Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O CONCEITO DE REGIÃO NO PENSAMENTO GEOGRÁFICO: PROBLEMAS EPISTEMOLÓGICOS Silvana Cristina Costa Correia Mestre em Geografia pelo PPGG/UFPB. E-mail: silvanageoufpb@yahoo.com.br. INTRODUÇÃO Estudar o conceito de região nos remete ao nascimento da Geografia enquanto ciência, uma vez que este conceito foi nosso objeto de estudo por muito tempo. A Geografia sempre viveu da renovação de seus paradigmas, principalmente de seus conceitos e de suas verdades na busca de achar outros horizontes que dêem conta de explicar às atuais exigências que o conceito de região nos apresenta. Por isso que na sua caminhada, a região sempre saiu ganhando ou perdendo importância de acordo com as diferentes correntes da Geografia. O presente trabalho tem como objetivo principal analisar o conceito de região no pensamento geográfico evidenciando o período em que o mesmo teve maior ou menor aceitação entre os autores da Geografia e de áreas afins. O estudo pauta-se numa pesquisa bibliográfica com base nas obras dos autores clássicos como Capel (1981) e Mendonza (1982), bem como nas obras dos autores mais contemporâneos da Geografia como Corrêa (2005), Gomes (2001), Lencioni (1999), Haesbaert (1999), Santos (1978, 1994, 1999), Thrift (1995) além de outros autores de áreas afins como Francisco de Oliveira (1981) e Rosa Maria Godoy Silveira (1984) que se dedicaram em estudar este conceito. Estruturamos o trabalho em duas partes além da introdução e das considerações finais. De início apresentaremos como o conceito de região foi trabalhado nas diferentes correntes epistemológicas da Geografia: a) na Geografia Clássica; b) na Geografia Teorética-Quantitativa; c) na Geografia Crítica ou Radical; d) na Geografia Humanística e Cultural. Por fim, abordaremos algumas reflexões sobre o conceito de região à luz das contribuições efetuadas pelos geógrafos e não-geógrafos na tentativa de entender a desvalorização ou revalorizão da região no quadro da geografia hoje. A região nas diferentes correntes do pensamento geográfico: problemas epistemológicos Para as inúmeras correntes que caracterizaram a Geografia Clássica entre 1870 e 1950, a região constituiu um conceito-chave e teve como principais expoentes, Vidal de La Blache, Hettner e Hatshorne que foram responsáveis pelas primeiras reflexões a respeito deste conceito. De acordo com Mendonza (1982) a Geografia Clássica foi uma resposta a crise da racionalidade positivista e evolucionista do século XIX. Nas palavras da autora: Esa crisis finisecular, que no deja de afectar a los fundamentos y a las pretensiones generales de la concepción positiva del conocimiento, atenta expresamente contra el modelo evolucionista, que había conseguido formular, em términos conceptual y metodologicamente operativos, um proyecto coherente y fecundo de cientifismo positivo y universalista, parecia mostrar ahora, em las postrimerías del siglo XIX, insuficiências y fisuras explicativas de innegable importância ( MENDONZA, 1982, p. 49). Para Lencioni (1999) as características fundamentais do método positivista são: observação, experimentação e dedução. A primeira considera a observação como único fundamento do conhecimento, ou seja, os fatos são observados sem nenhuma indagação sobre sua origem ou finalidade. A segunda refere-se à afirmação do empirismo, onde os fatos observados na experiência têm que passar por uma experimentação. A terceira significa dizer que a explicação advém de deduções que foram elaboradas a partir da observação em busca da construção de leis gerais. Lucien Febvre, segundo Mendonza (1982), foi o primeiro a desvalorizar esse modelo de interpretação científica, sobretudo, “por la multiplicación de las observaciones, por el crecimiento de la documentacíon científica sobre las poblaciones primitivas” ( p. 50-51). Porém, a quebra da racionalidade positivista e evolucionista do final século XIX foi de fundamental importância para explicar os novos caminhos que a Geografia Clássica seguiu na primeira metade do século XX. Ancorada no novo paradigma científico, o historicismo de base neokantiana, conheceu a fragmentação e a diversificação conceitual e metodológica, dado ao fato, segundo Mendonza (1982) de cada autor ou cada escola geográfica, encontrar a sua própria maneira de interpretar a Geografia. A Geografia Clássica, no entanto, surge fragmentada e eivada de contradições dicotonômicas, como a Geografia Física e a Geografia Humana, bem como a Geografia Geral e a Geografia Regional. Nesse contexto, também se destacam dois conceitos de região: a região natural e a região-paisagem. O primeiro, influenciado pela corrente determinista1, parte do princípio que o ambiente tem certo