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Reflexões sobre as cidades brasileiras - Flávio Villaça

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.apital.
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rcdade,
p.776,
I\segu-
d'água,
'111 vir-
-nha se
o capl-
P A R T E
;:alTIOS,
ongl-
séria da
lia, em
lrancês A SEGREGAÇÃO URBANA
IARX,
lU (IAÇÃO, ESPAÇO URBANO E PODER POLíTICO
111. I ('!l) 2011.
I le texto trata do abismo que separa os poderes políticos da minoria
I1 I ICI e os da maioria mais pobre de nossa população. Como muitos dos
111\ .iqui apresentados, trata-se de um texto de geografia, já que procura
I'I 11.1r a espacialização de um processo social: o da desigualdade ou, o que
III .1 ser a mesma coisa, da dominação social. A missão do geógrafo (seja
1" ti I()[ seu diploma) é espacializar os processos sociais. Neste texto, procu-
I IIIIOSmostrar a relação entre esse abismo e o espaço urbano. Para tanto, é
IlIdl\pensável uma correta abordagem da segregação e espaço urbanos .
.remos tratado muito da segregação urbana e suas implicações. Esse tema
III1 .ibordado especialmente em Espaço intra-urbano no Brasil (VILLAÇA,
I( )() I ). Nesse livro, foi mostrado que a corrente dominante de análise da se-
I Il'gação em nossas metrópoles, tradicionalmente denunciada pelo modelo
I rutro versus periferia (que, no fundo, decorre da Escola de Chicago), tem
1I111a base moral e ética que chama a atenção para a injustiça. Só indireta-
111 -nte ou de forma subentendida, essa análise se vincula à desigualdade, à
luta política pelo espaço e à dominação. Mostramos como esse modelo é
74 REFLEXOES SOBRE AS CIDADES BRASILEIRAS
falho, como descrição, e omisso, como interpretação do espaço urbano.
Procuramos deixar mais clara essa vinculação, mostrando-a por meio de
vários textos, alguns dos quais aqui reunidos. Neles, a segregação urbana se
destaca como mecanismo que tende a manter a desigualdade e a dominação.
Temos insistido em destacar o papel do espaço urbano nessa dominação.
Vamos aqui continuar tratando da segregação urbana como um proces-
so necessário para maximizar - ou mesmo viabilizar - a atuação da classe
dominante sobre o poder público, no sentido de manter a dominação e
assegurar a qualidade de vida do "seu" espaço urbano.
Como exemplo, vamos nos utilizar mais do Rio de Janeiro, pelos se-
guintes motivos: em primeiro lugar, porque a segregação urbana no Rio - a
Zona Sul, como área de concentração dosmais ricos - é nacionalmente
conhecida. O mesmo não ocorre em São Paulo, onde os próprios paulis-
tanos não têm consciência de que no Quadrante Sudoeste está a maior
concentração dos mais ricos da metrópole (o que não quer dizer que os
mais ricos sejam, ali, maioria). Os paulistanos têm uma vaga noção do que
venha ser o Quadrante Sudoeste e, praticamente, só sabem que ele existe
quando não se fala nele; quando se fala da Zona Leste, do ABCD, de
Osasco ou de Guarulhos. Para a minoria rica, consciente ou inconscien-
temente, São Paulo se resume ao Quadrante Sudoeste, a não ser que se
diga o contrário. Muitos dos mais ricos só sabem da existência de
Guarulhos porque lá está o aeroporto em que embarcam para Miami,
Nova York ou Paris. No Rio de Janeiro, ao contrário, o Brasil inteiro co-
nhece ou já ouviu falar da Zona Sul, embora tenha uma pálida noção do
que seja o Rio fora da Zona Sul.Talvez tenham ouvido falar em Mangueira
ou Nilópolis por causa das escolas de samba e, certamente, tiveram conhe-
cimento do Complexo do Alemão pelas notícias de violência que apare-
cem na mídia.
Vamos ao assunto. Muitos falam que o maior problema do Brasil (maior
que a educação, a saúde ou a segurança) é a pobreza. Não é verdade.
maior problema do Brasil seria a desigualdade de riqueza, mas esse també m
não é. Nosso maior problema é a enorme desigualdade de poder políti .
A SEGREGAÇÃO URBANA 75
,!11i h.i em nossa sociedade. Claro que essa desigualdade está profundamen-
I, .u clada à desigualdade econômica.
I .ntre nós, não há a consciência de que os problemas dos mais pobres
I" .hfcrentes dos problemas dos mais ricos. É talvez sabido que a solução
,I,,·, problemas dos mais pobres depende mais do poder público e que a so-
1111,111da maior parte dos problemas dos mais ricos depende mais do mer-
1,1". Essa é, aliás, a razão fundamental pela qual a iniciativa privada e o
1111uido são tão decantados no Brasil. Como há uma forte segregação ur-
I. 111.1l'1T1 nossas cidades, os problemas urbanos são diferentes conforme
,., "1 I .1111 nas regiões onde moram os mais ricos (a Zona Sul do Rio, por
• mplo) ou não. Consequentemente, as populações dessas regiões mais
I I ,1\ pressionam o poder público de uma forma duplamente diferente: em
1111I11L'irolugar, com força ou poder político diferente; e, em segundo lugar,
111'Il' problemas diferentes.
Além disso, os problemas urbanos são altamente manipulados pela ideo-
1011',1.1dominante; um exemplo disso é precisamente uma questão que diz
11111110de perto ao planejamento urbano: é consenso entre os "cornpeten-
I••• que o Plano Diretor é um assunto complexo e, por isso, só compreen-
llil.) pelos mais instruídos. Os menos instruídos precisam fazer curso de
'/'0/( i/tlção para compreendê-lo. Os mais pobres, parece ser consenso, não
/11'1111para o Plano Diretor porque são ignorantes, e uma das consequências
.11\1) seria o fato de eles não terem consciência social nem visão de conjun-
111dt' longo prazo da cidade e de seus problemas. Já mostramos a falsidade
II \.1\ crenças em nosso livro As ilusões do Plano Diretor (VILLAÇA, 2005).
qucstâo fundamental é que, se os mais pobres não dão importância ao
1'111111Diretor (o que é verdade, como demonstrado no livro), é porque este
11111.1tem a lhes oferecer. O livro mostra também ser falso que os mais ricos
I 111m.iior consciência dos problemas gerais da cidade e dos seus problemas
til 1I111g0prazo; mostra que os mais ricos pensam, isto sim, na qualidade de
1,1.1 dos bairros onde moram e! ou frequentam e no valor de seus imóveis,
'i 11" ternas ()Jl1()Z nearnento ou meio ambiente, por exemplo, interessam
I I 1,,\ , . cstiv 'I" '111vin .ulad s a 'S5 'S vai rcs. Ma. não vaJl10S desenvolver
1 \ ,I\IW! (OS idt'olú ri! m dos pr ohlcm.ts urb.iuo«.
/6 111111'1',', ',1111111A',IIIIAI",111111,11111
Vl:jaIIlOS um exemplo mais objetivo. O verde e o meio ambiente não
\'St.io dentre os problemas prioritários dos mais pobres. Além disso, represen-
(.1111coisas diferentes para diferentes classes sociais. Meio ambiente, para os
m.iis ricos, significa verde, parques, ar despoluído, silêncio. Para os mais pobres,
\Igllifica córregos imundos e cheios de ratos, inundações ou deslizamentos de
("I«ostas. Os buracos nas ruas (quando são pavimentadas) ou nas calçadas
(quando existem) dos bairros mais pobres não provocam pressões sobre o po-
der público como os buracos nas ruas dos mais ricos.Tráfego pesado,ruído ou
vizinhanças desagradáveis, que imediatamente provocam irados protestos dos
mais ricos, não são problemas tão graves para os mais pobres, Os protestos dos
mais pobres podem até ser divulgados pelos programas populares do rádio e
da TV, mas têm um poder de pressão política menor que a pressão dos jornais
(que atingem mais a minoria mais rica) e muito menor que a pressão (fre-
quentemente oculta) do empresariado e do poder econômico. Em nosso
livro Espaço intra-urbano no Brasil, apresentamos uma pesquisa quantitativa fei-
ta emjornais do Rio e de São Paulo (excluída a parte publicitária), mostran-
do que sua atenção para com os bairros de interesse dos mais ricos era muito
maior que a atenção voltada para os bairros de interesse dos mais pobres. Isso
não seria compreensível,já que os jornais, se fossem neutros, deveriam noti-
ciar equilibradamente as diferentes partes da cidade, bem como tanto as ações
do poder público como as originadas no mercado.
A segurança de suas moradias é um problema maior para os ricos do
que para os pobres (maior que a segurança dos bancos ou das joalherias),
especialmente nestes tempos de arrastões em edificios de apartamentosde
luxo. O mesmo não ocorre com a segurança quando referente a homicídios
(ver Figura 8, na p. 58). Sem a segregação dos mais ricos, seria muito mais
II1ficiIpara eles convocar o poder público para policiar seus bairros. Diz, por
exemplo, uma manchete da Folha de S. Paulo (17/10/2004, p. C-13): "Área
nobre do Rio tem mais policiamento"; a notícia informa que
Dados fornecidos por associações vinculadas à PM [...] revelam grandes
discrepâncias: os efetivos dos batalhões da Zona Sul são proporcionalmente
(c mparados ao tamanho da população) maiores - às vezes, até em números
li'oIi,llli,lIi.Ailllllllllhlll77
.rl ivo lutox - do qllL:os locrlrv.rdos IJOsubúrbio, Zona Oeste e Baixada Flumi-
111'll\l',áreas bem mais violentas.
I vmbramos ao leitor que a Zona Sul - da Glória ao Recreio dos
1Illld("lrantes - tem apenas 10% da população da Região Metropolitana do
I' li' Ik janeiro.A pressão política dos mais ricos é, então, feita sobre o poder
IIi11d I( 0, sobre problemas diferentes e em diferentes partes da cidade.
I'I,',('IIIOS a outro tema correlato.
I'.Irques, áreas verdes e arborização de ruas são reivindicações muito
11111\Iortes nos bairros mais ricos do que nos mais pobres. Obviamente, isso
1111.qucr dizer que, se for oferecido um parque ao Bangu, a Irajá ou a
I r nu-Iino Matarazzo, a população local vá recusâ-lo. Entretanto, para ela,
uu u.rdia fora das áreas sujeitas a inundações ou deslizamentos, limpeza de
• \11Il'gos, regularização fundiária, saúde pública e pavimentação de ruas são
11111110mais prioritárias do que parques ou ruas arborizadas. No entanto,
.I'II,llltc as chuvas de verão, as notícias sobre as árvores que caem nas ruas de
,101I'.tlllo ocupam um. quarto de página de jornal. Se alguma cair em cima
.I. 11111automóvel, ocupará meia página, com direito a foto. Na Zona Leste,
111011i:1nem árvore para cair.
