Buscar

A PRECARIZAÇÃO NO TELETRABALHO ESCRAVIDÃO TECNOLÓGICA E IMPACTOS NA SAÚDE FÍSICA E MENTAL DO TRABALHADOR

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 162 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 162 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 162 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

LIVRO:
A PRECARIZAÇÃO NO TELETRABALHO ESCRAVIDÃO TECNOLÓGICA E IMPACTOS NA SAÚDE FÍSICA E MENTAL DO TRABALHADOR
ISBN: 978-85-9471-051-2
Edição: 1ª – 2018
Págs.: 329
Valor: R$ 90,00
Talita Camila Gonçalves Nunes
INTRODUÇÃO
Ao observar o teletrabalho como nova modalidade de labor em evidência nos últimos anos, o objetivo geral fixado é a análise da situação do teletrabalhador ante a fiscalização por instrumentos telemáticos e informáticos, que contribuem para o excesso de jornada imposto ou voluntário. A partir dessa circunstância, pretende-se também examinar os impactos na saúde física e mental do teletrabalhador em virtude do teletrabalho escravo, do teleassédio moral e do acidente de teletrabalho.
Nota-se que, assim como a tecnologia avança em velocidade assustadora, os postos de teletrabalho tendem a crescer, contudo sem atenção às novas estratégias de exploração e captura da subjetividade do teletrabalhador. Essa hipótese ocasiona um aprisionamento do teletrabalhador às ferramentas tecnológicas, para cumprir metas de produtividade. Com isso, na contemporaneidade, o trabalhador não se desconecta, seja por metas impostas, por jornada exaustiva voluntária ou obrigatória ou pelo próprio temor de perder o emprego. Configura-se, assim, um teletrabalho precário, com cada vez mais teletrabalhadores adoecidos e tolhidos de seu direito ao descanso e ao lazer.
Para a referida análise, serão investigados os atuais conceitos de teletrabalho, sua origem e natureza jurídica, bem como suas modalidades e seu modelo no quadro internacional. O artigo 6º e respectivo parágrafo único da Consolidação das Leis do Trabalho serão o ponto de partida para debates acerca da verificação da relação de emprego no campo telelaboral.
A expressão cibergreve será utilizada para designar as greves em meio virtual, bem como os grevistas – ciberproletariado – e as principais greves já ocorridas e divulgadas pela imprensa. Os novos mecanismos de controle e fiscalização também são preocupantes, pois seu uso indevido é capaz de violar a intimidade e a vida privada do teletrabalhador de modo incisivo e nefasto.
Igualmente, será observada a doutrina recente a respeito da tecnologia e dos novos mecanismos de controle telemático. Além disso, será realizada uma investigação acerca dos conceitos teletrabalho em condição análoga à de escravo contemporâneo, de assédio moral e de acidente de trabalho – incluindo as doenças, morte por esgotamento e suicídio.
Desse modo, elaboram-se conceitos de teletrabalho em condição análoga à de escravo, de teleassédio moral ou assédio moral eletrônico e de acidente de teletrabalho, adequando o teletrabalho às violações de direito existentes.
A pesquisa ora proposta será desenvolvida por meio de ampla pesquisa bibliográfica, nacional e internacional, buscando as convergências e divergências entre os atuais conceitos de teletrabalho e as consequências de sua implantação. O procedimento será o analítico, observando o teletrabalho desde sua origem até seu impacto na saúde do teletrabalhador, bem como a realização de pesquisa jurisprudencial e da legislação a respeito do teletrabalho, do trabalho escravo e das doenças ocupacionais.
É utilizada a terminologia condição análoga à de escravo, em consonância com a legislação penal atual, apesar da existência de doutrina que entenda pela amplitude do termo, com a inclusão de todas as tarefas, boas e degradantes, exercidas pelos escravos. E o termo Karoshi, da doutrina japonesa, para designar morte por exaustão, e burnout, como síndrome do esgotamento, ambas situações provocadas pelo excesso de trabalho.
O termo empregador será utilizado para todos sem distinção, enquanto o termo empregado será usado para aquele que compõe a relação empregatícia, nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho. Será também analisado o atual art. 149 do Código Penal, a Lei Previdenciária nº 8213/91 e as Normas Regulamentares do Ministério do Trabalho.
Embora parte da doutrina entenda que o termo telemática já envolva a expressão informática, a pesquisa fará uso ora da expressão telemática e informática (tal qual está na legislação trabalhista vigente), ora só do termo telemática, todos para designar o uso das TIC’s – ferramentas de comunicação e informação. As expressões trabalho remoto, trabalho a distância e telelabor igualmente foram utilizadas para designar o teletrabalho.
A regulamentação prevista no Código de Trabalho de Portugal também será objeto de exame, com breves comentários sobre cada artigo. Será também revista a regulamentação do teletrabalho proposta pela Lei 13.467/2017, sancionada em 13 de julho de 2017, parte integrante da intitulada Reforma Trabalhista. A inclusão do teletrabalho no inciso III do art. 62 e no art. 611-A da CLT também será comentada.
A flexibilidade, em especial, é tratada como um discurso a serviço daqueles que querem capturar teletrabalhadores apenas para suprimir direitos trabalhistas. A falsa ideia de flexibilidade e a aparente liberdade podem atrair a inocência dos trabalhadores que almejam ter mais tempo para si e para a família, mas que acabam mergulhados em jornadas estressantes e envoltos em conflitos familiares de toda ordem.
A pesquisa no campo da medicina do trabalho, analisando os impactos na saúde mental do teletrabalhador é destacada, para que os atuais e futuros teletrabalhadores, bem como seus empregadores, se atentem para as consequências drásticas de um teletrabalho desenfreado, que não permite o direito à desconexão e o direito ao lazer constitucionalmente assegurado.
Em razão da possibilidade de se realizar labor extraordinário habitual, serão traçados sinais que podem evidenciar a presença de teletrabalho análogo ao de escravo e de assédio moral telemático. O tipo penal vem sofrendo ataques de projetos legislativos, com o escopo de suprimir condições degradantes e a jornada exaustiva do texto legal, o que se considera uma afronta ao trabalhador, após anos de luta por parte dos auditores fiscais do trabalho (AFT) e demais atores sociais que conquistaram essas hipóteses para proteção exclusiva de direitos trabalhistas reiteradamente descumpridos.
Com o artigo ainda vigente, a violação de direito poderá ser punida na hipótese de jornada exaustiva identificada por AFT, procurador ou juiz do trabalho. Será exposto também o entendimento acerca da competência penal trabalhista para todas as ações decorrentes da relação de trabalho, como um caminho para a celeridade e efetividade do processo do trabalho, e até mesmo de prevenção da referida violação.
Não se pode perder de vista que a jornada exaustiva com uso de tecnologias atinge a esfera privada e pública, com analistas judiciários e juízes do trabalho igualmente sobrecarregados de teletrabalho com o auxílio da ferramenta do Processo Judicial Eletrônico (PJe). Assim, o adoecimento é geral e os setores de ergonomia estão, por ora, observando quais as melhores medidas para prevenir os acidentes, como casos de depressão, bem como os suicídios, que já são comuns no âmbito do Judiciário.
Entender o valor do trabalho nesse contexto deve ser uma tarefa constante. O sistema capitalista que impera permite que o capital reorganize os modos de produção e extraia do tempo de lazer e descanso do trabalhador toda a força e conhecimento deste. Se o teletrabalho pode ser intelectual ou se resumir à simples atividade mecânica de digitação, fato é que ambos se tornam mercadoria no seio da reestruturação produtiva.
Tudo isso não significa um pensamento fatalista acerca do teletrabalho e tampouco desprezo quanto às inúmeras vantagens que ele é capaz de oferecer ao teletrabalhador. O objetivo é de prevenção contra o teletrabalho precário: conter mecanismos de fiscalização nefastos à intimidade e vida privada, punir penal e administrativamente os infratores, fazer transparecer as faces ocultas do controle empregatício via telemática, impedir a sobrejornada e advertir sobre o comprometimento físico e mental da saúde daquele que permanece reiteradamente explorado pelo teletrabalho.É o que se propõe no exame a seguir.
1 O HOMEM E O TEMPO DE TRABALHO: O CAMINHO ATÉ A TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E A QUARTA IDADE DA MÁQUINA NO MUNDO GLOBALIZADO
O tempo de vida do homem subtraído pelo trabalho, ao longo da História, sempre teve seus excessos. Em alguns momentos na forma de escravidão, em outras circunstâncias pelas longas jornadas nas indústrias e, no contemporâneo, por meio das tecnologias. Homem, tempo e trabalho são indissociáveis; é a tríade elementar que permeia a caminhada humana no universo.
Esses três elementos estão situados no espaço, desde a origem do indivíduo. Ao caminhar pela história (tempo) do homem e seu trabalho, consoante Joel Kulgemas , a Revolução Industrial foi um dos marcos que sedimentou o trabalho baseado em um lugar. A organização uniforme do local e do horário de trabalho é essencial para a produção convencional. A própria regulamentação do trabalho pelo tempo foi prevista no instante em que foram montados relógios nas torres das igrejas e das prefeituras – marcando horários dos cultos, bem como do trabalho.
A história das civilizações descreve que os primeiros relógios – ou horológios – mais antigos são os relógios de sol. Na antiguidade, o homem primitivo utilizava a própria sombra para estimar as horas, descobrindo, mais tarde, que uma vareta fincada no solo, na vertical, realizava a mesma estimativa, nascendo, assim, o pai de todos os relógios de sol, denominado Gnômon . No Egito, no reinado de Amenhotep III, surgem os relógios de água ou clepsidras e os relógios de areia – ampulhetas – foram conhecidos na Babilônia e no Egito no século XVI a.C.