domínio sobre a orientação do desenvolvimento da sociedade. Portanto, a região natural foi concebida: Como uma porção da superfície terrestre identificada por uma específica combinação de elementos da natureza, sobretudo, o clima, a vegetação, e o relevo, combinação que vai se traduzir em uma específica paisagem natural (CORRÊA, 2005, p. 184). Desse enunciado depreende-se que as áreas de domínio de Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Floresta Equatorial são exemplos de regiões naturais. No segundo conceito a região é considerada como área de ocorrência de uma mesma paisagem cultural, ou seja, é resultado da transformação da paisagem natural em paisagem cultural. Para Corrêa (2005), O arranjo dos campos, o sistema agrícola e o habitat rural, mas também o dialeto e os costumes estão, entre outros, construindo um conjunto integrado de traços culturais que definem um GÊNERO DE VIDA (p. 185). 1 Caracterizava-se pela uniformidade dos resultados da combinação ou integração em áreas dos elementos da natureza, justificando a exploração dos recursos naturais por interesses econômicos (CORRÊA, 2005). Assim, a região é vivenciada a ponto dos seus habitantes nomeá-la segundo a identidade referente à região que habitam. Como por exemplo: Agreste, Sertão, Amazônia e Campo Gaúcho. A região geográfica surgiu em reação à visão possibilista e determinista. Foi decorrente da visão possibilista de Vidal de La Blache que afirmava que “a região natural não pode ser o quadro e o fundamento da geografia, pois o ambiente não é capaz de tudo explicar” ( GOMES, 2001, p. 56). No entender do autor “o meio ambiente propõe, o homem dispõe” (p. 56). Então, a região existe como resultado do trabalho humano num certo ambiente. La Blache entendia a região como um “corpo vivo”, único. Para este autor, “a região é uma realidade concreta, física, ela existe como um quadro de referências para a população que aí vive” ( GOMES, 2001, p. 57). E o método recomendado para os estudos regionais, é a descrição, “pois só através dela é possível penetrar na complexa dinâmica que estrutura este espaço” (LA BLACHE 1921, apud GOMES, 2001, p. 57). Com o desdobramento da proposta lablachiana, a região se tornou o objeto de estudo da ciência geográfica. Cada região era detalhadamente descrita e particularizada, o que dificultou generalizações. A geografia regional francesa buscou a singularidades dos lugares, numa perspectiva ecológica, e apoiou-se na descrição dos elementos que a compunham ou ainda na inter-relação desses elementos combinados de formas variadas, como por exemplo, “na identificação da Borgonha o fundamental é o quadro histórico, nos Pirineus mediterrâneos, o clima, na Picardia o relevo, e assim sucessivamente” (GOMES, 2001, p. 56). É importante acrescentar que o método regional não foi somente exclusividade da escola francesa, mas foi identificado com poucas diferenças, em outras escolas nacionais, inclusive a escola alemã com destaque para Hettner, consideradoo maior defensor de uma geografia regional. O pensamento Hettneriano abordava o historicismo de base neokantiana, inspirado no romantismo e na valorização da história, acreditava que a natureza não somente possuia uma constituição física, mas também tinha história. De acordo com Lencione (1999): Para o historicismo, a realidade é resultado de uma evolução das tradições. O historicismo não considera a ciência como uma, mas procura sublinhar a especificidade das ciências do espírito em relação às ciências naturais. Considera que diferentemente das ciências naturais, em que se busca leis gerais, as ciências humanas (ciências do espírito) devem ater-se à descrição das individualidades históricas, com a finalidade de aprender o singular como produto de circunstâncias únicas no tempo e no espaço (p. 87). Contudo, no historicismo as explicações gerais perdem a validade, isto é, as ciências humanas não devem explicar a realidade sociocultural a partir de princípios gerais, mas deveriam compreendê-las a partir do contato íntimo com o objeto investigado, para tanto, a sensibilidade e a intuição tornam-se imprescindíveis. Outro filósofo neokantista é Windelband, por sua vez, classificou as ciências em nomotéticas e idiográficas. Para este autor, segundo Capel (1981), as ciências naturais são nomotéticas porque buscam estabelecer leis gerais, e as ciências sociais são idiográficas porque estão voltadas para pesquisa de fatos particulares. Gomes (2001) acrescenta que para Windelband as ciências naturais ou nomotéticas estabelecem abordagens abstratas, dada ao fato, de poder ou não antecipar os resultados das pesquisas através do conhecimento das variáveis que definem um fato ou fenômeno. Já as ciências sociais ou