J:I destacamos em inúmeras oportunidades a ação diferenciada do poder
11111111("0no tocante à solução de problemas de diferentes classes sociais e em
.Ii11u-ntes regiões da metrópole. Vamos aqui abordar cinco exemplos dessa
IIII.I~,10, focalizando equipamentos urbanos que apresentam diferentes im-
IIiu turcias para tais classes e ocupam posições diferentes nas suas pautas de
I. rv.ndicações. Esses cinco exemplos relacionam-se a parques ou áreas verdes.
r J I verdade, um exemplo - o caso da gleba localizada na Zona Norte onde
1II'1(' se localiza o Shopping Center Norte - refere-se a uma gleba que não se
1IIIIIOll parque. Quando confrontada com as demais glebas, cabe perguntar:
1.111que essa gleba - muito comparável às demais - não se tornou parque?
I':sscs cinco exemplos são:
I) Uma gleba localizada na Zona Norte, na várzea do Rio Tietê, rema-
nescente de sua retificação e onde se encontra hoje o Shopping Cen-
ter Nort~'.
78 REFLEXOESSOBREASCIDADESBRASILEIRAS
2) Uma gleba localizada na várzea do Rio Pinheiros, no Quadrante
Sudoeste, remanescente de sua retificação e onde hoje se encontra o
Parque Vil1a Lo~
3) Uma gleba igualmente localizada às margens do Rio Pinheiros, junto
à Av. Cidade Jardim, também no Quadrante Sudoeste, onde hoje se
encontra o demagogicamente chamad~arque d~ P~o.
4) Uma glebajunto ao Parque do Carmo, no extremo da Zona Leste.
5) Uma gleba localizada na cidade de Niterói, chamada Morro do Bum-
ba, outrora um lixão, onde mais de 50 pessoas morreram soterradas
por o;as~as chuvas do verão de 2010 e onde a.população recusa
uma praça.
Como se vê, duas das três primeiras glebas localizadas nas várzeas dos
Rios Tietê e Pinheiros ficam justamente na parte mais "nobre" da cidade,
ou seja, no seu Quadrante Sudoeste. Nelas, o poder público não pretendia
implantar nenhum parque. No entanto, elas se transformaram em parques.
Isso ocorreu em virtude da pressão da população das vizinhanças, de grande
poder econômico e político, e para a qual os parques são um equipamento
altamente prioritário.A terceira gleba, a outrora chamada Coroa, localiza-se
na Zona Norte, sendo a única fora do Quadrante Sudoeste. Está rodeada de
bairros com população da classe média para baixo. Por isso não foi objeto
de nenhuma pressão popular, nem para parque nem para qualquer outra
finalidade. Foi então privadamente apropriada por um empreendimento
imobiliário.
Dessas três glebas, as da Coroa e do Parque Vil1a Lobos estão em várzea
de rio e têm uma mesma origem remota, de onde vem o total desconheci-
mento de quem sejam seus atuais proprietários. São sobras de terra resultan-
tes das retificações do Rio Tietê e do Rio Pinheiros. I Desde muitas década
até hoje, ocorrem disputas judiciais entre as inúmeras pessoas (físicas e/ou
jurídicas) que alegam ser seus proprietários. Apesar das disputas, uma dessas
três glebas (justamente a localizada fora do Quadrante Sudoeste) não fi i
destinada a parque, sendo hoje ocupada por empreendimentos imobiliári s
privados, dentre os quais o Shopping Center Norte; as outras duas (justa
ASEGREGAÇÃOURBANA79
1IIl'IIte as do Quadrante Sudoeste) transformaram-se em parques. Na gleba
1111:ldana Zona Norte, a pressão imobiliária saiu vitoriosa e a iniciativa
111rvada dela se apossou. Como dito acima, a pressão da população da vizi-
nh.mça, na verdade, nem existiu. O mesmo não aconteceu com as outras
IIII.ISglebas, localizadas no Quadrante Sudoeste. Nelas estão hoje dois par-
IJlIl'S,o Villa Lobos e o do Povo. O primeiro é dos maiores da cidade de São
I',11110,equipado com estacionamento; pistas para skate, patins e bicicletas; e
111'1Ineras quadras de tênis, além de outras, para basquete, futebol etc. Ambos
I '.1.10 localizados na várzea do Rio Pinheiros.
O Parque Villa Lobos (estadual) tem mais de 700 mil rrr' e está cercado
1'"1 vários dos bairros mais "nobres" da capital. Sua origem vem de sucessi-
.1\disputas judiciais que culminaram com uma entre os membros da famí-
11.1Abdala e o governo do Estado de São Paulo em torno de uma dívida
tI'lqucla para com este, A notícia (verdadeira ou não) de que o governo
1'lI·tendia construir na área (ou em parte dela) um conjunto habitacional
111'I" dar desencadeou uma reação tão forte da vizinhança, que esta passou a
I «rcer todo seu poderio político no sentido de pressionar o governo para
'1IIl' ,\ área fosse destinada a um parque. Isso de fato veio a acontecer depois
.11 mais de um ano de resistência e relutância do governo.ê Origem seme-
I" IIILc teve o irônica e demagogicamente chamado Parque do Povo. Seu
II IIcno era de propriedade da Caixa Econômica Federal e foi irregular-
1I1C'IILcocupado por muitos anos por várias entidades esportivas ou cultu-
I 11',com a conivência dos proprietários ou supostos proprietários. Depois
.11 várias pendências, a área passou para a Prefeitura Municipal de São Paulo.
I 1.1 não tinha planos de construir um parque num valiosíssimo imóvel,
1111 .ilizado junto aos Jardins. Foi então que se desencadeou a pressão popu-
111d.1 vizinhança no sentido de ser ali implantado um parque. A pressão saiu
l!lll iosa e, assim, nasceu o Parque do Povo!
( ) quarto exemplo refere-se a uma gleba localizada na Zona Leste, uma
I, p,I,IO .norrne, de grande concentração de população de baixa renda, com
1I II () poder econômico e de pressão política. Lá existe, há muitos anos, o
1'111Jllt' do Carmo, rnai Ir da idade, uma espécie de Ibirapuera dos pobres.
" '1'\1 l.ulo, h~ 11111.\.111'I IIi'~,vezes maior. '\ () -hamndo P:1rq li , N:ILlIr:11
80 REFLEXÕES SOBRE AS CIDADES BRASILEIRAS
Municipal Fazenda do Carmo, com 4,5 milhões de m". Há décadas, essa
área pertencia à Companhia Municipal de Habitação (COHAB) e perma-
necia sem utilização. Durante todo esse tempo, a população da vizinhança
nunca pressionou a Prefeitura para que esta utilizasse a área, para o que quer
que fosse.A Folha de S. Paulo (12/1/2011,p. C-ll) apresentava como man-
chete "Parque da Zona Leste tem lixo e assalto" e prosseguia: "Na altura do
n° 10.700 da Av. Aricanduva, um campo de futebol dentrodo parque está
sem manutenção, com lama, matagal e sujeira." Certamente, não faltará
quem acredite que isso acontece porque os mais pobres são ignorantes, des-
leixados e não sabem zelar pelos seus equipamentos públicos.
Finalmente, o quinto exemplo se refere a uma gleba, localizada na
cidade de Niterói, que outrora era um lixão e onde se instalou uma popu-
lação pobre, com a conivência da prefeitura local. Lá a população rejeitou
uma praça. Em abril de 2010, depois que dezenas de pessoas foram soterra-
das no morro do Bumba e depois que ficou claro à população que ocupava
o local que seu problema não era a chuva, mas sim a falta de habitação, (
Prefeitura divulgou nota dizendo que faria uma praça no local. A comuni-
dade saiu às ruas da cidade carregando uma faixa, contrária à cogitada con
trução da praça, e que dizia: "Não à praça e sim à moradia."
O texto acima já estava concluído quando surgiu um sexto exemplo. A
Folha de São Paulo (19/3/2010, p. C-1) apresentou a seguinte manchete
"Chácara do Jockey vai virar parque público." Segundo o jornal, o Jock
Club de São Paulo teria uma dívida de IPTU para com a Prefeitura "[ ...] avt
liada em ao menos R$ 150 milhões, além de pendências fiscais, como multa
por realização de eventos sem alvará e publicidade irregular". Sempre segun
do o jornal, "[ ...] a ideia para transformar a área verde num parque surgm
depois de o Jockey anunciar, há dois anos, a construção de prédios com E'IH
apartamentos para angariar dinheiro e pagar a dívida". Uma megaoperaçu«
imobiliária cujo valor superaria em muito os tais 150 milhões e, com a li.rl
o Jockey certamente resolveria seu problema e ainda teria um bom lucr . NI'
entanto, essa megaoperação imobiliária não se concretizou. Por que e sa )IH
ração não se concretizou? Novamente, aparece a população para pr ssi 11.11
A SEGREGAÇÃO URBANA 81
Prossegue o jornal:
Contrários à obra, os moradores se mobilizaram e ganharam apoio de
professores da FAU-USP [...] do Ministério Público e até da paróquia do
b.iirro. Num sermão, o padre Darei Bortolini convocou os fiéis e criou um
.ihaixo assinado que, em dois tempos, conseguiu 2.000 adesões.
1'inalmente,a questão ficou resolvida com a "vitória do povo"! Continua
II 1"lllal: "A decisão já está tomada. O terreno tem de virar um parque [... ]
"" l) secretário municipal de Esportes, Walter Feldman." Não foi divulgado
II \ .dor da desapropriação da área, mas certamente ele não poderá ser infe-
11111.lO investimento e o lucro que o Jockey teria na construção dos 648
'1111i.unentos (!!!) em plena "área nobre" da capital. Se assim for, certame-c,
11 1111um negócio muito interessante para o Jockey.
( )s exemplos acima mostram como atua o poder político da classe que
1111',dispõe desse poder. Note-se, entretanto, que esse poder e seus objeti-
11,11.10poderiam se concretizar sem a segregação. Não poderiam se co n-,
1I11/.1r se essa classe não fosse espacialmente concentrada. Sem a segregação,
11.1muito enfraquecido o poder de pressão dos mais ricos na sua luta por
11'"1'·lIllentos públicos e pela qualidade de vida do seu espaço urbano.
1'.11':1finalizar, aproveitamos para fazer aqui um parêntesis para destacar
'I'!' \\.10 do enorme poder unificado r social que o espaço urbano apresen.,
N.l sociedade, a burguesia certamente não é monolitica; a burguesia
" 1111ci ra tem lá seus conflitos com a industrial, que, por seu lado, os tem
IItll! 111com a comercial ou com a de base rural (e que mora na cidade).
