o ensino de Lacan pode ser dividido em três períodos conforme Miller (1996): o primeiro período, correspondendo ao ensino nos anos de 1950, chamado de campo da linguagem, época em que Lacan utilizava, sobretudo, o complexo de Édipo para trabalhar com a constituição subjetiva; o segundo período, nos anos de 1960, corresponde à época da invenção do objeto a e das operações de alienação e separação; por fim, o último período, nos anos de 1970, Miller (1996) o caracteriza como o campo do gozo, época quando Lacan articulou a topologia dos nós. Além disso, é primordial destacar que a constituição do sujeito é um dos aspectos significativos para se discutir o diagnóstico diferencial-estrutural, mas não é o único. A relação transferencial e os efeitos terapêuticos são igualmente necessários para se empreender essa diferenciação. Por esse motivo, esses aspectos serão trabalhados no capítulo posterior, ficando este com o objetivo de discutir a diferenciação a partir da constituição subjetiva. 18 1.2.1 Diagnóstico diferencial estrutural nos anos de 1950 De forma didática, podemos demarcar que, até os anos 1960, Lacan utilizava as categorias clássicas da psiquiatria, principalmente aquelas oriundas do ensino de Clérambault (Figueiredo & Machado, 2000). No entanto, Lacan trabalhava de modo peculiar com as categorias psiquiátricas, uma vez que fazia uso destas de maneira estrutural. Melhor dizendo, nessa época, Lacan tentava pensar a estrutura do sujeito a partir dos tipos descritivos segundo a nosografia/nosologia freudiana de modo a perceber como esse mesmo sujeito lidava com a castração e a norma fálica. Figueiredo e Machado (2000) destacam que Lacan, antes mesmo de se vincular ao movimento estruturalista, era um psicanalista freudiano; portanto, seu modo de entender as estruturas clínicas levava em conta o inconsciente e, consequentemente, o trabalho em análise por via transferencial. Dessa maneira, Figueiredo e Machado (2000, p. 70) enfatizam que a busca de Lacan pela estrutura “não era apenas uma veleidade teórica, uma tentativa de inserir a psicanálise na onda estruturalista. Esta preocupação revelava também um rigor teórico que implicava uma nova prática”. Desse modo, Lacan toma de empréstimo as categorias clássicas da psiquiatria e as amplia aos postulados psicanalíticos reduzindo-as em grandes campos: neurose, psicose e perversão. O imenso destaque ao ensino de Lacan nessa época foi o fato de ele articular as categorias psiquiátricas aos termos pinçados dos textos freudianos, a saber: Verwerfung (foraclusão), Verdrangung (recalque) e Verneinung (desmentido). Lacan parte da teorização feita por Freud no que tange à formulação do complexo de Édipo. Se, em Freud, essa teoria é utilizada para dizer de uma representação inconsciente de um desejo e de sua necessária proibição, após a releitura do Édipo feita por Lacan, este ganha um destaque ainda maior como um momento crucial da constituição do sujeito. Será a partir da relação edípica que o sujeito, frente à identificação primordial com a mãe, se posicionará perante a lógica fálica e a proibição marcada pela lei do pai. Lacan, em sua teorização, vai formular que há três diferentes modos de defesa – a foraclusão, o recalque e o desmentido – frente ao insuportável da castração, e é utilizando-se destes que o psicanalista irá diferenciar as três estruturas. Assim, como enfatiza Lacan (1974/1993, p. 55), o mito edípico é “a tentativa de dar forma épica ao que se opera da estrutura”. Em sua releitura do Édipo, Lacan (1957-1958/1999) propõe três tempos para se 19 pensar uma constituição da posição subjetiva da criança frente ao desejo materno. Esse autor nos adverte que o primeiro tempo se trata de uma etapa fálica primitiva, em que a metáfora paterna age por si devido à primazia do falo que já está em voga. Entretanto, nesse tempo, a criança “só pesca o resultado” (Lacan, 1957-1958/1999, p. 198); isto é, a metáfora do pai, apesar de já estar presente, ainda não é percebida pela criança. Nesse primeiro momento, a mãe, no lugar de primeiro Outro para a criança, lhe endereça os primeiros significantes, é responsável pela satisfação de suas necessidades e é com ela que se têm as primeiras trocas de carinho. Devido a essa proximidade, o bebê mantém com ela uma relação de sujeição. A criança assujeita o seu desejo ao desejo da mãe buscando identificar-se com o que supõe ser objeto de desejo dela. A criança entende apenas que, a fim de satisfazer a mãe, para ocupar o lugar de objeto do seu desejo, “é necessário e suficiente ser o falo” (Lacan, 1957-1958/1999, p. 198). Portanto, o primeiro tempo do Édipo trata-se disto: a criança busca identificar-se com o que supõe ser objeto de desejo de sua mãe, o falo. No segundo tempo do complexo de Édipo, a criança percebe que há algo da ordem do pai que possa vir a fazer uma interdição. Lacan (1957-1958/1999, p. 171) nos adverte que “falar do Édipo é introduzir comoessencial a função do pai” na medida em que o pai, ou melhor, seu nome, marca a interdição desta relação fechada mãe-criança. Lacan (1957- 1958/1999) acrescenta: O Nome-do-Pai, no que ele funda como tal o fato de existir a lei, ou seja, a articulação numa certa ordem do significante – complexo de Édipo, ou lei do Édipo, ou lei da proibição da mãe. Ele é o significante que significa que, no interior desse significante, o significante existe (p. 153). Portanto, o Nome-do-Pai se constitui como uma metáfora na medida em que o