idiográficas são descritivas e compreendidas através das particularidades que lhes foram geradas. Então, seria a Geografia uma ciência nomotética ou idiográfica? Hettner preocupado com a dualidade proposta por Windelband, afirmou que não era nenhuma nem outra, mas tanto uma como outra. De acordo com Lencione (1999), Hettner: Dizia que quando a Geografia se volta para o estudo das relações entre os fenômenos de um determinado território é uma Geografia idiográfica; porém, quando esses fenômenos podem ser classificados em categorias, possibilitando a dedução de leis gerais, ela é nomotética (p. 122). Apesar de Hettner ter afirmado que a Geografia é tanto uma ciência nomotética como idiográfica, acabou afirmando ser uma ciência idiográfica, dado ao fato, dela estudar as diferenciações da superfície terrestre. Atribuindo assim, um caráter corológico ao permitir analisar as variáveis da terra. Na análise regional de Hettner leva-se em consideração a individualidade espacial referida no tempo e espaço, ambos constituem uma unidade. Na interpretação do autor, o caráter variável da superfície terrestre se fundamenta no estudo das relações entre os fenômenos de natureza física e humana. Porém, nessa análise, questiona-se como as relações estabelecidas entre esses fenômenos se dão em diferentes lugares e como tais estão espacialmente interrelacionados. Mais, quais fenômenos e escalas devem ser levados em conta no estudo regional de Hettner? O pesquisador os definirá através da observação e investigação. Ou seja, aqueles que conformam uma individualidade referida no tempo e no espaço formam uma região. Quanto à escala, o autor não avança na discussão, mas propõe que as escalas de recortes regionais não devem ser nem grande nem pequena. Na verdade, para Hettner os recortes feitos na realidade são oriundos do exercício intelectual, isto é: são produtos de uma construção mental. Hartshorne, influenciado por Hettner, também contribuiu para o estudo regional. Para aquele a região constituiria “um constructo intelectual e que, como tal, poderia variar em sua delimitação de acordo com os objetivos do pesquisador” (HAESBAERT, 1999, p. 18). Para Gomes (2001) Hatshorne em Perspectives The Nature of Geography, publicada em 1939, além de valorizar a região como objeto particular da geografia, propõe também que a região seja encarada como um produto mental, “ uma forma de ver o espaço que coloca em evidência os fundamentos da organização diferenciada do espaço” (p.60). Nas palavras do autor: O fato de todas as áreas da terra diferirem umas das outras desperta também um interesse especial em qualquer caso em que áreas separadas se afiguram semelhantes. O exame mais atento revela que nunca são exatamente iguais, certamente jamais tão parecidas como dois gêmeos idênticos, nem como duas pessoas de antepassados em sua totalidade europeus, que possam ter características físicas iguais, embora nascidas e criadas num e outro lado do Atlântico. Não obstante, a maneira como áreas separadas se assemelham não é menos significativa do que o modo em que diferem. O estudo comparativo de tais áreas permite à Geografia utilizar-se de métodos similares aos das ciências experimentais, nas quais certos fatores são controlados e mantidos constantes, enquanto outros variam ( GOMES, 1995, p. 60- 61). Conforme o enunciado, a região hartshorniana é vista como um método de análise (análise regional), ou seja, uma técnica da Geografia na demonstração de suas hipóteses. Neste caso, não há fenômenos particulares à Geografia, como também não há um objeto de estudo que seja específico a essa disciplina. Para Hartshorne, as ciências se definem, principalmente pelos seus métodos de investigação. Segundo Lencioni (1999), o autor classifica a região segundo três critérios: a) na delimitação das divisões entre áreas descontínuas, pois para Hartshorne, não se deve limitar a idéia de contiguidade regional; b) na noção de homogeneidade da região, dado ao fato de ser caracterizada mais pelas semelhanças do que pela heterogeneidade, isto é, a partir de um ou mais aspectos, como por exemplo: as regiões climáticas, que de fato, são definidas segundo a temperatura e umidade; e c) segundo a noção de conexão, como por exemplo, “a definição de uma região metropolitana em função da conexão existente entre vários municípios. A análise regional proposta por Harstshorne influenciará outros autores lógico- positivistas que a usarão como base nos estudos regionais posteriores. Mas na medida em que os critérios de classificação e divisão do espaço são uniformes, interessa aquilo que é geral? Então, Hartshorne valoriza o comportamento nomotético e ao mesmo tempo acaba por afirmar o método regional (comportamento