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JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS: A LINGUAGEM LÚDICA FORMATIVA NA CULTURA DA CRIANÇA JUCIMARA ROJAS 2 3 Apresentação Jucimara Rojas Neste momento de leitura deste fascículo, me apresento a você, caro(a) aluno(a): me chamo Jucimara Rojas, nascida em Curitiba. Resido em Campo Grande/MS. Como toda criança, fui muito inventadeira e sempre quis ser professora! Ensinar e aprender, criando instantes de grande riqueza intelectual e profissional. Perseguir este universo educativo na busca da contínua formação está presente a cada passo do nosso trabalho, na qualidade de educadora. Assim, como professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado e Doutorado, alicerçamos nossas metas teóricas e formativas como: Pós-Doutora em Formação Educação e Ludicidade, pela Universidade de Aveiro–Portugal. Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Educação, Supervisão e Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Fortalecemos nossos achados teóricos em diversas publicações, na área educacional, em autoria de livros sobre o Ser Professor: Metodologia e Aprendizagens, Interdisciplinaridade na Ação Didática, Ludicidade e Formação na Educação de Infância. Por igual, com vários artigos publicados na Ação Lúdica da Criança e o Espaço Educativo do Brincar no Desenvolvimento Infantil. Investigadora na linha de pesquisa Educação, Psicologia e Prática Docente, pesquisadora na fenomenologia, constitui-me uma artesã no tear lúdico do fazer, do pensar e do sentir na construção criativa do conhecimento. Tenho certeza que, de alguma forma, posso contribuir para seu processo de formação docente e discente. Esse fascículo contém informações e reflexões que podem modificar sua visão de mundo concernente às práticas pedagógicas infantis. Pronto (a) para caminharmos juntos (as)? Meu e-mail é jjrojas@terra.com.br Um prazer acompanhá-lo (a) em suas mais novas descobertas atinentes à criança e auxiliá-lo (a) neste processo! 4 ROJAS, Jucimara Jogos, brinquedos e brincadeiras: a linguagem lúdica formativa na cultura da criança. Campo Grande: UFMS, 2007. Índice para Catálogo Sistemático 1. Linguagem Lúdica 2. Cultura e Formação 3. Título. 5 Dedico a todos (as) educadores (as) que ensinam e aprendem com a criança na parceria lúdica do seu encantamento. Agradecimentos à digitação e à formatação do fascículo: Graciela Mendes Nogueira – Acadêmica Curso Pedagogia - UFMS/2007 6 Sumário Introdução: uma página necessária..........................................................8 Capítulo 1 - O brincar e o reconhecimento da Infância..........................13 Capítulo 2 - O brincar em Linguagem....................................................21 Capítulo 2.1 - Brincar: um baú de metáforas..........................................31 Capítulo 3 - A Linguagem do brincar: função lúdica, cultural e pedagógica no espaço infantil................................................................44 Capítulo 3.1 O jogo, a criança e as brincadeiras....................................51 À Guisa de considerações finais............................................................64 Referências.............................................................................................68 Referências complementares sobre o brincar........................................70 Sites sugeridos sobre a temática do brincar...........................................73 Sinopses dos Filmes sugeridos..............................................................74 Lista de figuras........................................................................................75 7 Observe a imagem com atenção. Perceba o processo lúdico. Coloque-se à disposição da aventura de brincar. Veja-se em algum momento de sua infância e se permita descrever esse Era uma vez uma criança chamada... "Jogos infantis" Obra de Pieter Bruegel, de 1560, evidenciando 84 atividades lúdicas com mais de 250 crianças Figura 1 8 INTRODUÇÃO: uma página necessária. . . Pensar o processo lúdico é como pensar na construção mágica da poesia, pois Poesia é brincar com as palavras como se brinca com bola, papagaio, pião. Só que bola, papagaio, pião, de tanto brincar se gastam. As palavras não: quanto mais se brinca com elas, mais novas ficam. Como a água do rio Que é água sempre nova. Como cada dia que é sempre um novo dia. Vamos brincar de poesia? (José Paulo Paes) Vamos brincar e construir? Construir com o lúdico? Transitando, brincando e aprendendo? Vamos jogar com as palavras? No transitar entre o brincar e o aprender; entre o aprender e o brincar? Pretendemos, neste fascículo, não só brincar com as palavras, mas trazê- las para sua reflexão e interpretação, tendo o lúdico como referência. Queremos despertar no leitor o encanto, a magia e a alegria que pode ser o brincar. Vamos juntos desvendar o mistério e o fascínio que seduzem qualquer criança quando brinca. A bola que rola correndo por caminhos. A boneca que simbolicamente fala. A pipa que voa e desenha infinitas formas no azul do céu, a música que soa e embala, sugerindo movimentos impulsivos e ingênuos, criando rodopios de fantasias que experimentam todas as formas de ser. Basta-me querer! Assim, vamos brincar de poesia, de falar e de dizer, de construir e de aprender. Permitamo-nos brincar com o movimento que as palavras vão traçando, ao desenrolar significados e sentidos do viver, das experiências do pequeno Ser. Esmiuçar desejos, desvelar caminhos, abrir espaços para ensinar com prazer, 9 porque educar é estar com, e só tem sentido em uma ciranda que corre e que gira, formando linhas sinuosas, coloridas, interessantes... Construções significativas, transformando sabores em saberes. Trocas em experiências e afetos. Generosidades em doar-se. Entrelaçamentos, parcerias e presenças, contextualizando-os. Brinque com linhas retas e curvas, contínuas e quebradas. Brinque com as letras soltas, juntas e separadas. Desvele as frases, os dizeres e os pensares. Interprete os autores e desvende as teorias. Reconstrua conceitos e pense concepções. Vamos interagir em uma brincadeira de encanto e que magicamente nos ensine a conhecer, a criar, a ser. Dê-me a sua mão – precisamos traçar novos caminhos, percorrer outras estradas, passar por veredas... Entremear por entre as árvores. Voar no arco-íris do conhecimento, mergulhar em cada uma de suas cores. Sentir a essência viva e profunda da vibração cromática. É preciso carregar de atenção, a intenção. Estar atento, curioso, perceptivo às palavras e aos dizeres, para descortinar pensamentos e sentimentos. A atenção nos permite ousar, revelar momentos que perpassam pela observação do sentido, do vivido, do mundo que se revela e que se mostra. Assim, somos levados à reflexão num mergulho no que já fomos e pensamos. Um momento de faz-de-conta para lembrar, trazer à memória fatos e experiências.Vamos entrar no castelo abandonado, cujos segredos e mistérios seduzem e sugerem novas descobertas. A reflexão nos transporta para o mundo encantado e imaginário da criança. É hora de brincar de aprender e, assim, conquistar espaços, abrindo a roda com cirandas diferenciadas, entrelaçadas por criativas linguagens e imagens que soam dos mistérios das palavras. É hora de aprender e de ensinar de mãos dadas, Vamos correr, pular, saltar palavra por palavra, sem parar, costurando-as... Bordando-as... Nesta roda de contínua construção é que nos dirigimos a todos os educadores que estão envolvidos com a criança. Todos os interessados na leitura como momento de reflexão teórica para uma práxis, alicerçada nos encaminhamentos da aprendizagem infantil. Procuramos permear o texto com 10 pontos interessantes que nos fazem pensar, entrelaçando informações, trocando idéias e pontos de vista de caráter dialógico no ir-e-vir interativo com o leitor. Destarte, tal enfoque orienta a estrutura dos textos, partes do fascículo. Dividimos em oito partes esse estudo, priorizando e destacando, em cada parte, determinado autor no argumento da idéia. Trazemos o pensar e as construções teóricas com base em experiências relevantes e pesquisas atuais sobre o brincar. Porém fazemos uma complementação do referencial, com diversos outros autores na bibliografia, com auxílio a futuras pesquisas. Nos capítulos, referenciamos e destacamos três seções interativas: seção 1: Era uma vez...; Seção 2: Riscos e rabiscos; seção 3: Sapeando e contextualizando. Nessas seções chamadas interativas, evidenciamos os textos, contextualizando situações características, explicativas, exploratórias, argumentativas e complementares numa intermediação lúdica, dialogando com o leitor. Os ícones _ livro, lupa, lápis _, ao lado de cada seção, destacam e representam imagens ilustrativas de caráter atentivo e observacional.A palavra Ser com maiúsculo, estilo próprio, como destaque do sentido ontológico no processo. Ao construirmos essas “chamadas”, pensamo-las como uma parada reflexiva. Forma de chamar a atenção do leitor para algumas curiosidades que julgamos interessantes, considerada a ludicidade em criação espontânea à qual conduz a um aprendizado. Aprendizado, certamente, interdisciplinar, no aspecto dialógico, axiológico e interpretativo. A chamada Era uma vez... Seção 1 pretende contar uma pequena história sobre cada autor. Uma biografia ludicamente apresentada que