Note-se que o relógio, artigo de luxo na era da primeira Revolução Industrial, necessitou de algum tempo para se tornar acessível à população, tanto nas casas quanto para uso individual, quando se tornou objeto de pulso. Enquanto essa tecnologia não era disponível a todos, a figura do relógio era apenas algo que marcava a duração de labor do homem nas grandes indústrias.
Contudo, no período da Revolução Industrial, famílias eram submetidas a jornadas exaustivas para a própria subsistência. O trabalho era realizado sem descanso em condições precárias de higiene e segurança, os salários inviabilizavam qualquer possibilidade de escapar da vida extremamente miserável. Nas minas, o labor ocorria nas profundas galerias que engoliam “sua ração diária de homens, cerca de setecentos homens operários que trabalhavam neste horário no formigueiro gigante, furando a terra em todos os sentidos…”. Eram “insetos humanos” trabalhando em elevadas temperaturas, na umidade, onde não havia circulação de ar e que com o tempo a asfixia era mortal .
A limitação da jornada de trabalho já era preocupação na era industrial e, segundo Karl Marx, deveria ter um limite máximo, duplamente determinado: pela força física de trabalho e por limites morais. Assim, a força de trabalho “tem de descansar, dormir; durante outra parte do dia, a pessoa tem de satisfazer outras necessidades físicas, como alimentar-se, limpar-se, vestir-se, etc.”. Mas, além desse limite físico, o trabalhador necessita de tempo “para satisfazer as necessidades intelectuais e sociais, cuja extensão e número são determinados pelo nível geral de cultura de uma dada época”. Karl Marx já denunciava que o capitalista fazia valer seus direitos na condição de comprador quando tentava prolongar o máximo possível a jornada de trabalho e “transformar, onde for possível, uma jornada de trabalho em duas”.
A jornada exaustiva era comum entre homens e mulheres, incluindo o trabalho infantil, como se observava na indústria inglesa:
O Sr. Broughton, county magistrate [magistrado municipal], declarou, como presidente de uma assembleia ocorrida na Câmara Municipal de Nottinghan, em 14 de janeiro de 1860, que entre a população ocupada com a fabricação de rendas reina um grau de sofrimento e privação inéditos no restante do mundo civilizado […]. Crianças entre 9 e 10 anos de idade são arrancadas de suas camas imundas às 2, 3, 4 horas da manhã e forçadas a trabalhar, para sua mera subsistência, até as 10, 11, 12 horas da noite, enquanto seus membros se atrofiam, seus corpos definham, suas faces desbotam e sua essência humana se enrijece inteiramente num torpor pétreo, cuja mera visão já é algo terrível. Não nos surpreende que o Sr. Mallet e outros fabricantes se manifestem em protesto contra qualquer discussão sobre o assunto […]. O sistema, tal como o reverendo Montagu Valpy o descreveu, é de ilimitada escravidão, e escravidão em sentido social, físico, moral e intelectual […]. O que se deve pensar de uma cidade que realiza uma assembleia pública para peticionar que a jornada de trabalho para os homens deve ser limitada a 18 horas? […].
Acerca da técnica utilizada na Revolução Industrial, Eric Hobsbawm assinala que, sob o prisma tecnológico, a Inglaterra não era mais avançada ou científica, visto que todo o aparato já era disponível ou estava ao alcance, na década de 1690-1700. Ao explicar essa explosão, indica que “não se deve invocar deus ex machina das descobertas científicas ou invenções técnicas” ou seja, está dissociada da invenção de máquinas a vapor, carvão e fiadeiras, mas sim relacionada a condições políticas e econômicas, a exemplo da revolução puritana que levou a burguesia inglesa ao poder político, apoio estatal e acúmulo de capital, bem como excedente de mão de obra com a dinâmica dos cercamentos.
A disponibilidade de mão de obra aliada à tecnologia industrial foram as condições favoráveis para que os proprietários de indústrias fossem capazes de subtrair ao máximo o tempo do trabalhador e sua força, destinadas à produção.
Para Eric Hobsbawm, a explosão da revolução industrial significava que:
[…] a certa altura da década de 1780, e pela primeira vez na história da humanidade, foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedades humanas, que daí em diante se tornaram capazes da multiplicação rápida, constante, e até o presente ilimitada, de homens, mercadorias e serviços.
A Revolução Industrial passou por nova etapa, com a implantação de novas fontes de energia, como a eletricidade, o petróleo, bem como outros meios de comunicação, modificando a organização do trabalho. Manteve-se a produtividade pela exploração da força de trabalho humana, calculando-se o tempo de cada movimento do trabalhador em tarefas exaustivas e repetitivas no novo processo de produção.
O sistema produtivo taylorista/fordista que, consoante Ricardo Antunes, prevaleceu na grande indústria por todo o século XX, principalmente a partir da segunda década, foi palco da produção em massa de mercadorias – homogeneizada e verticalizada –, na qual a indústria automobilística realizava grande parte de sua produção internamente. Contudo, vigorava o combate ao desperdício, com a máxima racionalização da produção, redução do tempo e aumento do ritmo de trabalho: ação operária reduzida a um conjunto repetitivo de atividades. Identifica-se a intensificação das formas de exploração e, um “processo de desantropomorfização do trabalho e sua conversão em apêndice da máquina-ferramenta dotavam o capital de maior intensidade na extração do sobretrabalho” .
O referido binômio que se evidencia pela “mescla da produção em série fordista com o cronômetro taylorista”, a serviço do capital, se consubstanciou na apropriação do “savoir-faire do trabalho, ‘suprimindo’ a dimensão intelectual do trabalho operário, que era transferida para as esferas da gerência científica” . É apenas no fim dos anos 60 e início dos anos 70 que essa organização científica taylorista fundida com o fordismo inicia seu esgotamento.
Luci Praun afirma que a taylorismo-fordismo “instituiu, ao menos formalmente, a separação radical entre os processos de elaboração e execução”. De um lado está o corpo de operários e, do outro, a gerência e a engenharia. Nesse contexto foi retirado do trabalho “parcela significativa do pouco que lhe restava de componente criativo”. Verificou-se a ampliação da exploração do trabalho “por meio daredução de tempos mortos e da intensificação operária no processo produtivo”. Entretanto, o saber operário não foi excluído do cotidiano da produção; ele foi colocado a serviço da empresa pela gerência de perfil taylorista/fordista.
Entender o processo de produção das bases taylorista e fordista é essencial para compreender que a reestruturação produtiva incorporou novas tecnologias, sem se desvincular totalmente de antigos ideais, apenas se aperfeiçoando para a manutenção do lucro (e sua maximização). A chegada do modelo Ohnista/ Toyotista é um exemplo de que as tarefas produtivas ganharam novos contornos na organização do trabalho, bem como de ampliação da exploração humana. O aperfeiçoamento da técnica não caminhou de fato com uma efetiva melhoria das condições de trabalho; pelo contrário, criaram-se mecanismos mais sutis de captura da subjetividade do ser que trabalha.
Relembra Giovanni Alves que o Toyotismo é “um estágio superior de racionalização do trabalho que não rompe, a rigor, com a lógica do taylorismo e fordismo”, visto que no âmbito da gestão da força laboral realiza “um salto qualitativo na captura da subjetividade do trabalho pelo capital”. Essa original racionalização do trabalho se opera em virtude das novas condições sócio-históricas e tecnológicas, um “modo de organização do trabalho e da produção capitalista adequado à era das novas máquinas da automação flexível, que constituem uma nova base técnica para o sistema do capital, e da crise estrutural de superprodução, com seus mercados restritos” .
Assim, o Toyotismo não significa nova forma produtiva; dá maior eficácia à lógica da flexibilidade e se preocupa primordialmente com o controle do elemento subjetivo e com a manipulação do consentimento do trabalho. Trata-se de uma racionalidade cínica, cinismo das práticas de poder, visto que Ohno “não oculta, em seu discurso, o segredo do modo capitalista de produção e a lei essencial da acumulação de capital” .
Embora tenha sua origem no Japão (1950), alcança dimensão universal por meio da mundialização do capital, nas décadas de 1980 e 1990, no qual se torna adequado:
[…] não apenas à “nova base técnica do capitalismo”, com a presença de novas tecnologias microeletrônicas na produção (o que exige um novo tipo de envolvimento operário, e, portanto, uma nova subordinação formal-intelectual do trabalho ao capital), mas à “nova estrutura da concorrência capitalista” .
É com a crise do capital em meados da década de 1970 que surge a acumulação flexível como meio de reconstrução da base de produção do capital. Essa reconstrução calcada na exploração e debilitação do trabalho é estratégia corporativa, voltada para o crescimento da produção de mercadorias e de “vantagem comparativa na concorrência que se acirra a partir de meados da década de 1960, compondo uma nova base tecnológica, organizacional e sociometabólica para a exploração da força de trabalho” .
Para David Harvey, a acumulação flexível se “caracteriza pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional”. Essa acumulação está apoiada nos processos de trabalho, nos mercados de trabalho e produtos e padrões de consumo flexibilizados e, por meio dela, verifica-se “um vasto movimento no emprego no chamado setor de serviços”.
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) introduzidas às atividades de gestão, finanças e serviços contribuíram, “no contexto histórico da hegemonia neoliberal, para a implementação de novas estratégias empresariais de internacionalização da produção, impulsionando a mundialização do capital e contribuindo para o desenvolvimento do capitalismo flexível” .
