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(1) Mecânica dos Solos Volume II- Orencio Monje Vilar & Benedito de Souza Bueno- Departamento de Geotecnia- Escola de Engenharia de São Carlos 1 CAPÍTULO 12(1) PERCOLAÇÃO DE ÁGUA NOS SOLOS 1. INTRODUÇÃO O engenheiro se defronta rotineiramente com situações em que é necessário controlar o movimento de água através do solo e evidentemente proporcionar uma proteção contra os efeitos nocivos desse movimento. Assim, ao executar uma escavação que se estende por debaixo do nível de água ele tem que se preocupar em esgotar a água da escavação e em seguida evitar, por exemplo, que o fluxo de água subseqüente provoque a liquefação do solo do fundo da vala. Na construção de uma barragem de terra, há necessidade, dentre outras coisas, de quantificar a água que percola através da barragem e da fundação e ainda evitar que a água carregue consigo partículas do solo, o que poderia provocar “piping”. Do ponto de vista prático, a água pode ser considerada incompressível e sem nenhuma resistência ao cisalhamento, o que lhe permite, sob a ação de altas pressões, penetrar em microfissuras e poros e exercer pressões elevadas que levam enormes maciços ao colapso. Sabe-se que a água ao percolar de um ponto a outro, devido a uma diferença de carga total entre esses pontos, transfere uma parcela dessa energia às partículas sólidas do solo. Tal transferência origina as chamadas forcas de percolação, as quais são efetivas por atuarem inter-partículas e têm o mesmo sentido do fluxo de água. Um aspecto por demais importante em qualquer projeto, em que se tenha a presença da água, é a necessidade do reconhecimento do papel que os pequenos detalhes da natureza desempenham. Assim não basta apenas realizar verificações matemáticas, mas também recorrer a julgamentos criteriosos dessas particularidades, pois que elas nem sempre podem ser suficientemente quantificadas. O estudo do fluxo de água através do solo é feito, usualmente, lançando-se mão de um procedimento gráfico conhecido como rede de fluxo. O processo consiste basicamente em se desenhar dentro da região em que ocorre o fluxo, dois conjuntos de curvas conhecidas como linhas de fluxo e linhas equipotenciais. Exemplos de redes de fluxo já foram apresentadas na Figura 59 do 1o volume. A fundamentação teórica para resolução dos problemas de fluxo de água foi apresentada por Casagrande (l937), a partir das proposições pioneiras de Forchheimer. O fluxo de água através de um meio poroso é descrito por uma equação diferencial (equação de Laplace), bastante conhecida e estudada, pois que se aplica a outros fenômenos físicos, como por exemplo, o fluxo elétrico através de um meio resistivo. Normalmente o problema é tratado no plano, como de resto acontece em quase todos os problemas práticos de Mecânica dos Solos, considerando-se uma secção típica do maciço situada entre dois planos verticais e paralelos, de espessura unitária. Tal procedimento é justificado devido ao fato de que a dimensão longitudinal é bastante maior que as dimensões de secção transversal. O objetivo básico deste capitulo é fornecer as informações necessárias para a resolução da equação do fluxo através do processo gráfico das redes de fluxo. 2. EQUAÇÃO GERAL DO FLUXO As seguintes hipóteses serão obedecidas na dedução da equação do fluxo: a) solo saturado e regime de fluxo estabelecido; b) partículas sólidas e água incompressíveis e c) a estrutura do solo não é alterada pelo fluxo. Seja o elemento de solo esquematizado na Figura 12.1 2 Figura 12.1- Elemento bidimensional de solo sujeito à percolação. A vazão que entra é: dxVdzV ZX ⋅+⋅ Enquanto a que sai é: dxdz z V Vdzdx x V V ZZ X X ⋅ ⋅∂ ∂++⋅ ⋅∂ ∂+ Como o volume de água presente é constante, a vazão que entra é igual a que sai, de maneira que se pode chegar à seguinte expressão conhecida como Equação de Continuidade: 0 z V x V ZX =∂ ∂+∂ ∂ Porém pela lei de Darcy: x hkV XX ∂ ∂⋅= e z hkV ZZ ∂ ∂⋅= O que nos fornece: 0 z h x hk 2 2 2 2 X =∂ ∂+∂ ∂⋅ Nesta equação aparecem os coeficientes de permeabilidade nas direções x e z, que normalmente são diferentes. Uma das maneiras de se chegar à equação de Laplace é admitir que o solo seja isotrópico com relação à permeabilidade, ou seja, kX = kZ. Assim, temos a Equação de Laplace. 