11111t.un o, quando se trata da qualidade de vida de seus bairros, o espaço
,11,llll) ()S une a todos, pois são todos vizinhos uns dos outros e todos têm
11111110objetivo. Quando se trata de defender a qualidade de vida dos
11 1'.111IOS, todas as diferenças de facções de classe desaparecem e todos os
I1 1I II\('S S' unem.
PA R T E I V
PLANO DIRETOR
LIMITES DA PARTICIPAÇÃO POPULAR
I" ipresentado no IISeminário da Rede de Dinâmica Imobiliária e
11I11111.1çãoIntraurbana, promovido pela ANPURe NEUR/UnB,Pirenópolis, Goiás,
11,,1 19de outubro de 1996.
( ) presente texto tem o propósito de colocar de maneira simples os limi-
11\ d,\ participação popular na gestão urbana, mais especificamente no plane-
[.uucnto urbano. Usa a experiência concreta da elaboração do Plano Diretor de
.111Paulo, mostrando o papel que neles tiveram diferentes setores da socie-
d,lde, com ênfase no papel desempenhado pelos movimentos populares.
Um dos grandes desafios que se coloca ao processo de democratização e
1'0liLizaçãoda gestão urbana nos anos 1990 é a democratização e politização do
1'1.11\cjamentourbano. Isso se reveste de importância ainda maior em se tratando
111)processo de elaboração de um Plano Diretor, elemento que seria estratégico
11.1definição do marco legal da política urbana, aberto a partir da Constituição
111'1988 e das Constituições estaduais e Leis Orgânicas decorrentes.
A grande novidade que o planejamento urbano passa a apresentar a
11,1'ti r da década de 1970 é a "Participação Popular". Essa foi a tônica do
.livcurs dominante na época, amplamente utilizado para tentar explicar o
11,\c\sSOdos Planos até então elaborados. A participação popular aparece,
I utr .tant ,como um ingrediente a mais no roteiro técnico de elaboração
dl' 11111 corr ·to PhlJ10 Dir .tor.'
174 REFLEXOES SOBRE AS CIDADES BRASILEIRAS PLANO DIRETOR 115
Na década de 1980, com a abertura política, os movimentos popular s
experimentaram grande impulso e os planejadores urbanos continuaram
tentando incluir a participação popular no processo de elaboração dos Plan ~
Diretores, mas sempre de maneira "tecnificada" , como uma tarefa dos técni
cos, como algo do âmbito da boa técnica de elaboração desses Planos.
Nessa época era frequente considerar-se como participação popular :1
chamada "auscultação da população", tendo em vista abrir-lhe a oportuni
dade de expor seus problemas, suas gravidades e prioridades, diretamente às
autoridades governamentais, sem intermediários. A participação popular
assumia assim um caráter complementar aos diagnósticos técnicos qu "
invariavelmente, integravam os Planos Diretores. Logo ficou claro que es a
consulta era mera formalidade que em nada democratizava nem politizava
o planejamento, mesmo porque, depois de alguma experiência com essa
participação popular (como constatou, surpresa, uma urbanista na época),
''[. ..] a população não sabe nada que nós já não saibamos". Por incrível que
pareça, o que essa concepção de participação popular era incapaz de ver "
que a questão central não estava em conhecer.
A recente experiência do Plano Diretor de São Paulo representou um
significativo avanço na desmistificação do diagnóstico técnico apresentado
nos modelos "clássicos" de planejamento. Sem entrar na análise do conteú
do ideológico desses" diagnósticos", que veiculam a ideia de que a cidad
está" doente", vejamos a experiência paulistana nesse particular.
O Plano Diretor de São Paulo não teve diagnóstico nesses moldes
Dentre asprincipais proposições do Plano - o Coeficiente deAproveitamente
único igual a 1 (um), a concessão onerosa do direito de construir (um ti (
específico de utilização do conceito de "solo criado"), a vinculação das
densidades de construção à capacidade da infraestrutura, a definição til'
estoques de área construível por zona adensável, a constituição do Fund )
de Urbanização, a penalização das propriedades que não cumprem sua fim
ção social, as Zonas Especiais de Interesse Social, as Zonas Especiais h'
Preservação, o Planejamento em nível central e descentralizado etc. -, n nhu
ma dessas proposições decorreu de um diagnóstico técnico prévi ,tal 1110
n S 111 d ,I s clássicos de 1>1:111) J ir -t r. Tanto os prob] 'mas s ,I '('iollado
(omo suas soluções nasceram de posicionamentos políticos - assumidos a
priori a partir de reflexões críticas sobre o planejamento anterior, de militâo-
(ia político-partidária e debates políticos,inclusive com os movimentos
populares - de muitos dos que participaram da elaboração do Plano. AlguflS
(lesses posicionamentos e reflexões, por outro lado, foram fruto de avançOs
que ocorreram em escala nacional. O diagnóstico técnico - ele existiu e foi
divulgado - veio a partir desses posicionamentos, para implementar propoS-
t.1S colocadas a priori ou para dimensionar intervenções, e não para "revelar"
problemas ou suas prioridades. O diagnóstico foi, assim, politizado.
I.liminou-se a postura ideológica de que é preciso medir para conhecer -
pois os diagnósticos clássicos eram principalmente medições - e adotou-se
,I de que é preciso conhecer para medir.
Analisemos agora a participação popular propriamente, fazendo algv-
mas considerações introdutórias a partir das expectativas dos movimentos
populares quando dos debates ocorridos por ocasião da elaboração da
Constituição de 1988.
Para o campo popular, constituído basicamente de movimentos popv-
lares organizados em torno de reivindicações por moradia e por entidades
de representação profissional e de assessoria ligadas à questão urbana, a
Constituição de 1988 representava a oportunidade de retomar as lutas por
lima Reforma Urbana. A perspectiva da Reforma Urbana era justamente a
da ruptura com a ordem urbana vigente nas cidades do país, por meio da
mudança das regras excludentes de apropriação do território, regras essas
que geravam um espaço urbano injusto, do ponto de vista social, e degr~-
dado, do ponto de vista ambiental.
Entretanto, o texto constitucional, tendo sido fruto de um processo ele
negociação, veio a resultar muito longe da ruptura pretendida pelo movi-
mcnto pela Reforma Urbana. Exemplo disso foi a inclusão da obrigatorie-
dade de elaboração de Plano Diretor nos municípios com população
superior a 20 mil habitantes, exatamente o único artigo da Constituiçâo
I; .deral que trata da Política Urbana. ./'
Assim, se para o campo popular, no centro da questão urbana está a
Illllç'50 sociaJ da cidad da propriedade urbana, tal posição não é partilha Ia
176 REFLEXOES SOBRE AS CIDADES BRASILEIRAS
por aqueles que consideram que o Plano Diretor é o melhor instrument
para garantir o cumprimento dessa função.
A entrada em cena dos Planos Diretores, no espaço que deveria ser d:
Reforma Urbana, acabou tendo grande influência na definição, tanto d:
pauta dos debates em torno da questão como dos interlocutores desse mes-
mo debate. Assim, por exemplo, ao segmento técnico, particularmente aos
"urbanistas", foi aberto um amplo espaço, já que teoricamente eles dete-
riam o "saber-fazer" do planejamento urbano. Seriam os entendidos n
assunto, os que saberiam como deveria ser feito um Plano Urbanístico o,
que dominariam o jargão e possuiriam a receita das "exigências fundamen-
tais de ordenação da cidade" requeridas pelo Plano.
Por outro lado, essa mesma inserção do Plano Diretor veio afastar os
movimentos populares dos debates, pois o Plano Diretor nunca esteve na
pauta das lutas desses movimentos, que nunca nutriram esperanças de solu-
ção de seus problemas a partir dessa área tão tecnificada e distante de suas
necessidades imediatas e prementes.
Finalmente, a entrada do Plano Diretor no âmbito das reivindicações
populares na esfera urbana veio representar também um entrave de nature-
)a burocrática nas lutas populares por terra, moradia, transportes etc. Com
efeito, com essa entrada, mais um documento legal tornou-se necessário
para que algumas políticas na linha da Reforma Urbana pudessem ser im-
plementadas pelos estados e municípios. Assim, por exemplo, uma form!,!la-
ção simples e direta que estava contida na emenda popular de Reforma
Urbana, apresentada à Assembleia Nacional Constituinte, dizia que os terre-
nos ociosos, guardados especulativamente por seus proprietários, não deve-
riam existir em nossas cidades, já que isso era contrário ao princípio da
função social da propriedade. Ora, com o tratamento dado à matéria pela
Constituição, inserindo o Plano Diretor no meio da questão, os governos
municipais ficaram impossibilitados de implementar diretamente uma polí-
tica de combate à especulação imobiliária. Precisam antes contemplar a
questão na Lei Orgânica e depois no Plano Diretor.
I Como o modelo de Plano Diretor que os urbanistas di 11I1i,.11I1 1I:1S dé ,_
das d 1970 . 19HO (totnlm '11 t' difcr 'nl " aliás, dll d, t li I Id." !Ir 1(50 •
PLANO DIRETOR 177
I%0) consistia em um documento de princípios, objetivos e diretrizes gc-
I.IIS que, necessariamente, dependeriam de leis complementares para serem
.rplicados, nem mesmo com o Plano Diretor estava completada a via crucis
l.urocrática. E mais: como também, desse modelo, nunca fizeram parte a
runção social da propriedade nem soluções para a cidade real - a cidade da
ruaioria, clandestina e ilegal -, lutas adicionais passaram a ser necessárias
p.ira reformular e adequar o modelo acadêmico dos anos 1980 à realidade
dos anos 1990.
Assim, não é surpreendente que tenha sido pequena a participação dos
movimentos populares." tanto na elaboração como em debates, audiências
públicas e mesas de trabalho que, em torno do Plano Diretor, travaram-se
quer no âmbito do Executivo, quer no do Legislativo.
Além dessas, outras considerações de ordem mais geral devem ser feitas a
respeito do pouco envolvimento dos movimentos populares no Plano Diretor
de São Paulo. A primeira se refere ao processo de elaboração e discussão do
l'lano; e a segunda, a como vem sendo a atuação dos setores populares orga-
nizados nas questões de gestão da cidade de uma maneira mais geral.
Uma característica dos movimentos populares em sua história recente,
isto é, no período pós-ditatorial, é sua organização sob a forma de movi-
mentos setoriais, ao contrário, por exemplo, dos movimentos de classe mé-
dia, que, majoritariamente, congregam moradores de bairros específicos.
São movimentos por moradia, terra, transporte ou creches, que até se estru-
turam por grandes regiões da cidade, mas não como associações de bairro.