Conquanto a Terceira Revolução Industrial tenha implantado a automação industrial de base microeletrônica (máquinas-ferramentas a comando numérico, robôs, flexibilização das linhas de montagem com base no uso de controladores lógicos programáveis, sistemas de máquinas transfer flexíveis, sistemas automatizados de testes finais, sistema de soldagem múltipla flexível, prensas automáticas, etc.), foram “as novas máquinas de comunicação em rede, no bojo do paradigma microeletrônico, que iriam intensificar globalmente o papel da informação dentro das organizações” .
Desse modo, o novo espaço virtual de informação e comunicação – o ciberespaço – instaura a Quarta Idade da Máquina: “produção de máquinas microeletrônicas informacionais e sua integração em rede interativa ou controlativa (ciberespaço) a partir dos anos 1980” .
Jean Lojkine afirma que o capitalismo muda de base e as sociedades desenvolvidas não estão mais fundadas sobre a Revolução Industrial, mas sobre uma “nova civilização informacional engendrada por uma revolução sócio-técnica de mesmo nome”. A revolução informacional é uma revolução na utilização humana da informação e não simplesmente uma mutação tecnológica (necessária) ou revolução informática. Isso explica o fracasso das tentativas de “taylorização” do trabalho informacional, ou de padronização da informação.
O autor assevera que a revolução informacional carrega “potencialidades contraditórias”. Verifica-se o aumento da carga psicológica do trabalho, e o envolvimento no trabalho “ligado a uma total responsabilização do operador humano coexiste com o estresse, a ansiedade, o medo de não poder responder aos novos imperativos de qualidade (falha zero) e rapidez (tempo justo, estoque zero)”. O trabalho é menos fragmentado, mais qualificado, mais responsabilizado e muito mais intelectualizado. Ao contrário, há frequentemente “prazer no trabalho” e “implicação deliberada de um trabalho interessante, estimulante”, além de uma desimplicação em relação à empresa: os trabalhadores da era tecnológica “não se sentem mais casados com a empresa”, valorizando-se a vida privada, familiar em detrimento das ordens empresariais, motivo dos atuais conflitos sociais relativos à medição de tempo do trabalho.
Importante ressaltar que a Quarta Idade da Máquina ocorre no interior da Terceira Revolução Industrial, e, apesar de ser parte de uma revolução informacional, para o autor “o surgimento das redes informáticas e telemáticas e, por conseguinte, da internet, que a ideia de rede informacional assumiu um arcabouço concreto, ou seja, ela passou a representar uma rede de homens-mediados-por-máquinas-informáticas” .
Maria Elizabeth Antunes Lima pontua que a Terceira Revolução Industrial acontece no campo das inovações tecnológicas, bem como das inovações organizacionais. Estas se referem “às sucessivas estratégias gerenciais por meio das quais as empresas tentam obter a adesão dos assalariados às novas exigências de qualidade e de produtividade, já que o sucesso na implantação de certos procedimentos exige a aceitação dos princípios que lhes servem de base” .
Consoante afirma Manuel Castells, prática humana muito antiga é a formação de rede, que ganha vida nova, transformando-se em redes de informação energizadas pela internet; “a rede é um conjunto de nós interconectados” .
Todavia, as redes de informação e o surgimento da internet na era contemporânea se desenvolveram para diversas finalidades. Com relação à revolução microeletrônica, Manuel Castells pondera que:
[…] a Internet não é um caso especial na história da inovação tecnológica, um processo que geralmente está associado à guerra: o esforço científico e de engenharia feito em torno da Segunda Guerra Mundial constituiu a matriz para as tecnologias da revolução da microeletrônica, e a corrida armamentista durante a Guerra Fria facilitou seu desenvolvimento.
Nesse contexto, oportuno destacar que as inovações tecnológicas na base da reestruturação produtiva da revolução das redes informacionais – Quarta Idade da Máquina – realizam as seguintes contribuições:
(1) uma ofensiva do capital na produção, ativando novas formas de controle do trabalho morto sobre o trabalho vivo, desmontando relações salariais e “flexibilização”dos contratos de trabalho (o componente político das inovações tecnológicas, tendo em vista a “autonomização do capital constante”, age menos para baratear o custo da mercadoria força de trabalho e mais para impor novas formas de subsunção do trabalho ao capital, desmontando nichos de trabalho organizado que poderiam se contrapor às novas estratégias corporativas); (2) a redução dos custos de integração da empresa-rede que surge a partir do oligopólio mundial e (3) para garantir novas formas de rentabilidade derivada das “rendas relacionais”, isto é, das relações entre empresas no curso do complexo de terceirizações industriais.
Margarida Maria Silveira Barreto e José Roberto Montes Heloani asseveram que mudanças na organização e gestão da produção repercutem não apenas nos países industrializados e a divisão social e sexual do trabalho foram redefinidas pelo “avanço da tecnologia, a automação, a microeletrônica e a robótica […], impondo nova visão e dando origem a novas formas de gerenciamento em busca de maior produtividade aliada aos novos conceitos de qualidade do produto (flexível)” .
Concomitante a esse cenário de desenvolvimento tecnológico informacional e consequentes impactos na organização do trabalho, verifica-se um fenômeno: a globalização.
Gonçal Mayos Solsona define globalização como “um complexo processo de larga duração que evidencia a comunicação e interdependência de todo o planeta Terra” . Se manifesta em vários aspectos: econômico, tecnológico, turismo, riscos epidêmicos, ambiental, cultural, civilizatório, social, político, direitos civis e qualidade de vida. Para o autor, também é indiscutível que os efeitos negativos da globalização ultrapassaram os positivos; ela veio para ficar e voltar à uma época de menor globalização acarretaria custos altos.
Entretanto a globalização necessita ser humanizada, adaptada às necessidades humanas, sendo menos agressiva com as pessoas que a vivem, porquanto até o momento a globalização que se experimenta é construída com “total inconsciência”. E há um paradoxo. Com a velocidade das TIC’s, o mundo se converte virtualmente em uma unidade (globalización monádica), contudo, mantém “múltiplas realidades cruelmente divididas e acorrentadas a servidões atávicas de condições locais, sociais e políticas, ainda isoladas, fechadas sobre si, fossilizadas em suas dinâmicas internas” . Ademais:
Ainda mais lamentável é que a indiscutível globalização financeira, económica, riscos tecnológicos e ambientais, a crescente redução diversidade cultural e linguística da humanidade, não comportaram melhoras especiais na convergência das populações no que diz respeito à qualidade de vida, direitos políticos ou nivelamento cognitivo.
Octavio Ianni destaca que a globalização “não é um fato acabado, mas um processo em marcha”, configura uma espécie de “desterritorialização generalizada”, da qual se absorvem as seguintes características peculiares: energia nuclear – como a mais poderosa técnica de guerra; a revolução informacional – conquista eletrônica e capacidade de formar e informar, induzir e seduzir; as relações econômicas mundiais – dinâmica dos meios de produção, das forças produtivas, da tecnologia; da divisão internacional do trabalho e do mercado mundial; a reprodução ampliada do capital – concentração e centralização de capitais; a língua inglesa – se transforma em língua universal; e o ideário neoliberalista – que adquire predomínio mundial como ideologia e prática.
Essa mesma marcha de integração, segundo o autor, igualmente promove a fragmentação, com desigualdades reproduzidas em todos os níveis e lugares, e “a mesma ciência que abre perspectivas de emancipação individual e coletiva, propicia a alienação material e espiritual de indivíduos e coletividades, devido à forma pela qual se transforma em força produtiva e técnica de controle social” .
Para Zygmunt Bauman, “o significado mais profundo transmitido pela ideia da globalização é o do caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo”. Essa expressão se relaciona com os efeitos globais, notadamente “não pretendidos e imprevistos, e não às iniciativas e empreendimentos globais” .
Sobre a posição dos Estados na era globalizada, o autor assinala que “as nações-estados tornam-se cada vez mais executoras e plenipotenciárias de forças que não esperam controlar politicamente”. Nesse aspecto, os Estados perdem a liberdade e o controle sobre a economia (controle político), onde o livre mercado, a livre movimentação do capital e das finanças ditam as regras.
O subcomandante Marcos, citado por Zygmunt Bauman, pontua:
No cabaré da globalização, o Estado passa por um strip-tease e no final do espetáculo é deixado apenas com as necessidades básicas: seu poder de repressão. Com sua base material destruída, sua soberania e independência anuladas, sua classe política apagada, a nação-estado torna-se um mero serviço de segurança para as megaempresas […] Os novos senhores do mundo não têm necessidade de governar diretamente. Os governos nacionais estão encarregados da tarefa de administrar os negócios em nome deles.
Quem controla e quem são os controlados? Qual é o papel edificante – ou finalidade perversa – das tecnologias de informação e comunicação nessa performance do mundo achatado pela nona força de Thomas Friedman, em que os indivíduos podem buscar por conta própria a informação? Neste mundo plano onde “não há para onde fugir, não há onde se esconder, e mesmo as menores pedras podem ser reviradas”, onde é melhor ser honesto, visto que seus erros podem ser encontrados e “mais transparente – e disponível – se torna o sujeito comum” .
Para Thomas Friedman, a época da Globalização 2.0 se resume em um período de reformas macroeconômicas (reforma por atacado), no qual as estratégias são:
[…] privatização de empresas estatais, desregulamentação dos mercados financeiros, ajustes de câmbio, investimentos estrangeiros diretos, subsídios decrescentes, rebaixamento de barreiras tarifárias protecionistas e introdução de legislação trabalhista mais flexível, sem jamais consultar o povo.