0 z h x h 2 2 2 2 =∂ ∂+∂ ∂ A situação de anisotropia (kX ≠ kZ) pode ser estudada lançando-se mão do artifício de transformar as coordenadas, de maneira a se chegar à Equação de Laplace, o que será visto no item 6. Antes de nos lançarmos à apresentação dos princípios básicos das redes de fluxo falaremos, a título de informação, das várias maneiras de resolver um problema de fluxo. 3 3. RESOLUÇÃO DA EQUAÇÃO DO FLUXO A primeira alternativa consiste em integrar diretamente a equação de fluxo, obedecendo as condições de contorno e obtendo assim uma solução analítica para o problema. Tal caminho porém, oferece o inconveniente da grande complexidade, só sendo viável para situações relativamente simples. Como variante da integração direta pode-se lançar mão de métodos numéricos, como por exemplo, o método das diferenças finitas ou mais modernamente o método dos elementos finitos. Outra alternativa compreende a utilização de modelos, como, por exemplo, que emprega a analogia elétrica ou os modelos reduzidos. Na Figura 12.2, apresenta-se um exemplo de modelo físico reduzido, que consiste em se instalar dentro de uma caixa de paredes transparentes uma secção reduzida da secção por onde percola a água. Figura 12.2- Modelo físico reduzido de percolação para dentro de uma escavação. Para o traçado das linhas de fluxo, utiliza-se corante colocado em posições determinadas no paramento de montante. Ao ocorrer o fluxo, os corantes vão tingir a água, permitindo que se distingam algumas linhas de fluxo. Paralelamente, a colocação de piezômetros dentro do modelo permite a obtenção das cargas piezométricas em diversos pontos da secção. A partir desses dados, pode-se desenhar a rede pretendida. O fluxo elétrico através de um meio resistivo também é governado pela equação de Laplace. Pode-se fazer, então, uma analogia entre a permeabilidade do solo e a condutibilidade elétrica de um meio qualquer. Monta-se uma secção com chapa condutora e aplicam-se potenciais de carga elétrica que correspondem aos potenciais de carga hidráulica. Através de medidas de queda de potencial ao longo da região onde ocorre o fluxo pode-se determinar algumas equipotenciais. As linhas de fluxo são desenhadas a partir das equipotenciais obtidas. Finalizando este item, destaquemos algumas características da equação de fluxo que nos serão úteis para o traçado das redes de fluxo. A equação de Laplace é satisfeita nas duas famílias de curvas, dadas pelas funções harmônicas conjugadas φ e ψ , as quais podem ser interpretadas fisicamente dentro da região onde se desenvolve o fluxo. A primeira delas φ(x, z) = cte., chamada de função carga hidráulica, obedece a equação φ(x, z) = - K h + c, e a segunda ψ(x, z) = cte., chamada de função de fluxo é definida de maneira que: XVz =∂ ψ∂ e ZVx −=∂ ψ∂ Tubos com corante 4 A função φ(x, z) = cte., representa fisicamente, dentro da região onde ocorre o fluxo, pontos com mesma carga h. As curvas determinadas pela função φ(x, z) = cte. são chamadas de linhas equipotenciais. Por sua vez, a função ψ(x, z) = cte. representa fisicamente a trajetória da água ao longo da região onde se processa o fluxo. Dá-se o nome de linhas de fluxo às curvas determinadas pela função ψ(x, z) =cte. Seja a linha AB da Figura 12.3.a, representativa da trajetória de uma partícula do fluido passando pelo ponto P, com velocidade tangencial V: Da Figura 12.3.a tem-se: dx dz V V tg X Z ==θ ou 0dyVdxV XZ =⋅−⋅ Como z VX ∂ ψ∂= e x VZ ∂ ψ∂−= , resulta 0dz z dx x =⋅∂ ψ∂+⋅∂ ψ∂ ou 0d =ψ e, portanto, ψ = cte. Figura 12.3- Trajetória de uma partícula de fluído Assim, as curvas dadas por ψ = cte. definem as trajetórias das partículas de fluxo, pois em cada ponto elas são tangentes aos vetores velocidades. Observe na Figura 12.3.b que a vazão unitária (q) por cd compreendida entre duas linhas de fluxo (ψC e ψd) é dada por ∫ ψ−ψ=ψ∫ =⋅= ψψψψ dcdc cdX ddzVq o que implica dizer que o fluxo entre duas linhas de fluxo (canal de fluxo) é constante. Outra importante particularidade refere-se aos coeficientes angulares das curvas determinantes das linhas de fluxo e das linhas equipotenciais. Para as curvas ψ(x, z) = cte. tem-se Vx Vz z x dx dz cte =∂ψ∂ ∂ψ∂−= =ψ As curvas φ(x, z) = cte. têm evidentemente dφ = 0 o que implica 5 0dz z dx x =⋅∂ φ∂+⋅∂ φ∂ Z X cte V V z x dx dz −=∂φ∂ ∂φ∂−= =φ Tem-se então que cte cte dx dz 1 dx dz =φ =φ −= Disso resulta que a família de curvas φ(x, z)=cte., é ortogonal a ψ(x, z) = cte.. Assim as curvas da função φ interceptam as curvas da função ψ segundo ângulos retos, ou, em outras palavras, as linhas de fluxo cruzam as linhas equipotenciais segundo ângulos retos. Vale lembrar que para condições de contorno determinadas, a solução de uma equação diferencial é única. Para o caso do fluxo de água através do solo, deve-se ressaltar ainda que a solução independe do coeficiente de permeabilidade do solo; isto é, são condições determinantes apenas as condições limites do problema em questão: variando estas, varia a solução. 