idiográfico), estudando as singularidades e privilegiando o único na Geografia. Mas, contudo, renuncia as leis gerais. As primeiras críticas à concepção de região elaborada pelos geógrafos clássicos vieram dos geógrafos lógico-positivas, mas precisamente, de Schaefer ao publicar em 1953 o artigo “Exptionalism in Geografhy : A Methodological Examination”. A crítica foi, sobretudo, sobre a perspectiva historicista, que trouxe para a Geografia o excepcionalismo próprio da História. Para o autor, segundo Lencioni (1999) cabe a Geografia romper com o particularismo dos estudos por meio da região e voltar para “a formulação de leis gerais sobre a distribuição de determinadas características na superfície da terra” (p. 132). Shaefer desconsidera a geografia idiográfica e descritiva, pois acredita que somente a Geografia Geral era científica e que forneceria leis e teorias para o estudo regional. É nessa perspectiva da incontornável singularidade regional que a Geografia Clássica se fecha, e dar lugar em 1950, as pretensões renovadoras da denominada “Revolução Teorética-Quantitativa ou Nova Geografia”. Mas, contudo, é importante destacar que a região, como já foi mencionada, constituiu um conceito-chave nessa corrente da Geografia. Inúmeras escolas do pensamento geográfico, inclusiveas inglesas, as suecas e as norte-americanas, receberam com bastante ênfase as críticas e assumiram uma pretensa neutralidade científica e uma postura pragmática em relação à difusão do sistema de planejamento do Estado capitalista por meio do positivismo lógico como método de apreensão da realidade. A Nova Geografia, fundamentada no positivismo lógico consagrou o raciocínio hipotético-dedutivo e adotou como metas: a) o maior rigor na aplicação da metodologia científica; b) o desenvolvimento de teorias; c) o uso de técnicas estatísticas e matemáticas; d) a abordagem sistêmica e; e) o uso de modelos (CHRISTOFOLETTI, 1985). Para Corrêa (2005) o paradigma da Nova Geografia, Considera a região a partir de propósitos específicos, não tendo a priori, como no caso da região natural e da região-paisagem, uma única base empírica. É possível identificar regiões climáticas, regiões industriais, regiões nodais, ou seja, tantos tipos de regiões quantos forem os propósitos do pesquisador. A região natural e a região paisagem passam a ser apenas uma das múltiplas possibilidades de se recortar o espaço terrestre. A região constitui-se para os geógrafos lógico-positivistas em uma criação intelectual, criada a partir de seus propósitos específicos (CORRÊA, 1986, p. 186). Essa abordagem para Haesbaert (2002) decreta a morte da região na Geografia, pois representa uma simplificação pela perda considerável da riqueza que o conceito de região abarca, sendo vista como classe de área, passando de uma “região indivíduo” a “região sem identidade”. Para Gomes (2001) a região nesta nova perspectiva passou a ser considerada como modelo e não como algo concreto, dado ao fato, dela não ser mais delimitada pelos aspectos da natureza, da cultura ou da história do lugar, mas por dados econômicos atendendo a objetivos específicos para sua delimitação. Surgem assim, dois conceitos de regiões: as regiões homogêneas e as regiões funcionais ou polarizadas. As primeiras são definidas como espaços mais ou menos homogêneos, que apresentam certo grau de semelhança e as segundas são compreendidas associadas aos diversos fluxos que percorrem o espaço, isto é, a organização do espaço não tem um caráter uniforme, mas das várias relações que circulam e dão forma a um espaço internamente diferenciado (GOMES, 2001). É dessa perspectiva que a cidade surge como centros de organização espacial, sobretudo, ao organizar sua área de influência e outros centros urbanos de menor porte. Esse tipo de estudo ficou conhecido como de “regiões polarizadas” no sentido “de um espaço tributário, organizado e comandado por uma cidade. Nesse enfoque, há contudo, uma valorização da economia neoclássica como fundamento das trocas e fluxos. No entender de Gomes (2001): Se há uma funcionalidade no espaço que remete à integração mesmo ao sistema econômico que interpretam o desenvolvimento deste sistema, digamos mais claramente, o desenvolvimento do capitalismo, sejam chamadas para justificar esta funcionalidade (GOMES, 2001, p. 64). Foi assim que as regras foram feitas de forma tributária na interpretação macroeconômica de influência neoclássica. Nesse sentido, a região rompe com o senso comum e se afasta do imaginário das pessoas que nela vivem, de suas tradições e atinge um grau eminentimente técnico, subsidiado por métodos estatísticos sofisticados de laboratório. A região assume uma linguagem burocrática, simplificando a realidade