O autor destaca o comportamento de líderes de países como China, Rússia, México, Brasil e Índia:
[…] o que todos esses líderes enfrentaram foi o fato irrefutável de que mercados mais abertos e competitivos são o único caminho sustentável para que uma nação se liberte da pobreza, pois constituem a única garantia de que novas ideias, tecnologias e melhores práticas cheguem com facilidade ao país, e de que as empresas privadas, e até mesmo o governo, tenham o incentivo da competição e a flexibilidade para adotar essas ideias e transformá-las em mais empregos e produtos. Por esse motivo os países que não aderiram à globalização, que se recusaram a fazer as reformas por atacado – por exemplo, a Coréia do Norte – na verdade viram seu PIB encolher na década de 1990, enquanto os países que passaram de um modelo socialista para outro de cunho globalizante tiveram aumento do PIB per capita na década de 1990.
Entretanto, Thomas Friedman afirma que o maior achatamento que permitiu “à China competir em toda parte e contra todos, numa ampla gama de produtos manufaturados, à Índia exportar seus cérebros para toda parte, às grandes empresas encomendar quaisquer serviços em qualquer lugar fora de suas fronteiras”, além da competição global entre indivíduos, mostrando que a reforma por atacado não era mais suficiente para manter o desenvolvimento dos referidos países. Seria necessária uma “reforma no varejo” , visto que a ausência desta explica o fato de que duas décadas de reformas macroeconômicas por decisões governamentais “não reduziram o avanço da pobreza e não produziram novos empregos em quantidade suficiente em países chaves da America-Latina, da África, do mundo árabe e do antigo império soviético” .
Maurício Godinho Delgado traça pressupostos e requisitos que viabilizaram a globalização. A generalizaçãodo sistema capitalista, a nova Revolução Tecnológica e a hegemonia financeira-especulativa foram as modificações verificadas na estrutura e dinâmica do sistema econômico no final do século XX, tornando-se pressupostos do fenômeno. Já os requisitos, de caráter superestrutural, são: o pensamento econômico hegemônico (neoliberalismo); a hegemonia política ultraliberal; a ausência de contraponto eficaz (interno e externo) e a internalização dependente do ultraliberalismo.
Manuel Carvalho da Silva destaca a globalização como entidade suprema que tudo justifica. Ela surge no senso comum “como uma falsa ideia clara, é uma espécie de palavra feitiço, uma entidade distante e incontestável” e há concepções em que “se fala do global para enfraquecer o universalismo, a multiculturalidade e a multilateralidade, valores indispensáveis a uma consideração efectiva desse global”. Para o autor, poderes dominantes e seus executores se utilizam do termo globalização de forma amputada e manipulada, porquanto ignoram grande parte de seus povos, suas condições e naturais anseios.
O autor afirma que o mesmo sistema capitalista que é potencializador da criação de capacidades e meios econômicos, tecnológicos, científicos e culturais, igualmente nega a sua utilização para todos e por todos os indivíduos. Não há a criação e valorização do emprego, obstaculiza-se a inovação social e a consequente ajuda desta na inovação tecnológica, ao impor valores e “dando dimensão e qualidade à política e às práticas sociais a todos os níveis, nomeadamente nas formas de organização e prestação do trabalho” .
Ressalta Giovanni Alves que a ideologia da globalização e seu novo economicismo “tende a ocultar o caráter sócio-histórico e político dos processos de globalização”. Esse caráter está ligado a interesses de classe e é imposto por processos de luta política, e expressa “a realidade concreta da lógica da globalização como mundialização do capital” (e seus agentes supremos: “grandes fundos monetários de investimentos, companhias de seguros e bancos e, por outro lado, as multinacionais globais, as empresas, conglomerados e corporações transnacionais – da produção e distribuição concentrada de mercadorias”) .
Contudo, o autor adverte que, se por um lado a globalização “é intrinsecamente mundialização do capital, por outro lado tende a ser um processo civilizatório humano-genérico”. Essa ideia de globalização:
[…] se expressa, de certo modo – pelo menos como possibilidade concreta – através do desenvolvimento das redes de comunicação mundial, da constituição da Internet como resultado do desenvolvimento das novas tecnologias telemáticas e informáticas. A Internet é a própria metáfora do indivíduo como ser social-comunitário (apesar de sua perversão mercantil, ou seja, sua utilização suprema para o e-commerce).
Antônio Álvares da Silva afirma que a globalização é uma realidade “que trará profundas transformações na Ciência Jurídica, da qual vai receber contornos básicos e fundamentos concretos, além dos econômicos já existentes”. Com isso, não se deve pensar em sua exclusão, mas “entendê-la e encaminhá-la para padrões jurídicos seguros e justos” .
No entanto, o atual mundo globalizado é o espaço de produção do sistema capitalista no qual a sociedade está imersa. Boaventura de Sousa Santos afirma que o “espaço de produção é o espaço das relações sociais de produção e a forma de poder que lhe é própria é a exploração (extracção de mais valia)”. E ainda completa, afirmando que “a difusão social da produção e o isolamento político do operariado na produção, ajudaram, nos últimos vinte anos, a tornar social e politicamente menos importante o quotidiano do trabalho assalariado[…]” .
Pode-se compreender que a globalização não chegou para todos indistintamente, visto que a comunicação e a interação global com o auxílio da tecnologia telemática em expansão não atingem a todas as camadas sociais e todas as regiões do planeta.
Para Marcio Pochmann, há uma crescente desigualdade da inovação, na qual situam-se “países com capacidade de criar e difundir novas tecnologias, que terminam sendo os principais usuários dessas informações”. Já os países com menor poder aquisitivo compram essa tecnologia e a parcela mais pobre desses mesmos países permanecem marginalizados quanto ao acesso a elas.
A globalização proporciona novas organizações do trabalho humano, mas, por conseguinte, não garante inclusão no mundo do trabalho e tampouco inclusão social. Ao contrário, uma globalização a serviço do capital se torna instrumento de exclusão, que cria um abismo entre os inseridos e os não inseridos nas novas tecnologias, entre os empregados e os desempregados e muito mais entre os detentores dos meios de produção e seus subordinados.
Esse fenômeno não alberga apenas aspectos de exclusão dos indivíduos das tecnologias telemáticas e informatizadas enquanto meio de comunicação ou inclusão social, mas também inclui esses atores sociais em um processo de exploração do trabalho humano de maneira sutil. O tempo de trabalho humano é capturado pela lógica do capital com ferramentas hábeis a disfarçar o controle sobre o cotidiano do trabalhador e a subtração do seu período de descanso, impactando fortemente em sua saúde física e mental, como consequência tardia e, por vezes, irremediável.
2 O TELETRABALHO
2.1 O Teletrabalho: origem, conceitos e natureza jurídica
2.1.1 O telégrafo óptico
A necessidade de se comunicar remotamente não é recente. No ano de 1791, em Brûlon, pequena cidade no Sarthe, na França, Claude Chappe e seus irmãos teriam marcado o nascimento das telecomunicações com o invento do telégrafo óptico aéreo, considerado um ancestral da internet .
Denise Pires Fincato menciona que, nos anos 335 a.C com Enéias e 150 a.C com Políbio, a comunicação era feita por tochas por meio de sinais de fumaça. Já os romanos investiram em torres distantes uma das outras, por motivos estratégicos, com o escopo de garantir a visibilidade. Porém, a eficácia desse sistema só era possível com o uso de lunetas ou telescópios, desenvolvidos somente no fim do século XVIII, época em que Chappe idealiza o telégrafo óptico.
Chappe muda-se para Paris, onde abre um laboratório de física, realizando estudos no campo da eletricidade e outras áreas. Durante a Revolução Francesa de 1793 – período do terror –, retorna a Brûlon, porém não cessa suas experiências. Com o auxílio de seu irmão Inácio, membro da Assembleia Legislativa, consegue anunciar o seu invento em Paris em 1792 .
Em 1973, Chappe foi autorizado a implementar as estações retransmissoras de semáforo para operar um sistema de telecomunicações de Lille a Paris. Com a colocação de telégrafos em torres, era permitido inclusive o corte de árvores que pudessem interferir na comunicação . Por falta de financiamento, as construções permaneceram paradas e, após ser condenado à morte, em 1805, seus quatro irmãos continuaram seu trabalho por mais 25 anos.
À época o investimento em comunicação telegráfica na França se dava por razões bélicas. Entre Lille e Paris havia uma zona de conflito militar, onde Claude Chappe construiu de 16 a 23 estações telegráficas entre o pavilhão do relógio do Louvre e a Igreja de Santa Catarina, a distância de 230 km de Lille. Era possível a transmissão de uma mensagem de Lille a Paris em trinta e dois minutos .
Após 1823, o telégrafo óptico permaneceu sob responsabilidade de outras pessoas nomeadas pelo Estado. Abraão Chappe escreveu a obra a “História da Telegrafia”, em dois volumes, sendo importante supervisor dos trabalhos de construção das linhas telegráficas entre 1971 e 1830 .
No que concerne ao seu funcionamento, o telégrafo óptico era formado de três braços móveis de madeira posicionado em torres altas. Com a ajuda do relojoeiro Breguet, foi criado um sistema de engrenagens e cadeias. Assim, em 22 de março de 1972 se possibilitou a apresentação do modelo à Assembleia Legislativa Francesa. O aludido invento uniu a França à Áustria e foi adotado por diversos países europeus.
Em altas montanhas,colinas, torres de castelos e Igrejas ou em telhados de edifícios, o telégrafo óptico era adaptado , com a utilização de um telescópio e um código de transmissão. Uma parte era visível à distância e outra parte permanecia abrigada. A madeira era o material mais utilizado, depois sendo substituída por construções de pedra. Pouco importava a estética e não havia um modelo único de telégrafo.