4. REDES DE FLUXO As redes de fluxo constituem então uma solução gráfica da Equação do Fluxo, e são formadas pelo conjunto das linhas equipotenciais e das linhas de fluxo. Denomina-se canal de fluxo a região situada entre duas linhas de fluxo. Seja o canal de fluxo apresentado na Figura 12.4.a. Figura 12.4 – Canal de fluxo Segundo a lei de Darcy, a vazão Q no canal de fluxo é dada por: AikQ ⋅⋅= onde l hi ∆= e dbA ⋅= 6 Normalmente, o problema é tratado no plano. Assim a vazão por unidade de comprimento no plano normal ao papel será: d Qq = ou l bhkq ⋅∆⋅= No traçado de uma rede de fluxo, costuma-se fazer b=l. A perda de carga entre duas equipotenciais consecutivas é constante, donde se tem a vazão num determinado canal de fluxo é constante. Ao fazer b=l, e como as linhas de fluxo são perpendiculares às equipotenciais, resulta uma figura formada por "quadrados" de lados ligeiramente curvos, como se representa na Figura 12.4.b. O traçado de uma rede de fluxo consiste basicamente em se desenhar na região de fluxo uma malha de "quadrados" formados por linhas de fluxo e equipotenciais convenientemente escolhidos dentre as infinitas linhas possíveis. O primeiro passo nesse traçado consiste em se estabelecer as condições de contorno ou limites, as quais podem ser englobadas numa situação de fluxo confinado ou de fluxo não confinado, e a direção geral do fluxo para o problema em questão. 4.1 - Fluxo Confinado A Figura 12.5 representa um problema clássico de percolação e nela nos basearemos para expor os princípios das redes de fluxo. Figura 12.5- Percolação de água através da fundação permeável de uma cortina de estacas pranchas. Este problema cai na categoria de fluxo confinado, isto é, as condições limites estão determinadas. Na Figura 12.5.a, estão representadas as condições limites formadas por duas equipotenciais, uma de 7 carga máxima e outra de carga mínima, e por duas linhas de fluxo, situação limite que em geral se repete nos problemas de fluxo confinado. A água evidentemente percolará da esquerda para a direita em função da diferença de carga total existente. A Figura 12.5.b representa a rede de fluxo, constituída de uma malha de "quadrados". Pode-se comprovar, de imediato, duas propriedades características das redes de fluxo: a) as perdas de carga são iguais entre os vários quadrados da rede; b) as vazões através dos vários canais de fluxo são iguais. Para o cálculo da vazão que escoa através do maciço onde ocorre a percolação, observemos novamente a Figura 12.5 b. Nota-se que a rede é formada por nf canais de fluxo (=linhas de fluxo menos um.) e por neq quedas de potencial (=linhas equipotenciais menos um). Através de um canal de fluxo temos: 1b l hkAikq ⋅⋅∆⋅=⋅⋅= Como construtivamente b = l hkq ∆⋅= Em nf canais de fluxo teremos fnhkQ ⋅∆⋅= A carga total disponível (H) é dissipada através das neq equipotenciais, de forma que entre duas equipotenciais consecutivas: eqn Hh =∆ Assim, a vazão total que percola, por unidade de comprimento, é: eq f n n HkQ ⋅⋅= 4.2 - Fluxo Não-Confinado Uma das situações práticas onde é maior o emprego das redes de fluxo é no caso das barragens de terra. A percolação através do maciço compactado enquadra-se no caso do fluxo não confinado, isto é, uma das condições limites não está determinada a priori. Seja a Figura 12.6. Figura 12.6- Percolação através de barragens de terra. 