na busca pela regularidade, formalizando modelos idealizados, deixando de perceber contradições, conflitos e irregularidades. Contudo, questões como a análise dos processos de desenvolvimento sócioeconômico e de desigualdades sócioespaciais ficaram em planos secundários, pois diante de um contexto de avanço das técnicas, de aceleração do capitalismo e intensificação das relações em escala mundial, essas questões não foram aprofundadas satisfatoriamente. Isso, segundo Gomes (2001), porque na definição da funcionalidade duas noções têm que ser levadas em consideração: a noção de rentabilidade e mercado. E, por meio destas noções, a Geografia ao produzir regionalização estaria contribuindo com a produção de um desenvolvimento espacial desigual, porque segundo Gomes (2001, p. 65), Ao assumir a dinâmica de mercado como pressuposto da organização espacial, estes modelos “naturalizariam” o capitalismo, como a única forma possível de conceber o desenvolvimento social, ao mesmo tempo, em que trabalhavam para a manutenção do status quo de uma sociedade desequilibrada e desigual. A partir de 1970, com o surgimento de novos paradigamas geográficos, outros conceitos de região foram criados aumentando mais ainda o pluralismo conceitual. Então, “o conceito de região reaparece no interior de Geografia Crítica fundamentada no materialismo histórico e dialético, como também nas Geografias Humanística e Cultural” (CORRÊA, 2005, p. 187). Daí surgiram outros conceitos de região construídas por autores de diversas áreas. Para Gilbert, segundo Corrêa (2005), a partir da década de 1970, o conceito de região poderia ser interpretado por três grandes definições. A primeira, Refere-se à região entendida como organização espacial dos processos sociais associados ao modo de produção capitalista. Trata-se da regionalização da divisão social do trabalho, do processo de acumulação capitalista, da reprodução da força-de-trabalho e dos processos políticos e ideológicos (p. 187). A Geografia Crítica, denominada de Radical, propunha transformações na sociedade. Então, interessava-se pela análise dos modos de produção e das formações sócioeconômicas como base para explicação ou estruturação das distintas formações sócioeconômicas e espaciais que devem ser analisadas e compreendidas para o melhor entendimento das regiões. Contudo, o conceito de região na vertente marxista, sofre críticas contudentes: acusada de ser um poderoso conceito-obstáculo, porque decompunha o espaço global em regiões, e, a partir das quais realizava a síntese geográfica. Assim, descrevia suas particularidades tornando-se um poderoso conceito ao impedir outras formas de representações espaciais e o axame das relações sociais de produção. Santos (1978) ancorado na vertente marxista considera a região como uma síntese concreta e histórica dos processos sociais, como produto e meio de produção e reprodução de toda vida social. Porém, posteriormente, o autor vai mais além e analisa o conceito de região no quadro da globalização e define que “as regiões são subdivisões do espaço: do espaço total, nacional, e mesmo local, são espaços de conveniência, lugares funcionais do todo, um produto social” (SANTOS, 1994, p. 18). Para Lencioni (1999) a geografia marxista enfrentou problemas ao negligenciar aspectos sobre o caráter subjetivo e pessoal da região e foi bastante criticada quando os argumentos contrários ao modelo soviético revelaram os (des) caminhos das revoluções socialistas. Neste contexto, entra em cena o segundo conceito que surgiu pós-1970 no âmbito da Geografia Humanística e Cultural fundamentada na fenomenologia. A região é definida: Como um conjunto específico de relações culturais entre um grupo e lugares particulares” uma “apropriação simbólica de uma porção do espaço por um determinado grupo” e, assim, “um elemento constituinte de uma identidade” (CORRÊA, 2005, p, 188). Pelo enunciado, nota-se que a região nesta abordagem é vista como um espaço vivido de reconhecimento coletivo, marcado pelas relações dos homens com o seu ambiente, por intermédio dos laços culturais, o que promoveria uma espécie de coesão simbólica. Para Frémont (1980) na perspectiva fenomenológica, os estudos regionais foram enriquecidos ao levar em consideração as experiências vividas. Oespaço, por causa de sua dimensão abstrata, perdeu a referência central para o espaço vivido, já que este possibilita entender a região como uma construção mental, individual inscrita na consciência coletiva. O terceiro conceito estaria relacionado á região como meio para as interações sociais, tratando de “uma visão política da região com base na idéia de que dominação e poder constituem fatores fundamentais na diferenciação de