Outra questão a se considerar é o caráter basicamente reivindicativo
que marcou a formação e surgimento desses movimentos. O momento em
que o Partido dos Trabalhadores (PT) - um partido neles fortemente enrai-
zado - ganhou a eleição para o governo do município não correspondeu
ao momento em que os movimentos estivessem se colocando a questão de
seu credenciamento para a questão urbana. Isso quer dizer que a agenda
política e a pauta dos movimentos não eram propostas de plataformas d
governo par. a i lad " mas, basicamente, de um lado, posições d op si ~o
ou resistência .1 plll'(11.1S prati adas pelos governos até 'nt~ ,<.', de ( 11110,
rcivindi 'a,o( I 1111111.1 dl'l' ·ss~() para (,OI1S' ui 1:1S.
178 REFLEXOES SOBRE AS CIDADES BRASILEIRAS
Evidentemente, não é no espaço de um, dois ou quatro anos que as I
ganizações da sociedade saltam de uma posição de pressão e reivindica ;\1 I
para a da cogestão. E nem é esse, necessariamente, o caminho dos movim 11
tos. De modo geral, uma interlocução com os movimentos populares se dcn
de forma mais direta - e aí eles cresceram e se desenvolveram - em quest ~ .
setoriais, tais como saúde, moradia e transporte, quando estava em jogo 11
atendimento de reivindicações concretas e mesmo conquistas imediatas. A
partir daí, até que alguns saltos de qualidade puderam ocorrer, como, P'"
exemplo, a iniciativa popular de projeto de lei de criação de um Pundu
Nacional para a moradia popular, articulado pelo movimento de moradia.
Numa cidade da escala de São Paulo - e a escala da cidade é fundamen
tal nessa questão -, um tema como o Plano Diretor, que se refere à cidack
como um todo, às suas questões mais globais, e que, portanto, não se refi 1\
a nenhum bairro ou região em particular, nem ao atendimento de nenhu
ma reivindicação imediata e concreta de obtenção de serviço ou equipa
mento, um tal tema passa a quilômetros das prioridades,preocupaçõe I
fôlego dos movimentos populares. E mais: na ausência de uma entidade 11
forma de representação geral do conjunto dos movimentos, o Plano Direto:
acaba carecendo de interlocução no campo popular.
É contra esse pano de fundo que devem ser colocados os mecanismo
utilizados para se tentar conseguir a participação dos setores populares no
debates em torno do Plano Diretor de São Paulo. Por esse pano de fun 0,
vê-se que seria inviável conseguir-se, a priori e formalmente, um fórurn
onde já estivessem representados os principais agentes envolvidos nas dis
putas em torno da produção e consumo do espaço urbano. Na verdade, 11
descompasso existente entre, de um lado, os setores organizados do em
presariado da classe média e os setores intelectuais, e, de outro, os movi
mentos populares, é tão grande, que qualquer tentativa de organização dI
um espaço onde estivessem presentes variadas organizações formais r'
presentativas desses grupos seria inviável.
Além disso, não estava claro, por falta de experiência concreta - já qu
nunca se elaborara antes na cidade um Plano Diretor a partir de um d 0:\11
público -, que papel teriam setores om as univ rsid:ld 'S, as .ntidc dcs dI
r '\11"'S -ntn ão profissional, :1 impr 'I1S;I" (111:11111111 -, 10d.l\ .I~ ()lg;ll1ii',I~'n'
PLANO DIRETOR 179
,I, lS cidadãos que não são urbanistas, arquitetos ou engenheiros, nem empre-
.uios não ligados aos meios imobiliários nem engajados em movimentos ou
, III idades já constituídos. Por essa razão, o grande investimento inicial da
( 'oordenação do Plano foi na divulgação e debate: primeiro, do perfil pro-
I li Isto para o Plano, juntamente com informações gerais sobre a cidade;
.l.pois, de uma Pré-proposta; e, finalmente, de uma Proposta. Nessa divulga-
'. ,101debate foram utilizados os mais variados meios de comunicação: reuni-
'l,'S com entidades e movimentos, debates públicos, matérias na grande
unprensa e na imprensa de bairro, produção de vídeos, cartilhas, panfletos
I'(e, Pouco a pouco, às iniciativas da Coordenação do Plano juntaram-se as
.I\' entidades, movimentos e grupos, tais como jornais da grande imprensa e
.1,1 imprensa de bairro, sindicatos de empregados e de empregadores, órgãos
IIc classe etc., e, finalmente, a própria Câmara Municipal. Tudo isso foi se
II1 ultiplicando e formando e definindo os interlocutores do Plano, não só em
',[1:1 fase de elaboração, no âmbito do Executivo, COlTlO também, posterior-
mente, na sua entrega à Câmara Municipal, no âmbito do Legislativo.
Hoje é possível afirmar-se que houve realmente um debate público
xobre o Plano Diretor durante quase dois anos.
Em nenhum momento, durante todo esse processo, a Coordenação do
I'lano apostou na aprovação integral, pela Câmara Municipal, do Projeto de
I ci, tal como entregue pelo Executivo. Apostou - e investiu nessa direção -
que o Plano deveria ser fruto de um amplo processo de negociação, o mais
.lcmocrático e legítimo possível. Só assim poderia ser assegurado seu cum-
primento, enquanto compromisso de agentes públicos e privados que pro-
duzem e se apropriam da cidade.
Uma vez entregue o Projeto de Lei do Plano à Câmara Municipal, ela
.issumiu a responsabilidade pelo seu debate público, debate esse que foi
I onduzido, na Câmara, pelos vereadores e do qual participaram o Executivo
I' as entidades que mais se envolveram nos debates durante os dois anos de
'lI:I duração. Essa "captura" do Plano pela Câmara, por si só,já representou
11111 grande avanço da politização do planejamento.
N .sscs debates apar 'ram críticas e ataques das mais variada. naturezas,
hC111 ('01110 diferentes pll\llIl,l~ politicas. Os 111 'ias empresariais, por c 'J))
180 REFLEXOES SOBRE AS CIDADES BRASILEIRAS
pio, ofereceram-se claramente para negociar o Plano. Intelectuais, m HI
.icadêmicos e urbanistas profissionais, ligados ao "urbanismo clássico", (1
hravam fidelidade a seus cânones. Outros, mais exaltados, apelaram para lIlll
discurso corporativista, exigindo que o Plano fosse uma peça rigorosam '11
te "técnica", feita tão somente por engenheiros e arquitetos, e acusand tI
plano de "plano de sociólogos" ou "plano ideológico", com preocupaçôr
"sociais", e não "urbanísticas", como deveria ser.
A proposta de acesso à terra gerou forte reação por aqueles que na: 1
admitem ter seu espaço compartilhado com outros que não eles próprir
as elites. Assim o Plano deveria ser combatido porque iria "atrair imigran
tcs que iriam vandalizar a cidade" ou "deteriorar a boa qualidade dos baii
ros nobres" ou então "incentivar invasões".
De maneira geral, pode-se grosseiramente identificar três corrente
representativas da minoria da população e que participaram intensament
desses debates:
A primeira, que podemos identificar como representante dos mei
empresariais, reuniu representantes dos grandes escritórios de arquitetur.t
(Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura - AsBEA), o Sindicato
d3S Empresas de Compra, Venda e Locação de Imóveis (SECOVI), ,I
Associação dos Empresários Loteadores (AELO), a Associação Comerei I,
as Federações do Comércio e da Indústria, o Sindicato das Grandes
Estruturas, o Instituto de Engenharia e uma ala do Instituto de Arquitet s,
.ntre outras.
Essas entidades, evidentemente, assentaram suas baterias principalmente
.ontra o coeficiente único de aproveitamento igual a 1 (um) e contra a c
branca do solo criado a partir dele. Inicialmente, afirmaram veementemen
te que isso encareceria a terra e o preço final das habitações, mas, em
seguida, mudaram de posição para afirmar que baratearia a terra para o s li
proprietário - fazendo cair a receita do IPTU -, mas elevaria o preço fin: I
dl\ habitação. Lançou-se também numa campanha jurídica, pregando a
ti) .onstitu i nalidade desse instrumento.
Esse grul o foi um d s mais atuant s, o «11l' 11I.1i
Pl.lllO I)i, -ror t' m.iis vi rorosam '111 • pr 'SSjollt1\1 I' \I I
, -nvolvcu . m o
tllll,1 111. 11l) S -nticlo
PLANO DIRETOR 181
,I'l\ interesses que representavam. Seus integrantes reuniram-se dezenas de
\ ,'I'CS - inclusive com técnicos da Secretaria do Planejamento -, tendo pro-
.luzido nada menos que 12 versões de um substitutivo ao Projeto do
I xccutivo antes de chegar a uma versão final, que entregaram ao presiden-
I\" da Câmara Municipal.
Outro grupo bastante atuante foi o Movimento Defenda São Paulo,
.Iorninado por moradores de bairros de classe média e média alta, abrangeu-
til) não só os chamados "Jardins", o Pacaembu e o Sumaré, como também
moradores de bairros típicos de classe média, como o Bosque e o Jardim da
.iúde, e bairros residenciais da Zona Norte. Esse grupo defendia basica-
mente posições ligadas ao meio ambiente e à paisagem urbana (como a
proteção dos bairros de residências individuais contra a invasão de arranha-
céus), ao verde, ao silêncio etc. Trata-se da única organização com base
icrritorial que participou dos debates, pois congrega representantes de bair-
Ios. Com tal plataforma, não é de se surpreender que tenha se voltado con-
Ira a regularização de favelas que invadiram terrenos desocupados, porém
destinados a áreas verdes de loteamentos.
Aparentemente, essa classe, não tendo problemas fundamentais, como
(>sde moradia, transporte ou saúde - ou tendo já equacionadas suas solu-
côes -, volta-se para um segundo escalão de problemas, que são os arnbien-
t.iis. Esses são tipicamente territoriais, o que explicaria a base territorial dos
movimentos de classe média. Aliás, uma de suas bandeiras é a melhoria do
l'spaço urbano a partir do planejamento dos bairros.
Note-se que, ao contrário dos movimentos populares, a classe média se
organizou em bases territoriais. Assim, não é por falta de "conscientização"
,I respeito dos problemas "globais" da cidade ou de "visão de conjunto" que
os movimentos populares não se organizam em bases territoriais. É que a
natureza mesma de suas reivindicações não pede organizaçãoem bases ter-
ritoriais. Do mesmo modo, não é por uma questão de "consciência" dos
problemas globais da cidade que a classe média se organiza em bases terri-
toriais. É importante destacar essa diferença.