pai não precisa estar presente materialmente para que a interdição seja feita, uma vez que ele se faz presente através do discurso da mãe. Dessa forma, nesse segundo tempo do complexo de Édipo, a função paterna introduz a castração realizando o corte na relação fusional mãe e filho. Esse corte se dá em dois planos: o pai interdita e proíbe a mãe; já a criança é frustrada e privada pelo pai. Em relação à interdição e privação da mãe, Lacan (1957-1958/1999) nos esclarece que o fundamento do complexo de Édipo se passa exatamente no nível da interdição que o pai faz à mãe, pois essa interdição se refere à proibição da lei do incesto. Assim, “é por toda a sua presença, por seus efeitos no inconsciente, que ele realiza a interdição da mãe” (Lacan, 1957-1958/1999, p. 174-175). Do mesmo modo, o pai proíbe a mãe. Proíbe na 20 medida em que, “como objeto, ela é dele, não é do filho” (Lacan, 1957-1958/1999, p. 178). É exatamente nesse ponto que o pai frustra e priva o filho, por demarcar que ele tem direito à mãe, gerando uma rivalidade. Eis um outro patamar, o da frustração. Nesse, o pai intervém como detentor de um direito, e não como um personagem real. (...) Nesse ponto, é o pai como Simbólico que intervém numa frustração, ato imaginário concernente a um objeto muito real, que é a mãe, na medida em que a criança necessita dela. (...) Trata-se então do pai como aquele que se faz preferir em lugar da mãe (...). É na medida em que o pai se torna um objeto preferível à mãe, seja por que vertente for, pelo lado da força ou pelo da fraqueza, que pode estabelecer-se a identidade final (Lacan, 1957- 1958/1999, p. 178-179). Assim, o segundo tempo do complexo de Édipo marca a intrusão da metáfora paterna na relação fusional mãe-filho característica do tempo anterior. Se, no início, a criança ocupa o lugar de objeto de desejo, de falo da mãe, no segundo tempo, com a entrada da metáfora, a criança vacila entre ser e ter o falo. Na medida em que a criança percebe que a própria mãe é dependente da lei, “a criança é, de agora em diante, forçada pela função paterna a aceitar não somente não ser o falo, mas também não tê-lo, assim como a mãe” (Dor, 1989, p. 87). É a partir do momento quando a criança percebe que a mãe também está submetida à lei do desejo e que o pai é suposto ter o falo que a criança é confrontada com a questão da castração, tendo, então, a possibilidade de aceder à simbolização da lei. O terceiro tempo é marcado pelo declínio do complexo de Édipo e pela simbolização da lei. Nesse tempo, a criança já reconhece que não pode ser o falo, passando a negociar a problemática do ter. Nesse momento, o pai não é mais visto como aquele que priva a mãe do falo, mas sim como aquele que o detém. Por conseguinte, tal como a mãe que não tem o falo, a criança tem a possibilidade de “cobiçá-lo lá onde ele se encontra” (Dor, 1989, p. 88). A problemática do ter o falo coloca em jogo a identificação com um dos sexos. No caso do menino, ao renunciar a problemática de ser o falo materno, ele tem a possibilidade de engajar-se na dialética do ter, identificando-se com o pai, que é suposto tê-lo. De outro modo, a menina, ao renunciar a dialética do ser o falo materno, depara-se com a dialética do ter sob a forma do não ter. Isto é, identifica-se com a mãe, que também não tem o falo, e irá buscar, como ela, no lugar onde é suposto tê-lo – ao lado do pai. 21 Portanto, para que a dialética do ter o falo apareça, é imprescindível a entrada do Nome- do-Pai na relação mãe-criança ocasionando um corte nessa relação. Do mesmo modo, a definição da estrutura subjetiva se dá frente à posição do sujeito perante o Nome-do-Pai. Se na neurose a metáfora paterna opera, sendo possível a efetivação dos três tempos do Édipo, com o recalque do significante do Nome-do-Pai, na psicose há um impasse no segundo tempo do Édipo: no momento em que o significante da lei do pai vem para barrar o desejo da mãe na neurose, na psicose esse significante não comparece, não opera. Lacan pinça dos textos freudianos o termo Verwerfung, do qual propõe a tradução definitiva de forclusion. Em “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”, Lacan (1957-1958/1998) nos esclarece: A Verwerfung será tida por nós, portanto, como foraclusão do significante. No ponto em que veremos de que maneira é chamado o Nome-do-Pai, pode, pois, responder no Outro um puro e simples furo, o qual, pela carência do efeito metafórico, provocará um furo correspondente no lugar da significação fálica (p. 564). O termo foraclusão, segundo Quinet (1997/2014), não é propriamente uma tradução do termo francês forclusion proposto por Lacan para equivaler ao termo freudiano Verwerfung, mas um neologismo utilizado na língua portuguesa para dizer que o significante da lei está incluído fora. Forclusion é do vocabulário jurídico e se refere a um processo que está acabado legalmente; isto é, que não se pode apelar por ter perdido o prazo legal (Quinet, 1997/2014). Assim, Lacan se apropria do termo para dizer da não inclusão do significante Nome-do-Pai no Simbólico. Sendo a simbolização decorrente da inscrição do Nome-do-Pai no Outro, sua não inscrição implica a abolição da lei simbólica. Devido a essa abolição, o sujeito não é submetido à castração, resultando, com isso, a impossibilidade de advir à significação fálica. O Nome-do-Pai é, além disso, o significante que proporciona ao sujeito a articulação da cadeia de significantes. Sua não inscrição