O dispositivo mecânico de cinco metros de altura possuía duas asas ou indicadores de dois metros de comprimento e trinta centímetros de largura; contrapesos para garantir o equilíbrio e um manipulador para mover as asas. Pelo manipulador era possível mudar a posição das asas e, assim, transmitir a mensagem por um conjunto de código. A mensagem era visível com a ajuda de um telescópio. Embora os códigos variassem de um país para o outro, o objetivo por todos almejado era o de uma transmissão veloz e confidencial.
Estima-se que cerca de 5.000 km de rede e 533 estações foram construídas , ocupando grande parte do território da França. Todavia, em 1800, Napoleão Bonaparte reduziu o financiamento para criação e manutenção de mais telégrafos.
Havia uma equipe hierarquicamente organizada que operava o telégrafo óptico. Os diretores eram chefes de divisão e responsáveis pela codificação, decodificação, transmissão e emissão de relatórios, bem como por supervisionar o trabalho dos inspetores, verificando e aprovando despesas referentes ao serviço. Os inspetores eram responsáveis por uma seção de dez estações ao redor, atentando-se para o estado de equipamentos e reparos. Realizavam o pagamento dos estacionários e aplicavam punições se necessário. Já os estacionários representavam mais de 90% do pessoal. Inicialmente, em cada turno trabalhavam duplas, sendo um responsável por manipular os controles, enquanto o outro observava o telescópio. A jornada era de 365 dias por ano, do amanhecer ao anoitecer, com baixos salários e recorrentes punições por faltas.
Francisco José Dávila registra que os telégrafos ópticos não eram públicos, mas de uso do governo e apresentavam alguns problemas, como a necessidade de dias claros e ensolarados para uma leitura satisfatória das figuras múltiplas que poderiam ser formadas. A velocidade efetiva para a transmissão da mensagem era de 60km/h, em condições favoráveis. Com a descoberta da corrente elétrica, o sistema de transmissão elétrico (Alessandro Volta e Jean-Jacques Ampère) e a codificação pontos e listras (Morse, em 1844), era possível deixar um registro escrito sobre o papel, de forma mais segura e eficaz.
Quanto à autoria da telegrafia óptica, o autor assevera que há diversas versões. Para os franceses os inventores do telégrafo óptico são os irmãos Chappe; para os suíços a criação é obra do relojoeiro Breguet. Há outra vertente no sentido de que o invento foi registrado por Breguet como Breguet-Betancourt, atribuindo a Agustín de Betancourt y Molina, espanhol, a criação da telegrafia óptica com a utilização de uma flecha de transmissão e retransmissão automática de letras e números, diferente do modelo construído pelos irmãos Chappe.
Importante analisar que o telégrafo óptico foi, de fato, um aparato tecnológico utilizado pelos beligerantes franceses que acelerou a transmissão das comunicações. O seu fim ocorreu com o desenvolvimento técnico e científico, dando espaço à chegada da eletricidade – revolucionando a telegrafia – e a sua não utilização por indivíduos, mas tão somente pelo Estado. Todavia, não se pode olvidar a importância desse invento para o nascimento das telecomunicações no mundo.
2.1.2 O telégrafo elétrico
O telégrafo elétrico é um aparelho capaz de enviar mensagens por intermédio de sinais elétricos, via de regra, transmitidos através de linhas de rádio e telecomunicação. Em 1809, Samuel Thomas Von Sommering, médico alemão, cria um telégrafo eletroquímico, encomendado por Margavre Leopoldo da Baviera, aliado de Napoleão e apresentado para a Academia de Ciência de Munique. Possuía trinta e cinco condutores, um para cada número e letra do alfabeto.
Nesse experimento, uma corrente elétrica era aplicada através dos fios pelo remetente e no recipiente final fluxos de bolhas de hidrogênio eram liberadas ao lado de cada letra ou numeral correspondente. Ao observar as bolhas era possível descrever a mensagem transmitida.
Contudo o telégrafo eletroquímico evoluiu para o telégrafo elétrico, com o trabalho do meteorologista Francis Ronald em 1816, considerado o primeiro trabalho de comunicação elétrica por meio de telégrafo. Mais tarde, surge o primeiro telégrafo comercial desenvolvido por Willian Cooke e Charles Wheatstone, patenteado em 1837, com um sistema instalado no Great Western Railway, da estação de Paddington para West Drayton, em uma distância de 21 quilômetros. Nesse momento o telégrafo era formado de cinco agulhas e somente seis fios. É a partir daí que o telégrafo elétrico começa a ser empregado nas novas ferrovias britânicas que foram surgindo.
Em 1837, o telégrafo elétrico foi desenvolvido por Samuel Morse, com seu assistente Alfred Vail. Para cada símbolo do código Morse há um caractere de letra ou número, representado por uma sequência de pontos e traços. Essa última versão de um fio só emitia sinais elétricos, reinterpretados e escritos em uma tira de papel com irregularidades que eram decodificadas por um dicionário criado pelo americano Samuel Morse.
A origem do teletrabalho aparece em diversas obras e artigos acadêmicos, sendo atribuída à utilização do telégrafo elétrico por J. Edgar Thompson, para gerenciar atividades remotas na Estrada de Ferro Penn, consoante pontua Joel Kulgemas citando Willian Garrison . Do escritório central era possível controlar e solicitar os trabalhos realizados ao longo da estrada de ferro, por meio do envio de mensagens.
É indubitável a significativa contribuição científica de todos os experimentos mencionados para o desenvolvimento da telecomunicação, implantada em larga escala nas ferrovias. Mas é oportuno destacar que já era possível observar o trabalho exercido a distância com a chegada do telégrafo ótico e não do telégrafo elétrico. Percebe-se já no primeiro modelo o fator distância, bem como a organização entre gerentes, inspetores e estacionários, interligados pela estrutura telegráfica operante, outorgando vida ao teletrabalho.
Surge, por isso, a necessidade de explorar seus conceitos.
2.1.3 Conceitos de Teletrabalho
2.1.3.1 Jack Nilles
Preocupado com os rumos da tecnologia e sua aplicabilidade na vida real, o americano Jack Nilles – físico e projetor de numerosos veículos espaciais –, na década de 1970, ao realizar assessoramento ao novo diretor da Nasa, propôs diversas ideias concernentes a satélites de comunicação. A utilização de mensagens via satélite na ocasião era marcada pela impossibilidade de enviar médicos à África em tempo hábil. Informações médicas a distância substituíam a presença física de profissionais da medicina, como forma de conter a alarmante situação clínica da região, agredida pela fome .
Outro fato que amplia a discussão de Jack Nilles acerca do uso da tecnologia se dá a partir das visitas que realizou a planejadores urbanos no ano de 1971. O deslocamento casa-trabalho se configurava como viagens diárias responsáveis pela poluição do meio-ambiente. O protagonismo de Nilles surge com a ideia de não ir ao trabalho, já que a tecnologia poderia proporcionar a execução da mesma da tarefa, parte do tempo, em domicílio ou local próximo.
É nesse caminhar que engendrou uma pesquisa intitulada de “substituição do transporte pelas telecomunicações”, levadas à Nasa e à Fundação Nacional para a Ciência com o escopo de colocá-la em prática, como prova de um projeto exequível do ponto de vista econômico. Entretanto, tratado como “tolice sociológica” e sem o interesse de contratar economistas, advogados e psicólogos, entre outros profissionais necessários para viabilizar o projeto de Nilles, a companhia na qual trabalhava não deu vazão à aplicabilidade prática do emergente teletrabalho, selimitando aos feitos da área de engenharia.
Somente após o seu ingresso na Universidade do Sul da Califórnia e com uma bolsa ofertada pela Fundação Nacional para a Ciência, Jack Nilles comandou uma equipe interdisciplinar de pesquisa que estudava as questões de polícia federal no que concerne à substituição do transporte pelas telecomunicações. Experimentos foram realizados com uma empresa real.
Assim, o termo inicial “Desenvolvimento de Políticas Relativas à Substituição do Transporte pelas Comunicações”, por ser muito extenso e de difícil pronúncia, dá espaço a outros dois termos novos: telesserviço e teletrabalho. Aqui nasce o termo que torna Jack Nilles “o pai do teletrabalho”, que, ao divulgar seu projeto final, lança duas obras que serão publicadas nos EUA em 1974 e no Japão em 1977.
Consciente da viabilidade econômica do projeto, Nilles tentou executá-lo em outros órgãos federais, mas não obteve êxito. Todavia, em 1983, um estudo sobre os impactos energéticos do telesserviço foi patrocinado pela Comissão de Energia da Califórnia. Em menor escala, outras empresas norte-americanas e europeias experimentavam o teletrabalho, entre o final da década de 1970 e início da década de 1980.
Sabe-se que muitos desses testes fracassaram, seja pela carência de estudos sobre a temática, seja pela manutenção de métodos administrativos não abandonados pelos gerentes. Já projetos bem-sucedidos não tinham visibilidade, porquanto não havia interesse de se divulgar à concorrência uma nova fórmula de aumento da produtividade com baixo custo. Fazia-se necessário ampliar o teletrabalho com demonstrações públicas e resultados disponíveis.