aparece no início da leitura para propiciar ao leitor importantes descobertas. Escolhemos um autor básico para que o leitor possa, durante o período de estudo, fazer com outros autores um exercício de pesquisa. Este exercitar é um descortinar de conhecimentos que favorecem a formação do sujeito aprendiz. Procuramos mostrar a relação do autor com sua obra, suas peculiaridades em pontos objetivos e de fácil entendimento na mostra das parcerias utilizadas para a construção do fascículo, momento de reflexão para o leitor 11 conhecer o autor selecionado, entrando na ciranda lúdica das ricas elaborações empreendidas por esses pares teóricos escolhidos, na construção textual. Na seção 2, Riscos e rabiscos, procuramos trazer ao leitor informações, curiosidades, alguns detalhes tendentes a propiciar desde que possível, um aprender ocasional e/ou histórico, bem como epistemológico, compondo um todo ordenado. Podemos metaforicamente compará-los a pequenos retalhos coloridos e chamativos que viabilizam compreender o feito, a confecção de toda a peça e que facilitam a construção do todo, como se fossem uma colcha de retalhos numa composição de emoções, fundamentações e parcerias. Quando chamamos a atenção do leitor na seção 3, Sapeando e contextualizando, queremos convidá-lo para interagir em atividades reflexivas. Entrar na roda e conosco formar uma grande espiral de idéias. Uma ciranda criativa e interessante. Participar juntos na construção dos momentos ricos de brincadeiras, jogos, músicas, poesias. Enfim, fazer parte de instantes de uma aguda observação, em que contextualizar, criar, elaborar e re-significar a construção do conhecimento sejam o participar e o demonstrar da praticidade de ação. Estamos convidando você para brincar na parceria com outros sujeitos, numa interação interdisciplinar em atitudes, idéias, pensamentos e ações. Colocar as mãos na massa. Fazer a interação lúdica de uma ação que se faz entre pares, quer sejam autores, leitores e/ou crianças que possam sugerir à nossa imaginação um brincar coletivo, de magia, encantamento e fantasia. Caro (a) aluno (a), diga sim! Faça de cada “chamada” um sentido de interatividade! Faça a sua ciranda. Permita construir um conhecimento com base na ludicidade. Entre na roda! Pois é no rodar da roda que se sente a importância de elaborar algo, tendo o brincar como inter-mediador. Então vamos fazer, brincando? Libere o lúdico que existe em você! O fascículo sobre Jogos, Brinquedos e Brincadeiras: a linguagem lúdica formativa na cultura da criança, apresenta os seguintes capítulos: Capítulo 1-O brincar e o reconhecimento da infância, mostra o sentido de infância na história e como os jogos, brinquedos e brincadeiras se constituem nessa 12 história. Percebemos que a criança tem pouco período para aproveitar sua fantasia, dado que, em sua socialização, era tratada como adulto. Capítulo 2-O brincar em linguagem, diz do sentido mediador do brincar, do brinquedo e da brincadeira, evidenciando o caráter imaginário e as emoções da criança na ação espontânea, deixando evidente a importância da metáfora em cada brincadeira, brinquedo ou jogo. Capítulo 3 - A linguagem do brincar: função lúdica, cultural e pedagógica no espaço infantil pontua uma cultura lúdica nos efeitos de sentido do Ser, dando ênfase à questão do jogo e a algumas características: demonstram que, por meio do sentido de jogar, se podem estabelecer evidentes culturas. Culturas essas expressadas no jogo, na arte, na criatividade, na poesia. O jogo é um elemento que favorece a aprendizagem porque encerra a busca, a descoberta; instiga, dizendo ao sujeito aprendiz que alguma coisa está em jogo. À guisa de considerações finais, de sua vez, apresenta pequena síntese retrospectiva dos capítulos que perfazem o fascículo, com a intenção de sugerir a atividade reflexiva principal: a escrita de pequeno artigo que relate a experiência vivida, em algum momento de sua prática, com o estudo realizado. 13 Capítulo 1 - O brincar e o reconhecimento da infância Os estudos de Ariès (1960) evidenciam que o sentimento sobre a infância começa a surgir lentamente na sociedade Ocidental entre os séculos XIII e XVII. A infância até então era desconsiderada nas suas especificidades. A criança pequena se transformava, imediatamente, em homem adulto, sem passar pelas etapas da juventude, aspectos essenciais na sociedade atual. A socialização da criança, assim como as transmissões dos valores e dos conhecimentos, não era assegurada nem controlada pela família. A aprendizagem infantil era advinda da convivência da criança com o adulto, que o auxiliava em seus afazeres. A criança era logo misturada aos adultos, partilhava de seus trabalhos e jogos, garantindo assim sua educação. Percebemos, nesse tom, que a infância era uma espécie de anonimato e que a presença da criança, na família e na sociedade, era muito breve e insignificante. Suas necessidades, bem como as etapas de seu desenvolvimento, eram ignoradas, não recebendo a devida importância. Ariès (1960), nas suas pesquisas, mostra que muitos historiadores reconhecem a indiferença que persistiu até muito tarde com relação às crianças. Mais recentemente, tais relações passam a conquistarum espaço na família e na sociedade, ao considerar a infância como etapa importante na vida do ser humano. Logo, preocupações relacionadas com o desenvolvimento e com o futuro do pequeno Ser são evidentes, mesmo no aspecto legal. Por meio dos documentos consultados por Ariès (1960), pode-se imaginar como era a vida da criança no início do século XVII. Igualmente, como eram suas ERA UMA VEZ...Um historiador chamado Philippe Ariès que caminha pelo mundo da curiosidade, como ele mesmo diz, e que se propõe a excitar constantemente essa curiosidade, no sentido de voltar ao passado, para buscar a origem das coisas, seguindo um comportamento histórico e tendo como ponto de partida uma questão presente. Assim, após debates contemporâneos sobre a criança, a família, a juventude, Áries procura investigar a história social da criança e da família, para uma compreensão maior da questão da infância. Figura 2 14 brincadeiras e a que etapas de seu desenvolvimento físico e mental cada uma delas correspondia. Esse autor observa, no entanto, que a idade de sete anos marca uma etapa importante: a idade, geralmente fixada pela literatura moralista e pedagógica deste século, para a criança entrar na escola ou começar a trabalhar. As pesquisas de Ariès evidenciam que com relação aos jogos e brincadeiras das crianças, nesse período da história do Ser, a maior parte dos jogos eram os mesmos destinados aos adultos: “Parece, portanto, que no início do século XVII não existia uma separação tão rigorosa como hoje entre as brincadeiras e os jogos, reservados às crianças, e as brincadeiras e os jogos dos adultos. Os mesmos eram comuns a ambos”. (1960, p.88). Ariès (1960) aponta que, por volta de ano de 1600, a especialização das brincadeiras pertencia à primeira infância. Ele destaca que, nessa fase, não existia muita discriminação entre meninos e meninas, que ambos os sexos usavam o mesmo traje, uma espécie de vestido, e que a brincadeira com bonecas era comum a meninos e meninas. Como parte desse mundo chamado de primeira infância, Ariès (1960) reconhece alguns brinquedos que percorreram longo caminho, porém quase desapareceram nos dias de hoje, como o cavalo-de-pau, o cata-vento, o pião, o pássaro-preso por um cordão e a boneca. Ainda, pássaro amarrado, que para nós é a pipa, e a boneca que outrora era feita de palha, de louça ou pano. Algumas bem artesanais, e com significados religiosos, atualmente vestem-se de novas roupagens, valendo-se dos avanços tecnológicos da indústria, com inovações constantes dentro do universo de consumo. RISCOS E RABISCOS... Uma curiosidade... Ariès relata pequenos trechos da infância de um jovem chamado Luís XIII, um menino nobre nascido na França. Seu médico Heroard deixa um registro minucioso de todos os seus feitos e graças a que Ariès tem acesso. Uma infância diferenciada das demais crianças, visto que este jovem recebeu uma educação pautada pelos princípios da nobreza. Figura 3 15 Ariès (1960) complementa que, na sociedade antiga, a criança já praticava alguns jogos e brincadeiras, como o arco, cartas e xadrez. Participava dos jogos dos adultos, como raquete e inúmeros jogos de salão. Jogos comuns aos de hoje eram os de mímica e de salão, cabra-cega, esconde-esconde, o homem-que-não-ri, a berlinda, brincadeiras de pegar e o jogo de peteca com raquetes. Ariès (1973) registra o que talvez, para nós professores, possa ser uma idéia: um jogo de papeizinhos, muito em moda no fim da Idade Média, uma espécie de adivinha com rimas que dão origem à canção popular e às brincadeiras infantis, como o próprio jogo das rimas. Uma brincadeira ou jogo de salão que consistia em adivinhar as profissões e as histórias representadas por mímica. Também a música, a dança, o canto e o brinquedo com balanços ocupavam um lugar de destaque, no cotidiano infantil. Mesmo os adultos e os jovens que já haviam deixado a infância não abandonam inteiramente os jogos, entre eles a cabra-cega, o jogo do assobio, a faca na bacia com água, o esconde-esconde, o passarinho que voa, o cavalheiro gentil, o homem que não ri, o pote do amor, o rabugento, a berlinda, o beijo embaixo do castiçal e o berço do