áreas” (CORRÊA, 2005, p. 188). A região nessa abordagem é concebida no seu conteúdo político, ou seja, o papel da dominação e do poder, dentro da sociedade é o fator primordial para a existência da diferenciação regional. Assim, a região desempenha um papel importante na produção e reprodução das relações sociais. Vale ressaltar que além das três definições de região aqui apresentadas a partir de 1970, surgiram outras se contrapondo a estas que será sucintamente apresentada mais adiante. Porém, o importante é compreender que o traço comum entre essas três definições de região é o fato de estarem apoiadas na idéia da persistência da diferenciação de áreas. Contudo, não compartilham com a tese do fim da região pelo processo de homogeinização do mundo através da globalização. Porém, admitem o processo de sua transformação. Outros e novos olhares sobre região: morte ou ressurreição? As dúvidas referente a existência ou não da região no interior ou fora do pensamento geográfico foram tão variadas e contraditórias em suas formulações, que muitos autores na contemporaneidade chegam mesmo a afirmar que a região não existe mais. Decretam a sua morte em função do processo de globalização que torna a realidade homogênea e indistinta. Rosa Maria Godoy Silveira ao pesquisar o conceito de regionalismo nordestino, no contexto geográfico, histórico, sociológo e economicista, ou seja, na interdisciplinaridade, concluiu que: A região, em função das mudanças econômicas mundiais, marcadas sobretudo, pela internacionalização do capital, deixou de existir e passou a ser uma abstração empírica. O espaço geográfico deixou de ser estático e passou a ser uma produção coletiva dos homens, cuja função era a de expressar o modo de produção em vigor (SILVEIRA, 1984, p. 75). Para a autora, a região não existe e, é um conceito abstrato em meio a um contexto macro, atualmente conhecido como globalização. Outro autor que afirma a inexistência rigorosa da região é Pierre Bordieu, que defende a tese que a divisão regional não existe mais na realidade, pois esta mesma realidade é a representação que dela fazemos. Desta forma, a delimitação regional é estabelecida por quem nela vive e passa a compor o imaginário daqueles que a ela se referem (BORDIEU, 1989). Para este autor, a identidade regional é um produto da construção humana. Ele critica os geógrafos, caracterizando-os como impositores de uma divisão arbitrária sobre uma ordem que guarda uma continuidade natural. De acordo com Francisco de Oliveira (1981) o conceito de região se funda nas diversas formas de reprodução do capital, isto é: a) nas formas que o processo de acumulação assume; b) na estrutura de classes peculiar as formas de acumulação e c) nas formas de luta de classes e do conflito social em escala mais geral. Para Oliveira (1981) o conceito econômico e político de região se fundamenta no movimento de reprodução do capital e das relações de produção. Nesse sentido, para o autor: Podem e existem “regiões” em determinado espaço nacional, tanto mais determinadas quanto sejam diferenciados os processos assinalados, e, no limite, (...) num sistema econômico de base capitalista, existe uma tendência para a completa homogeneização da reprodução do capital e de suas formas, sob a égide do processo de concentração e centralização do capital, que acabaria por fazer desaparecer as “regiões” (OLIVEIRA, 1981, p. 27). Porém, Oliveira (1981) chama a atenção, que tal tendência quase nunca se materializa de forma completa e acabada, devido o processo de reprodução do capital ser contraditório, desigual e combinado. Mas o autor alerta, a ponto de citar os Estados Unidos, ou outros países norte-americanos, de economia capitalista, como exemplo de materialização mais completa, em que o nível de homogeneização provocado pela concentração e centralização do capital, atingiu quase por inteiro as diferenças entre os diversos fragmentos do território nacional norte-americano. A região seria para Francisco de Oliveira: O espaço onde se imbricam dialeticamente uma forma especial de reprodução do capital, e por consequência uma forma especial da luta de classes, onde o econômico e o político se fusionam e assumem uma forma especial de aparecer no produto social e nos pressupostos da reposição (1981, p. 29). No entanto, é possível existir espaços econômico-político-sociais onde o capital comercial comanda as leis de reprodução sem, contudo, penetrar propriamente na produção, essa região se diferencia daquela onde o capital penetrou no próprio sistema produtivo. Assim, são as próprias formas diferentes de reprodução do capital que conformam regiões distintas. Portanto, não há motivo de se pensar no fim ou morte da região num país como o