Os projetos que foram sendo implementados após 1983 obtiveram sucesso, tendo o governador da Califórnia estabelecido o teletrabalho como opção obrigatória a ser observada por todo o órgão público. Casos como o terremoto Loma Prieta em 1989 são cogitados como influenciadores nessa decisão. Outros exemplos importantes : a Superintendência de Monitoramento de Qualidade do Ar da Costa Sul da Califórnia baixou uma portaria (XV) que exigia que fosse implementado um sistema de “carona”, teletrabalho ou outra forma de redução de carros no estacionamento (mínimo de cem funcionários em local específico da região); o Departamento de Energia do Estado de Washington iniciou uma demonstração plurianual de teletrabalho nos setores públicos e privados (região de Puget Sound); a cidade e a região metropolitana de Los Angeles implementaram programas de teletrabalho; o governo federal inicia o programa Flexiplace (local flexível); o Fórum de Telesserviço da Comunidade Europeia inicia em 1992 uma série de seminários para divulgar as vantagens do telesserviço a governos e empresas pela Europa; O governo da Califórnia implementa o programa de telecentros; grande terremoto em Los Angeles em 1994 amplia a onda de conscientização das vantagens do teletrabalho no governo e no setor privado.
Jack Nilles se torna também cofundador e presidente da companhia JALA Internacional, que tem o objetivo de desenvolver programas que envolvem o teletrabalho e telesserviço, seleção e treinamento dos participantes, avaliação de projeto e de impacto, bem como formulação de políticas. Uma variedade de ferramentas especiais e documentações auxiliares são desenvolvidas para a resolução de qualquer situação de teletrabalho. A companhia ainda expande em projetos para o uso do teletrabalho como um desenvolvimento econômico em zonas urbanas e rurais desfavorecidas e para crescimento da competitividade em pequenas empresas. É um dos principais contribuintes do Fórum de Telesserviço da Comunidade Europeia, sendo o único membro não europeu do conselho de administração .
2.1.3.2 Conceitos na doutrina
Em sua etimologia, a palavra teletrabalho é formada pelo prefixo tele – do grego –, que significa longe de, a distância , e pelo substantivo trabalho, de origem latina, tripalium, conhecido como um instrumento formado por três estacas de madeira afiadas, utilizado para torturar animais e escravos. É no século XIV que o trabalho abandona o significado de sentir dor ou sofrer para assumir o caráter de atividade humana conduzida para um determinado fim.
O teletrabalho – teletrabajo, telearbeit, telelavoro ou teletravail – possui nos diversos países o sentido de trabalho exercido a distância. Ao revés, observa-se que nem todo trabalho a distância significa teletrabalho, como é o caso do trabalho em domicílio, nem sempre incluído no conceito por ausência de elementos ínsitos à relação de teletrabalho, como o uso de tecnologia. É de se ver que uma costureira ou um artesão que laboram no próprio domicílio não serão considerados teletrabalhadores, se não preenchidos os requisitos.
Sem se perder de vista as possibilidades de modificação da ideia em razão do desenvolvimento tecnológico, as formas de conexão do teletrabalhador com o seu empregador e com as ferramentas de trabalho remoto permitem o nascimento de diversos conceitos na doutrina.
Fernando Hoffmann enfatiza que conceituar o teletrabalho é tarefa árdua, pois existem diversas definições, não sendo nenhuma capaz de “desvelar, de modo unívoco e completo, a essência deste instituto” . E isso se daria em razão da velocidade do avanço tecnológico e da formação de conceitos que já nasceriam, de certo modo, ultrapassados. Assim, haveria interferência direta da mutação tecnológica na significação do teletrabalho – expressão, conforme Sanudo citado por Hoffmann, “omnicomprensiva e ambígua” .
Se desde a Revolução Industrial nos países em processo de industrialização, consoante aponta Jack Nilles , a tendência era a centralização dos locais de trabalho, em contrapartida, o teletrabalho é descentralizado, conceituado como levar o trabalho aos trabalhadores, em vez de levar esses ao trabalho; atividade periódica fora do escritório central, um ou mais dias por semana, seja em casa ou em um centro de telesserviço” .
O autor, outrossim, conceitua telesserviço como “qualquer alternativa para substituir as viagens ao trabalho por tecnologias de informação (como telecomunições e computadores).
Especificamente nos EUA, note-se que teletrabalho ora é designado por teleworking, ora telecommutting. Esclarece-se aqui que Jack Nilles primeiro cria o termo telecommuting , o qual tem como termo correlato o teletrabalho. Logo em seguida o autor cria outro termo – teleworking –, utilizado para “descrever aplicações mais amplas” de trabalho remoto. Portanto, em consonância com as categorias descritas em sua obra, teleworking refere-se ao termo telesserviço.
Indo mais além, investiga-se a origem da palavra commuting (comutar), definida como substituir, trocar, mudar. Essa troca seria exatamente a do trabalho exercido na sede empresarial por aquele exercido no domicílio ou local diverso. Considera-se, assim, teleworking, conquanto o termo possua a palavra trabalho em sua formação, como todo e qualquer tipo de trabalho exercido remotamente, autônomo ou subordinado, que estaria abarcado pelas relações de trabalho, nos termos do art. 114 da CR/88, em conformidade com o termo genérico telesserviço. Assim, telecommuting/teletrabalho seria espécie do gênero telesserviço, que corresponde à relação de emprego envolvendo o trabalho a distância.
Por conseguinte, examine-se que o termo teletrabalho autônomo estaria sendo erroneamente utilizado por alguns autores, em face da especificidade do termo teletrabalho se alinhar tão somente com o trabalho que preenche os requisitos do artigo 3º da CLT, mormente pela presença do requisito da subordinação jurídica, compreendendo-se tal relação na doutrina juslaboral brasileira como de emprego.
Registre-se o conceito da Organização Internacional do Trabalho (OIT) na Convenção nº 177, apontando ser o trabalho em domicílio: “qualquer trabalho realizado num lugar onde, longe dos escritórios ou oficinas centrais, o trabalhador não mantém contato pessoal com seus colegas, mas pode comunicar-se com eles por meio de novas tecnologias” .
Oportuno salientar que esse conceito tratasobre trabalho em domicílio – home work –, sendo citado em algumas doutrinas como um conceito de teletrabalho à luz da OIT. Porém, há autores como Manuel Martin Pino Estrada que o entendem como já superado, porquanto não seria necessário o uso de tecnologias, sendo possível o teletrabalho por meios mais rudimentares. Além dessa crítica, acresce-se que o referido conceito trata de trabalho em domicílio, o qual já foi mencionado ser gênero, do qual o teletrabalho é espécie.
De acordo com a Comissão Europeia, teletrabalho “é o uso de computadores e telecomunicações para mudar a geografia do trabalho aceita” .
Para Joel Kugelmas, todos necessitam aprender a conviver com o trabalho remoto, uma vez que nenhum empregador pode contar tão somente com empregados que chegam na hora marcada em locais marcados ao local de trabalho. O autor utiliza a expressão telecomutação, que ocorre “quando um empregado combina local flexível, horário flexível e comunicações eletrônicas” . Pontua ainda que o termo original se referia tão somente à transferência de trabalho do escritório para casa, conceito hoje que abarca os trabalhadores dos centros remotos.
Não se pode deixar de mencionar Domenico de Masi, que define teletrabalho como:
Um trabalho realizado longe dos escritórios empresariais e dos colegas de trabalho, com comunicação independente com a sede central do trabalho e com outras sedes, através de um uso intensivo das tecnologias da comunicação e da informação, mas que não são, necessariamente, sempre de natureza informática.
Manuel Martin Pino Estrada apresenta dois conceitos de teletrabalho. No primeiro, o trabalho remoto “é aquele realizado com ou sem subordinação através do uso de antigas e novas formas de telecomunicação em virtude de uma relação de trabalho, permitindo a sua execução à distância, prescindindo da presença física do trabalhador em lugar específico de trabalho” .
Já no segundo conceito, teletrabalho “é aquele realizado com ou sem subordinação jurídica através do uso de antigas e novas formas de telecomunicação em virtude de uma relação de trabalho, permitindo a sua execução a distância, prescindindo da presença física do trabalhador em lugar específico de trabalho, ou seja, podendo ser executado também tanto na internet bidirecional, tridimensional, conforme o seu uso, como na internet superficial, profunda ou escura segundo a sua realidade”.
A definição trazida por Denise Pires Fincato destaca o teletrabalho como “fenômeno moderno (ou nem tanto) a partir do qual alguém presta serviços por meio das ferramentas de comunicação e informação (notoriamente internet), distante geograficamente de seu tomador de serviços. A relação poderá ser autônoma ou subordinada” .
Para Vittorio Di Martino e Linda Wirth teletrabalho, bem como os seus sinônimos – telecomutação, trabalho remoto, trabalho a distância –, envolvem uma variedade de situações. O trabalho eletrônico em casa é a forma mais difundida e praticada, com o trabalhador em sua própria casa, usando novas tecnologias de informação e comunicação. Os centros satélites são unidades separadas de uma empresa, geograficamente removidas da organização central, mas que mantêm com esta constante comunicação eletrônica. Os centros vizinhos são aqueles próximos da casa do trabalhador, e podem ser usados para tele-educação, teleshopping e outras finalidades. E o trabalho móvel, para os profissionais que viajam e podem utilizar a comunicação eletrônica.
Segundo José Augusto Rodrigues Pinto, o melhor conceito de teletrabalho indica ser este:
[…] uma atividade de produção ou de serviço que permite o contato a distância entre o apropriador e o prestador da energia pessoal. Desse modo, o comando, a execução e a entrega do resultado se completarão mediante o uso da tecnologia da informação, sobretudo a telecomunicação e a informática, substitutivas da relação humana direta.
A relação telelaboral é direta e, a depender do caso concreto, inclusive instantânea – por intermédio dos instrumentos supra –; o que ocorre é a ausência de contato físico entre os interlocutores.