amor. RISCOS E RABISCOS... Ainda mais curioso: vamos imaginar o pequeno Luís XIII, lá no século XVII, com um ano e meio, brincando com cavalo-de-pau, cata-vento e pião. E logo ganha um violino, pondo-se a imitar os adultos, ensaiando já algumas notas. A música, naquela época, direcionava para romper com o aspecto lúdico, com a fantasia e o faz-de-conta que envolviam o Ser criança. SAPEANDO E CONTEXTUALIZANDO... Atividades para você fazer: é interessante que o professor resgate os jogos tradicionais, as adivinhas, as trava-línguas que servem de momentos lúdicos em que a criança tanto se diverte como aprende brincando. Pesquise e apresente, por exemplo, um o- que-é-o-que-é em algum momento de sua prática. Figura 4 16 Ariès (1973) constata a participação ativa das crianças nas cerimônias tradicionais. A criança desempenha um dos papéis essenciais previstos pela tradição, no meio da coletividade reunida. O costume rezava que as graças fossem ditas por uma das crianças mais novas e que o serviço da mesa fosse feito pela totalidade das crianças presentes. Além da música e da dança, as representações dramáticas reúnem toda a coletividade e misturam as idades tanto dos atores quanto dos espectadores. Existia também a moda dos contos de fada no fim do século XVII; essas histórias, no entanto, destinam-se tanto às crianças, quanto aos adultos. Por volta dos sete anos, a criança deixa de lado esses brinquedos, destinados à primeira infância, para começar uma etapa importante na sua vida, evidenciada pela entrada na escola. Dessa maneira, percebemos que na sociedade antiga os jogos, as brincadeiras e os divertimentos formam um dos principais meios para estreitar laços e manter a sociedade unida. Tanto a criança como o jovem participam, em situação de igualdade, com todos os outros membros da sociedade, porém que há uma ruptura na ludicidade tão significativa, neste período da existência do pequeno Ser, considerado adulto em miniatura. Pautamos, então, por um momento de reflexão teórica sobre o brincar. A importância do período lúdico na formação do pequeno Ser. Como educadores, pretendemos cada vez mais ampliar os espaços do conhecimento e do trabalho pedagógico e, assim, propiciar um encontro significativo da criança com o lúdico, entendido como a representação simbólica das possibilidades do viver. RISCOS E RABISCOS... Nova curiosidade: registrar que o nosso pequeno Luís XIII também brincava com bonecas, pois a boneca não se destinava apenas às meninas. Brincava também de cortar papel com a tesoura. Brincava de bater palmas e de esconder. E aos três anos, divertia-se com o jogo de rimas, recitações orais e contos de fada. 17 Neste momento, denominado de reflexão teórica, abrem-se as oportunidades em pequenos espaços de tempo para a atividade do Ser que reflete, examina e compara os pensamentos na busca teórica, da leitura e da compreensão, do pensar e do refletir sobre a ludicidade. Este é o tempo presente. Tempo de refletir, de observar, de incorporar e de interpretar os ditos e feitos de nossos autores, para redescobrir e re-direcionar os caminhos pedagógicos, na Educação de Infância. Na recuperação do lúdico, como prática permanente no cotidiano de sala de aula, tendo como centro a criança, sua vida, suas ações, seu mundo, seu Ser. Por meio da ludicidade, como comunicação do humano, podemos evidenciar muitos pensares e falares que alimentam, qualitativamente,a vida da criança em novas construções. A criança fala e interage em todas as suas ações, e o educador (a) não pode perder isso de vista, ao estruturar as propostas que visam ao trabalho educativo com a infância. A ludicidade é a manifestação da espontaneidade por meio da fala e dos gestos que a criança expressa de forma prazerosa, revelando maior significado ao aprender. Acreditamos que o brincar é o primeiro experimentar do mundo que se realiza na vida da criança. É uma linguagem de interação que possibilita descobertas e conhecimentos sobre si mesma, sobre o outro, sobre o mundo que a rodeia. Entretanto, com o acelerado processo de mudanças em nosso mundo e uma civilização cada vez mais técnica, a criança está perdendo sua capacidade de brincar. A originalidade deste momento do brincar está cedendo lugar a um mundo SAPEANDO E CONTEXTUALIZANDO... Atividade para você fazer. Que tal pedir que a criança pergunte aos avós sobre os brinquedos da antiguidade e reinventá-los,criando com a criança? Vamos tentar pensar reflexivamente sobre essa construção, praticando uma cultura lúdica?Faça essa interatividade e trabalhe toda essa parte do fascículo - criança com brinquedo-, com a história contada e os brinquedos vividos pelos avós:a presença da avó ou avô na escola. 18 centrado nos caminhos mecanizados e cada vez mais informatizados que levam o humano a se robotizar, no pensar e no agir. O espírito lúdico da convivência prazerosa e criativa que vinha sendo praticamente desenvolvido desde o nascimento, com o próprio corpinho e com a mãe, e depois no faz-de-conta solitário, passa pouco a pouco a fazer parte do universo social, agora transversal, entre pares, com sua complicada trama de relações, suas regras e acordos, muitas vezes ainda implícitos e velados. (OLIVEIRA, 2000, p.22) O brincar infantil não pode ser considerado apenas uma brincadeira superficial, sem nenhum valor, pois, no verdadeiro e profundo brincar, acordam, despertam e vivem forças de fantasias que, por sua vez, chegam a ter uma ação direta sobre a formação e sobre a estruturação do pensamento da criança. Esse processo natural e sadio de se processar a inteligência não é possível, quando as crianças não realizam ou não conseguem mais o verdadeiro brincar. É evidente que o mundo humano tem mais significados no brincar da criança. Tal mundo é apreendido pela imitação e fixado na criança pelo brincar, momentos em que ocorre a repetição de fatos corriqueiros da vida diária, tendo o seu ápice na vivência, que a criança tem de si mesma. Vivência que muitas vezes, encontra sua expressão mais profunda, “como um Eu”, no brincar com uma boneca, por exemplo, com a qual se identifica. “Dramatizar o vivido, representando-o, ajuda a criança a afirmar-se como pessoa e a externar sentimentos e pensamentos”. (OLIVEIRA, 2000, p.19) Figura 5 19 O brincar infantil constitui a forma básica mais importante e decisiva do ser humano, por fazer desabrocharem e ativarem as forças criativas da criança. Todo educador precisa estar consciente dos malefícios dos brinquedos industriais, produzidos em série, de gosto pouco duvidoso, e que não atendem às necessidades de descoberta da criança. A maioria deles se apresenta de tal forma que a força da fantasia da criança não encontra alimento para dar vazão à imaginação, às construções simbólicas próprias da criança, pois não há nada a completar, a imaginar, a projetar sobre esses brinquedos. A fantasia infantil necessita de liberdade para poder desenvolver pelo manuseio ativo e curioso do material que a criança tem oportunidade de vivenciar no mundo, as formas e a qualidade de tudo que existe. Precisamos ouvir e ver o que se expressa no brincar infantil, sem interferência, dirigindo e desencantando esses movimentos. Nós, adultos, estamos sempre exigindo ordem e limpeza, qualidades muito valorizadas numa sociedade progressiva, que, para as crianças, são como limites impostos a seu brincar. A criança sente um choque quando, por meio de um comportamento severo do adulto, é arrancada do rico mundo da fantasia e sonho e, bruscamente, empurrada para a realidade do mundo adulto. Tais posturas desencadeiam no prazer original do brincar a timidez, a insegurança e o medo, gerando comportamentos distorcidos que criam as raízes das atitudes inadequadas na criança. Uma situação lúdica pode ser vista, assim, como um excelente meio de reconhecimento individual e grupal de características pessoais e grupais, quer sociais, morais ou intelectuais em suas múltiplas combinações. Por Figura 6 20 outro lado, de forma complementar, aponta dificuldades e pontos mal desenvolvidos, levando a criança a buscar melhorá-los para preservar sua imagem perante os outros. (OLIVEIRA, 2000, p.23) É nesse sentido que o educador (a) deve valorizar o brincar da criança, ao menos nos primeiros sete anos de vida. Atualmente, é no brincar livre que a criança vai estruturar sua capacidade de julgamento, a capacidade de fundamentar sua personalidade em importantes valores, princípios e regras. Não podemos transferir para o mundo infantil nosso pensar intelectual utilitarista, pois provocaremos na criança comportamento desumano. Basta um pequeno passo para que esse comportamento, precocemente adulto na criança, se transforme em conseqüências desastrosas para sua vida futura. Assim, a prática lúdica na infância num lar harmonioso, certamente, é o que de melhor e mais precioso uma criança pode levar consigo para sua vida futura. Oportuno nos reportarmos à sociedade antiga para compreendermos como era o mundo do brincar em tão longínquo passado, até mesmo para recuperarmos semelhanças e diferenças com o mundo contemporâneo em um entendimento, cada vez maior, do mundo infantil. SAPEANDO E CONTEXTUALIZANDO: uma atividade reflexiva - faça uma pesquisa sobre alguns brinquedos de época, realizando uma exposição deles em sala de aula. Como sugestão: peça que a criança um brinquedo e aproveite cada brinquedo