8 Admitindo a fundação impermeável, temos como condição limite a equipotencial de carga máxima-linha AB-, a equipotencial de carga mínima -linha CD-, a linha de fluxo -AC- que limita o fluxo inferiormente. A linha de fluxo que limita o fluxo superiormente chama-se linha freática. A linha freática é uma linha de percolação particular na qual atua a pressão atmosférica e, portanto a pressão piezométrica é nula. A percolação através de barragens de terra foi estudada, entre outros, por Kozeny que propôs uma solução teórica para uma barragem com filtro horizontal a jusante, como se mostra na Figura 12.7. Figura 12.7- Solução teórica de Kozeny – Parábola básica. A solução de Kozeny admite que a rede de fluxo que se forma no problema em questão é constituída por dois conjuntos de parábolas confocais, um deles representando as equipotenciais e o outro as linhas de fluxo. Estabelecida essa solução, é possível adaptá-la para barragens com outras condições de drenagem, o que foi feito por Casagrande, a partir de ensaios em modelos e de estudos teóricos. Assim a solução de Kozeny, conhecida como parábola básica de Kozeny, encontra grande aplicação prática no traçado de redes quando o fluxo é não confinado. 4 3 - Linha Freática A linha freática apresenta uma série de propriedades e particularidades, constituindo o primeiro passo para o traçado da rede em um problema de fluxo não confinado. Para o seu traçado, a condição fundamental é determinar a parábola básica (no Apêndice I, mostra-se um processo gráfico para o traçado da parábola básica). Uma vez traçada a parábola são feitas correções, a sentimento, para corretamente locar a freática. Nessas condições deve-se observar determinadas condições quanto à entrada e à saída da freática do maciço. Na Figura 12.8, apresentam-se as condições de entrada da freática no maciço. 9 Figura 12.8- Condições de entrada da freática Deve-se lembrar, como condição rotineira, que a freática sendo uma linha de fluxo deve ser perpendicular ao talude de montante (que é equipotencial) no seu ponto de entrada. Na Figura 12.9, apresentam-se diversascondições de saída da freática, devendo-se ressaltar que rotineiramente a freática é tangente ao talude de jusante (taludes menores que 900) ou tangente à vertical no ponto da saída, caso haja drenagem. Figura 12.9- Condições de saída de freática. 10 Outra condição a se observar é o ponto de saída da freática. Não havendo drenagem horizontal a jusante (como no problema de Kozeny), o ponto da saída da freática não coincide com o ponto de saída da parábola básica. Casagrande, após observações em modelos, sugeriu a seguinte relação para locar corretamente o ponto de saída da freática (Figura 12.10). Na Figura 12.11, mostram-se a parábola básica e a linha freática obtida após efetuadas as correções necessárias. Por último vejamos as condições de carga na linha freática. Como atua a pressão atmosférica resulta que a pressão piezométrica é nula, então, a carga total corresponde somente a carga de posição. Dessa forma, entre, duas equipotenciais consecutivas, a perda de carga será apenas altimétrica, tal qual se mostra na Figura 12.12. Figura 12.10- Gráfico para locar o ponto de saída da freática. Figura 12.11- Parábola básica e correções para situar a freática. Essa propriedade constitui um dado importante para o traçado da rede, pois uma vez determinada a freática, o próximo passo será dividir a perda de carga em cotas iguais, o que fornecerá os pontos de intersecção entre a freática e as equipotenciais. Evidentemente, o número de perdas de carga a escolher será um problema de tentativas e erros, até que se tenha uma solução que leve em conta os fundamentos das redes de fluxo. Figura 12.12 – Perdas de carga ao longo da freática são altimétricas. Pode-se observar ainda na Figura 12.12, que as equipotenciais são ortogonais à linha freática, o que é obvio, pois que a freática é uma linha de fluxo. 4.4 - Situações Especiais O exposto nos itens anteriores aplica-se aos casos de fluxo estabelecido. Existem algumas situações (enchimento do reservatório; chuvas intensas ou rebaixamento do nível de água do reservatório, por ocasião das épocas de seca) que apresentam redes de fluxo particulares. 