Esse movirn 'lHO lU conta em seus quadros com experientes urba-
lliSt:1S tamhéu: t 11111 .',1111 .1 Cfil11. ra Muni ipal UI11 -omplct o Proj 'to
182 REFLEXOES SOBRE AS CIDADES BRASILEIRAS
Substitutivo do Plano Diretor, igualmente fruto - segundo eles - de d 71
nas de debates.
Defendendo posições progressistas e os interesses da maioria, atuara 11 I
.rlgumas entidades como aAssociação Nacional do Solo Urbano (ANSUl )
() Sindicato dos Arquitetos e a Associação dos Geógrafos Brasileiros.
Finalmente, houve alguma atuação dos meios acadêmicos, cobranck I
entretanto, e principalmente, fidelidade ao modelo clássico de Plano e 11,1
linha do que o plano não tinha: "falta isso, falta aquilo".
Depois de entregue o Projeto do Executivo à Câmara Municipal, esu
vendo a polêmica que ele gerava, viu-se na contingência de avocar a i ,I
condução dos debates em torno do Plano, já agora em nova fase, tend ,I
Câmara por palco. Prolongava-se, assim, para dentro do Legislativo, o deba
te e os mesmos debatedores que, até então, debatiam nos mais variado
fóruns da sociedade civil.
Hoje é possível afirmar-se que houve um debate público sobre o Plano
I)iretor durante quase dois anos e que o processo de sua elaboração foi, 11,1
medida em que as condições o permitiam, participativo e democrático. F<I
por isso que foram encontradas dificuldades na aprovação de suas inovaçõ "
c conteúdos mais comprometidos com a Reforma Urbana. É inegável qUl'
houve avanço na democratização e politização do Plano Diretor, em qUl'
pese a reduzida participação dos movimentos populares e em que pese o
fato de que, exatamente por isso mesmo, foi possível redigir esse texto; en
tretanto, muito ainda há por avançar. De qualquer maneira, o avanço con
seguido foi suficiente para que esse Plano Diretor tenha marcado o início
de uma nova etapa do planejamento urbano em São Paulo.
N essas circunstâncias, a forma final do Plano corresponderá à correl
cão das forças políticas hoje existentes na cidade, no quadro político de urna
Câmara Municipal na qual o governo não tem maioria.
Notas
( uinve :III0S(!!!) depois,o dis urso da "parti ipa~'.i(popular" é exumado: pOI
,!lV,IIII' 11'( III(m. í: wld.ld', uuut.i .H"llilli~II.I~,I(I IIpmI.IIIll'IIIl' piO I '\~i~l.l. '
PLANO DIRETOR 183
verdade, mas não com o discurso de formular os problemas populares (eles
eram, mesmo, mais do que conhecidos), e sim com o de propor as soluções.
Para isso, entretanto, os planos não apresentavam qualquer proposta convincen-
te que conquistasse credibilidade e a confiança das camadas populares.
Muitos anos mais tarde, a diminuta participação popular da maioria veio a se
comprovar nos debates do Plano Diretor Estratégico do Município de São
Paulo (VILLAÇA, 2005).
DILEMAS DO PLANO DI RETOR
t, -xto escrito em 1998,
Este texto procura caracterizar o que seja um Plano Diretor e eXpOl
'"a deIIguns dilemas que ele vem enfrentando atualmente, numa tentat-'
,11 vá-lo da crise de descrédito em que se encontra,'
Plano Diretor e Zoneamento
O I' b d I id ' I ' dê d j3rasilp anejamento ur ano esenvo VI o nas u urnas eca as no
'r. d ' d " dalid d ' -"entanl','111 se mamtestan o por meio e vanas mo a es, as quais apre:/
" dif U d d lid d ' aflifes,I ,11 .rctensticas iterentes. nu essas mo a I a es e a que tem se rrr-
I 1110 por meio dos Planos Diretores ou das ideias sobre Planos Dil'etores.
I )111:1 outra, que com ela tem grande afinidade, é o chamado "planej;;;lIJ1entO
I itorial" O dalid d . de nlanei /) urba-I 1i () ternton . utras mo I a es Importantes e p anejamentc-
1111 ".10 o planejamento de cidades novas, o controle do uso e OCUpGYçãodo
"li I (por meio dos códigos de zoneamento e de loteamentos) e o p-hmeJa-
1111 1110 sctorial (de transportes, saneamento etc.).
N -sic tcxt ,V( 111S h, mar de "planejamento urbano strícto sert,.Ç/I~' \1,
li -sra
IIllpl -siu 'IH ,"pl:IIH').IIlH'IIIO li rha 11o" aqu 'Ia 111 dalid: de que S 111: I1
I'
186 REFLEXOES SOBRE AS CIDADES BRASILEIRAS PLANO DIRETOR 187
nos Planos Diretores e/ou nos planos fisico-territoriais. O planejamento
urbano lato sensu será aqui considerado como aquele que engloba toda ,I
modalidades acima mencionadas.
Uma das notáveis características do planejamento urbano stricto sensu
que ele, ao contrário do zoneamento e do controle dos loteamentos t 111,
existido quase que somente na teoria, no discurso. Não há empírico. As 1 '\
de zoneamento e loteamentos têm tido uma existência real, têm sido obj ,
to do teste da prática; e tem havido, ao longo das décadas e em várias cid.i
des, um certo empenho em aplicá-Ias - dentro dos óbvios limites daquilo
que, no Brasil, pode ser chamado de empenho em aplicar a lei. Com o Plano
Diretor, isso não vem ocorrendo.
de um Plano Diretor devem se limitar a políticas, objetivos e diretrizes
I.crais, ou seja, o Plano Diretor não deve ter - como lei - dispositivos auto-
.1plicâveis.
Pela prática brasileira mais ortodoxa e de várias décadas, o zoneamento
II~Oé considerado Plano Diretor, embora muitos pensem em. zoneamento
quando falam de Plano Diretor. Na administração municipal brasileira,
/Oneamento e Plano Diretor desenvolveram-se de forma paralela e inde-
pendente [para o caso de São Paulo, ver Feldman (1996)]. Grande parte dos
principais municípios brasileiros - Rio, São Paulo, Porto Alegre, Recife etc.-
rem zoneamento, total ou parcial, há várias décadas, mas não teve (nela não
vigorou por um período razoável de sua vida) um Plano Diretor na defini-
\~o acima enunciada, nem em qualquer conceituação parecida. O conceito
t córico de Plano Diretor inclui o zoneamento como um instrumento in-
\Iispensável à sua execução, mas raríssimos são os Planos Diretores que in-
\ luíram um zoneamento minimamente desenvolvido, a ponto de ser
.iutoaplicável, aprovável e aprovado por lei.
O conceito de Plano Diretor (fisico-territorial ou não) desenvolveu-se
110Brasil mais ou menos a partir dos anos 1950, embora a expressão "Plano
I)iretor" já aparecesse no Plano Agache para o Rio de Janeiro, que é de
I<)30. No entanto, o zoneamento (embora sob formas rudimentares) já'
cxistia em São Paulo e Rio desde o final do século XIX.
Do que foi dito acima,já podem ser tiradas algumas conclusões importantes:
Tentando Definir Plano Diretor
A quase inexistência do Plano Diretor na prática tem facilitado muit«
os vários conceitos sobre ele e a enorme confusão que hoje reina em to fi1\1
desses conceitos. Consideremos inicialmente uma definição tentativa di
Plano Diretor, procurando reunir suas características mais tradicionais e 111
talvez predominem em seu conceito mais aceito. Seria um Plano que, a pai
tir de um diagnóstico científico das realidades física, so€-i*e€-Gnô.mi~p~ lI--.....'
tica e a.~mi~istrati~a da cidade, do município e de sua região, apresen III1,1
um conjunto de propostas para o futuro desenvolvimento s~li\ \1
e a futura organização espacial dos usos do solo urbano.xias re~in 1.1
estrutura ~ de elemen~os fundamentais da estrutura urbana, pa~ Ir
para o município; propostas essas definidas para curto, médio e longo I I I
zos, e aprovadas por lei municipal. Acreditamos que essadefinição s ri,l \
mais consensual. Uma outra versão- reduziria o Plano Diretor aos asp '! 1\1
f1sico-territoriais do município. Nesse conceito, o diagnóstico p Illll
abarcar todos os aspectos da realidade urbana municipal e mesmo regi! 1\"
mas as propostas referir-se-iam apenas aos aspectos da competência do ',lI
V .rno municipal (que são os fisico-territoriais).
Vamos agora procurar abordar posições diferentes dessa. No úluum
.IIIOS,d .scnvolvcu s no Brasil uma 01"\('111('(iI' pCIlS:1111.nt - lig:l I:l ('~I'
I 1.1I11Il'llll'.IOS meios imol ili:íios "til di 1\ IIdl ,I 1I'~l' de que .ts PIOIH) II
1) Não há no Brasil, entre os grupos sociais envolvidos em Planos Di-
retores - engenheiros, arquitetos, urbanistas, ONGs ligadas ao espaço
urbano e habitação, geógrafos,juristas, empresários imobiliários, pro-
prietários fundiários ete. -, o menor consenso quanto ao que seja um
Plano Diretor;
2) Se considerarmos como válida a definição acima, pode-se afirmar que
nunca houve Plano Diretor no Brasil, fora do discurso.
Apesar dessas deficiências, tem havido algum planejamento físico-terri-
IOII:l!. Com efeito, o zoneamento é a modalidade de planejamento urbano
m.iis ;lI1lip,ac mais dillllHlilh 110Brasil, c, sem dúvida, o zoncam .nto é um
· ",.,-, "'"'''11'"'''
instrumento de atuacâo sobre :1 ()rg:lIl1Z,I~',lOt '111I()11.l1urb.ma. N,to St' I1II1
no seu mérito, pois é sabido que de 1150 tem atuado sobre a orgalliza<;,HI I
ritorial de nossas cidades como um todo, mas apenas em pequenas P,III I
delas, ou seja, aquelas constituídas pelos bairros das classes médias para 11111
Além disso, "a cidade" (o mercado imobiliário) guia o zoneament 1111111
mais que o contrário. Para a maioria de nossas populações urbanas, o h 'li
ficios trazidos pelo zoneamento têm sido - se houve algum - desprezivc I
Os Dilemas
,. A
Plano Diretor é algo discutido no país há várias décadas: na impren <, '111
câmaras municipais, em salas de aula de universidades, em congressos e (111
ferências, em inúmeros órgãos municipais, estaduais e federais. Por que tallll'
e~p.enho da sociedade em debater algo que não existe? Por que tanta imp I
tancia - afinal, o Plano Diretor foi parar até na Constituição da Repúbli :I
atribuída a algo que não se sabe direito o que é e cujos efeitos, supostam 1111
benéficos, a maioria da população urbana jamais experimentou?