trazido para que ela conte a história deste brinquedo na roda da rotina. Assim, você faz com que o brincar seja a mediação no aprender, falando a linguagem da criança. Figura 7 21 CAPÏTULO 2 – O brincar em linguagem... Vygotsky (1991) nos evidencia as características infantis, ao apontar a importância da linguagem e da percepção, que envolvem sentidos e significados o mundo, visto pela criança. A mágica, o sonho e a fantasia eclodem no imaginário infantil e são traduzidos pelos movimentos, pelos gestos espontaneamente revelados em ações ingênuas e até involuntárias. Assim, entendemos que todas as capacidades intelectuais, afetivas e emocionais são construídas ao longo da vida do indivíduo pelo processo de interação do Ser com o meio. Esse processo é responsável pela aquisição da cultura, elaborada historicamente pelas gerações precedentes, desde a gênese da espécie até nossos dias. Acrescenta-se então a emoção como fator determinante no processo de mediação no ensino-aprendizagem. É evidente que essa aquisição passa necessariamente pela escola. Isto significa que o professor precisa lançar novo “olhar” sobre suas ações e, sobretudo, sobre o mundo que está à sua volta. Esse “olhar” pode incorporar as novas interpretações, ao analisar as ações docentes, revelando novo educador, diante das capacidades intelectuais, afetivas e emocionais do aprendiz. Ao fazer isso, o educador assegura a possibilidade de garantir as intervenções necessáriasno processo de mediação. Primeiro, deve assumir uma ERA UMA VEZ um psicólogo russo chamado Lev Semenovick Vygotsky, mais conhecido por Vygotsky. Nasceu em 1896, morou e viveu na Rússia. Foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura se torna parte da natureza de cada pessoa ao insistir que as funções psicológicas são produto de atividade cerebral. Associou psicologia experimental com neurologia e fisiologia, ao relacionar a dialética aos processos de construção do pensamento, e conseguiu explicar a transformação dos processos psicológicos elementares em processos complexos dentro da história. Vygotsky enfatiza a questão do ensino, que deve valorizar a criança como Ser que pensa, raciocina, deduz e abstrai, mas também como alguém que sente, se emociona, deseja, imagina e se sensibiliza. Insere a afetividade, também, como ponto essencial, na aprendizagem da criança. 22 postura não diretiva, mas intervencionista e, sobretudo, trabalhar com a importância do meio cultural e das relações entre indivíduos, a fim de orientar o percurso do desenvolvimento. Portanto, o educando deve ser ativo no processo de construção e elaboração dos conceitos e significados que são transmitidos culturalmente. A atividade, seja ela qual for, é caracterizada pelas ações dos indivíduos, ou melhor, a atividade de ensinar e de aprender é desencadeada pelos motivos que podem ser compreensíveis e eficazes. São processos conscientes, porém somente os motivos realmente eficazes se concretizam em ações. Assim como o motivo, a emoção é um dos elementos constituintes da atividade mediadora de ações e operações, estejam estas intrínsecas na educação formal ou não. A ação do indivíduo se guia por sinais, vivências, marcas emocionais de acontecimentos e símbolos. Tais atividades funcionam como instantes que marcam emocionalmente a criança. Constituem fatores que podem determinar uma forma de construir conceitos, sendo eles significativos, ou não, de elaboração de abordagens, considerando a mediação entre o indivíduo e o mundo real. Na educação dos pequenos, é imprescindível que o educador volte o olhar para essas “marcas emocionais” de modo a dar sentido ao aprender, resgatando o Ser criança com toda a criatividade, sensibilidade e percepção que lhe são próprias. Observamos que, na criança, a linguagem e percepção estão intimamente ligadas. E que um aspecto especial da percepção humana – que surge em idade muito precoce – é a percepção de objetos reais. Ela é parte de um sistema dinâmico SAPEANDO E CONTEXTUALIZANDO... Sugestão de uma atividade reflexiva. Para a criança, a casinha de bonecas é um reino encantado cheio de magias em que ela tem a oportunidade de brincar simbolicamente, realizando todas as questões emocionais, afetivas e, assim, construir sua autonomia. É importante preparar um canto especial, na sala de aula, que assegure esse brincar espontâneo e, ao mesmo tempo, social, possibilitando o expressar infantil no faz-de-conta e nas atividades livres. Faça o seu canto... 23 de comportamento; por isso, a relação entre as transformações dos processos perceptivos e as que ocorrem em outras atividades intelectuais são de fundamental importância. Com base nesse pensamento, Vygotsky entende que “o mundo não é visto simplesmente com cor e forma, mas também como um mundo com sentido e significado”. (1991, p. 37) A aprendizagem, criando o que Vygotsky (1991) denominou de "zona de desenvolvimento proximal", desperta vários processos internos capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente, e quando em cooperação com seus companheiros. Para Vygotsky (1991), as experiências infantis ganham sentido e significado nas interações sociais, em que estabelecem trocas importantes de convívio, que auxiliam no despertar psicológico da criança. Os mundos, plenos de sentidos e significados, além de intensamente coloridos, com variadas formas, objetos e pessoas, influenciam diretamente a vida da criança, instalando em seu ser desejos, fantasias sonhos. E é no início da idade pré-escolar, quando surgem os desejos que não podem ser imediatamente satisfeitos ou esquecidos, que o comportamento da criança muda. Para resolver essa tensão, a criança em idade pré-escolar se envolve num mundo ilusório e imaginário em que os desejos não realizáveis podem ser realizados. O mundo dos brinquedos. A imaginação é um processo psicológico novo para a criança; representa uma forma especificamente humana de atividade consciente: ela não está presente na consciência da criança muito pequena e está totalmente ausente em animais. Como todas as funções da consciência, ela surge originalmente da ação. É um caminho de realização que a criança encontra para resolver seus conflitos. Além da realização dos seus desejos, a criança passa a internalizar situações que a levam a comportamentos desejados pelo meio em que vive. Vygotsky (1991) insiste que, nesse sentido, o brincar vem, em todos seus aspectos, atender a esses apelos da consciência infantil, visto que não existe brinquedo sem regras. A situação imaginária de qualquer forma de brinquedo já contém regras de comportamento, embora possa não ser um jogo com regras formais estabelecidas a 24 priori. A criança se imagina como mãe e a boneca como criança. Dessa forma, deve obedecer às regras do comportamento maternal. Pelo pensar do autor, o brinquedo tem sua estrutura baseada nas situações imaginárias e nas regras. Sempre que há uma situação imaginária no brinquedo, há regras – não as estabelecidas para a realização do jogo e que mudam durante ele, mas aquelas que têm sua origem na própria situação imaginária. Portanto, a noção de que uma criança pode se comportar em uma situação imaginária e sem regras é simplesmente incorreta. A situação imaginária proporciona caminhos que a criança percorre, com seqüências de situações que até, inconscientemente, procura atender e avançar cada vez mais. Logo, como toda situação imaginária contém regras de uma forma oculta, também ocorre ao contrário – todo jogo, com regras, contém de forma oculta uma situação imaginária. O desenvolvimento, a partir de jogos e brincadeiras, em que há uma situação imaginária às claras e regras ocultas, para jogos com regras, delineia a evolução do brinquedo da criança. Esses momentos são concomitantes na realização do brincar e favorecem o processo de aprendizagem infantil. Para Vygotsky (1991), é enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança. Pois, com menos de três anos de idade, é essencialmente impossível envolver-se em uma situação imaginária, uma vez que isso implica uma forma nova de comportamento que liberta a criança das restrições impostas pelo ambiente imediato. Mas a ação numa situação imaginária ensina à criança dirigir seu comportamento não somente pela percepção imediata dos objetos, ou pela situação que a afeta de imediato, mas também pelo significado dessa situação. SAPEANDO E CONTEXTUALIZANDO... Crie o cenário e deixe fluir a atividade. Professor, valorize o momento da dramatização na sala de aula, pois ele é de plena expressividade da criança. É quando exprime sentimentos simbolicamente imaginados. Cria e recria situações, re-significando o real, inventando um mundo próprio. As dramatizações podem se realizar a partir de brinquedos e brincadeiras, histórias, contos, músicas, poesias, textos informativos, filmes, etc. Realize uma atividade por semana, nesse sentido, em seu ambiente de ação. 25 Observações do dia-a-dia e experimentos mostram, claramente, que é impossível para uma criança, notadamente as pequeninas,separar o campo do significado do campo da percepção visual. Mais que tudo porque há uma fusão muito íntima entre o significado e o que é visto. Nesse sentido, o brinquedo auxilia o desenvolvimento, fazendo com que, pouco a pouco, a criança comece a distinguir os significados dos objetos reais; sua percepção evolui a partir das experiências que o próprio brinquedo proporciona, ampliando seu imaginário. (VYGOTSKY, 1991) A estruturação do pensamento ocorre na idade pré-escolar, em que pela primeira vez há uma divergência entre os campos do significado e da visão. No brinquedo, o pensamento está separado dos objetos e a ação surge das idéias e não das coisas: um pedaço de madeira torna-se um boneco e um cabo de vassoura torna-se um cavalo. SAPEANDO E CONTEXTUALIZANDO... Vamos fazer, pensar e construir com sucatas. O professor tem nessa fonte inúmeras possibilidades para auxiliar o desenvolvimento da criança em que surgem situações de aprendizagem. A criança dá vida às suas fantasias e sonhos, colocando à mostra seu imaginário, sua capacidade e potencial criativo.