11 No caso do enchimento do reservatório, a saturação do maciço é gradativa. Por conseguinte, a linha de fluxo superior, que delimita o fluxo, vai passando por situações intermediárias até se estabelecer o fluxo permanente. Chuvas intensas tendem a alterar os limites de saturação provocando fluxo na região da crista da barragem e no talude de jusante. Por último, talvez a mais importante dessas situações especiais, pois é uma condição crítica para análise de estabilidade da barragem: o rebaixamento rápido do reservatório. Neste caso, forma-se uma nova rede com as linhas de fluxo partindo da freática, conforme se mostra na Figura 12.13. Figura 12.13- Rebaixamento rápido do nível de água do reservatório 4.5 - Recomendações Gerais Pode parecer ao principiante que a melhor solução será obtida por quem tiver maiores pendores artísticos. Na verdade obedecendo às condições teóricas anteriormente estabelecidas, está-se obedecendo às condições da equação do fluxo. Isto conduzirá então a uma solução única, que independe da habilidade artística de quem procura resolver o problema. A seguir enumeram-se vários lembretes e recomendações para o correto traçado de uma rede de fluxo: a) usar todas as oportunidades possíveis para estudar a aparência de Redes de Fluxo bem feitas. Tratar depois de repeti-las, sem ter em mãos o modelo, até obter desenhos satisfatórios; b) usualmente, é suficiente traçar a rede com um número de canais de fluxo entre 3 e 5. O uso de muitos canais dificulta o traçado e desvia a atenção de aspectos essenciais; c) ao principiar o traçado, lembrar que as linhas de fluxo e as equipotenciais deverão ser normais entre si, e que se procura obter uma Figura formada por "quadrados" (é possível resolver o problema desenhando figuras retangulares, porém é muito mais difícil); d) deve-se observar sempre a aparência da rede em conjunto, sem tratar de corrigir detalhes antes que toda ela esteja aproximadamente bem traçada; e) freqüentemente, há partes das Redes de Fluxo em que as linhas de fluxo devem ser aproximadamente retas e paralelas. Nestes casos os canais são mais ou menos do mesmo tamanho e os quadrados vão resultar muito parecidos. O traçado da rede pode ser facilitado se começar por essa zona; f) um erro comum nos principiantes é de desenhar transições muito bruscas entre as partes retas e as partes curvas das diferentes linhas. Deve-se ter presente que as transições devem ser sempre suaves e de forma parabólica ou elíptica; o tamanho dos diferentes quadrados deve ir mudando, também, gradualmente; g) as superfícies de entrada são sempre equipotenciais, por conseguinte as linhas de fluxo devem ser normais a elas; o mesmo ocorre com superfícies de saída horizontais. Porém, superfícies de saída (em contacto com o ar) não horizontais não são nem linhas de fluxo e nem equipotenciais: os quadrados limitados por essas superfícies podem ser incompletos; h) em geral, a primeira adoção de linhas de fluxo pode não conduzir a uma rede integral de quadrados. Pode ocorrer, ao final da rede, que entre duas equipotenciais sucessivas a perda de carga seja uma fração da perda entre as equipotenciais vizinhas anteriores (formam-se retângulos ao invés de quadrados). Geralmente, isto não é prejudicial e esta última fileira pode ser levada em conta no cálculo, observando-se a fração da perda de carga que resultou (relação entre os lados do retângulo). 12 O mesmo tipo de abordagem pode ser aplicado aos canais de fluxo, bastando considerar a parcela da vazão correspondente. Se, por razões de apresentação, se deseja traçar uma malha integral de quadrados, torna-se necessário modificar o número de canais de fluxo, ou por interpelação, ou recomeçando. i) certas condições limites podem ocasionar a intersecção de uma linha de fluxo com uma equipotencial a ângulos maiores que 90o. Tem-se então uma condição particularmente crítica onde a velocidade do fluxo pode provocar erosão e arraste. Tais situações devem ser evitadas ou deve-se providenciar proteção para que tais erosões não ocorram. A Figura 12.14 esquematiza alguns erros mais comuns nos traçados de redes, as correções necessárias e a rede completa. Figura 12.14 – Erros comuns em redes de percolação A Figura 12.15 apresenta várias redes de fluxo, a partir dos quais o aluno poderá principiar a seguir a recomendação a. 13 Figura 12.15- Exemplos de redes de fluxos 5. CÁLCULO DE SUBPRESSÕES E DE FORÇAS DE PERCOLAÇÃO Uma vez determinada a rede de fluxo num maciço, pode-se determinar as pressões neutras devidas à percolação. Em determinadas situações, como por exemplo, sob estruturas de concreto, essas pressões atuarão na base da estrutura exercendo uma força contrária à força normal, o que pode conduzir a estrutura a uma situação instável. Seja a Figura 12.16. A barragem vertedouro aí esquematizada está sujeita à percolação pela sua fundação. Figura 12.16- Rede de fluxo pela fundação de uma barragem vertedouro de concreto e diagrama de subpressões. 