Um mínimo de reflexão sobre essa questão traz à tona uma enornu
c~pacidade ,de nossas elites intelectuais e políticas de criar e nutrir, pOI
d.ecadas e decadas, sonhos, ir realidades e quimeras que são aceitas pela s )
ciedade em geral. A serviço da criação e sustentação de tais sonhos, são c
locados políticos, intelectuais, imprensa, professores, órgãos públicos e de
classe etc. em debates tão infindáveis quanto inócuos. Órgãos municipais.
e~taduais, regionais e federais, ligados ao desenvolvimento urbano, redigem
pilhas de relatórios e realizam custosas pesquisas visando nutrir essa qui me
ra. Nas universidades, aulas são dadas, teses defendidas, seminários organiza-
dos e conferências pronunciadas louvando as virtudes de um Plano Diretor
que nunca existiu. Uma criação da razão pura, uma construção mental
baseada na ideia pura descolada da realidade social.
Não são poucos nem simples os dilemas que o Plano Diretor vem en-
frentado no Brasil. Desde o Plano de 1971 para São Paulo, conhecido por
Plano DIretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI), muitos Planos
Diretores têm se limitado (sempre exceção feita ao zoneamento, que, em
geral, tem sido objeto de leis específicas e tem padecido das limitações aci-
1'1 Ali" I '1111 I~'II 1HI
1111111,ld.lS) ,I pl iIlCípIOS,ob.ll'tIVIl' l' dlll'tl1:tl'S !!,l'1'ais.llldusivl:,1: espl'('1,t1
111., • " t' dl' \ (n\ .
I'''I n i.us paradoxal que pareça, nenhum grupo social importante no
I li I. "I rl'alnlcnte se interessado por Planos Diretores (embora se envol-
\I • 11111eles) nos termos do conceito acima apjresentado, nem de qualquer
11'• 1111parecido. Os políticos - prefeitos, particularmente - não se inte-
"" f\ Folha de S. Paulo (13/02/1989, p. C- 5) noticiou: "Plano diretor
.1 I prioridade para as prefeituras paulistas." Com efeito, Plano Diretor,
1111,I "brangência que vem sendo apregoada por muitos acadêmicos, assus-
I IIl.lioria de nossos prefeitos, que nele vê um. indesejável (embora irreal)
1I11,,11.lllgimentoà sua atuação. por outro lado, tem sido irrisório (se é que
111u.ivido algum) o número de prefeitos que, democraticamente, tenham
uu.rdo suas campanhas eleitorais por uma phtaforma de governo que
1111\1:1aos interesses populares e que tenha sid-o democraticamente deba-
liI1 com a população, e que esses prefeitos tenham desejado e conseguido
1111Ilrporá-Ia a um Plano Diretor.
f\ elite econômica brasileira - no caso, representada pelos interesses
1\llllbiliários - não quer saber de Plano Diretor, pois ele representa uma
ill'llrtunidade para debater os ditos "problemas urbanos" da maioria, que ela
!,Icrere ignorar, embora procure aparentar o contrário. A experiência recen-
II em diversas capitais (Rio de Janeiro, Belêrn, São Paulo) revela claramente
'illL' as forças e interesses do setor imobiliário não querem saber de Plano
I iirctor. Nesse sentido, essas. forças e interesses vêm propugnando por um
1'\;\110Diretor apenas de princípios gerais. Com isso, conseguem um Plano,
I riretor inócuo. Atualmente, em São Paulo, depois de dois Planos Diretores
íunitados a princípios gerais (o de 1971 e o de 1988, na gestão Jânio
(luadros), os interesses ligados ao setor imobiliário lutam por um Plano que
SL'limite a princípios gerais, exceto em um aspecto: o referente às regras de
(lcupação dos lotes e às limitações do Coeficiente de Aproveitamento.
O Coeficiente de Aproveitamento
Durante os anos 1990, desenvolveu-se em alguns órgãos municipais de
planejamento a ideia de renovar as leis de zoneamento, delas tentando eliminar
190 REFLEXOES SOBRE AS CIDADES BRASILEIRAS
seu tradicional elitismo. Propunha um zoneamento que correlacionassr 1
ocupação do solo urbano à capacidade da infraestrutura e criasse o Coefici 111.
de Aproveitamento" igual a 1 (um), que seria válido para toda uma cidml
Segundo essa última proposta, o direito de construir que estaria associado I
propriedade da terra urbana seria o direito de se construir uma área igual I
no máximo, a área do lote. Qualquer área construída adicional a essa S( I11
objeto de concessão por parte do poder público, e tal concessão poderi;
onerosa. Muitos chamam isso (equivocadamente) de "solo criado".
Essa tese difundiu-se muito pelo país e, evidentemente, assustou os il1l1
resses ligados à produção e comércio imobiliários. Em inúmeras cidades bu I
leiras, tais interesses passaram a ter presença marcante em todos os deb.u.
referentes a Plano Diretor e, nesses debates, passaram a concentrar sua atua; I1
política no combate às teses do Coeficiente" 1".Em contraposição, terncurh
o surgimento de novos dispositivos contrários a seus interesses, passara 111
defender o Plano Diretor que contivesse apenas princípios e diretrizes g(.'1II
Ganhou força, assim, uma tendência que vinha se desenvolvendo desde 11) 1
Um dos pouquíssimos dispositivos do Plano Diretor de São Paulo 1I
1971, que não era princípio ou norma geral, nem definição ou classifi íl~I
- em suma, um dos poucos dispositivos que era autoaplicável- foi o art. 1
que dizia:
A partir da publicação da presente lei, o art. 1° da Lei n° 6.877, de 11 1
maio de 1966, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 1° - A área total de construção em qualquer edifício, incluindo ti
pendências ou edículas, não poderá ultrapassar de 4 (quatro) vezes a árc.i 01
respectivo lote.
Parágrafo único - Não serão computados para os fins a que refere o ('11'11
deste artigo:
a) área de um único pavimento em "pilotos" [sic] quando desembar.i 101
e sem carga e descarga.
b) a área de construção destinada a garagem, estacionam .nto, cxc 111I
mente rara os veículos utilizados pelos propri '\.111m h.ibit.uucs do 111111'11
nliflçio, ti 'st! ' qu ' Il~O exceda a 2 (duas) ('í'" ,I .111"1do 1\"IH'IIIVO101\.
PLANO DIRETOR 191
No Plano Diretor de 1988, esse artigo foi reiterado no art. 30, nos
, I~Llintes termos: "O coeficiente de aproveitamento máximo por lote, no
I" \Inicípio de São Paulo, não poderá ultrapassar 4 (quatro) vezes a área do
I. <pectivo lote, excetuadas as disposições previstas em lei."
Por outro lado, o parágrafo 4°, do art. 40, da Lei Orgânicado Município
til São Paulo, diz: "Dependerão de voto favorável de 3/5 (três quintos) dos
111'mbros da Câmara as seguintes matérias: I - Zoneamento urbano; Ir -
1'1.1110diretor."
Com o advento das chamadas Operações Interligadas, que se iniciaram
, I11São Paulo em 1988 e rapidamente passaram a ser conhecidas em todo
11país, passou a vigorar no município de São Paulo uma legislação que per-
uutia a outorga onerosa do direito de construir, ou seja, em linguagem
111111um, passou a ser permitido, em situações especiais, previstas em lei e
111\-d iante procedimentos administrativos também especiais, ultrapassar os
I I .cficientes de Aproveitam.ento da lei de zoneamento, respeitado o máxi-
1111)de 4, que constava do Plano Diretor em. vigor, desde que o interessado
1'.lgasse à Prefeitura uma certa quantia, sob a forma de habitações populares
11.1ra favelados. Esse máximo de 4 tinha que ser respeitado, pois ele constava
di' um Plano Diretor, e este não podia ser alterado por uma lei comum,
1111110era, por exemplo, a lei que aprovou as Operações Interligadas. Desde
I 111:\0,os interesses imobiliários em São Paulo vêm lutando para generalizar
I prática de poder ultrapassar o Coeficiente de Aproveitamento, mediante
II1 t.rmento. Isso, entretanto, só poderá ser conseguido com um Plano
l tuctor, uma vez que só um Plano Diretor (ou uma sua emenda aprovada
111111voto favorável de 3/5) pode alterar outro Plano Diretor.
Essa é a única razão pela qual foi discutido, em 1998, um Plano Diretor
1111.1São Paulo. Fora essa única alteração de um dispositivo autoaplicável, os
1IIIt'rCSSesimobiliários não querem nada além de princípios, diretrizes ou
1".111icas gerais. Nada que seja auto aplicável. O mesmo ocorre em inúmeras
1I1.\(lcs brasileiras, do Rio de Janeiro a Belém. Nelas, os únicos dispositivos
1111!1.lpliávcis que os interesses imobiliários toleram são os referentes ao
I 111'1 lei '111' I' Apr v -itarn .nt . F ra ,1 .ap mas prin ípios gerai .É o Plano
1111\'101illú< 1I0 (' iuúul.
192 REFLEXOES SOBRE AS CIDADES BRASILEIRAS PLANO DIRETOR 193
Os problemas da maioria da população, aquela enorme parcela qu '
forçada a viver à margem da lei urbanística (e de muitas outras leis), S;III
ignorados pelos Planos Diretores e seus princípios gerais. As tentativas '111
sentido contrário enfrentam a resistência dos setores imobiliários. N S\t
sentido, incluem-se, além do Coeficiente de Aproveitamento 1, as tentativa
de desenvolver um zoneamento que correlacione o uso e a ocupação 10
solo à capacidade da infraestrutura urbana, às Zonas Especiais de Inter S\I
Social e a outras.
A Abrangência do Plano Diretor
Outra posição que muito tem contribuído para a inoperância e descre
dito dos Planos Diretores é aquela que defende a tese de que tudo aquilo
que for importante para o município deve constar do Plano Diretor, seja 1.1
alçada do governo federal, estadual ou municipal. Com isso, o Plano Dir III
passa a correr o risco de se transformar numa (ou de incluir uma) listag '111
de propostas que não obrigam nenhum órgão a cumpri-Ias, nem criam
qualquer responsabilidade,já que o plano municipal não tem qualquer efc I
to sobre as ações do governo federal ou estadual. Nesse caso é inócuo, pOI
exemplo, o art. 45 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, que diz:"
planos vinculam os atos dos órgãos e entidades da Administração Dirett I
Indireta," Alguns alegam que a inclusão nos Planos Diretores de propost.i
cujo cumprimento caberia ao governo estadual ou federal seria uma f0rt1I,1
de pressão ou uma reivindicação a esses níveis de governo. Isso não passa II
uma ilusão e de uma idealização dos Planos Diretores que apenas serve pal.1
desmoralizá-los, Campanhas e pressões políticas serviriam melhor a e S('
propósitos do que rechear os Planos Diretores de propostas de questões (11
ompetência de outros níveis de governo.