É interessante construir projetos que envolvam sucatas. Na sua finalização, pode ser feita uma exposição das peças. Ex: Construção de bonecos com garrafas pet, para evidenciar os vieses de raças e/ou gênero. Figura 8 26 A ação regida por regras começa a ser determinada pelas idéias não pelos objetos, e representa tamanha inversão da relação da criança com a situação concreta, real e imediata, que é difícil subestimar seu pleno significado. A criança não realiza esta transformação de uma só vez, porque lhe é extremamente difícil separar o pensamento (o significado de uma palavra) dos objetos. No brinquedo, a criança opera com significados desligados dos objetos e ações aos quais estão habitualmente vinculados. Ao brincar, a criança utiliza os elementos mais significativos para ela no momento, sejam afetivos, emocionais, sejam sociais. Se bem que assim, uma contradição muito interessante surge, uma vez que, no brinquedo, ela inclui, também, ações e objetos reais, caracterizando a natureza de transição da atividade do brinquedo: “é um estágio entre as restrições puramente situacionais da primeira infância e o pensamento adulto, que pode ser totalmente desvinculado de situações reais”. (VYGOTSKY, 1991, p.112) O brinquedo, segundo o autor, é o mundo ilusório e imaginário em que os desejos não realizáveis podem ser realizados. É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, e não numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, não dos incentivos fornecidos pelos objetos externos. O brincar permite, de forma espontânea, que a criança use sua capacidade de separar o significado do objeto sem saber que o está fazendo. Da mesma forma que ela não sabe que está usando a linguagem em prosa e, no entanto, fala, sem prestar atenção às palavras. Dessa forma, por meio do brinquedo, a criança atinge uma definição funcional de conceitos e objetos e, assim, as palavras passam a se tornar parte de algo concreto. A ação da criança, no momento do brincar, é o ponto de partida para o desenvolvimento de suas capacidades. Na situação imaginária, a criança tem a oportunidade de se fazer autônoma, ante às situações e restrições impostas pelo mundo que a cerca. O brinquedo auxilia nesse processo em que a criança, de forma espontânea e até mesmo inconsciente, aprende a seguir as regras. Por conta da satisfação e do 27 prazer que encontra no brincar, tem a possibilidade de, cada vez mais descobrir-se, ampliando seus limites: A criação de uma situação imaginária não é algo fortuito na vida da criança; pelo contrário, é a primeira manifestação da emancipação da criança em relação às restrições situacionais. O primeiro paradoxo contido no brinquedo é que a criança opera com um significado alienado em uma situação real. O segundo é que, no brinquedo, a criança segue o caminho do menor esforço – ela faz o que mais gosta de fazer, porque o brinquedo está unido ao prazer – e, ao mesmo tempo, ela aprende a seguir os caminhos mais difíceis, subordinando-se às regras e, por conseguinte, renunciando ao que ela quer, uma vez que a sujeição a regras e a renúncia à ação impulsiva constitui o caminho para o prazer no brinquedo. (VYGOTSKY, 1991, p.113) Sabemos que o brinquedo não é um aspecto predominante da infância, mas é um fator muito importante no desenvolvimento. Vygotsky (1991) tenta demonstrar o significado da mudança que ocorre no desenvolvimento do próprio brinquedo, de uma predominância de situações imaginárias para a predominância de regras. Esse percurso favorece mudanças que levam a novos comportamentos. Assim, as transformações internas no desenvolvimento da criança surgem em conseqüência do brinquedo. O comportamento espontâneo da criança não pode levá-la à subordinação às regras de maneira natural, com iniciativa própria. No entanto, no brincar, considerado como atividade própria da infância, a criança internaliza comportamentos que geram as transformações necessárias a seu desenvolvimento. O brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na criança. No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além do seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento. Sob forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento (VYGOTSKY, 1991, p.117) RISCOS E RABISCOS... Brincar é coisa séria! A construção do conhecimento com o brinquedo é uma dialógica com a própria realidade. Quando a situação mostra a novidade, o sujeito pensa criativamente e mostra a mistura integrada da ciência, da técnica, da arte, de modo sensível, afetivo, criativo e resiliente.(ROJAS,2004, p.46) 28 Notamos que, apesar de a relação brinquedo-desenvolvimento poder ser comparada à relação instrução-desenvolvimento, o brinquedo fornece ampla estrutura básica para as mudanças das necessidades e da consciência. A criança começa a ter domínio de suas vontades, a conhecer-se e a relacionar-se com o mundo à sua volta. De ações involuntárias, passa a ter noção das situações reais e dos objetos a seu redor. O brincar intensifica a percepção infantil que, por sua vez, direciona seu pensar de maneira cada vez mais equilibrada, favorecendo aprendizagens ao longo do seu crescimento. Ao desenvolver suas potencialidades, a criança aprende a interagir, vencendo suas dificuldades, tomando decisões nas situações conflituosas. O brinquedo se torna desafio que estimula novas descobertas, levando-a a desenvolver-se: A ação na esfera imaginativa, numa situação imaginária, a criação das intenções voluntárias e a formação dos planos da vida real e motivações volitivas – tudo aparece no brinquedo, que se constitui assim, no m ais alto nível de desenvolvimento pré-escolar. A criança desenvolve-se, essencialmente, através da atividade brinquedo. Somente nesse sentido o brinquedo pode ser considerado uma atividade condutora que determina o desenvolvimento da criança. (VYGOTSKY, 1991, p.170) À medida que o brinquedo se desenvolve, observamos um movimento em direção à realização consciente de seu propósito. É necessário conceber o brinquedo como atividade com propósitos que direciona as ações da criança. Às vezes, no brinquedo, a criança é livre para determinar suas próprias ações; em outra, é uma liberdade ilusória, pois suas ações são, de fato, subordinadas aos significados dos objetos, e ela age de acordo com eles. RISCOS E RABISCOS... Uma nova curiosidade. Boa paracomentar e realizar. De um em um, em um pé só até chegar no céu... Movimento livre que permite à criança ficar absorvida do objeto brincado. A Amarelinha (ou Pular Macaca, como é visto em Portugal) é uma brincadeira muito antiga, fazendo parte do folclore. É conhecida por diversos nomes: além de Amarelinha e Pular Macaca, maré, avião, sapata, jogar ou saltar a macaca. 29 A ação intencional do educador (a) deve estar voltada para os objetivos pedagógicos do brincar, uma vez que, do ponto de vista do desenvolvimento, a criação de uma situação imaginária pode ser considerada meio para desenvolver o pensamento abstrato. É preciso também levar em conta cada faixa de idade, com suas especificidades. Para Vygotsky (1991), o ensino sistemático não é o único fator responsável por alargar os horizontes da zona de desenvolvimento proximal. Ele considera o brinquedo, importante fonte de promoção do desenvolvimento, pela qual podemos reconhecer o valor do brincar nas atividades educativas da criança, pois o brinquedo, apesar de não ser o aspecto predominante da infância, exerce enorme influência no desenvolvimento infantil. Vygotsky, ao empregar o termo “brinquedo”, num sentido amplo, refere-se principalmente à atividade, ao ato de brincar. No entanto, é necessário ressaltar também que, embora ele analise o desenvolvimento do brinquedo e mencione outras modalidades (como os jogos esportivos), procura evidenciar o jogo de papéis ou a brincadeira do “faz-de-conta” (por exemplo, brincar de polícia e ladrão, de médico, de vendinha, etc). Tal fato se explica pela importância dessas brincadeiras nas crianças que aprendem a falar e que, portanto, já são capazes de representar simbolicamente, envolvendo-se numa situação imaginária. A criança passa a criar uma situação ilusória imaginária, como forma de satisfazer seus desejos não realizáveis. Esta é, aliás, a característica que Figura 9 30 define o brinquedo de modo geral. A criança brinca pela necessidade de agir em relação ao mundo mais amplo dos adultos, e não apenas no universo dos objetos a que ela tem acesso. (1995, p.82) A brincadeira passa a representar a possibilidade de solução do impasse causado, de um lado, pela necessidade de ação da criança e, de outro, por sua impossibilidade de executar as operações