14 Para determinar as subpressões atuantes em sua base basta considerar a rede de fluxo e determinar as cargas em diversas posições. Fixemos a referência de nível na superfície impermeável. A perda de carga devida à percolação é h, que será dissipada entre neq equipotenciais, ou seja, entre duas equipotenciais consecutivas dissipa-se h/neq = ∆h. No ponto 0 a carga total disponível é H0 = z0 + h = u0/yw + z0, ou, de outra forma, a carga piezométrica é u0/Yw =h. No ponto l como houveuma perda de carga, teremos: hhzhHzuH 001 W 1 1 ∆−+=∆−=+γ= hh)hh()zz(u 10 W 1 ∆−=∆−+−=γ (no caso, z0 = z1) O raciocínio pode ser estendido aos outros pontos de forma a se obter o diagrama de subpressões ao longo da base da barragem. O problema pode ser resolvido também graficamente. Para tanto basta dividir a perda de carga em parcelas iguais, correspondentes ao número de queda de equipotenciais, e transformá-las em cotas tal qual se representa na Figura 12.16. No ponto 1, por exemplo, a carga de pressão corresponderá à distância vertical entre o ponto e o número de quedas de equipotencial (um no caso). No ponto 5 a mesma situação se repete, bastando observar que ocorreram quatro perdas de carga. Observar que as cargas de posição consideradas positivas acima da RN. A demonstração do processo gráfico fica por conta do leitor. Importante notar que, mesmo que o ponto onde se deseja determinar a pressão neutra não se situe sobre uma equipotencial da rede traçada, os processos aqui descritos também se aplicam. A rigor a rede traçada representa apenas algumas equipotenciais e algumas linhas de fluxo, porém sobre qualquer ponto sempre "passará" uma equipotencial. Seja o ponto P situado entro a 4ª e 5ª equipotenciais. Estimando que a perda de carga até ele seja 4,5 ∆h pode-se determinar, tanto analítica quanto graficamente, a carga de pressão sobre ele: 4 W 4 04 z u h5,4HH +γ=∆⋅−= h5,4h u W 4 ∆⋅−=γ )zzehH( 040 == O exposto anteriormente também se aplica à percolação através de barragens ou taludes naturais. Seja a Figura 12.17. Figura 12.17- Encosta natural sujeita à percolação 15 A carga de pressão no ponto l será dada pela diferença de cotas entre esse ponto e o ponto A, intersecção da equipotencial que passa pelo ponto l com a freática. Os pontos l e A situam-se sobre a mesma equipotencial, portanto, têm a mesma carga total. O mesmo raciocínio se aplica, por exemplo, ao ponto 4, bastando considerar a equipotencial correspondente. Por último, deve-se lembrar que o diagrama de subpressões obtido seja na base de uma estrutura impermeável ou ao longo de uma superfície de ruptura de um talude, tem como resultante um empuxo correspondente à área do diagrama e atua no centro geométrico do diagrama. Outra informação importante obtida a partir da rede de fluxo é a força de percolação. Como já visto no Capítulo VII - 1° Volume, as forças de percolação são originárias da transferência de energia que se processa quando do fluxo de água através do solo. Essas forças são efetivas, têm a dimensão de um peso específico e são tangentes às linhas de fluxo. Na Figura 12.18 o elemento hachurado tem lado a. O gradiente que atua é i = ∆h/a e a perda de carga entre duas equipotenciais consecutivas é ∆h = h/ne, onde ne - número de quedas de equipotencial. Figura 12.18- Determinação da força de percolação a partir da rede de fluxo. Na face de entrada do elemento hachurado atua a pressão: We hn1au γ⋅∆⋅⋅⋅= a.l - área do elemento hachurado n - número de quedas de equipotencial a contar de jusante. Na face de saída a pressão será: ( ) wS h1n1au γ⋅∆⋅−⋅⋅= Isso origina uma pressão u wseu hauu γ⋅∆⋅=−=∆ ou w 2 u a ha γ⋅∆⋅=∆ Como ∆h/a = i e a2 é o volume do elemento, essa diferença de pressões origina uma força de percolação por unidade de volume igual a: wp iF γ⋅= 16 6. TEORIA DA SEÇÃO TRANSFORMADA A percolação na maioria dos casos práticos ocorre em solos anisotrópicos com referência à permeabilidade. Tal decorre seja porque em solos sedimentares bem como nos maciços compactados, por exemplo, ocorre uma orientação das camadas, resultando permeabilidades diferentes em duas direções ortogonais entre si. A equação do fluxo assume a sua forma genérica: 0 z hk x hk 2 2 Z2 2 X =∂ ∂⋅+∂ ∂⋅ )kk( ZX ≠ Para se chegar a equação de Laplace, utiliza-se o artifício de transformar as coordenadas do problema, tal qual se exemplifica na Figura 12.19. No caso a está a Figura em suas dimensões reais