ocasiona os distúrbios de linguagem, fenômeno que é marcante na psicose, em especial a alucinação. Em relação a isso, o que é destacado por Lacan é o fato de a alucinação psicótica ser verbal, pois se trata da alucinação do verbo, e não de um fenômeno meramente sensitivo. Quinet (1997/2014, p. 17) nos esclarece isso ao dizer que, na alucinação verbal, “a cadeia significante se impõe ao sujeito em sua dimensão voz, manifestando-se a partir de uma atribuição subjetiva”. Fica evidente, a partir dessas considerações, é que, 22 diferentemente da neurose em que o Outro se apresenta de modo velado, inconsciente, o Outro, na psicose, se manifesta de maneira maciça, uma vez que este não foi barrado pelo significante da castração. Assim, devido à carência desse significante, o Outro ao qual o sujeito psicótico está submetido é um Outro absoluto, não barrado; daí, o gozo do Outro como característico da psicose. Por isso, diferentemente do neurótico que habita na linguagem, o sujeito psicótico é habitado, possuído por esta (Quinet, 1997/2014). Frente a esse Outro absoluto, vazio de significação, o sujeito psicótico constrói sua própria realidade para dar conta da significação inexistente e, então, explicar a sua experiência. Lacan apoia-se na perspectiva de Freud (1911/2010) de que o delírio seria uma tentativa de cura, a fim de embasar sua teoria de que o delírio se constitui como uma alternativa de trabalho encontrada pelo sujeito psicótico, que, portanto, deve ser escutado, e não abolido. No texto “De uma questão preliminar a todo tratamento possível na psicose” (1957-1958/1998), Lacan ampara-se na construção do sistema delirante do presidente Schreber, para nos indicar que a estabilização na psicose se apresenta como uma possibilidade via metáfora delirante. Esse autor nos explicaque a estabilização se torna possível quando há uma construção de uma nova realidade a partir do delírio. Por esse motivo, a estabilização se apresenta como “uma operação que circunscreve, localiza, deposita, separa ou apazigua o gozo, correlativa de uma entrada em algum tipo de discurso, por mais precário que ele seja” (Alvarenga, 2000, p. 18). Portanto, a estabilização é o que há de mais próximo de uma cura possível da psicose. Diante do que foi apresentado acerca do primeiro momento do ensino lacaniano no que diz respeito à constituição subjetiva amparada na teoria do complexo de Édipo, o que se evidencia neste são as diferenciações ressaltadas por Lacan entre o mecanismo da psicose e da neurose, entre o recalque e a foraclusão. O eixo central dos estudos se refere às articulações com o significante Nome-do-Pai. É o fato deste o significante retornar a partir de fora do Simbólico, ou seja, do Real, que sustenta o jargão psicanalítico do “inconsciente a céu aberto” na psicose. 23 1.2.2 Década de 1960: As operações de alienação e separação e o objeto a O “Seminário 11: os quatro conceitos fundamentais” (Lacan, 1964/1988) representa um marco na teoria lacaniana por, principalmente, três motivos. Primeiro, porque este foi lançado em 1964, cerca de um mês após Lacan deixar a International Psychoanalytical Association (IPA). O segundo motivo deve-se ao fato de esse Seminário demarcar o início do que Lacan chama de “seu ensino”. Esse Seminário demarca também o momento quando Lacan, por intermédio do recurso à topologia, passa a transmitir a clínica do Real. Além disso, nesse Seminário, Lacan apresenta uma nova elaboração para se pensar a constituição do sujeito a partir de duas operações fundamentais, denominadas alienação e separação. No Seminário 11, a operação da alienação fica apenas melhor demarcada do ponto de vista lógico, porque esta já havia sido dita em trabalhos anteriores. Nesse Seminário, o que é realmente nova é a introdução da separação. Essa última operação põe em cena o desejo do sujeito: “requer que o sujeito ‘queira’ se separar da cadeia significante” como aponta Soler (1997, p. 62). Essas operações são destacadas como uma nova possibilidade de leitura da constituição do sujeito em que o Nome-do-Pai perde a centralidade para o sujeito. A fim de elucidar essas operações, faz-se necessário enfatizar a importância da relação que se estabelece entre o sujeito e o Outro. Em “Posição do inconsciente no Congresso de Bonneval” (Lacan, 1964[1960]/1998, p. 849), Lacan enfatiza que “o efeito da linguagem é a causa introduzida no sujeito. Por esse efeito, ele não é causa dele mesmo, mas traz em si o germe da causa que o cinde”. Nessa colocação, Lacan ressalta que não é possível ao sujeito ser causa de si mesmo, mas que é essencial uma iniciativa vinda do Outro. O sujeito, ainda em iminência de aparecer, é inicialmente suposto, desejado e falado pelo Outro. Esse primeiro Outro pode ser encarnado na figura dos pais, ao passo que, na grande maioria das vezes, estes desejam a criança, endereçam-lhe significantes antes mesmo de esta nascer, dando-lhe um nome, falando de suas expectativas e do que esperam dela. Aos poucos, os pais vão delimitando um lugar no campo da linguagem para essa criança; um lugar singular que não poderia ser ocupado por outro sujeito. Sobre isso, Lacan (1964/1988, p. 207) nos indica que “o sujeito aparece primeiro no Outro, no que o primeiro significante, o significante unário, surge no campo do Outro, e no que ele representa o sujeito para um outro significante”. Dessa forma, é no campo do Outro – como lugar dos significantes, da fala e da linguagem – que o sujeito se constitui. 