exigidas por essas ações. Assim, mediante o brinquedo, a criança se projeta nas atividades dos adultos, procurando ser coerente com os papéis assumidos, e encontra condições de desenvolver suas capacidades e habilidades, ampliando o conhecimento de mundo e das pessoas que a rodeiam. No pensamento de Vygotsky (1991), o desenvolvimento e a aprendizagem estão inter-relacionados, desde o nascimento da criança. Ainda muito pequena, através das interações com o meio físico e social, a criança realiza uma série de aprendizados. Então, as experiências, realizadas por meio das brincadeiras, contribuem de forma elementar para a aquisição de conhecimentos que alicerçam os saberes sistemáticos, ao entrar na escola. No seu cotidiano, observando, experimentando, imitando e recebendo instruções das pessoas mais experientes de sua cultura, aprende a fazer perguntas e também obter respostas para uma série de questões. Como membro de um grupo sociocultural determinado, ela vivencia um conjunto de experiências e opera sobre todo o material cultural (conceitos, valores, idéias, objetos concretos, concepção de mundo, etc) a que tem acesso. Deste modo, muito antes de entrar na escola, já construiu uma série de conhecimentos do mundo que a cerca. (1991, p.76) Vygotsky (1991), ao explicar o papel da escola no processo de desenvolvimento do indivíduo, faz uma importante distinção entre os conhecimentos construídos na experiência pessoal, concreta e cotidiana da criança. Chama esse processo de conceitos cotidianos ou espontâneos, cuja vivência social, afetiva e cultural desenvolve estruturas na personalidade da criança, alargando seus saberes na condição de Ser humano. Na escola, a criança elabora saberes na sala de aula, adquire meios de aprender, sistematicamente, os conceitos científicos. Para aprender um conceito, é necessário que, além das informações recebidas do exterior, ocorra uma intensa atividade mental por parte da criança. Portanto, um conceito não é aprendido por meio de treinamento mecânico, nem tampouco pode ser meramente transmitido pelo professor ao aluno. Necessita 31 considerar signos e palavras na constituição da linguagem da criança, quando essa internaliza a fala socializada. Nesse sentido, a infância conta com a natureza própria do brincar, como meio para adquirir a aprendizagem de maneira espontânea e prazerosa, o que denominamos brincar social e espontâneo. Como comunicação do humano, a ludicidade em sua metáfora propicia e facilita isso, indo do simples ao complexo. Vejamos, na seqüência, esse efeito de sentido da metáfora. 2.1 O Brincar: um baú de metáforas... A metáfora é uma linguagem mágica que fantasia as palavras. É a fala transpondo o real dos objetos e das coisas para a irrealidade poética. Por meio dela, é possível superar a linguagem meramente gramatical e se comunicar, criando elementos da imaginação. Assim, o discurso dispõe de mais elementos para carregar-se de novos significados poéticos, resultando em uma comunicação de beleza e de inúmeros sentidos. O ponto forte da metáfora é a criatividade, caminho para estratégias, descobertas e inventividade. “A metáfora é, ao serviço da função poética, essa estratégia de discurso pela qual a linguagem se despoja da sua função de descrição direta para aceder ao nível mítico em que a sua função de descoberta se liberta”. (RICOEUR, 1983, p. 368). O mundo da infância, da criança e do brincar é certamente um baú de metáforas, o qual se abre para o mundo imaginário, evidenciando um caminho metodológico. É o mundo em que a criança se desloca da realidade e voa pelas ERA UMA VEZ... Um autor francês chamado Paul Ricoeur, conhecido como o filósofo de todos os diálogos. Nasceu no dia 27 de fevereiro de 1913, numa família de tradição protestante. Humanista de vasto conhecimento, atento à literatura tanto quanto às ciências humanas, viajante aberto à cultura anglo-saxã como também à tradição alemã, O cristianismo, a fenomenologia, a hermenêutica, a psicanálise, a lingüística e a história têm, em proporções diferentes, contribuído para a formação de seu pensamento. O filósofo Paul Ricoeur, 92 anos de idade, autor de imensa obra filosófica, morreu no dia 20 de maio de 2005. É considerado o filósofo do sentido e amante da metáfora. 32 asas da fantasia, encantando-se com o universo colorido e mágico das brincadeiras e dos brinquedos, na exploração do sentido literal das coisas, de ser e de estar. De acordo com Ricoeur (1983), metáfora é todo deslocamento do sentido literal para o sentido figurativo. Metáfora é como a transposição do complexo para o simples, favorecendo a compreensão da realidade. A metáfora se assemelha ao movimento do jogo simples, instigante e enigmático. Arremessa variadas imagens, realizando um salto metafórico que transgride formas e funcionalidade de objetos em um faz-de-conta, infinitamente espesso de imaginação. Então o brincar é uma metáfora viva, contínua e processual, e se expressa no simbólico. O brincar é a metáfora evidente nas brincadeiras. Procuram evidenciar o sentido poético nos gestos, nos sons, nos passos, nos dizeres e nos olhares ingenuamente cúmplices que não se mostram na aparência do Ser, mas na sua essência. Destarte, a metáfora tem sua fonte na experiência da criança, ao correr, saltar, jogar, nas entrelinhas da dança, das histórias, nos brinquedosvivos de imaginação e nas brincadeiras vividas. Como sentido poético, a metáfora vem acrescentar ao mundo, aos seres e às coisas, novos e interessantes significados. Tem o duplo sentido de ampliar o cognitivo, viabilizando caminhos afetivos que delineiam o estreitamento e aproximação dos seres, na perspectiva do envolvimento que sugere. ...se a metáfora nada acrescentasse à descrição do mundo, acrescentaria, pelo menos, aos nossos modos de sentir; é a função poética da metáfora; esta repousa ainda na semelhança, mas ao nível dos sentimentos: ao simbolizar uma situação por meio de outra, a metáfora ‘infunde’ no coração da situação simbolizada os sentimentos ligados à situação que a simboliza. Nesta “transferência” de sentimentos a semelhança entre sentimentos é induzida pela semelhança entre situações; na função poética, portanto, a metáfora alarga o poder do duplo sentido do cognitivo para o afetivo. (RICOEUR, 1983, p. 283) A intencionalidade traz para a metáfora o surgimento do sentido, o mesmo que acontece no brincar em que a criança se lança pela força imaginativa, criando seres, coisas e mundos diferentes, carregados de fantasia e de sentidos novos. Os sonhos, encobertos de desejos irrealizáveis, são, metaforicamente, criados pela capacidade de transformação imaginária do pequeno Ser. 33 O brincar desvela uma dimensão poética própria e supõe um espaço de encontro e jogo entre as palavras, as coisas, o mundo e o Ser. Supõe, também, um encontro de surpresas, que implica um reencontro de possibilidades de efeitos de sentido, na liberdade infantil. Na roda, na ciranda, no parque, na casinha de boneca, nos filmes e nas historias, a metáfora vive, realiza e revela novas formas de brincar, reinventa outros significados no jogar, no correr, no pular amarelinha, no brinquedo de casinha em que a criança transcende o “eu”, o ser, o estar e o sentir no embalo do prazer de brincar. Esse desvelamento do lúdico, como processo metafórico, permite-nos nova forma de interpretação das brincadeiras infantis. Interpretar no sentido de uma compreensão, de uma revelação de algo oculto, de um fenômeno. Da aparição e desvelamento de intenções que permeiam o pensar infantil. Interpretar no sentido de ler nas entrelinhas das expressões, falas, gestos, imagens, sucessões simbólicas que nos permitem olhar o universo da infância O brincar é como escrever, desenhar, pintar, cantar, dançar, jogar. É brincar com movimentos, na iventividade ingênua e criativa da criança. Assim, numa comparação de entendimentos, pensamos que a metáfora, na condição de escrita poética, é da mesma natureza do brincar. É o entrelace do aparecer e do desaparecer, do esconde-esconde de palavras a transformar sentidos. O brincar é o espaço/tempo das formas, o espaço corporal da transformação, nem dentro, nem fora. Escrever, como brincar, é criação de sentidos, de conteúdos e vivências, e de surpresas interessantes. Sendo o brincar um encontro de surpresa, implica encontrar a si mesmo, onde não se esperava. SAPEANDO E CONTEXTUALIZANDO...Uma atividade de reflexão:o filme O Peixe Grande pode favorecer ao professor momentos de reflexão sobre a verdadeira amizade, a doçura, o afeto, a cumplicidade de ser e de viver. Pode sugerir um trabalho pedagógico muito interessante em sala de aula, por meio do simbólico, da história e da metáfora na construção de cenários que valorizem os momentos em que as crianças passam reunidas. O momento da rotina, as conversas e os combinados podem ficar mais enriquecidos com tal proposta, em atividades construtivas, criativas e imaginárias.Crie seu peixe grande e da barriga dele retire suas atividades. 