Ligada a essa questão da atribuição municipal está uma questão I'
quentemente mencionada da seguinte forma: "O Plano Diretor não p ti
limitar-se às zonas urbanas do município. Há uma total interdependêm 1.1
ntrc a cidade e a zona rural, de maneira que esta não pode deixar d 11
rar d s Plan s Diretores." Essa é uma falsa 111, J1 'ira de colocar a qu se "
que ti 'v ' ou II~() eleve onstar do Plano I 11('1111Il.io S' d 111 '111 t '111111
de zona rural ou urbana. O Plano Diretor deve abordar todos os problemas
que sejam da competência do município, estejam eles na zona rural ou ur-
Iiana, Deve, portanto, abordar todos os usos urbanos, estejam eles localizados
lia zona rural (como os usos urbanos ao longo de rodovias) ou não.
Também cabe destacar aqui a questão referente aos aspectos sociais e
econômicos. Devem eles constar de um Plano Diretor? O princípio fun-
damental mantém-se o mesmo: a questão está mal colocada. O que inte-
rcssa saber é se a solução de uma determinada questão ou problema é ou
não é da alçada do município, e não se ela é social ou econômica. Um
município pode querer (e ter condições para) desenvolver um programa
de criação de empregos ou de renda mínima. O Plano Diretor poderia,
desse ponto de vista, incluir dispositivos a esse respeito. Note-se, entretan-
to, que o Plano Diretor dificilmente seria o lugar mais adequado para en-
caixar um tal programa. Melhor seria desenvolver para isso um programa
objeto de lei específica.
Questão análoga ocorre com a infraestrutura de saneamento. Se ela é da
.ilçada do governo estadual, inútil incluí-Ia nos Planos Diretores.Vem então
,I questão das reivindicações a outros níveis de governo. Plano Diretor nun-
ca foi espaço adequado para se inserir reivindicações de obras da alçada de
outros níveis de governo. Nem o lugar adequado para se incluir estudos
(ccnicos que subsidiem tais reivindicações. É importante que o município
esteja tecnicamente capacitado para desenvolver (ele próprio ou sob enco-
menda ao setor privado) estudos técnicos que fundamentem suas reivindi-
cações e pressões políticas a outros níveis de governo. Isso não quer dizer,
entretanto, que tais estudos devam constar do Plano Diretor.
Considerando que aqueles aspectos sobre os quais mais incide a Com-
I' .tência municipal referem-se a questões fisico-territoriais, o Plano Diretor
pode resultar ser um plano predominante fisico-territorial. Não por uma
questão de convicção estabelecida a priori ou por uma definição livresca e
.rcadêmica de Plano Diretor.
As questões acima esboçadas são importantes para a elaboração de um
IILII1( I ir 't r r c lista .xcquiv 1,mas . til I ng' d s r as questões funda-
111 -nt ais pnra x.rlv.u o (>1:1110 I ir 'lor do (kscl('dilo ('111 qUI' S' encontra.
194 REFLEXOESSOBREASCIDADESBRASILEIRAS
Cumprindo a determinação constitucional, várias cidades brasileiras VI I1
taram a elaborar Planos Diretores no inicio dos anos 1990. Algumas, COIIII
São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, aproveitaram I
oportunidade não só para rejeitar o plano tradicional (o superplano e o di,lV
nóstico técnico como identificador dos problemas), como também para P'!'
curar politizar o Plano Diretor - agora claramente transformado mil II
projeto de lei. Nesse sentido, tentaram nele introduzir temas da Reforuu
Urbana e dispositivos que atendiam a princípios de justiça social no âmbit»
urbano e que não eram impedidos pela Constituição, como, por exempl I I1
Coeficiente de Aproveitamento único e igual a 1 para toda a cidade.Associad.i
a esse dispositivo estavam as ideias da "concessão onerosa do potencial COII
trutivo" e da criação do Fundo Municipal de Urbanização. Outros disposiu
vos inovadores eram a regularização fundiária e urbanização de favelas, c ,I
Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Entretanto, um poderoso insn I1
mento de reforma urbana, o IPTU progressivo no tempo, estava na dep II
dência de lei federal, conforme disposto no art. 182 da Constituição Pederul
Um exemplo: O chamado Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio di
Janeirofoi aprovado pela Lei Complementar 16,de 4/7 /1992 (CAVALIEI I
1994, p. 376). Esse Plano sucumbe às antigas ilusões de abrigar os mal
variados temas, porém quase que exclusivamente sob a forma de princípio
e diretrizes gerais. Tem 234 artigos (o de São Paulo tinha 82). É quase q\ll
totalmente constituído de um enorme rol de enunciados de políticas, dire
trizes, programas e indicações gerais diversas. A maioria, se, por um lado, n,II1
assegura qualquer comprometimento, nem mesmo político, por outro,
remete qualquer operacionalização para um futuro indefinido. O Plan«
Diretor acaba, assim, por se tornar aquele plano que define orientações solur
como deverá ser o Plano quando ele vier a serjeito. Assim, o modelo de Plano dll
Rio de Janeiro dependia fortemente de regulamentação subsequente.
o novo governo municipal iniciado em 1993, uma vez empossado [... 1 rt'll
rou da Câmara deVereadores os três únicos projetos de lei de regulamentação dll
Plano Diretor, para lá enviados no fmal do gov rno anterior.
('AVAl II~I I, I()()·I,p, \IIH
PLANODIRETOR195
Dois desses projetos versavam exatamente sobre os mesmos temas vitais
,IIIL' haviam levado o empresariado paulistano a impedir que o Plano Diretor
111-São Paulo chegasse ao plenário da Câmara: o solo criado e o Fundo
i\\lInicipal de Desenvolvimento Urbano.
Alguns Planos Diretores, elaborados nos primeiros anos desta década
I,k 1990], foram obrigados a se curvar às pressões acima esboçadas, às vezes
I III processos de negociação, fazendo concessões em troca de tentativas (em
I',nal frustradas) de avanços progressistas. Tanto em São Paulo como no Rio
( :AVALIERI, 1994, p. 395), o Plano autoaplicável foi combatido e o Plano
111-diretrizes gerais (aquele talhado para ir para as prateleiras) foi defendido
1\('10empresariado. Em São Paulo, os opositores à proposta de Plano Diretor,
l'llcaminhada à Câmara pelo governo de Luisa Erundina, estabeleceram
I omo seus limites que "[ ... ] nada no Plano Diretor poderia ser implemen-
r.ulo imediatamente" (SINGER, 1995, p. 216).
A década de 1990 pode ser considerada como marcando o fim de um
11ITíodo na história do planejamento urbano brasileiro porque ela estabele-
I l' o início do seu processo de politização, fruto do avanço da consciência e
111ganização populares. Essa politização ficou clara desde as metodologias de
.l.rboração e dos conteúdos de alguns Planos, até os debates travados nos
1,'gislativos e fora deles, em várias cidades importantes do país.
No tocante à metodologia, cabe destacar a recusa ao diagnóstico técni-
I \) como o mecanismo "revelador" dos problemas, Os diferentes segmentos
11.1população estão cansados de saber quais são seus problemas. Os proble-
III,ISa serem atacados num Plano Diretor, bem como suas prioridades, são
1IIIIaquestão política, e não técnica. São questões que devem estar nas pla-
t.ilormas dos movimentos populares e dos partidos políticos. O diagnóstico
I,'cllico servirá, isto sim, e sempre a posteriori (ao contrário do tradicional),
p,lra dimensionar, escalonar, fundamentar ou viabilizar as propostas, que são
políticas, e nunca para revelar os problemas. Assim, por exemplo, a Prefeitura
Municipal de São Paulo publicou em 1992 um relatório técnico ("São
1',lldo: .risc c Mudança") depois de pronto o Plano Diretor. No caso de São
1',llIlo,:t d 'cisão de .orrcla i nar z 11 .arn .nto à apacidade da infraestru-
1111,1l' d . ddilllJ ,IS :-Oll.IS .ulcus.ivci-, l' Il:io ,Id 'Ils,íwis f()i um.i de 'isão poli
196 REFLEXOES SOBRE AS CIDADES BRASILEIRAS PLANO DIRETOR 197
tica que não decorreu do diagnóstico técnico. Inúmeras pesquisas foram
(citas, nesse particular, para delimitar as zonas adensáveis e não adensáv 1\,
mas para aplicar a decisão política, e não para chegar a ela.
Quanto ao conteúdo, embora persista muito a tendência tradicional I·
colocar "tudo" no Plano Diretor (tendência que foi amplamente utilizad.i
para obstruir seu andamento e tolher sua objetividade e eficácia), ficou ck
ro o início da tendência oposta, ou seja, no sentido de destacar os aspectos
que são da competência municipal, particularmente os atinentes à produção
imobiliâria - ou do espaço urbano. Com isso, teve início a rejeição não, o
do Plano Diretor pretensamente todo poderoso, como também sua supo LI
missão de "integração" ou "coordenação", quer intersetorial, quer na esfer.i
interna da administração municipal, quer entre distintos níveis de governo
,I'ais tarefas são de um Executivo que efetivamente assuma um Plano COI1I
tais funções. Se é verdade que não se pode compreender a cidade desvincu
lnda de sua região (do país e, mesmo, do mundo) e se é também verdade qu '
as ações governamentais sobre determinada cidade devem ser coordenad: ••,
daí não decorre que um Plano Diretor deva ter propostas de desenvolvi
mente regional, como as de infraestrutura, emprego, desenvolvimento ec
nômico etc. O Plano Diretor não é uma peça puramente científica l'
técnica, mas uma peça política, vinculada tão somente aos poderes e atri
buições de um governo municipal. Seu poder político de "influencia!"
outros níveis de governo é pequeno, e será nulo se o próprio governo mu
nicipal não der credibilidade ao Plano.