24 Figura 1. Representa o Outro endereçando significantes ao campo do Sujeito. Fonte: Baseado em Lacan (1968/1988, p. 201). Esse primeiro tempo, quando o Outro endereça significantes ao sujeito, equivale ao momento de alienação elementar do sujeito à linguagem, ao primeiro significante. Pode-se dizer que, nessa situação, o sujeito já está inserido na linguagem mesmo que ainda não articule um discurso –, pois, para isso, é preciso um deslizamento na cadeia do significante, que só será possível com o advento do S2. Figura 2. O Sujeito está alienado ao primeiro significante, enquanto que o S2 surge no campo no Outro. Fonte: Soller (1997, p. 61). Visando a ilustrar a escolha na qual o sujeito é convocado a fazer na alienação, Lacan (1964/1988) faz uso de um exemplo denominado “A bolsa ou a vida”. Esse exemplo se refere à situação de um assalto quando o sujeito é impelido a fazer uma escolha entre a bolsa ou a vida. Trata-se, portanto, de uma escolha forçada, que, de todo modo, implicará uma perda para o sujeito, uma vez que, se o sujeito escolhe a vida, perde a bolsa. Se o sujeito escolher a bolsa, perde ambas, pois não estará vivo para poder fazer uso dela. Lacan (1964/1988, p. 200) nos adverte que, “qualquer que seja a escolha que se 25 opere, há por consequência nem um, nem outro. A escolha aí é apenas a de saber se a gente pretende guardar uma das partes, a outra desaparecendo em cada caso”. Figura 3. Lacan ilustra a alienação a partir do exemplo “a bolsa ou a vida”. Fonte: Lacan (1964/1988, p. 202). Lacan (1964/1988) faz uso desse exemplo para explicar que, na alienação, trata- se de uma escolha forçada entre o ser – situado no campo do Sujeito – e o sentido – situado no campo do Outro –, pois não há possibilidade de o sujeito escolher um sem abdicar do outro. Qualquer que seja a escolha que o sujeito realize, sempre haverá uma perda; “de qualquer modo, fica desfalcado” (Lacan, 1964[1960]/1998). Figura 4. A interseção representa a perda do Sujeito em qualquer uma das escolhas. Fonte: Baseado em Lacan (1968/1988, p. 201). Para Lacan, na operação de alienação, o que está em jogo é o sentido ou o não sentido/não senso, derivados da articulação da cadeia significante, do S1-S2. Se o sujeito escolher o ser, perde o sentido, uma vez que só é possível obter o sentido na relação com o Outro, já que é no campo do Outro que há o advento do S2 (significante que vem significar o S1). Soler (1997, p. 61) esclarece isso ao dizer que “o sujeito tem uma só escolha entre petrificar-se num significante ou deslizar no sentido, porque, quando se tem 26 um elo entre os significantes (S1 e S2), tem-se sentido”. Desse modo, ao escolher o ser, o sujeito escolhe não se alienar ao Outro enquanto desejo, petrificando-se no significante unário. Figura 5. Ilustração de quando o sujeito escolhe o ser e petrifica-se no primeiro significante. Fonte: Baseado em Soller (1997, p. 61) Por outro lado, se o sujeito aceita se alienar ao Outro, perde o ser. Isso porque, como consequência de escolher o sentido, o sujeito torna-se uma falta a ser, pois essa assujeição ao Outro implica ao sujeito a perda do ser – da consciência de si. Além disso, é importante destacar que, apesar da assujeição ao sentido, não é possível ao sujeito aceder a um sentido pleno na medida em que há um ponto de sem-sentido oriundo do Outro. Como destaca Lacan (1964/1988, p. 200), “escolhemos o sentido, e o sentido só subsiste decepado dessa parte de não senso que é, falando propriamente, o que constitui na realização do sujeito, o inconsciente”. Figura 6. O sentido, por surgir no campo do Outro, carrega um ponto de sem-sentido, de não senso. Fonte: Lacan (1964/1988, p. 201). 27 O sentido emerge, portanto, com o surgimento do S2, significante que vem prover significação ao desejo do Outro. Com o surgimento desse segundo significante, ocorre a queda do S1 no sem-sentido – caracterizando a repressão primária e constituindo o núcleo do inconsciente. Diante disso, Bruce Fink (1956/1998) nos indica que surge uma faltano sujeito devido à sua impossibilidade de ser totalmente representado no Outro. Esse autor nos revela que, após a escolha forçada da alienação ao Outro, há um encontro da falta do sujeito com a falta do Outro, uma “justaposição” das faltas. A princípio, o sujeito tenta instalar “sua falta a ser naquele lugar onde o Outro estava faltando” (Fink, 1956/1998, p. 76); isto é, o sujeito se coloca como objeto do desejo do Outro. Figura 7. Há uma justaposição de faltas: tanto o Sujeito quanto o Outro estão barrados pela falta. Fonte: Baseado em Soller (1997, p. 63) Se na alienação o sujeito percebe a falta no Outro e tenta ocupar o lugar de objeto de desejo deste, na separação há uma tentativa do sujeito de se afastar. A separação só é possível devido às vacilações do discurso do Outro. É nas faltas, nas entrelinhas do discurso, que o sujeito vai perceber que há algo desse desejo do Outro que escapa, que não é possível saná-lo (Fink, 1956/1998). Lacan (1964/1988) nos esclarece: O desejo do Outro é apreendido pelo sujeito naquilo que não cola, nas faltas do discurso do Outro, e todos os porquês? Da criança testemunham menos de uma avidez da razão das coisas do que constituem uma colocação em prova do adulto, um por que será que você me diz isso? Sempre ressuscitado de seu fundo, que é o enigma do desejo do adulto (p. 203, grifos do autor). Ao perceber que o desejo do Outro vai além dele, o sujeito assume uma