34 O aspecto simbólico do brincar trabalha na construção do pensamento. No momento das brincadeiras, a criança se utiliza dos símbolos como caminhos para a interpretação do mundo real, quando apela para imagens, na recriação de situações imaginárias. O brincar possibilita uma visão perceptiva cada vez mais ativa desses caminhos na consciência da criança, revelando-a tal qual pensa e se manifesta em sua existência. Para Ricoeur (1983), ocorre que o Ser se dá à consciência do homem por meio das sequências simbólicas, de tal forma que toda visão do Ser e toda existência com relação ao Ser já se afirmam, como interpretação. O símbolo nos leva a pensar. Seguindo tal pensar, dentre as variações simbólicas, percebemos que a metáfora é um modelo teórico imaginário que, ao transpor-se para um domínio da realidade, vê as coisas de outro modo. Nesse ponto, o brincar infantil também é uma forma de transpor-se do real para as fantasias, mudando-lhe a linguagem habitual. Por isso, é uma espécie de ficção que simultaneamente descobre conexões novas entre as coisas e re- descreve a realidade, em que se encobrem de sonhos e magias o cotidiano, as vivências, o mundo vivido. RISCOS E RABISCOS...Uma curiosidade importante: a história do símbolo atesta que todo objeto pode revestir-se de valor simbólico seja ele natural, seja abstrato (forma geométrica, número, ritmo, idéia, etc). Podemos entender por objeto, nesse caso, não apenas um ser ou uma coisa real, mas também uma tendência, uma imagem obsedante, um sonho, um sistema de postulados privilegiados, uma terminologia habitual, etc. Tudo aquilo que fixa a energia psíquica ou a mobiliza em seu benefício exclusivo. Esse é o emprego da palavra símbolo, segundo o Dicionário de símbolos de Jean Chevallier (1990). SAPEANDO E CONTEXTUALIZANDO... Professor (a),nova atividade reflexiva: a leitura da história - A Menina e a Pantera- de autoria de Rubem Alves é fonte muito rica para ser trabalhada a questão da identidade. A importância do nome para a criança. O sentido de sua história familiar. A criança muitas vezes ‘’viaja’’ de forma metafórica, inventando nomes simbólicos de outros seres que combinam com seu próprio nome. Entende sua história familiar. Eis uma sugestão de atividade que pode ser utilizada na rotina, no momento em que se faz a chamada dos alunos, como curiosidade e aprendizado. 35 A intencionalidade que flui de toda metáfora numa simbologia desprende a imaginação e o poder de abertura do universo, surgindo daí a capacidade de re- significar o mundo, o Ser, as coisas. É o momento em que se revelam a criação e a inventividade da criança para remodelar idéias, situações e experiências que se realizam no mundo imaginário do brincar quando a criança se lança às imagens e as devolve cheio de possibilidades. “A imagem neutraliza e suspende toda a relação ao mundo imediato da percepção e da ação, e abre o espaço lúdico das possibilidades de ensaio de idéias novas, valores novos ou outros modos de Ser no mundo”. (RICOEUR, 1983, p. 24) O brincar propicia o exercício da imaginação infantil e, ao antecipar pela imaginação o agir, ele pode ensaiar esquemas eventuais, tendo em conta os meios para usar a realização de desejos, de fantasias, de experiências. No entanto, antes de decidir, a imaginação fornece a clareira luminosa em que se comparam os mais diversos motivos da ação, aquilo que é mais significativo: Toda motivação e estímulos presentes na criança possibilitam as variações imaginativas e a convicção SAPEANDO E CONTEXTUALIZANDO...Uma atividade:a poesia, As Borboletas de Vinícius de Moraes, é recurso estratégico para o(a) educador (a ) trabalhar cores primárias e oferecer à criança meios para expressar sua imaginação e fantasia, dando asas à liberdade de criar, utilizando a metáfora como linguagem num aprendizado colorido, mágico, cheio de ludicidades. As Borboletas Brancas Azuis Amarelas E pretasBrincam Na luz. As belas Borboletas Borboletas brancas São alegres e francas. Borboletas azuis Gostam muito de luz. As amarelinhas São tão bonitinhas! E as pretas, então . . . Oh, que escuridão! Vinícius de Moraes (MORAES, 1995) 36 do “eu posso” que direcionam o sentido das possibilidades práticas que a criança experimenta, por meio das brincadeiras. A capacidade de brincar e lançar-se no espaço de encontros e acontecimentos surpreendentes possibilita à criança enriquecer a criatividade. O brincar possibilita o rompimento das limitações e, metaforicamente, transforma e amplia a capacidade criativa, potencialidades próprias da infância. Trata-se de evidenciar os efeitos de sentido que a criança traz nos gestos, nos dizeres, nas linguagens que ela manifesta pelos movimentos corporais. Assim, a criança conta sua forma de estar no mundo e habitá-lo. Mostra seu pensar e seu querer, torna-se presente e interpreta o mundo à sua maneira. As brincadeiras ancoram as fantasias e permitem que se articulem presença e ausência, simultaneamente, construindo o momento de acontecimento do sentido. O brincar propicia e sustenta o momento ativo da transformação do sentido. O brincar em suas metáforas sugere que redobre em seu movimento de constituição aquilo que é real, transportando para a surpresa de novos encontros, de diferentes construções em que residem o prazer e a alegria da liberdade que a criança experimenta. É o momento em que se cristalizam os objetos simbolizados, realizados por meio do jogo metafórico da transformação. A simbologia da metáfora delineia o jogo como caminho de encontros surpreendentes, revelados na criatividade e nas possibilidades infindas de interpretações feitas pela criança. Os seres, as coisas, as pessoas se transformam, alternadamente, como numa dança que insinua movimentos constantes e diferentes, a cada rodar, a cada girar, para trazer novos contornos à realidade. O jogar é guiado pela fantasia da criança e, metaforicamente, reveste seus desejos e sonhos de recriar situações e vivências do mundo real. O brincar como símbolo que a criança utiliza no seu mundo imaginário traz na intensidade os significados e os sentidos de ser e de estar, de vivenciar o mundo. O brincar, então, ao ser reduzido à linguagem simbólica, possibilita ao mesmo tempo ser fundado e desvelado, ocultado e trazido à luz, explorado como ausência e reencontrado como presença. Permite mostrar a metáfora, favorecendo o lúdico. 37 Sendo ato poético, a metáfora comporta um escutar que transcende o compreender. A metáfora é gesto não visível e não representável na fala. (RICOEUR, 1983). Assim sendo, o brincar se mostra um gesto da metáfora, tornado visível, que articula a permanente alternância entre o significado e o surgimento do sentido. O brincar não pode ser simplesmente narrado. Participa de experiências, de vivências imaginativas e realizadas, criativamente, pela criança. Neste sentido, aproxima-se dos sonhos, das construções mágicas, no universo colorido que jorra todas as possibilidades das transformações que fluem do ato de brincar e jogar. O jogo, as brincadeiras, as invenções infantis buscam transformar o mundo, dominar seus efeitos de sentido. Abrem a possibilidade do princípio do prazer e da realização do criar, logo do aprender e de viver o não-real, dentro do mundo real. A realidade recriada corresponde ao sono com sonhos, em que não se corta o fio constituído de imagens que se transpõem, de um lado para outro. Assim, é possível ao pensamento atravessar os limites do mundo imaginário, para acolher qualquer cena. O brincar é o espaço com poder de transformação. Os detalhes do cotidiano e da criatividade silenciosa se integram e se alternam formando novo modo de ser. O brincar promove o significado de fazer aparecer ou desaparecer, tornando-se espaço de novas possibilidades de sentido. Realizam-se descobertas a cada novo momento e a cada novo sentido que se dá às coisas. O brincar, na qualidade de metáfora viva, nas palavras tomadas de empréstimo de Ricoeur (1983), é como um espelho que sempre devolve as imagens, re-carregando-as de intensidade, de sensibilidade imaginativa. Ao mesmo tempo, SAPEANDO E CONTEXTUALIZANDO..Um convite à prática:você pode transformar sua sala de aula em um ambiente chamado de caça ao tesouro. Cada canto como um desafio para buscar a solução, como se joga numa gincana lúdica que envolve confeccionar o produto e criar o processo com a ajuda da criança. Criar também o canto do desenho, da história, da matemática, com construção de maquetes, painéis, etc., onde haja material diverso: sucata, massinha, papel, caixas... 