Pertinente destacar o conceito de Alice Monteiro Barros , de que o teletrabalho é aquele realizado no domicílio do trabalhador, fora do estabelecimento patronal em centros satélites, contudo mantendo o contato com o empregador, ou em outro local público. Trata-se de flexibilização do local de trabalho, conquanto assinala que alguns autores consideram teletrabalhador aquele que labora na empresa e se utiliza de computador para exercer a própria atividade.
Importante ressaltar que a autora afirma ser este um exemplo de trabalho executado pelo indivíduo que possui média ou alta qualificação, com utilização da informática ou da telecomunicação. Todavia, atualmente, é possível captar teletrabalhadores que nem sequer tenham atingido média qualificação, mas que tão somente tenham conhecimentos primários de digitação e internet – passíveis de serem lecionados em cursos de célere capacitação –, suficientes para realização de trabalhos que não exigem tanto esforço intelectual nem formação superior, como, por exemplo, simples atendimento ao público, preenchimento de formulários, fichas, reprodução de textos, entre outros.
É de se ver que o conceito ora tratado conjuga alguns fatores em comum nas diversas doutrinas supracitadas, primordialmente os elementos distância e tecnologia.
Ante as tecnologias atualmente utilizadas, teletrabalho é o trabalho exercido por pessoa física – em caráter autônomo ou subordinado – com o auxílio de quaisquer tecnologias de informação e comunicação, que mantenham o contato do teletrabalhador com o seu tele-empregador/tomador de serviços, em virtude de distância que compreende local físico diverso da estrutura organizacional da empresa ou empresário individual.
Por ora, esse conceito abarcaria todas as modalidades de teletrabalho, consignando-se que não apenas a internet, mas qualquer meio de comunicação, como o tradicional telefone, pode aproximar os atores sociais dessa engrenagem que é o trabalho remoto, a fim de solicitar tarefas e/ou conferências de produtividade. Ressalte-se que o envio do trabalho deve ocorrer pela via telemática, ainda que solicitado por telefone.
Contudo, importa destacar que é um conceito em constante evolução, porquanto acompanha, em velocidade e aperfeiçoamento, as inovações tecnológicas, que urgem por garantir cada vez mais proximidade entre os telecomunicadores alocados em qualquer parte do globo.
2.2 Elementos caracterizadores do Teletrabalho
É possível notar elementos caracterizadores básicos do teletrabalho ainda que seu conceito caminhe por diversas nuances a partir do surgimento de novas tecnologias de informação e comunicação.
Importante ressaltar que o teletrabalho, conforme Carla Carrara da Silva Jardim, pode ser realizado por duas categorias de trabalhadores, “uma altamente capacitada, com elevado grau de autonomia e iniciativa, e oura pouco qualificada, com tarefas mecânicas e rotineiras, que trazem como consequência uma pseudo-escravidão e um forte isolamento social” .
As primeiras impressões acerca desses elementos, a exemplo de Vittorio Di Martino e Linda Wirth , após a análise de mais de cinquenta conceitos de teletrabalho, apresentam três componentes: organização, localização e tecnologia. Destaca-se o trabalho remoto com o uso de aparato tecnológico, que implique uma mudança na organização empresarial, fazendo com que o trabalhador, distante do escritório central e das instalações de produção, não tenha um contato pessoal com os outros trabalhadores.
2.2.1 Distância
A distância – ou localização – é o principal elemento do teletrabalho. Estar vinculado ao ambiente laboral, prescindindo da presença física, mas amplamente envolvido com a dinâmica do tele-empregador ou do cliente, unido a estes por uma tecnologia capaz de especificar todo o trabalho a ser feito e o envio de seu resultado. É a possibilidade de ser produtivo e comunicável em qualquer parte do globo. A distância é como um muro de gelo, que a tecnologia aquecee elimina barreiras.
Importante é salientar que o teletrabalhador não se encontra no escritório central. Ainda que ele esteja em seu domicílio ou em qualquer outro ambiente, mesmo que em localização próxima e/ou ao lado do empreendimento ao qual está vinculado, estará caracterizado o teletrabalho. Essa distância, ainda que mínima, conserva a comodidade do trabalhador de planejar o seu horário, diverso do horário fixo da empresa, e de se locomover e se organizar livremente durante a jornada laboral, sem nem sequer tirar o pijama para dar início ao seu trabalho.
Já a empresa não terá o gasto com o espaço físico destinado a recepcionar o trabalhador em suas instalações, ainda que ele seja seu vizinho. A distância significa não estar na, mas estar fora da empresa. Por óbvio que uma empresa que possui diversos andares como sua propriedade e tem um empregado que labora em um desses andares não pode ter a distância como fator essencial, porquanto todos os andares fazem parte da estrutura empresarial.
Caso diverso seria um mesmo edifício empresarial e domiciliar, no qual a empresa funciona em um andar e o domicílio do trabalhador em andar diverso ou em igual andar. O raciocínio é o mesmo: o trabalhador está em local distinto do empresarial, no qual possui certa liberdade de locomoção e organização que não teria caso estivesse inserido na dinâmica organizacional da empresa – com horários fixos chegada e saída, descanso intrajornada, espaço físico limitado para realização das tarefas, etc.
Denise Pires Fincato analisa a distância como elemento geográfico, segundo o qual “o local de trabalho é separado fisicamente do local onde situada a empresa” . Salienta que não importa a distância, mas sim a separação física. Já Ivani Contini Bramante pontua que há uma dispersão espacial, pois o trabalho se executa em local distinto – que não se consubstancia no local de trabalho clássico, tradicional e habitual–, surgindo um conceito expansivo de domicílio, que inclui o “escritório ou centro de estação de trabalho ou outro lugar eleito pelo trabalhador” .
Sugere-se que a distância, como elemento caracterizante do instituto supra, não poderia se ater apenas à separação física. Dois trabalhadores que se encontram fisicamente separados em uma mesma empresa, seja em andar diverso ou sala/setor diverso no mesmo andar, não poderiam ser considerados teletrabalhadores em seu sentido estrito. Faz-se necessária uma distância mínima que compreende o fator liberdade e a auto-organização, gerenciados sobremaneira pelo trabalhador em local diverso, ainda que não familiar, mas totalmente desvinculado da organização física da estrutura empresarial.
2.2.2 Tecnologia
Não há teletrabalho sem tecnologia. A partir do momento em que o trabalhador se distancia de seu subordinador, a ponto de não mais ocuparem o mesmo espaço físico, dificulta-se o contato que permite a comunicação durante a jornada laboral.
Desde o telégrafo ao telefone, passando pela internet, as tecnologias de informação e telecomunicação foram aprimorando os mecanismos de diálogo entre os interlocutores para diversas tarefas, entre elas o trabalho humano.
Contudo, instrumentos como o telégrafo não teriam feito parte da história do teletrabalho sem a descoberta da energia elétrica em 1873, momento em que James Clerk Maxwell publica o tratado sobre eletricidade e magnetismo, e a chegada da prensa para impressão tipográfica por Johann Gutemberg. Sabe-se que o telégrafo, no século XIX, foi um dos instrumentos mais importantes de comunicação, surgindo após este a fotografia de Daguerre (1839), o telefone de Graham Bell (1876), os princípios do radar por Guglielmo Marconi (1935), a televisão pelo sistema de raios catódicos de Arbwehnelt (1906) com as primeiras transmissões oficiais na Alemanha em 1935 e, finalmente, o Z1, primeiro computador eletromecânico programável de Konrad Kuse (1935-1938).
Na vanguarda de tais descobertas, Jack Nilles afirma que nos últimos anos as telecomunicações têm feito avanços significativos, a exemplo das redes de fibra ótica que multiplicam em volume e velocidade os circuitos telefônicos, capazes a ponto de substituir circuitos de satélites de comunicação de longa distância. Ainda, o estouro da internet em razão da chegada de navegadores e da rede de alcance mundial – world wide web ou www – propiciam até às menores empresas uma presença virtual em nível mundial.
Note-se que, consoante Paulo Rogério Foina , o computador, igualmente, foi o responsável pelo nascimento da Tecnologia de Informação, visto que as informações antes eram elaboradas em memorandos, compondo planilhas e tabulações, via datilografia e distribuição por malotes. Já o termo Tecnologia de Informação consiste em um “conjunto de métodos e ferramentas, mecanizadas ou não, que se propõe a garantir a qualidade e pontualidade das informações dentro da malha empresarial” .
Ante tais considerações, o trabalho remoto poderá ser exercido pelas variadas tecnologias que permitem as transmissões de informações no ambiente laboral virtual. Atualmente, computadores e notebooks, pagers, celulares, tablets e quaisquer outros aparelhos transmissores de informações são suficientes para caracterizar o vínculo de teletrabalho.
Entende-se aqui que as partes não necessitam estar conectadas ou fazendo uso de seus aparelhos eletrônicos simultaneamente, podendo uma deixar as solicitações e resultados à disposição da outra em meio eletrônico. Imperiosa a ressalva de que basta que a mensagem seja transmitida, seja por correio eletrônico (e-mail), por dispositivos de mensagem outros, como o whatsapp, por exemplo, ou até mesmo pelas vias tradicionais que ainda são utilizadas em nosso cotidiano como o telefone e o fax.
Oportuno ainda destacar que o teletrabalho não se realiza tão somente por intermédio da internet. Observe-se que essa é apenas uma espécie de tecnologia que possibilita o teletrabalho, caso contrário o conceito desse instituto estaria demasiado limitado, sendo excluída do teletrabalho qualquer forma de labor por telefone, a título de exemplo.