posição de separação. Essa posição implica ao sujeito tentar se afastar do lugar de objeto de desejo do Outro para assumir a posição de sujeito desejante. Colette Soler (1997, pp. 62-63) faz 28 sua contribuição ao dizer que a “separação supõe uma vontade de sair, uma vontade de saber o que se é para além daquilo que o Outro possa dizer, para além daquilo inscrito no Outro”. Segundo Lacan (1964[1960]/1998), a separação representa a “torção essencial”, o “retorno da alienação”, na medida em que na alienação o sujeito se coloca como objeto de desejo do Outro operando com a falta do Outro. Mas na separação, Lacan (1964[1960]/1998, p. 858, grifos do autor) explica que o sujeito passa a “operar com sua própria perda, a qual reconduz a seu começo”. Nessa última operação, ao mesmo tempo em que o sujeito se separa do Outro, da cadeia significante, ele tem a possibilidade de encontrar aí o seu lugar próprio entre os significantes, lugar onde ele terá a possibilidade de se haver com seu desejo até então desconhecido. Ao se separar da posição de objeto de desejo do Outro, há a queda do objeto a causa de desejo. Esse objeto a manifesta-se quando o S2 surge para significar retroativamente o primeiro significante, o S1. No entanto, apesar de aparecer com o surgimento do S2, somente há a queda do objeto a quando há um corte na relação do sujeito com o Outro, quando ocorre a separação. Nesse contexto, portanto, o objeto a pode ser entendido como um resto produzido a partir do corte desta relação do sujeito com o Outro. A queda desse objeto demarca a divisão do sujeito pela sua inserção na linguagem, na qual passará, a partir de então, a ser um sujeito faltoso. No Seminário 8, Lacan explica o objeto a usando como exemplo a fascinação de Alcibíades pela denominada “agalma” em Sócrates no texto “O Banquete”. Para Lacan, a agalma pode ser entendida como o objeto a, pois Lacan a interpreta como sendo a capacidade de Sócrates de desejar. Assim, na medida em que a agalma é entendida como uma certa coisa que desperta o desejo, ela pode servir como exemplo para explicar o que Lacan chama de objeto a causa do desejo. Fink (1956/1998, p. 84) ressalta que “o objeto a é o complemento do sujeito, um parceiro fantasmático que sempre desperta o desejo do sujeito”. É na relação com o objeto a que o sujeito tem a ilusão fantasmática de completude. A fantasia, enquanto efeito da separação, proporciona para o sujeito uma “quantidade módica do que Lacan chama de ser” (Fink, 1956/1998, p. 84). Dessa forma, na análise de sujeitos neuróticos, o objeto a é evidenciado no discurso quando estes falam sobre o modo como desejam estar relacionados com o Outro. Se, na neurose, o sujeito se relaciona com o objeto a enquanto “parceiro fantasmático”, na psicose, a relação é de outra ordem (Fink, 1956/1998, p. 84). Isso porque, para que esse objeto advenha como resto da relação do sujeito com o Outro, é preciso que haja um corte nessa relação. Corte 29 que não acontece na psicose, pois o significante do Nome-do-Pai, aquele que barra a relação do sujeito com o Outro, não comparece e, por isso, a interdição simbólica não acontece. Assim, o sujeito psicótico permanece ocupando a posição de objeto de desejo do Outro. Por permanecer nessa posição, o objeto a – diferentemente da neurose que aponta a falta constituinte – para a psicose, irá demarcar o contrário: o excesso de presença, excesso de gozo do Outro, que não foi diluído nas redes do simbólico, devido à não efetivação da operação de separação na psicose. Após essa explanação das operações de alienação e separação, na neurose e na psicose, passaremos para o terceiro período da teoria lacaniana, no qual é o Real que se sobressai dando margem a um novo modo de se pensar não somente a constituição do sujeito, mas também a estruturação subjetiva. 1.2.3 Década de 1970: a topologia dos nós Como é possível perceber, na década de 1950, a teoria lacaniana deu grande ênfase ao Simbólico. Era o momento marcado pela máxima do “inconsciente estruturado como linguagem” (Lacan, 1964/1988, p. 25) do foco no significante Nome-do-Pai enquanto decisivo para a constituição psíquica. Nessa época, a dimensão do Real já perpassava no ensino de Lacan, mas sua formalização se deu nos anos de 1970 quando o recurso à topologia, por meio dos nós, foi relevante para a inserção do Real junto ao imaginário e ao simbólico. Em “Simbólico, Imaginário e Real” (Lacan, 1953/2005), Serge Leclaire interroga Lacan sobre o Real pelo fato de este não ter sido apresentado tal como os outros dois registros. Em resposta, Lacan (1953/2005, p. 45) lhe diz que o Real “na experiência analítica, para o sujeito, é sempre o choque com alguma coisa, por exemplo, o silêncio do analista”. Parece-nos notório é que, nessa época, Lacan ainda não havia formulado um modo de transmissão do Real devido, principalmente, às características do Real de ser da ordem do impossível de ser apreendido pela linguagem, do que resiste à simbolização. Por isso, essa transmissão passou a ser possível somente por intermédio do recurso à topologia, particularmente a topologia dos nós. Lacan faz uso da linguagem matemática e da topologia, a fim de atingir o que não é possível apenas com o discurso. A topologia se apresenta como uma escritura que dá conta da experiência analítica e suporta o Real (Rodrigues, 2014). Além de tornar possível o enlaçamento dos três registros, a topologia dos nós possibilita a Lacan situar o Real na 30 