38 intensidades presas em um barbante, fixo no mundo real, mas que se amplia infinitamente, sem limites, transportando-se para os espaços da inventividade e da transformação. O ato de criar tem sua importância à medida que contribui para manter aberta, nessa atividade, sua dimensão primeira e criativa do brincar. No ato criativo se aloja a natureza do encontro. “A criatividade ocorre num ato de encontro, e deve ser compreendida como tendo por centro esse encontro.” (ROLLO MAY, 1982. p.79) É o encontro do sujeito com o objeto criado. A partir de então, há evidência do tripé que fortalece tal ato: coragem, auto-conhecimento e iniciativa, contribuindo para o cenário do lúdico. Logo, falamos do objeto criado e do seu criador por uma poesia rica em metáfora que favorece a mostra de um criar. Assim dizemos do lúdico, comparando-o ao pano, seu sentido em cor e textura, um ato criativo a cada estampa: Pano, beleza simples. Aspecto afetivo. Permite parceria, comunicação, cumplicidade. Cada fio, uma trama. Cada trama, uma lista de construção articulada, Entrecruzada. Sucede movimento, Forma, Cor, Resiliência. Inspira o jogo estético, Ético, Poético. Logo, lúdico. ( ROJAS, 2004) Figura 10 39 Nesse o ato de criar demonstrado em poesia, dá-se a evidência de um lúdico teoricamente construído que ganha sentido, colorido e graça quando tem o afeto, a parceria, o diálogo como mediador da construção. Destarte, trabalhar com ludicidade permite viver emoções e sentimentos desvelados na criatividade do humano. O sentido de Ser e do Ser nas coisas, começa a se abrir, a se descobrir, a se deixar ver, a se definir por meio de nossas emoções a invenção transbordante de magia no fazer, tanto da criança quanto do educador. (ROJAS, 2004) A ludicidade é comunicação da vida, do sentir, do fazer brotar e reviver o velho no novo. A prática lúdica é presença na ação e direção pedagógica em que se vai modelando e re-significando o real, na arte-magia de ser, de pensar, de sentir. “Quando se trabalha com a ludicidade enquanto comunicação, estado do humano sente-se que se está trabalhando em uma ecologia da ação.” (ROJAS, 2004, p.26) A ecologia da ação pontuada significa levar em conta sua própria complexidade, isto é, risco, acaso, iniciativa, decisão, inesperado, imprevisto, consciência das derivas e transformações. Ao estabelecer a ação, estamos em processo de risco. É a arte de saber conduzir a ação educativa diante das incertezas que se apresentam. Na ação educativa se demonstra a percepção e a criatividade pedagógica na arte de ser mestre, envolvendo e entrelaçando sentidos que alicerçem um fazer diferente. Conseguimos tal proeza a partir de um olhar lúdico que descobre o mundo, o ser, as coisas e que dança pela força mágica do criar, recriando e desvelando novas possibilidades. É pelo olhar que o sujeito ergue-se com o realizar da sua própria história, como construtor de um “novo” mundo. Um olhar que interage, mostra, desvela, descobre, acende,envolve e transcende para outra dimensão. Expressa, exprime e reconhece forças, traduzindo-se em uma ação perceptiva, constantemente ambígua, às vezes clara e nebulosa, fixa e imóvel, direcionada e difusa. (ROJAS, 2004, p. 31) Ao trabalhar com a criança devemos buscar o movimento do ato pedagógico entre o “pensar e o fazer” num construir. Um construir impregnado de 40 significados, pela coragem, iniciativa e ousadia em realizar. construções que permitam o conhecimento das partes e o sentido do todo. Entender a realidade flexível, planejando a ação com interdisciplinaridade. Ação que parta de pequena iniciativa e de atitudes abertas, menos mecanizadas e técnicas. Atitudes ousadas e criativas, requerendo que a teoria seja assimilada, compreendida e interpretada por meio de uma consciência integradora do sentido, cujo SER que ensina, seja também o SER que aprende e vice-versa. Tal propósito deve reafirmar a importância de práticas pedagógicas centradas na criança. Pressupõem uma verdadeira construção do conhecimento, direcionado para o desenvolvimento do pequeno Ser, buscando atitudes de questionamento e compreensão do mundo em práticas que enfatizem a autonomia e iniciativa do aprendiz. SAPEANDO E CONTEXTUALIZANDO... Um exemplo dessa prática que você pode realizar: transforme a sala de aula num circo cujo palhaço seja você, fazendo os malabarismos do tema que quer trabalhar. Este palhaço carrega consigo a intensidade, imaginação, riso e ousadia.Com todos esses atributos, desenvolve a arte de fazer.o contexto da aula com inventividade, num projeto de atividade com a criança, tendo como recurso as brincadeiras e os jogos lúdicos na aprendizagem infantil. Como atividade, faça da figura do palhaço o símbolo de trabalho, explorando o sentimento da alegria e também a possibilidade das cores e figuras geométricas que fazem a fantasia. Figura 11 41 A criatividade pode direcionar práticas, que têm como centro a alegria de aprender, como se a sala de aula fosse um circo. Por isso, é importante que os educadores se organizem em planejamentos diferentes, participativos e interdisciplinares, com a criação de ambientes estimulantes e desafiadores. Aposta- se, nesse sentido, o processo vivido pela criança. Certamente exige um exercício de observação, mas, antes, impõe sensibilidade e imaginação para entender, respeitar e viver, com a criança, a imensa alegria que ela pode experimentar por algo que tenha apenas descoberto e facilmente pode ser considerado por um adulto um evento sem importância. Mas será que pode um adulto reconquistar os ritmos e os tempos necessários para viver com a criança e seus ritmos, e seus tempos de descoberta e de experimentação? Compreender que o conhecimento do outro implica a imaginação do outro? A construção lúdica carrega de afeto o processo de aprendizagem. São momentos de criação nas quais a criança tem a possibilidade de extravasar seu imaginário na construção do saber. É o que costumamos chamar de saber com sabor, com a liberdade de inventar, de aprender e de brincar. O Livro de Pano como brinquedo, veículo de comunicabilidade na construção da aprendizagem infantil (ROJAS, 2004, p.17). A ludicidade no pano encanta e seduz a criança. É um brincar ornamentado de retalhos ,de fitas, de cores vivas, alegres, unidas por significados, intensificando desejos e dando sentido aos sonhos infantis. O brinquedo livro-de-pano, como instrumento pedagógico, propicia vivenciar e mostrar os vários momentos da elaboração cognitiva. Sua organização/construção requer as trocas entre sujeitos, nas quais se evidenciam as SAPEANDO E CONTEXTUALIZANDO...Faça você a roda da alegria.Vamos brincar? Primeiro a história...Você escolhe. O palhaço pode fazer parte da história. Depois a releitura e a dramatização. Em seqüência, a construção da criança habitando o contexto lúdico de cenários e personagens. E depois a arte e o arteiro na construção da história em livro. Um livro diferente: de pano. Tente você fazer o seu! 42 parcerias. Fazer do pano um brinquedo possibilita diferentes olhares que são alicerces para novas construções. É um veículo de comunicabilidade lúdica que sugere falares e pensares como um leque de idéias, entrecruzando-se em infinitas interpretações. Podemos afirmar que o lúdico é a base de toda a atividade da Educação de Infância, pois é meio de motivação para a criança, que pode dar origem a processos de aprendizagem importantes, fonte de descoberta e prazer. Ludicidade é a espontaneidade em trabalhar, fazendo a comunicação entre a fantasia, o brincar e o real. A realidade jogando com falas e palavras, gestos e expressões enseja verdadeiro prazer em aprender. O brincar elemento importante, mediante o qual se aprende, sendo sujeito ativo desta aprendizagem que tem, nesse lúdico, efeitos de sentido prazerosos. No mundo lúdico, a criança encontra equilíbrio entre o real e o imaginário, alimenta sua vida interior, descobre o sentido de Ser no mundo. “O sentido de ser se aloja nas tramas cotidianas de viver o mundo. De habitá-lo e experimentá-lo.” (ROJAS,2004, p.44). O brinquedo permite o extravasamento das emoções. Damásio (2003) afirma que as emoções são meio natural de avaliar o ambiente que nos rodeia ao qual reagimos de forma adaptativa. Os objetos, as pessoas, o mundo, podem nos causar emoções e respostas emocionais fortes ou fracas, boas ou más, conscientemente ou não. A memória também pode provocar emoções à luz da consciência. A interação entre o brincar e o mundo real produz, na memória infantil, o desencadear e o executar de tais emoções. SAPEANDO E CONTEXTUALIZANDO...Outra idéia. Um interessante caminho de reflexão para o(a) professor (a):assistir o filme Colcha de Retalhos. Motivado pela trama que se desenrola no contexto do filme, você pode retirar idéias e montar um projeto construtivo, pano, cujo processo de elaboração venha favorecer ricas situações de aprendizagem para a criança, em sua história de vida e criatividade. A feitura de um álbum da criança, por exemplo. 43 A ludicidade permite e possibilita uma abertura às emoções, que correm soltas no encantamento do brincar. Como uma roda que gira a espalhar fantasias, pensamentos, sentimentos, na transparência da inocência infantil. Ao trabalhar com a ludicidade de um brinquedo, vivem-se emoções e sentimentos. Permite-se abrir para o mundo encantado, possibilitando entendimento, compreensão, interpretação. Facilita-se o caminho da objetividade entrecruzada pela subjetividade, fazendo compreender, compreendendo. Sem o encanto do lúdico, da parceria, da reflexão e da criatividade, o grupo não se forma, amontoando todos. A roda não se efetiva. Sem significado, sem grupo, a rotina não faz sentido. Se todo dia é tudo sempre igual, projeta-se o vazio... O ritmo diferenciado de cada um é que constitui o grupo, o diferente. O espaço de vivência precisa ter sentido e buscar identidades novas. A educação é encantadora, quando buscamos a transformação, e não a estagnação! A criança, um sujeito particular, histórico, aprendendo e nos ensinando. O educador, mediador, essencial, é quem reflete, observa, lê, cuida e educa todos em ”parceria interdisciplinar”. (FAZENDA, 1991). Parceria que é reflexo no brincar intenso e interminável da criança que desafia o mundo encantado, vivendo na constância do inconstante, brincando... RISCOS E RABISCOS...Interessante saber que compreender significa intelectualmente, apreender em conjunto, abraçar junto o texto e seu contexto, as partes e o todo, o múltiplo e o uno. A compreensão vai além da explicação. A compreensão
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