Brasil, em que tal tendência é dificultada pelas diferentes formas de reprodução do capital nos distintos recortes regionais. Talvez seja importante nesse momento fazer a diferenciação entre o conceito de região e regionalização. Para Haesbaert (1999, p. 17). (...) Regionalização é um processo amplo, instrumento de análise para o geógrafo em sua busca dos recortes mais coerentes que dêem conta das diferenciações no espaço. Por outro lado, região, como conceito, envolve um rigor teórico que restringe seu significado, mas aprofunda seu poder explicativo. Para definí-la devemos considerar problemáticas como a das escalas e fenômenos sociais mais específicos (como os regionalismos políticos e as identidades regionais) entre aqueles que produzem a diversidade geográfica do mundo. Outra questão importante que merece destacar, é que a região e regionalização na Geografia estão diretamente vinculadas aos interesses dos agentes envolvidos nos estudos regionais. E, tais interesses são difusões da concepção teórica que orienta o trabalho. Podendo surgir uma gama distinta de concepções conforme as escolas do pensamento geográfico. Santos (1994) ressalta a complexidade da questão regional ao afirmar: Não pensamos que a região haja desaparecido. O que esmaeceu foi a nossa capacidade de reinterpretar e de reconhecer o espaço em suas divisões e recortes atuais, desafiando-nos a exercer plenamente aquela tarefa permanente dos intelectuais, isto é, a atualização dos conceitos (p. 102). No entender de Milton Santos a região continua a existir, contrariando, os autores que pregoam o seu desaparecimento. Para Santos (1999) a região se apresenta com um nível de maior complexidade jamais alcançada pelo homem. Pois, “agora nenhum subespaço do planeta pode escapar ao processo conjunto de globalização e fragmentação, isto é, de individualização e regionalização “(SANTOS, 1999, p. 16). A partir dessa nova perspectiva focalizamos uma “nova geografia regional” e um dos autores responsável pela “ressurreição” do conceito de região é Nigel Thrift, que no seu artigo “Visando o âmago da região”, relata o ressurgimento da geografia regional quando parecia que estaria mais para a exumação do que para a ressurreição. Depois de fazer um paralelo entre três autoriadades: Vidal de La Blache, Karl Marx e Frederic Jamenson, tendo como foco a região, Thrift (1995) entende as regiões como constituídas por processos amplos, processos múltiplos e que muitas vezes se sobrepõem. Então, apresenta três questões a serem consideradas nas análises regionaiscontemporâneas, quais sejam: a) a fragmentação da região; b) a proliferação de agrupamento de estilo de vida no plano da sociedade e da cultura; c) a espacialização da cultura. Thrift (1995) ainda chama a atenção para quatro áreas de aprofundamento da pesquisa geográfica para uma melhor compreensão da região, hoje: Primeiro precisamos investigar mais extensivamente a circulação de troca simbólica sobre o espaço, e em especial o que Habermas (1962) chama a “esfera pública”, todo o complexo (cada vez mais eletrônico) de textos e mídia que enquadra debates, forma opiniões e é progressivamente a esperança de soluções políticas informadas num mundo de símbolos. Em segundo lugar, e relacionado a isso, devemos ser bem mais claros de como determinados contextos influenciam a maneira pela qual tipos particulares de pessoas recebem, negociam e são formadas por significados. Em terceiro lugar, precisamos teorizar mais claramente como o processo pelo qual o contexto foi transformado em mercadoria pode ser conectado novamente com as relações econômicas, especialmente as de consumo, dinheiro e dívida. Em quarto lugar, precisamos encontrar novas maneiras de representar regiões. Para fazê-lo precisamos afiar nossos instrumentos de escrita e de leitura. Certamente os lampejos dessa nova espécie de geografia regional podem ser vistos no súbito aparecimento de trabalho social e cultural que está ocorrendo acerca de questões como gênero, sexualidade e etnias (Thrift, 1995, p. 241-242). A partir dessas breves considerações sobre o conceito de região atualmente, é necessário acrescentar, que a cada dia esse conceito ganha importância e ressuscita pelas diversas alternativas que pode ser trabalhado, segundo Thrift (1995) a prática de estudos regionais pode nos colocar frente a frente com a maioria dos problemas que a Geografia Humana enfrenta hoje. Para este autor, “a geografia regional é essencial à prática de produzir geografia” (p, 242), por propor questões relevantes no mundo que vivemos de uma maneira importante porque é contextual. Considerações finais O conceito de região nos remete ao nascimento da Geografia enquanto ciência, já que tal foi nosso