medida em que “só a matematização atinge um real” (Lacan, 1972-1973/1985, p. 178). Rodrigues (2014, p. 80) nos revela que “cada um dos registros do nó borromeano traz implicitamente propriedades como a ex-sistência que se refere ao Real, ou seja, ao não simbolizável, à não possibilidade de ter um Outro que seja consistente, sem furo”. Portanto, o nó borromeano é um tipo de escritura que transmite por “mostração” as possíveis relações entre o Real, o Simbólico e o Imaginário. Sobre esse nó, Lacan (1972-1973/1985) nos aponta que as rodelas estão superpostas, e não entrecruzadas, sendo enodadas de forma que as duas rodelas estão livres uma da outra; portanto, é necessária a terceira rodela para que haja a amarração. É a partir do momento quando o Real é enodado borromeanamente que os três registros se unem. Sobre isso, é importante salientarmos que, ao mesmo tempo que é preciso do Real para quehaja a amarração, o Real também só tem ex-sistência por encontrar nos outros dois registros seu limite (Guerra, Figueiredo, Borçato, Souza, & Andrada, 2008). Por esse motivo, Lacan afirma que o Real não se apresenta apenas como um terceiro nó, mas como um efeito da forma como essa amarração se dá. Em seu Seminário 22, Lacan (1974-1975) apresenta um quarto elemento necessário para que o nó se faça, postulado como nomeação. Esse elemento vem de encontro à necessidade de surgir no Simbólico algo que nomeia, que sustente o RSI. É o Nome-do-Pai, o pai enquanto nome, que surge como nomeador. Ainda nesse Seminário 22, Lacan (1974-1975) postula o Real, o Simbólico e o Imaginário como sendo Nomes-do-Pai, passando a grafá-los em maiúsculo. Além disso, articula os três registros à tríade freudiana – Angústia, Sintoma e Inibição –, para dizer das formas de nominação do que não funcionou a partir da função paterna, no caso da neurose, denominando a nomeação do Real como angústia, a nomeação Simbólica como sintoma e a nomeação Imaginária como inibição (Lacan, 1974-1975, p. 70). Desse modo, o quarto elemento – que pode ser a Angústia, o Sintoma ou a Inibição – possibilita o enlaçamento dos três registros funcionando como um Nome-do-Pai. Nesse momento do ensino de Lacan é importante destacar que apesardo Nome-do-Pai perder a centralidade no seu ensino, não há o abandono deste significante. Pelo contrário, Lacan faz questão de salientar que podemos prescindir do Nome-do-Pai “com a condição de nos servirmos dele” (Lacan, 1975-76, p. 132). Por isso, a partir desse entendimento, Lacan entende que não há somente um Nome-do-Pai, mas Nomes-do-Pai, passando a grafá-lo no plural. No caso da psicose, cabe ao sujeito inventar sua própria nomeação, denominada por Lacan como sinthoma. Essa nova grafia sinthoma é usada para demarcar uma 31 diferenciação em relação ao uso que Lacan faz do sintoma até então em seu ensino. Com essa nova grafia, Lacan aponta para a articulação entre a fala e o gozo, questão fundamental nesse último ensino. Se, na década de 1950, havia um destaque para a linguagem, nessa época, a própria concepção de linguagem se modificou na medida em que o gozo adquiriu prioridade sobre a estrutura da linguagem e, com isso, na década de 1970 houve um destaque para a fala (Freire & Bastos, 2007). Em meio a essas novas conceituações, Lacan articula a fala que se encontra a serviço do gozo, que é destituída de sentido, nomeado por ele como lalíngua1. São os sons, os balbucios sem sentido, anteriores à própria linguagem, que inserem gozo no corpo do sujeito e deixam as marcas dos traços primordiais. Portanto, o sinthoma foi definido por Lacan como um acontecimento de corpo resultante das marcas deixadas pelos traços primordiais. Desse modo, o sinthoma se refere à nomeação primordial do sujeito, é o que dá sentido a existência do sujeito, é o que faz a função de enlaçar os três registros. No Seminário 23, intitulado “O Sinthoma” (1975-1976/2007, p. 21), Lacan faz uso desta figura apresentada a seguir, a fim de explicar que, “à esquerda, esquematiza o Imaginário, o Simbólico e o Real como separados uns dos outros. Vocês têm a possibilidade de ligá- los. Com o quê? Com o sinthoma, o quarto”. A partir dessa nova leitura, as três rodelas estão sobrepostas, livres umas em relação às outras. O que dará sustentação ao nó borromeano será o quarto elemento, o sinthoma. Lacan (1975-1976/2007) explica que o sinthoma é uma forma de reparar um erro em que os aros não formam mais uma cadeia. Como é possível verificar na Figura 8, o sinthoma é o que está permitindo que os registros se mantenham unidos ao servir de suplemento ao Simbólico. Por isso, o sinthoma é conceituado por Lacan a partir de três funções: em sua função de enlaçar os três registros, como um acontecimento de corpo e, ao mesmo tempo, o sinthoma define a maneira de cada um gozar do inconsciente (Lacan, 1974-1975). Assim, o que se destaca nessa nova formulação, nesse último ensino, é que esse quarto elemento é uma invenção de cada sujeito. 1 “Jacques Lacan inventou o termo ‘lalingua’ para tornar palpável o modo como a carne é tatuada pelo verbo muito antes que ele se estruture gramaticalmente em linguagem” (Ramirez, 2016 p. 191). 