Entenda-se, aqui, que o telefone já não se limita igualmente à utilização da linha telefônica convencional, uma vez que existem inúmeras formas de telefonar para outrem, com uso da internet, via skype ou até mesmo whatsapp, fazendo uso ou não de chamadas de vídeo concomitantemente com a chamada telefônica.
Em outra linha de raciocínio, Ivani Contini Bramante destaca que o uso de ferramentas da telemática seria indispensável para caracterizar o teletrabalho. Para a autora, todo teletrabalho requer o uso da tecnologia telemática, porém não é todo labor que se realiza com instrumentos temáticos que pode ser configurado como teletrabalho. Um exemplo seria um trabalho com uso de computadores, mas que a tarefa é enviada por meios ordinários de comunicação como gravação em disquete, CD ou o atual pendrive, em mãos ou pelo correio; a chamada do trabalhador em prontidão ou sobreaviso; ou aquele que trabalha com computador portátil em casa ocasionalmente (em uma tarde ou fim de semana apenas).
Discorda-se do posicionamento supra em razão de o trabalhador exercer o teletrabalho esporadicamente. Embora não tenha um contrato de teletrabalho, de acordo com a dinâmica empresarial organizada para tal fim, se qualquer trabalhador efetuar, ainda que ocasionalmente, qualquer trabalho em local diverso da sede/filial empresarial, restar-se-ia configurado o teletrabalho naquele lapso temporal em que necessitou realizar tarefas à disposição do tomador de serviços com o auxílio de instrumentos telemáticos. Assim, tal situação ocasional deve ser registrada para fins de comprovação de jornada extraordinária na modalidade teletrabalho.
É possível que ocorram casos de teletrabalhadores que, presentes uma vez no mês ou semana na sede da empresa, recebam todo o material de trabalho e, após finalizarem a tarefa, retornem à sede empresarial para apresentar resultados. Esse fato não desnatura a condição de teletrabalho, ainda que durante a jornada o teletrabalhador não mantenhanenhum tipo de contato eletrônico com o tomador de serviços – mas, se for necessário ocorrer, será pela via eletrônica. Nesse caso, note-se que trabalho em si também é realizado por uso de tecnologia da informática, mantendo-se um mínimo de contato via telemática.
É preciso inferir se o labor não configura hipótese de trabalho manual/artesanal, como o trabalho de um marceneiro, por exemplo, porquanto nesse caso o indivíduo é tão somente um trabalhador em domicílio ou local diverso, mas não um teletrabalhador. Ainda que esse marceneiro faça, por óbvio, uso de telefone ou computador para projetos, ele não faz uso exclusivamente da informática para o trabalho. Por outro lado, se ele só realizar uma tarefa que se resume a projetos via computador ou outra tecnologia, ficará caracterizado o teletrabalho.
Com isso, ausentes os mecanismos tecnológicos necessários para o contato entre o trabalhador e seu tomador de serviços, inviável se torna configuração do teletrabalho. Se a distância não for superada pelos meios de comunicação telemáticos, estaremos diante do gênero trabalho a distância, mas não da sua espécie – o teletrabalho.
2.2.3 Organização
Não se pode pensar o teletrabalho sem que a empresa possua uma estrutura apta a receber o teletrabalhador. As possibilidades de teletrabalho são inúmeras: tempo integral no domicílio ou outro local; teletrabalho alguns dias ou apenas um dia da semana; teletrabalho em meses específicos, teletrabalho em viagem etc. É de se ver que a flexibilidade inerente ao teletrabalho permite qualquer tipo de ajuste temporal de labor entre as partes.
Entretanto, não é qualquer empreendimento que será capaz de oferecer teletrabalho a seus empregados, uma vez que a empresa deve estar preparada para manter uma equipe de funcionários da qual parte será trabalhador na estrutura física e outra parte será trabalhador remoto.
Observe-se que o empregador/tomador dos serviços encontra basicamente três possibilidades: possuir apenas teletrabalhadores; teletrabalhadores em um ou mais dias da semana e os demais dias na estrutura física empresarial; ou teletrabalhadores que laboram na estrutura física e também remotamente todos os dias.
Com relação àqueles que são apenas teletrabalhadores, o labor é exercido sempre fora da estrutura física empresarial – seja domicílio ou lugar diverso. O teletrabalhador comparece à sede ou filial da empresa tão somente para buscar e levar as tarefas que lhe compete cumprir, reuniões, confraternizações ou qualquer outra atividade que demande sua presença física para resolver questões relativas ao contrato laboral. Um exemplo no Brasil é a Virtual Call , em que todos os seus empregados trabalham em casa.
Os teletrabalhadores que o são em um ou mais dias da semana e passam os demais dias na estrutura física empresarial podem ter horários e dias flexíveis ou fixos quanto à jornada de teletrabalho. A título de exemplo, o trabalhador permanece em casa um dia e trabalha na sede da empresa nos demais dias da semana, como parte de um sistema de rodízio com outros trabalhadores que igualmente estão enquadrados no regime de teletrabalho.
Já os teletrabalhadores que trabalham na sede empresarial e remotamente todos os dias têm a jornada laboral dividida, sendo que o regime de teletrabalho é prestado antes ou depois da jornada exercida na estrutura física da empresa. Pode-se considerar aqui, igualmente, os casos em que o trabalhador estende sua jornada de trabalho, não obstante ter jornada em que não é contratado como teletrabalhador, mas realiza o teletrabalho em horário extraordinário.
É de se ver assim que o empregador/tomador de serviços necessita administrar o tipo de teletrabalhador e sua respectiva jornada, bem como o sistema de rodízio, se houver, atendo-se aos empregados que irão em dias determinados ocupar o espaço físico da empresa. Além disso, outra importante tarefa inerente à organização está ligada ao espaço de trabalho.
Ressalte-se que a organização do espaço laboral se refere ao fornecimento de equipamentos necessários para o trabalhador teletrabalhar. Isso significa que deve estar à disposição do teletrabalhador instrumentos como: computador, mesa, cadeira, internet etc. É preciso que a empresa esteja preparada para a implantação de um escritório domiciliar – home office – adequado ou dos equipamentos necessários àqueles que trabalham em qualquer local – teletrabalhador nômade.
Deste modo, preparado para receber um teletrabalhador tanto na empresa quanto fora dela, a estrutura empresarial estará sob regime de teletrabalho. Entende-se que os dois primeiros requisitos – distância e tecnologia – serão fundamentais para a configuração do teletrabalho, porém a organização surge como um terceiro requisito flexível, porquanto o teletrabalhador não pode sofrer prejuízos em razão do não enquadramento do teletrabalho em seu modos operandi tão somente porque o empregador não se organizou eficientemente para recebê-lo ou não forneceu o equipamento adequado.
2.3 Modalidades
2.3.1 Teletrabalho em domicílio – home office ou home work
O teletrabalho acompanha a tendência atual de descentralização do direito do trabalho, juntamente com as terceirizações, núcleos produtivos diversos na mesma região, semiautônomos, etc. Ocorre uma desnuclealização, na qual a relação de emprego não se limita mais a um conflito de trabalho subordinado. Tudo isso em razão das novas formas de organização do trabalho com o auxílio da tecnologia, que geram mudanças que se adaptam ao novo modelo produtivo e, assim, dispensam a clássica relação de subordinação direta do empregado ao seu empregador. Estas novas técnicas inclusive facilitam o teletrabalho em todas as suas modalidades.
Uma das principais modalidades é teletrabalho em domicilio, que se realiza no domicílio ou ambiente familiar do teletrabalhador. Organiza-se um escritório – também conhecido por home office (escritório em casa) ou home work (trabalho em casa) – onde serão instalados todos os equipamentos necessários ao desempenho das atividades.
Assim, é oportuno destacar que não será apenas a residência do trabalhador que configurará a hipótese de teletrabalho em domicílio, mas qualquer ambiente que seja a extensão de sua moradia, ainda que por poucos dias, como um sítio ou casa de campo, em casa de pessoas da família, por exemplo. O local deve ser de sua propriedade ou de sua família, apresentando todos os aspectos de ambiente familiar.
Para Vittorio Di Martino e Linda Wirth o teletrabalho em domicílio é a forma mais difundida de trabalho remoto e, comparado com o trabalho em domicílio tradicional, aquele requer diferentes habilidades, organização e ligações com o empregador central.
Já Denise Pires Fincato analisa o teletrabalho em domicílio como aquele exercido pelo trabalhador em próprio domicílio ou ambiente familiar, auxiliado por instrumentos da telemática. Para tanto é instalada em local específico da residência uma pequena estação de trabalho, com instrumentos próprios ou fornecidos pela empresa, sendo a jornada em regime puro – em casa durante todo o período – ou híbrido, quando o trabalhador ficará um turno do tempo na residência e outro na empresa, ou alguns dias em casa e outros na empresa.
Há ainda a distinção entre trabalho domiciliário e trabalho em domicílio. Susana Isabel Pinto Ferreira Gil esclarece que com frequência o primeiro é caracterizado como subespécie do trabalho no domicílio, ou como uma “expressão do renascimento do trabalho em domicílio, agora no setor dos serviços” . São realidades distintas, embora alguns países adotem analogicamente a legislação do trabalho em domicílio às relações de teletrabalho, como ocorria com o Brasil e ainda ocorre na Lituânia.
2.3.2 Teletrabalho nômade
O teletrabalho nômade configura essencialmente a ausência de local determinado para a execução das tarefas desempenhadas pelo teletrabalhador. Contudo, o referido local, pela natureza do teletrabalho, será qualquer lugar, desde que não seja o domicílio ou ambiente familiar nem as dependências do estabelecimento

Continue navegando