objeto de estudo por muito tempo. A Geografia sempre viveu da renovação de seus paradigmas, principalmente de seus conceitos e de suas verdades na busca de achar outros horizontes que dêem conta de explicar às atuais exigências que o conceito de região nos apresenta. Na sua caminhada, a região sempre saiu ganhando ou perdendo importância de acordo com as diferentes correntes da Geografia. Na Geografia Clássica a região teve uma boa aceitação, pois foi considerada como conceito-chave da disciplina. Porém, foi estudada como uma unidade estática, sem movimento, alicerçada, sobretudo no estudo da particularidade, do único. Na corrente posterior, a Nova Geografia, a região perde a importância, dado ao fato, dela ser trabalhada como uma unidade abstrata, utilizada para classificação ou delimitação de área. A região aqui é entendida como uma classe de área e atinge um nível eminentimente técnico, por isso, perde a sua identidade e rompe com o senso comum, dado ao fato, dela não ser mais delimitada pelos aspectos da natureza, da cultura ou da história do lugar, mas por dados econômicos, atendendo a objetivos específicos para sua delimitação. Tratar do conceito de região nas correntes posteriores: na Geografia Crítica e na Geografia Humanística e Cultural torna-se baste complexo, pois com a interpretação dos autores, a região assume distintas formas de conceituação. Na Geografia Crítica a região foi trabalhada a partir do modo de produção, onde a mesma foi considerada como uma categoria de análise que permite apreender como uma mesma forma de produzir ocorre em diversas partes do mundo, reproduzindo-se de acordo com as suas especificidades regionais. Na Geografia Humanística e Cultural, ambas fundamentada na fenomenologia, a região é vista como um espaço vivido, caracterizada pelas relações dos homens com o seu ambiente, por intermédio dos laços culturais. Portanto, para alguns autores, nessa abordagem a região ganha importância por levar em consideração as experiências vividas, então, à região é entendida como uma construção mental. Em suma, o contexto atual corresponde ao momento em que o conceito de região ganhou importância, porque a globalização torna mais complexo os processos de regionalização e, com isso, integra diferentes alternativas de trabalhar esse conceito. Porém, cabe privilegiar, o conceito de região que possui fundamentos na especificidade da reprodução do capital, dado ao fato, de nem todos os espaços de economia capitalista não se homogeneizar por completo devido ao próprio processo de reprodução do capital ser desigual e combinado. Referências bibliográficas BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro. Ed. Bertrand Brasil. 1989. CAPEL, Horácio. Filosofía y ciencia em la geografia contemporánea. Barcelona. Ed. Barcanova, 1981. CHRISTOFOLETTI, Antônio. As Perspectivas dos Estudos Geográficos. In: CHRISTOFOLETTI, Antônio (Org). Perspectivas da Geografia. São Paulo: Ed.DIFEL, 1985. CORRÊA, Roberto Lobato. Trajetórias Geográficas. 3ª edição. Rio de Janeiro. Ed. Bertrand Brasil. 2005. FRÉMONT, Armand. A região como espaço do vivido. Portugal. Ed. Livraria Coimbra. 1980. GOMES, Paulo César da Costa. O conceito de região e sua discussão. In: CASTRO, Iná Elias; GOMES, Paulo César da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato. Geografia: conceitos e temas. 3ª edição. Rio de Janeiro. Ed. Bertrand Brasil. 2001. HAESBAERT, Rogério. Região, diversidade territorial e globalização. In: Geographia. Ano I, nº.1. 1999. P. 15-39. (Revista Eletrônica). Disponível em < www.uff.br/etc> acesso em: junho de 2009. LENCIONI, Sandra. Região e Geografia. São Paulo. Ed. Edusp. 1999. MENDONZA, Josefina Gomes. El pensamiento geográfico. Madrid. Ed. Alianza Universitária. 1983. OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gião, Sudene, Nordeste, Planejamento e Conflito de Classes. Rio de Janeiro. Ed. Paz e Terra. 1981. _______________ Morte e vida da região: antigos paradigmas e novas perspectivas da Geografia regional. Rio de Janeiro. 2002. SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro. Ed. Graal, 1989. SANTOS, Milton. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico-científico- informacional. São Paulo. Ed. Hucitec. 1994. _______________ Modo de produção técnico-científico e diferenciação espacial. Rio de Janeiro. Ed. Garamond. 1999. _______________ Por uma Geografia Nova. São Paulo. Ed. Hucitec. 1978. SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. O regionalismo nordestino: existência e consciência da desigualdade. São Paulo. Ed. Moderna, 1984. THRIFT, Nigel. Visando o âmago da região. In: GREGORY, Derek; MARTIN, Ron; SMITH, Grahan. Geografia humana. São Paulo. Ed. Moderna, 1984.
Compartilhar