e coeficientes kx ≠ kZ. Introduzindo uma nova variável - xt: x Z t k k xx = Z X t k k xx = Pode-se na equação do fluxo obter: 0 z h x h k k 2 2 2 2 Z X =∂ ∂+∂ ∂⋅ Substituindo x vem: 0 z h x h 2 2 2 t 2 =∂ ∂+∂ ∂ que é novamente a equação de Laplace. Figura 12.19- a) seção natural de uma barragem com anisotropia em relação a permeabilidade; b) seção transformada da barragem- isotropia quanto a permeabilidade. Assim o problema se resume a transformar uma das dimensões reais da seção para torná-la isotrópica e poder trabalhar dentro dos conceitos já estipulados. A Figura 12.19.b mostra a seção transformada. É importante notar que qualquer das coordenadas pode ser transformada. A rede de fluxo é desenhada na seção transformada com elementos quadrados e em seguida retorna-se ao problema original desdobrando as dimensões da direção que foi reduzida. Na Figura 12.20 tem-se um exemplo de traçado de rede num problema de seção transformada. Deve-se notar que na seção real as figuras da rede passam a assumir a aparência de retângulos ou losangos, dependendo da relação de permeabilidades. 17 Para o cálculo de vazões permanecem os mesmos conceitos já estipulados, devendo-se considerar a permeabilidade equivalente do sistema (k’): eq f' n n HkQ ⋅⋅= ZX' kkk ⋅= A relação eqf nn é a mesma, tanto na seção transformada quanto na real. Figura 12.20- Rede de fluxo em meio não isotrópico. 7. REDES DE FLUXO EM MEIOS HETEROGÊNEOS No projeto de uma barragem, procura-se conciliar os materiais existentes na região com a seção típica. Assim, é comum projetar a seção típica com materiais de diferentes permeabilidades. Por exemplo, pode-se ter um núcleo argiloso de permeabilidade baixa, abas de material arenoso de permeabilidade mais elevada e ainda a fundação que pode ser formada também por camadas de diferentes permeabilidades. Uma situação desse tipo corresponde a um caso freqüente de percolação através de meios heterogêneos. Para o traçado de uma rede numa situação dessas, permanecem válidas as condições estabelecidas para o fluxo em meio homogêneo, devendo-se acrescentar as condições de transferência das linhas de fluxo de um meio para outro. A transferência de um meio a outro pode ser quantificada como segue. Sejam os meios l e 2 de permeabilidade k1 > k2 (Figura 12.21). 18 Figura 12.21- Transferência das linhas de fluxo entre meios de diferentes permeabilidades. No meio 2 (de permeabilidade menor) os canais devem se alargar para dar passagem a mesma vazão que percolava no canal, no meio 1. Ocorre então uma mudança na geometria do canal de fluxo, determinada pelas relações expressas na própria Figura. No caso contrário (k2 > k1), Figura 12.22, pode-se notar que os canais devem se estreitar no meio 2 para dar passagem à mesma vazão que percola nos canais, no meio 1. Essas condições gerais de transferência estão esquematizadas na Figura 12.23 para várias situações diferentes. O fluxo em meios heterogêneos admite soluções para um mesmo problema que podem diferir na forma, dependendo das premissas que se adotem para a resolução do problema. No que se segue, procura- se apresentar o traçado da rede atendendo a condição de igualdade de vazão nos diversos meios que compõe a secção em estudo. Figura 12.22- Transferência das linhas de fluxo entre meios de permeabilidade diferentes. 19 Figura 12.23- Condiçõesde transferência das linhas de fluxo entre dois meios de permeabilidade diferentes. Essa condição permite o traçado de redes com malha quadrada em cada um dos meios, o que nos parece oferecer menores dificuldades do que as outras maneiras, as quais obrigam soluções que conciliam malhas quadradas e malhas retangulares. O andamento a seguir deverá constituir-se dos seguintes passos: a) dividir a carga total (∆H) em perdas de cargas iguais (∆h). hnH eq ∆⋅=∆ b) traçar o sentimento a linha freática inicial, atentando para as condições básicas de entrada, de saída e de transferência entre meios heterogêneos (Figuras 12.8, 9 e 23). c) traçar redes com malhas "quadradas" para os dois meios, conforme se mostra na Figura 12.24. O número de canais de fluxo no meio l (nf1) será diferente de nf2. Figura 12.24- Malhas “quadradas” nos dois meios de permeabilidade diferente d) calcular a relação k2/k1 da rede construída e compará-la com k2/k1 real. Havendo diferença, experimentar nova freática de acordo com o seguinte critério: se