É claro que as propostas urbanísticas podem ter - e, em geral, têm - im
plicações econômicas e financeiras. Entretanto, aquelas referentes ao des n
volvimento econômico, dadas as limitações do governo municipal, são d'
.ilcance muito restrito num Plano Diretor. Na esfera da produção imobi
li.ir ia, entretanto, o governo municipal tem condição de interferir, mas n50
('111questões de desenvolvimento econômico, renda, emprego e, particul: I
mente, no tocante à distribuição da riqueza nela gerada. É precisamente
11 -ssa dir içâo que as forças progressistas têm procurado orientar o Plano
I )1Il'lOr, instrumcntando-o no sentido de faz r 0111 que o poder públi: o
1.'11(' p.II'((, d,\ V,t!Ol'i1:1(:IOimol iliár in da qu.il cito I' ,I sociedade. COI\lOUIII
lodo, são os principais criadores. Contra essa orientação, os interesses imo-
biliàrios se insurgiram. Alertas alarmistas sobre eventuais "desestabilizações"
de economias urbanas, causadas por Planos Diretores, foram alguns dos fan-
r.ismas levantados por esses interesses para obstruir avanços na legislação
urbanística. Com esse objetivo, várias previsões tão catastróficas quanto
.ontraditórias foram emitidas; ora sobre "aspectos econômicos" do Plano
I)iretor, ora sobre os males de um suposto aumento do preço dos imóveis,
ora sobre possíveis desvalorizações dos terrenos.
Um Futuro Possível
o Plano Diretor inovador dos anos 1990 elegeu como objeto funda-
mental o espaço urbano, sua produção, reprodução e consumo, ou seja, um
I'lano Diretor eminentemente físico-territorial. Seus instrumentos funda-
mentais de aplicação, limitados aos da competência municipal, podem ser
de natureza urbanística, tributária ou jurídica, mas os objetivos são de natu-
reza fisico-territorial. A terra urbana, a terra equipada, eis o grande objeto
do Plano Diretor. Essa posição "urbanística" nada tem de determinismo
íisico. Trata-se de adequar o Plano Diretor aos limites do poder municipal,
I' não o tratar como compêndio de análise científica do urbano, da urbani-
/.rção contemporânea ou do desenvolvimento social e econômico regional.
A superestimação dos poderes de um Plano Diretor ainda é um dos meca-
nismos mais utilizados pela ideologia dominante para desmoralizar o plane-
t.nnento urbano.
Para os movimentos populares, especialmente os ligados à terra e à
h.rbitaçâo, o Plano Diretor tornou-se um instrumento desgastado, em virtude
11.1S possibilidades que vinha apresentando de ser manipulado e desvirtuado
I'clos setores reacionários que dominam a produção do espaço urbano. Em
1 onsequência, a elaboração de vários Planos Diretores, para importantes
1 Idades do país no início dos anos 1990, não conseguiu mobilizar os movi-
mentes populares urbanos.
É muitosignificativo que tenham sido exatamente aspectos urbanísticos
I ,( Tentes a uso (' orupação do solo - aqucl 'S qu ' mais geraram polêmicas,
IIIOhilií',II,IIIl .IS (OI~,I' do ,11 I,IS<l,impedir.uu ,I ,IP'OV,H,-,IO(il- v,írios PI:II10S
198 REFLEXOES SOBRE AS CIDADES BRASILEIRAS PLANO DIRETOR 199
Diretores ou esterilizaram a ação dos que foram aprovados. Isso revela qUI
finalmente, veio à luz aquele aspecto que vinha sendo ocultado pela ide 11I
gia do Plano Diretor: os interesses mais vinculados ao espaço urbano.
O início da politização dos Planos se caracteriza pelo início dos deb. II
e processos de negociação de natureza política entre interesses que elaI ,t
mente aparecem como conflitantes. O setor imobiliário - que tem cres idl'
e se organizado tanto ultimamente, especialmente com o advento dos iII
corporadores - surge na arena política como a facção do capital mais di II
tamente interessada no espaço urbano e, por isso, liderando vários ou li II
grupos empresariais, tais como os da construção civil e do comércio '111
geral, e os dos grandes escritórios de engenharia e arquitetura.
Não dispomos de um levantamento completo dos debates ocorrido
no início dos anos 1990 em torno dos diversos Planos Diretores elaborachI
no país, mas, mesmo sem esse levantamento, é certo que na maioria das cid.1
des importantes as forças do atraso saíram vitoriosas (RIBEIRO; SANT()
JR., 1994).
As facções da classe dominante brasileira, com interesses mais ligad S.I
produção do espaço urbano, estão na seguinte encruzilhada: por um lad«
têm cada vez menos condições de fazer Planos que revelem suas reais plll
postas para nossas cidades; e, por outro, não têm condições de fazer Plano
que atendam às necessidades da maioria de suas populações. Por parad ••tI
que possa parecer, a obrigatoriedade de elaboração de Plano Diretor, c \I
tante da Constituição de 1988, não representa outra coisa senão um dis III
so com o qual essas facções procuram ocultar esse dilema.
Essas facções poderão continuar governando nossas cidades por al 11111
tempo, construindo suas (delas) obras, mas sua frágil hegemonia na eS("1I
urbana dificulta o anúncio prévio de tais obras, ou seja, os Planos. Turh
indica que essa classe deverá evitar Planos Diretores num futuro próximo
pois, em que pese a pequena participação das organizações populares, a CI.I
boração dos Planos vem sendo crescentemente politizada e se transform.m
do, no mínimo, em momentos desagradáveis para os interesses dorninanu
Embora ar', agora vitoriosos, é provável qu ,I 'S venham a evitar a r 'I' '11
(;.10d' 1,1is1110111-ntos.
As camadas populares também não têm demonstrado grande motiva-
I, ,10 em participar de debates sobre Planos Diretores, e é provável que se
micie um novo período de mutismo, semelhante aos do passado. Assim, são
Ilcquenas as possibilidades de elaboração de Planos Diretores no Brasil num
íuturo próximo. A luta pela Reforma Urbana, entretanto, deve continuar
('11lvárias frentes, cada uma com suas peculiaridades e com diferentes opor-
tunidades para lideranças populares, técnicos e políticos progressistas.
O Estatuto da Cidade - que há mais de dez anos está sendo aguardado
Ilara regulamentar o art. 182 da Constituição Federal- é uma frente, talvez
,I mais importante, pois dela depende grande parte da futura credibilidade
1 lc eventuais Planos Diretores. Os movimentos populares setoriais - por
terra urbana, habitação ou transporte - formam outra frente, e o Plano
Ihretor será uma terceira frente. Além do Estatuto da Cidade, o futuro dos
I'lanos Diretores depende:
1) Dos desdobramentos dos conflitos entre os interesses ligados, de um
lado, à produção e comércio de terra e de imóveis em geral; e, de
outro, os ligados ao seu consumo. Desses desdobramentos depende o
futuro de questões centrais, tais como a aplicação prática do princípio
da função social da propriedade imobiliária, o solo criado, o Fundo
Municipal de Urbanização, a regularização fundiária de favelas e as
Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS);
2) Do esvaziamento dos Planos de retóricas inconsequentes;
3) Finalmente, depende de um seríssimo teste pelo qual o "solo criado"
ainda não passou; o teste de sua passagem pelo Poder Judiciário,
sabidamente conservador. Esse é UlTl trunfo que o setor imobiliário
guarda na manga do paletó.
No Brasil, o destino do planejamento, do perfil, da credibilidade e do
( onteúdo dos Planos Diretores está assim ligado aos avanços da consciência
Ilc classe, da organização do poder político das classes populares. Esse é um
pro .esso vagaroso, uma vez que, no Brasil, como diz Martins (1994), nossa
lustóri: ',1 .nta, pois " grande "o poder do atraso",
200 REFLEXOES SOBRE AS CIDADES BRASILEIRAS
Notas
Uma abordagem mais profunda dessa crise e das suas causas históricas, t \111
como daquela tentativa, poderá ser encontrada em Villaça (1995; 1999a).
Coeficiente de Aproveitamento é a relação entre a área total construída (SOIlII
da área de todos os pavimentos) em um terreno e a área desse mesmo terrcun
Mede o volume de construção que um terreno comporta.
BRECHT E O PLANO DI RETOR
I, «to escrito em 2005 e revisto em 2011.
L.... I• r I'
/ I }r {'>.\ (.",
Este texto aborda uma questão que começou a nos preocupar no iní-
1 10 da década de 1990 e que se sintetiza na seguinte pergunta: Como enten-
- -
,{f'Y a sobreviv{ncia da ideia de Plano Diretor na sociedade brasileira, por décadas e
,{/mdas, apesar da inoperância desse tipo de plano? Como entender que essa
ulcia se mantenha tão arraigada em nossa sociedade - na Constituição
u.rcional, nos cursos de arquitetura, entre os profissionais ligados ao urba-
rusrno, entre os políticos, entre os jornalistas etc. - apesar dos resultados
pdios desses Planos?
Por cerca de cinco anos (1994-1999) ministrei, no curso de pós-gradua-
~,10 da FAU-USp, uma disciplina chamada "Planejamento Urbano e
Ideologia" cujo objetivo era encontrar a resposta a essa pergunta e funda-
uu-ntá-la.
O problema colocado envolvia duas questões, a saber:
I) A itar J pergunta;
_) EIH \ ilt!.1I t' fUIld,II1l -runr n rcsp stn.
202 REFLEXÕES SOBRE AS CIDADES BRASILEIRAS
Aceitar a Pergunta
Naquela época, o curso de doutorado da FAU-USP era o único do
Brasil e, por isso, atraía alunos de todo o país. Nossa classe tinha então alu
1l0S vindos das mais importantes universidades - e, portanto, das mais im
portantes metrópoles - do país. Havia alunos do Recife, de Porto Alegre, d '
Salvador, do Rio de Janeiro, de Belo Horizonte etc. Solicitei então a todos
os alunos - durante cinco anos - que apresentassem os Planos Diretor',
referentes a essas capitais ou a alguma cidade cujo Plano conhecessem. A
quase totalidade desses Planos havia sido elaborada nas décadas de 1980 I
1990.Aprovação por lei ou participação popular era coisa que quase n~(l
existia atê- a -década de !98Õ~ disciPíin; chamou- a ate~ão para i (l
Foram então analisados dezenas de Planos Diretores referentes a inúmera
cidades brasileiras, e a conclusão foi sempre a mes~a: nenhum deles havi.i
minimamente atingi do_~ objetivos (em geral, pretensiosos) que tinham SI'
proposto. A maioria não havia sido sequer aprovada-por lei.
De início, eu destacava a diferença entre zonearnento e Plano Diret I,
mostrando que o primeiro existia há mais de um século em algumas capitais
(Rio e São Paulo, por exemplo), e que ele era independente de Plano
I)iretor, apesar de o discurso afirmar o contrário; além disso, em todo e. S
tempo, o zoneamento foi sempre aprovado por lei, e o Plano Diretor, não
Começava aí a diferença: um tinha existência real e - bom ou não - 1.1
consequente. O outro era pura oratória. A maioria dos Planos analisados 1.1
pura oratória e não continha zoneamento. Eu destacava então minha estrn
nhcza diante do fato de que, apesar disso, a maioria dos políticos, dos técni
cos e mesmo dos especialistas consideravam o zoneamento como sinônimo

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