32 Figura 8. Os três anéis separados e, depois, ligados pelo sinthoma, o quarto anel. Fonte: Lacan (1975-1976/2007, p. 21). Guerra et al. (2008) nos esclarecem que Lacan não chegou a uma definição quanto à formação do nó borromeano específico da psicose. Esses autores nos indicam que, ao discutir sobre a psicose, ora Lacan a relacionava ao nó do trevo (nó da paranoia), ora ao nó trivial (nó do trevo com erro), que carecia de uma suplência, ora a um nó a quatro, tal como o nó joyciano, em que o Imaginário se encontrava livre, e o Simbólico e o Real entrecruzados. Nesse último caso, a escrita literária de Joyce teria formulado um quarto nó, que possibilitou agregar ao seu nó características borromeanas. Figura 9. Nó de trevo (nó da paranoia), nó trivial (nó de trevo com erro) e nó joyciano. Fonte: Guerra et al. (2008). Lacan, nesse Seminário 23 (1975-1976/2007), enfatiza que o nó borromeano não se constitui como um modelo a ser alcançado por meio da prática clínica, mas, antes, conforme pontuado por Guerra et al. (2008), como uma ferramenta para o manejo clínico. Assim, o nó borromeano se constitui como um recurso topológico encontrado por Lacan, 33 para a prática clínica, quando possibilita que o sujeito faça suas próprias amarrações. O que isso implica no caso da psicose? Esse desenvolvimento da teoria lacaniana reflete uma mudança de posição da psicose na medida em que não cabe mais explicá-la com base em uma carência do Nome-do-Pai, pois se trata, na psicose, de uma amarração singular tal como acontece na neurose e na perversão. Desse modo, o que fica evidente nesse terceiro período é algo de uma implicação do sujeito perante sua estruturação subjetiva. Após essa explanação acerca da questão estrutural da psicanálise e sua relação direta com o modo de pensar a constituição do sujeito, poderemos agora discutir a questão estrutural, especificamente, do autismo, com suas aproximações e distanciamentos com a psicose. 34 CAPÍTULO 2 – AUTISMO: APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS PARA COM A CLÍNICA DA PSICOSE Este capítulo tem como objetivo central compreender algumas das concepções sobre o autismo propostas por autores do campo psicanalítico e, da mesma forma, analisar as aproximações e distanciamentos teóricos acerca do autismo e da psicose. Frente a esse objetivo, iremos nos deter nos estudos de Éric Laurent e Jean-Claude Maleval. O primeiro, Éric Laurent, é psicanalista, psicólogo e doutor em psicanálise, foi aluno de Lacan e atualmente é membro da Escola da Causa Freudiana e docente no Departamento de Psicanálise da Universidade de Paris VIII. Além de sua rica trajetória de estudos, Laurent carrega uma extensa experiência clínica. Ele se dedicou a debater e a formular pontos essenciais sobre essa temática após o autismo, que até então era um diagnóstico raro, se tornar um diagnóstico preferencial em detrimento das psicoses. Laurent empreende um trabalho que reivindica a singularidade do autismo e a pluralidade de abordagens. Jean-Claude Maleval, do mesmo modo, não se cansa de problematizar o singular da clínica do autismo. Psicanalista, professor de Psicologia Clínica na Universidade Rennes-II e membro da Escola da Causa Freudiana e da Associação Mundial de Psicanálise, Maleval interroga, em seus textos e conferências, o funcionamento subjetivo singular dos sujeitos autistas, apoiando suas teorizaçõesem depoimentos e fragmentos clínicos desses sujeitos. A escolha por discutir a questão estrutural do autismo a partir das proposições desses dois autores se deu devido ao fato de eles se apresentarem como pesquisadores que são referência internacional no trabalho com sujeitos autistas pela orientação lacaniana. Por esse motivo, pretende-se trabalhar neste capítulo o modo como Maleval e Laurent discutem a estruturação subjetiva no autismo, em seus pontos de aproximação e distanciamento com a psicose. 2.1 Como o autismo é abordado por Maleval? É com a colocação de que “o autismo não é mais uma psicose” que Maleval (2015, p. 1) inicia seu artigo, o qual discute especificamente a hipótese estrutural do autismo, intitulado “Por que a hipótese de uma estrutura autística?” Nesse artigo e em outros textos 35 – a grande maioria reunidos no livro “O autista e sua voz”–, Maleval (2009/2017, p. 188) apresenta o modo como entende a relação do sujeito autista com o Outro, seus mecanismos de defesa e em quais aspectos aproxima e distancia a “estrutura autística” – tal como ele nomeia – da estrutura psicótica. Assim sendo, esta seção será embasada nos argumentos reunidos por Maleval nesses textos e também na Conferência “A estrutura autística”, proferida em 12 de agosto de 2017 em Bogotá, a fim de discutirmos a questão estrutural do autismo e suas aproximações e distanciamentos com a clínica da psicose. Maleval apresenta concepções importantes acerca do autismo, perpassando desde teorias a respeito da constituição do sujeito autista a características consideradas por ele como sendo próprias dessa estrutura, a saber: retenção inicial dos objetos pulsionais, estruturação do sujeito a partir dos signos e aparelhamento do gozo pela borda. Essas três características foram destacadas por Maleval em sua conferência em Bogotá como sendo os elementos possíveis de apreender a estrutura autística. Isso posto, iniciaremos perpassando os postulados desse autor acerca dessas três características destacadas, a fim de entendermos a particularidade dessa estrutura. 