k2/k1 calculado for muito alto, levantar a freática; caso contrário, k2/k1 calculado menor que k2/k1 real, abaixar a freática. e) refazer a rede de fluxo até conseguir um valor compatível com k2/k1 real. Finalizando este item, convém destacar o procedimento que deve ser utilizado no caso de um problema em que além dos meios serem heterogêneos, eles também são anisotrópicos. O procedimento a adotar consiste em primeiro transformar a seção (tornar os meios isotrópicos) em seguida traçar a rede de acordo com exposto neste item; uma vez traçada a rede, voltar à seção real. 20 APÊNDICE I - TRAÇADO DA PARÁBOLA BÁSICA A parábola é uma curva que define o lugar geométrico dos pontos que eqüidistam de uma reta (diretriz) e de um ponto (foco). No caso em questão, conhecem-se dois pontos da parábola, D e F, mostrados na Figura 12.25. Figura 12.25. Construção da parábola básica. Os seguintes passos devem ser seguidos: a) ( )AC41a31DC = b) centro em D e raio DF , determinar o ponto E sobre a horizontal do prolongamento do nível de água. c) vertical por E, determina EG (diretriz) d) dividir GF ao meio → ponto N e) vertical por N → segmento MN f) dividir MN e DM em partes iguais g) unir pontos de divisão de DM ao ponto N h) horizontais pelos pontos de divisão de MN i) intersecção dos segmentos correspondentes → pontos de parábola básica. As correções necessárias para locar completamente a freática estão apresentadas no item 4.2. Os esquemas a seguir (Figura 12.26) apresentam algumas posições rotineiras dos focos F necessários para o traçado da parábola básica. 21 Figura 12.26- Algumas posições de foco (F) em Barragens de Terra. EXEMPLO 12.1 Determinar a vazão que percola pela fundação da cortina de estacas prancha representada na Figura 12.5 e a pressão neutra no ponto M da fundação. Dados: H = 10m, k =10-3 cm/s. eq f n nHkQ ⋅⋅= 5161LFn f =−=−= 101111LEn eq =−=−= A vazão que percola será: msm105 10 51010Q 355 ⋅⋅=⋅⋅= −− No ponto M teremos, fixando a referência de nível sobre a rocha impermeável: hxHoH M ∆⋅−= m5,3z0 = 10 10 n Hh eq ==∆ m8,1z M = x = 8 quedas de equipotencial Substituindo: w/uzH MMM += hxu)zz(u 0M0M ∆⋅−+−= w/uzH 000 += 1810)8,15,3(u M ⋅−+−= m10Hu 0 == 2M mtf70,3u = EXEMPLO 12.2 Determinar a vazão que percola pela fundação da cortina representada na Figura 12.20. Assumir H = 10m e kV = 10-3cm/s. Quando kh = kv = 10-3cm/s temos 22 msm105 6 31010 n nHkQ 355 eq f ⋅×=⋅⋅=⋅⋅= −− Quando sm104k4k 5Vh −×== eq f' n nHkQ ⋅⋅= sm10210104kkk 555Vh' −−− ×=××=⋅= msm10 6 310102Q 345 ⋅=⋅⋅×= −− Quando sm109k9k 5Vh −×== sm103k 5' −×= msm105,1Q 34 ⋅×= − SINOPSE 1. O fluxo de água através dos solos é regido pela equação de Laplace e os problemas são geralmente tratados em duas dimensões (plano). 2. Das várias maneiras de se resolver a equação do fluxo, a mais usual consiste no processo gráfico chamado de REDES DE FLUXO. 3. As redes de fluxo são formadas por malhas de "quadrados" ligeiramente curvos. Nessas malhas distinguem-se as linhas de fluxo e as linhas equipotenciais. 4. A região delimitada por duas linhas de fluxo é chamada de canal de fluxo. Numa rede as vazões através dos vários canais são iguais. 5. Entre duas equipotenciais sucessivas as perdas de carga são iguais e constituem uma fração da carga total disponível 6. As linhas de fluxo interceptam as linhas equipotenciais segundo ângulos retos. 7. As redes de fluxo permitem determinar: a) as perdas de água por percolação; b) as pressões neutras na região onde se dá a percolação; c) os gradientes hidráulicos e as forças de percolação. 8. Para o traçado de uma rede é necessário conhecer: a) a direção geral do fluxo; b) as condições limites do problema. 9. Num problema de fluxo confinado as condições limites já estão estabelecidas: em geral duas linhas de fluxo e duas linhas equipotenciais. 10. Nos problemas de fluxo não confinado a condição limite que resta determinar é a linha (em contato com o ar) que delimita o fluxo - LINHA FREÁTICA. 11. Propriedades da LINHA FREÁTICA a) está sob pressão atmosférica, portanto a pressão piezométrica ao longo dela é nula; b) em conseqüência as perdas de carga são apenas altimétricas; c) é normal ao talude de montante numa barragem permeável; d) é tangente ao talude de jusante na saída do talude; e) é tangente à vertical no ponto de saída, caso haja drenagem à jusante.
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