2.1.1 Retenção dos objetos pulsionais Um dos conceitos primordiais na teoria freudiana é o conceito de pulsão. Quando Freud (1915/1996) postulou a pulsão como sendo o correspondente psíquico das excitações derivadas do corpo, acabou por conceituar um limite entre o psíquico e o somático. Em 1964, em seu Seminário 11, Lacan destacou a pulsão como um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise. No entanto, se em Freud o conceito de pulsão diz respeito a uma articulação entre o psíquico e o somático, em Lacan o conceito faz uma articulação entre o significante e o corpo. Como postulou Freud (1915/1996), as pulsões perpassam um circuito em que há um impulso derivado de uma fonte de excitação corporal localizada. Esse impulso está em constante busca pela satisfação do encontro com o seu objeto. Porém, esse encontro não é possível, uma vez que esse objeto é sempre perdido e, por isso, a satisfação está em percorrer esse trajeto circular que retorna sempre à fonte. Embora o circuito pulsional vise à satisfação completa, Lacan nos esclareceu que a única satisfação possível é a parcial. Se Freud já havia isolado os objetos anal, oral e fálico como objetos das pulsões, Lacan acrescentou o olhar e a voz a essa série. Em 1964, Lacan destacou os objetos anal, oral, voz e olhar como os quatro apoios 36 do objeto a no corpo; ou seja, objetos a primordiais. Os dois primeiros são os objetos em que o sujeito perde por imposição da linguagem: no caso do objeto oral, a questão perpassa o desmame, pois o seio é um objeto que o sujeito precisa abandonar; e no que se refere ao objeto anal, a questão se situa em torno de uma demanda vinda do campo do Outro para que o sujeito abandone os excrementos. Os dois últimos objetos, a voz e o olhar, são destacados por Lacan como os suportes que o sujeito encontra para o desejo do Outro. Em sua conferência sobre a estrutura autística, Maleval (2017) explica que todos os primeiros objetos que realizam um intercâmbio na relação do bebê com os pais são rejeitados pela criança autista. Maleval (2017) cita os objetos voz, olhar, excrementos e comida como exemplos desses primeiros objetos de troca e nos lembra de que desde os estudos de Kanner já haviam relatos de como as crianças rejeitam esses tipos de objetos. Em Kanner (1943/1997), há um destaque, principalmente, para a recusa de maneira precoce dos alimentos por parte dessas crianças. Do mesmo modo que os alimentos são rechaçados, o objeto anal, o olhar e a voz são retidos, não postos no intercâmbio de trocas com o Outro. Na relação com o Outro, a voz e o olhar demandam duplamente do sujeito: o Outro, além de olhar para ele e lhe direcionar a fala, também demanda que este o olhe e lhe responda. No que concerne ao objeto voz, Maleval (2017) dá ênfase sobre a sua importância na estruturação autística, chegando a se destacar como uma das principais características dessa estruturação, seja pelo mutismo, pela verborreia ou pela evitação de interlocução. No Seminário, Livro 10 (1962-1963/2005), Lacan explica que é pela incorporação da voz do Outro que se opera a identificação primordial; ou seja, é pela incorporação da voz do Outro que a criança aceita o investimento libidinal que o Outro lhe direciona, assim como tem a possibilidade de corresponder a esse investimento. Então, o que se destaca de peculiaridade do objeto voz em relação aos outros objetos pulsionais é o fato de ele ser o objeto do desejo do Outro. A consequência disso é que o sujeito é chamado a responder ao Outro, já que é através da voz que o Outro lhe direciona seus desejos e suas demandas. Algo importante a ser destacado a respeito do objeto voz é o que Lacan (1964/1988, p. 184) enfatiza referindo-se aos ouvidos: “Os ouvidos são, no campo do inconsciente, o único orifício que não pode se fechar”. Com essa afirmação lacaniana, algumas questões podem ser pensadas: por um lado, se os ouvidos não se fecham, não há 37 possibilidade de a criança “não ouvir”, mas a criança pode recusar a voz mesmo assim; por outro lado, se a incorporação da voz do Outro depende da aceitação do investimento libidinal direcionado, podemos questionar quais são as consequências quando a criança recusa esse investimento não incorporando o objeto voz? Seguindo o que foi proposto por Maleval (2017), as consequências seriam próprias da ordem da estruturação do sujeito autista. Os autistas demonstram o que acontece quando os sujeitos não assumem a incorporação do objeto voz, mas são obrigados a ouvir, são invadidos pela voz do Outro. É o que Lacan já falava em 1975 ao dizer que os autistas tapam as orelhas, porque estão escutando, porque estão se protegendo do verbo. Maleval (2017) enfatiza que alguns autistas testemunharam que, para eles, soltar a voz é vivenciado como uma angustiante perda, equivalendo a uma sensação de mutilação. Dessa forma, a retenção dos objetos pulsionais é entendida por Maleval como uma recusa de entrar no intercâmbio de relação com o Outro. Frente a essa recusa dos objetos pulsionais, a voz é destacada por Maleval no processo de constituição do sujeito como o objeto primeiro, pois é através do consentimento da criança a esse objeto que se dá a encarnação da linguagem e que se opera a identificação primordial. Maleval (2009/2017, p. 96) salienta que a identificação primordial do sujeito autista é afetada pela recusa do sujeito em ceder o gozo vocal, pois é a voz que o prende ao Outro. É por isso que os autistas “rejeitam toda e qualquer dependência com relação ao Outro: recusam ceder o objeto do seu gozo vocal, de modo que resistem radicalmente à alienação do seu ser na linguagem” (Maleval, 2009/2017, p. 94). Assim, ao não abrir mão do gozo vocal, o sujeito acaba por não incorporar
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